Mas os gritos e o riso selvagem que vinham da praça do mercado de escravos o fizeram parar de repente. No meio da multidão imunda, cinco mulheres Apache estavam penduradas de cabeça para baixo em uma viga de madeira. Seus corpos estavam cobertos de marcas de chicote e hematomas, como se alguém as tivesse transformado deliberadamente em uma lição viva para toda a cidade.
Um calafrio percorreu a espinha de Rowan, mas não foi a brutalidade da cena que o paralisou. Foi a tatuagem de um Pássaro Trovão no pulso da irmã mais velha. Um símbolo sagrado, que havia sido gravado em sua própria pele por uma mulher Churikawa que o arrastara para fora de uma casa em chamas cinco anos atrás. Aquela que salvara sua vida e o fizera um homem em dívida eterna com ela.
O coração de Rowan batia tão forte que quase o sufocou. Isso não podia ser uma coincidência. Era uma sentença entregue pelo próprio destino.
“Quanto?” Rowan perguntou. Sua voz era baixa e rouca.
O traficante de escravos olhou para ele como mais um abutre circulando o deserto. “Todas as cinco? Você poderia trabalhar a vida inteira e nunca conseguiria pagar por elas.”
Rowan abriu sua bolsa de couro e despejou cada última moeda que havia economizado ao longo dos anos. As peças de prata caíram no chão empoeirado com um tilintar que soou como o rompimento de correntes. “É o suficiente?” Rowan perguntou.
A multidão silenciou.

Rowan conduziu as cinco mulheres Apache para fora de Dust Ford antes que o pôr do sol atingisse as montanhas. Ninguém disse uma palavra. Tudo o que se ouvia era o ritmo constante dos cascos, a respiração ofegante de corpos que acabavam de escapar da tortura, e o vento do deserto cortando seus ouvidos como se tentasse apagar todas as memórias.
Quando chegaram ao rancho de Rowan, uma casa de madeira solitária no meio da vasta imensidão, o sol havia se reduzido a uma mancha vermelho-sangue no horizonte. Ele as ajudou a descer. Apenas desamarrou as cordas e se afastou. Elas não o agradeceram. Ficaram em fila, como guerreiras feridas, ainda agarradas à sua dignidade.
Rowan acendeu uma fogueira, ferveu água e colocou bandagens sobre a mesa. “Este lugar é seguro. Descansem,” disse ele, sua voz baixa e firme. Em seguida, ele saiu, deixando-as cuidar umas das outras.
A noite caiu rápido. O deserto ficou tão frio e silencioso que Rowan sentou-se na varanda, a arma ao lado, atento. Lá dentro, os sussurros começaram. Sahal, a irmã mais velha, falou. “Este homem não é um traficante de escravos. Ele viu a marca do Pássaro Trovão.”
Nahima sufocou um gemido. “Por que ele nos salvou?”
Liria, a mais ousada, disse friamente. “Nenhum homem branco jamais tem uma boa razão.”
Kia, a mais jovem, sussurrou em meio às lágrimas. “Se todas nós morrermos, quem encontrará nossos filhos?”
Essa frase fez Rowan, ainda na varanda, cerrar o punho. Ele captou as palavras: encontrar nossos filhos.
Um momento depois, Sahal saiu. “Você,” ela disse secamente. “Por que você nos salvou?”
Rowan não hesitou. “Porque tenho uma dívida. Uma mulher Churikawa salvou minha vida uma vez. Quando vi a marca na sua mão, eu soube que tinha que fazer o que era certo.”
Nahima saiu atrás dela. “Essa dívida foi paga no momento em que saímos de Dust Ford. Você não precisa nos manter aqui.”
Rowan olhou para as cinco mulheres. “Eu não estou mantendo vocês. Apenas imaginei que cinco mulheres que acabaram de ser torturadas talvez precisem de uma noite de sono sem serem espancadas.” Houve uma pausa. Pela primeira vez, Sahal olhou para ele sem hostilidade.
“Vão dormir,” disse Rowan. “Pela manhã, se quiserem partir, prepararei os cavalos.” Ele se virou.
A aurora surgiu. Rowan estava no pátio, preparando café. A porta de madeira rangeu. Sahal e Nahima saíram primeiro, eretas, embora seus corpos ainda tremessem. Ele entregou a cada uma delas água e um pedaço de pão duro. “Vai fazer mais calor hoje,” ele disse.
Sahal olhou para ele por um longo tempo. “Temos que ir,” disse ela.
“Cinco pessoas, cavalos, estrada longa. Vocês não vão conseguir a pé,” Rowan respondeu.
Liria cruzou os braços. “Não viemos aqui para implorar.”
Rowan riu. “Eu sei. Mas vocês são pessoas feridas, não fracas.”
Eles partiram. Rowan percebeu que estavam se movendo diretamente para o sul, para um território infestado de traficantes. “Vocês não estão voltando para casa?” Rowan perguntou.
Sahal parou. “Não nos restou lar.”
Nahima falou. “Quinze crianças,” disse ela. “Elas foram levadas há três dias. Traficantes invadiram nossa aldeia. Se não os alcançarmos em sete dias, eles vão desaparecer.”
Rowan sentiu o pulso martelando em seus ouvidos. “E vocês cinco planejam andar centenas de quilômetros apenas para procurar por rastros?”
Sahal lhe lançou um olhar que era ao mesmo tempo orgulhoso e desesperado. “Quinze crianças. Cinco delas são nossas.”
Rowan congelou. Uma mãe que perde seu filho pode se tornar a força mais forte da Terra. Ele se lembrou da tatuagem do Pássaro Trovão, lembrou-se da mulher que o puxara da beira da morte.
“Eu vou com vocês,” Rowan disse. “Até encontrarmos todas as quinze crianças.”
As cinco mulheres olharam para ele, assustadas. O caminho manchado de sangue que estavam prestes a trilhar começou naquele exato momento.
O deserto do sul parecia uma criatura viva. Rowan liderava, mas era Amita quem fazia o rastreamento. “Estão com pressa,” ela disse, tocando uma linha na areia. “Querem cruzar a fronteira em três dias.”
“Um grupo inteiro com crianças não pode se mover tão rápido,” Rowan franziu a testa.
“Podem,” disse Nahima. “Se não os tratarem como crianças.”
Ao meio-dia, eles chegaram a um aglomerado de cabanas abandonadas, estacas de madeira carbonizadas e poças escuras de sangue seco. Liria se ajoelhou e pegou uma pulseira de ossos. “Mikis,” sua voz estremeceu. “Da minha filha.”
No final da tarde, de um cume rochoso, Rowan avistou sinais de um acampamento temporário. Um cobertor de bebê rasgado ao meio. Kia apertou o pedaço de tecido contra si. “Meu bebê estava aqui na noite passada.” Ninguém respondeu. Todos ouviram a mesma coisa: urgência.
Pela meia-noite, o problema finalmente chegou. Três caçadores de recompensas. Rowan avançou, protegendo as mulheres. “Ninguém será entregue.”
O homem cuspiu. “Você planeja morrer por elas?”
Nahima não esperou. Ela avançou como uma tempestade repentina, pegou sua faca e traçou uma linha limpa em sua garganta. O segundo homem não conseguiu dizer uma palavra antes que Sahal o derrubasse. Liria cravou uma flecha no terceiro.
Rowan soltou um suspiro. “Eles não vão se esquecer disso.”
Sahal olhou para ele, seus olhos em chamas. “Nós também não vamos nos esquecer dos nossos filhos.” Eles seguiram em frente, deixando três corpos para trás. A partir daquele momento, Rowan soube que eles estavam em guerra.
Na terceira noite, pararam ao lado de um desfiladeiro estreito. O medo havia mudado de forma. Não era mais o medo do deserto, mas o medo de ficar sem tempo.
Rowan observou seus rostos magros. Ele não podia deixar o passado enterrado ficar mais tempo.
“Sahal,” ele disse, entrando na luz do fogo. “Há algo que preciso contar a todas vocês.” As mulheres congelaram.
“Eu estava lá,” ele disse lentamente. “No dia em que sua aldeia foi queimada.”
O ar instantaneamente se transformou em gelo. Liria se levantou num salto. Nahima’s mão foi para sua lâmina.
“Continue,” Sahal disse, com olhos frios.
“Quando eu era jovem, eu cavalgava com um grupo de mercenários. A missão era exterminar uma tribo, tomar suas terras.” O vento do deserto pareceu parar. “Eu vi casas queimando. Eu vi crianças sendo arrastadas. Eu não toquei em ninguém, mas eu estava lá. Eu não fiz nada.”
Nahima rosnou. “Não fazer nada ainda é um crime.”
Rowan assentiu. “Eu sei.” Ele respirou fundo. “Quando percebi que não era um ataque, mas um massacre, eu me voltei contra eles. Fui espancado, queimado e deixado no fogo.” Ele olhou diretamente para Sahal. “E quem me tirou de lá foi uma mulher Churikawa. A mãe de uma de vocês.”
“Você mente.”
Rowan arregaçou a manga. A Marca do Pássaro Trovão gravada em sua pele brilhou em vermelho sob a luz do fogo.
Sahal avançou. Ela disse apenas uma frase, suave como o vento, afiada como uma lâmina. “Você não morreu no fogo. Então, agora você deve viver para pagar por isso.”
Rowan assentiu. “Até encontrarmos todas as quinze crianças. Eu sou de vocês.”
A quarta manhã lançou uma luz dourada pálida. Amita foi quem encontrou a nova trilha: rastros profundos de um vagão de carga pesado. “Estão mudando o acampamento. Mais rápido do que nós.”
No final da tarde, eles ouviram o motor a vapor de um transportador. Rowan os guiou ao redor de um afloramento rochoso e congelou. Um antigo forte do exército, mercenários, e dois vagões de carga. O som de crianças chorando ecoava lá de dentro.
Liria agarrou seu arco. “Estão lá dentro.”
“Nós entramos,” Nahima disse.
Rowan escaneou a área. “Pelo menos doze homens, totalmente armados. Se atacarmos de frente…”
“Eu não pedi sua opinião,” Nahima retrucou.
“Se vocês morrerem aqui,” Rowan disse. “Quem encontrará seus filhos? Quem protegerá os outros dez?”
Sahal olhou para ele, com cálculo. “Você tem um plano?”
Rowan assentiu. “Atacar por três direções. Eu distraio no portão. Amita e Liria sobem o muro norte. Nahima e Kia se esgueiram por trás e encontram as crianças. Eu detono uma explosão para causar pânico.”
Sahal deu um pequeno aceno de cabeça.
Quando o sol mergulhou, eles se moveram. Rowan disparou o primeiro tiro no barril de bebida. Boom. Uma explosão estrondosa rasgou o desfiladeiro. Os mercenários entraram em pânico. Amita e Liria escalaram o muro. Nahima e Kia escorregaram pela abertura traseira.
Rowan sozinho atraiu a atenção deles, rifle na mão. Ele era um homem pagando por cada grito que ecoava. Quinze crianças foram puxadas da última sala escura. As cinco mães desabaram, segurando seus filhos.
Rowan, ofegante, encostou-se à parede. O cheiro de pólvora no vento carregava o aviso que ele mais temia. Os cascos do Esporão Negro estavam chegando.
O vento do deserto avisou que predadores haviam sentido o cheiro de sangue. Rowan foi o primeiro a ouvir o bater dos cascos, o ritmo dos homens que costumavam cavalgar ao lado dele. Cassian Briggs, o líder, desmontou com um sorriso bestial.
“Rowan, saudações. E aqui está você lutando por estas selvagens.”
Rowan simplesmente avançou, colocando-se entre os mercenários e as crianças. “Entregue-as,” Cassian disse. “Há um preço alto.”
As cinco mulheres sacaram suas armas. “Vão para trás. Protejam as crianças,” Rowan falou.
“Não. Nós lutamos juntas,” Sahal disse.
Cassian puxou o gatilho. A bala rasgou o ar, mirando Sahal. Rowan se atirou, empurrando-a. A bala rasgou seu peito. Rowan desabou, o sangue florescendo brilhante e rápido.
“Rowan!” O grito de Sahal irrompeu dela. Ela se ajoelhou, aninhando-o. “Você está vivo. Isso é suficiente,” ele sussurrou.
Cassian deu a ordem. O Esporão Negro avançou. Sahal deitou Rowan, seus olhos mudando de dor para algo ardente, profundo e antigo. A Marca do Pássaro Trovão em seu pulso se acendeu, brilhando.
Nahima ofegou. “Sahal, poder de mãe.”
Sahal pressionou a mão contra a ferida de Rowan. Uma luz azul suave se espalhou, carregada pelo vento uivante. Eram os espíritos Kirikahua respondendo ao chamado de uma mãe guerreira. Ao mesmo tempo, Nahima, Liria, Amita e Kia avançaram como cinco pequenas tempestades. O Esporão Negro caiu um por um.
Sahal permaneceu ao lado de Rowan. “Não morra,” ela sussurrou. “Não quando eu ainda lhe devo, e você ainda me deve.”
A luz lentamente se apagou. Rowan respirou novamente, fraco, mas aquecido. Ela havia salvado o homem que carregava a culpa de um genocídio. Duas vezes. Agora, seus destinos estavam para sempre ligados. O último membro do Esporão Negro estava morto. A batalha final havia terminado.
O vento do deserto após a batalha carregava o cheiro de pólvora e terra quente. Rowan sobreviveu, com o poder da Marca do Pássaro Trovão e o cuidado constante de Sahal.
Quando Rowan pôde se levantar, as quinze crianças estavam correndo livremente pelo pátio do rancho, suas risadas borbulhando como um riacho fresco.
“Não podemos voltar para nossa antiga tribo,” Nahima disse.
“Então fiquem,” Rowan disse. “Este lugar já foi um lar para um homem solitário. Agora pode ser um lar para todos.”
Sahal olhou para a vasta terra aberta. “Lar da Manhã,” ela sussurrou. O nome se escolheu sozinho.
Eles começaram a reconstruir. Não à maneira do homem branco, nem inteiramente nos costumes Apache, mas em uma nova forma, um lugar para os perdidos. Rowan ensinou as crianças a montar a cavalo. Sahal ensinou-lhes a ouvir o vento e respeitar o espírito da terra. Nahima treinou os mais velhos a segurar um arco.
Em uma noite sem lua, Rowan estava com Sahal na colina de areia. “Eu não mereço isso.”
Sahal colocou a mão no peito dele. “Nenhum de nós merece,” ela disse. “Mas nós escolhemos um ao outro.”
Eles ficaram ali. A paz não é encontrada. Ela é construída dia após dia, escolha por escolha, ferida por ferida.
Na manhã seguinte, uma chuva leve, rara como ouro puro, caiu sobre o Lar da Manhã. As crianças riram. Rowan e Sahal ficaram lado a lado.
O Lar da Manhã era a prova de que mesmo um coração outrora incendiado pode renascer. Porque, no final, a esperança não morre enquanto alguém ousar mantê-la viva.