O rugido da turba no coração de Deadwood, Dakota do Sul, em 1885, era o som usual da ganância e do desespero. No entanto, naquela tarde de outono, o som carregava um peso particularmente fétido: o leilão de uma alma inocente. Cordelia May, de apenas 17 anos, sentia as cordas à volta dos seus pulsos a arderem, mas a vergonha que lhe queimava o peito era uma dor muito mais profunda [00:00].
No estrado improvisado na rua principal, o seu pai, Jeremiah Whitmore, um homem cuja vida tinha sido consumida pelas más escolhas e pelo vício do jogo, gritava para a multidão lasciva: “É pura, intocada e forte como um boi! A licitação começa em 50 dólares” [00:25]. O preço: o montante exato necessário para cobrir a dívida que Jeremiah devia a Malachi Voss.
Voss, a personificação da Morte montada num cavalo negro, observava Cordelia como se fosse gado. O seu sorriso, uma cicatriz de crueldade, era a última coisa que a jovem via antes de o seu destino ser selado [00:40]. Três meses antes, Voss tinha emprestado dinheiro para salvar o rancho em ruínas dos Whitmore; agora, com juros e penalidades, a dívida ascendia a 200 dólares [00:53]. Um montante irrecuperável para Jeremiah, mas uma bagatela para Voss, que já planeava revender a jovem num bordel em Denver pelo triplo do lucro [03:18].
A alma de Cordelia, para todos os efeitos, era uma mercadoria prestes a ser reclamada. As propostas surgiam rapidamente—60, 75, 120 dólares [01:04]. Cada número era um prego no seu caixão. O vento chicoteava o seu longo cabelo castanho, e ela procurava freneticamente um rosto decente na multidão de homens sujos e famintos. Eram homens que não procuravam uma esposa, mas sim “algo muito pior” [01:21]. A sua respiração tornava-se superficial; a realidade de pertencer a um daqueles animais estava a minutos de distância.
O Rancho e os 200 Dólares
Foi no auge do seu desespero que Cordelia o notou [01:33]. Distante da turba, na parte de trás, estava um homem alto, envolto num casaco preto gasto, estranhamente imóvel no meio do caos. Ao contrário dos outros, ele não gritava; observava com a intensidade silenciosa de um falcão [01:44]. Quando o estranho finalmente se moveu, a multidão abriu caminho.
Mais perto, Cordelia pôde ver o seu rosto: marcado pelo sol e pelo vento, e uns olhos cinzentos de aço que pareciam perfurar a alma de uma pessoa [02:05]. Malachi Voss, o cínico, sentiu o sorriso desaparecer pela primeira vez naquele dia.
O homem misterioso parou em frente ao estrado. Sem dizer uma palavra, tirou uma bolsa de couro que tilintava com o peso da prata [02:42]. E então, a sua voz, fria e firme como uma lâmina de seda, cortou o barulho: “200 dólares.” [02:56]
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. 200 dólares. Era o montante exato da dívida de Jeremiah, não deixando margem para o lucro que Voss procurava. A jogada, perfeita na sua simplicidade, neutralizou o esquema do predador.
Voss, com o rosto vermelho de raiva, tentou renegociar, com a mão a pairar sobre o punho da pistola [04:15]. O estranho, no entanto, sorriu – não um sorriso caloroso, mas o de um lobo prestes a atacar. “Tenciona sacar dessa arma, Sr. Voss?” [04:35] A ameaça velada era clara. Voss, que baseava a sua reputação na intimidação de agricultores e lojistas, e não no confronto com pistoleiros profissionais, congelou. Todos os seus instintos lhe gritavam que desafiar este homem calmo seria um erro fatal [04:47].
Voss aceitou a proposta, a sua voz muito mais fraca do que antes [05:04]. O estranho, Thaddius Crow, que a maioria chamava de “Silêncio” [06:10], colocou o dinheiro nas mãos trémulas de Jeremiah. À medida que as cordas caíam dos pulsos de Cordelia, ela sentiu a pele em carne viva, mas o seu olhar era para o seu salvador, um homem que não tinha falado muito, mas cuja ação valia mais do que mil palavras [05:11].
Ele virou-se para a multidão. “Esta rapariga está sob a minha proteção. Quem tiver um problema com isso pode resolvê-lo comigo pessoalmente” [05:36].
O pai de Cordelia, ainda agarrado ao dinheiro, gaguejou a sua gratidão. Mas o olhar de Silêncio tornou-se frio como o aço de inverno. “Estavas prestes a vender a tua própria filha para pagar uma dívida de jogo, Whitmore. Não esperes gratidão. Vendeste a alma da tua filha para salvar a tua própria pele” [06:32].
A Promessa Quebrada e a Escolha da Dignidade
Sozinha no mundo, Cordelia confrontou o seu salvador. “O que acontece comigo agora?” [07:22]
Silêncio, após um momento de reflexão, ofereceu-lhe um lar no seu rancho, a 10 milhas a norte de Deadwood [07:47]. Em troca, pedia ajuda na cozinha e na limpeza.
A suspeita de Cordelia era natural: os homens queriam sempre algo em troca. Mas Silêncio explicou-lhe a sua motivação, revelando a cicatriz de uma dor antiga. “Alguém devia ter ajudado a minha irmã quando ela precisou. Ninguém o fez, e ela pagou o preço” [08:21]. A sua honestidade crua desarmou Cordelia. A irmã de Silêncio tinha morrido. Esta era uma redenção, não um negócio. O seu conselho final, no entanto, continha a sabedoria amarga do Velho Oeste: “Não tenhas pena. Sê inteligente. Confia com cuidado e tem sempre uma saída” [10:33].
À medida que se aproximavam do rancho, um lugar modesto, mas que parecia honesto e seguro, o perigo que tinham deixado para trás na cidade regressou [10:43]. A porta da frente estava escancarada. Alguém tinha entrado.
A tensão aumentou [11:03]. Silêncio e Cordelia rastejaram, armados, para dentro de casa, apenas para encontrarem o caos: móveis virados, loiça partida e uma mensagem sinistra escrita com tinta vermelha na parede principal: “Ela pertence-me. Voss.” [12:35]
Malachi Voss não procurava mais dinheiro; era pessoal. Queria vingança e, acima de tudo, queria o que considerava a sua propriedade. Silêncio, com a mandíbula crispada, sabia que Voss iria queimar tudo o que lhe era querido para a levar [12:49].
Cordelia, atormentada pela culpa, ofereceu-se para fugir. “Isto é culpa minha. Eu devia ir-me embora.”
“Ele vai caçar-te como um cão,” interrompeu Silêncio. “Voss não perdoa nem esquece. Fugir só fará de ti um alvo mais fácil” [13:17]. O rancheiro pegou numa espingarda e munições de um compartimento escondido no chão. “Nós preparamo-nos para a guerra” [13:35].
Silêncio confrontou Cordelia com a pergunta definitiva: “A questão é: por que estás disposta a morrer?” [13:57]
A resposta dela, três horas depois de ser vendida como gado, foi a sua declaração de independência. “Estou disposta a morrer para manter a minha dignidade,” disse ela, com a voz firme. “E estou disposta a morrer por alguém que me viu como mais do que apenas propriedade para ser comprada e vendida” [14:18].
O Julgamento pelo Fogo
Os seis homens de Voss chegaram em breve, cercando a casa [15:17].
O ataque foi brutal, com Voss a ordenar aos seus homens que incendiassem o rancho [16:09]. Bala após bala rasgava as paredes de madeira. Cordelia, no meio do cheiro a fumo e vidro partido, seguiu o treino que a mãe lhe tinha dado na infância [15:03]. Quando um homem barbudo invadiu a porta das traseiras, Cordelia não hesitou, disparando duas balas certeiras no seu peito. “Bom tiro,” disse Silêncio, sem desviar os olhos da sua mira [17:14]. Ela tinha acabado de matar um homem, mas o medo foi substituído por uma determinação feroz [17:07].
Com as chamas a espalharem-se e o fumo a tornar-se insuportável, Silêncio lembrou-se do túnel de fuga [18:41]. Rastejaram, lado a lado, pelo túnel húmido e estreito, uma relíquia da Guerra dos Índios, que os levou ao celeiro [19:12].
A decisão final foi tomada à luz fraca da noite. Silêncio iria flanquear os homens de Voss. Cordelia, por sua vez, deveria fugir para a cidade e chamar o xerife [20:20].
“Não te vou deixar sozinho para os enfrentar,” recusou Cordelia. “Cinco contra um não é uma boa probabilidade, mas não é melhor do que cinco contra dois quando um de nós não é um pistoleiro. Mas sou boa atiradora, e estou cansada de fugir” [20:31]. A sua teimosia, baseada numa nova coragem, convenceu-o [21:01].
Eles formaram uma equipa mortal. Silêncio desapareceu nas árvores, e Cordelia posicionou-se perto da porta lateral do celeiro [21:37].
Lá fora, os homens de Voss, rindo e trocando uma garrafa, observavam o rancho a arder, convencidos de que os seus alvos estavam mortos [21:56]. Então, o assobio de Silêncio cortou o ar [22:17]. Cordelia abriu fogo, enquanto Silêncio atacava da escuridão [22:24]. A surpresa foi total. Em minutos, apenas Voss permaneceu em pé, com os seus homens caídos ou a rastejar [23:06].
No confronto final, Voss tentou intimidar o rancheiro, ameaçando com amigos poderosos de Denver [23:27].
“Saca da arma, Voss,” disse Silêncio, com a morte nos seus olhos [23:35].
Voss hesitou. Era um valentão, não um lutador leal. “Não vou sacar, Crow. Mas isto não acabou.”
“Sim, acabou,” respondeu Silêncio [23:56]. O seu tiro foi fatal. Malachi Voss caiu no pó, olhando para as estrelas que nunca mais veria [24:03].
Mais do Que Ouro, Mais do Que Terra
Quando os ecos do tiro desapareceram, Cordelia sentiu as pernas cederem. A sua vida tinha sido destruída e reconstruída no espaço de poucas horas [24:09]. Silêncio ajudou-a a levantar-se [24:22]. Ao olhar para os seus olhos cinzentos, ela viu algo que nunca tinha visto antes: paz.
“Acabou,” ele disse, simplesmente [24:28].
A casa ainda ardia, mas eles estavam vivos, e estavam livres. Cordelia, pela primeira vez desde a morte da sua mãe, sentia que tinha um futuro pelo qual valia a pena viver [24:36].
Três meses depois, na pequena igreja de Deadwood, o destino forjado no fogo e no sangue foi selado. Cordelia May tornou-se Cordelia Crowe [24:42]. Nas cinzas daquele dia terrível, ela encontrou algo que nunca esperou: um homem que a via como mais do que propriedade, e uma casa onde a dignidade tinha um preço, mas não podia ser comprada – apenas conquistada com coragem e por alguém disposto a sacrificar tudo por aquilo que é justo [24:49].
A história de Cordelia Crowe e Thaddius Crow perdurou, um testemunho silencioso de que, mesmo no Oeste Selvagem, o verdadeiro valor de uma vida e a busca pela dignidade podiam ser mais poderosos do que a ganância e a crueldade.