A menina escrava de 7 anos condenada à forca por roubar uma maçã… O que aconteceu depois…

No sufocante verão de 1847, no Recôncavo Baiano, uma menina de 7 anos chamada Joana estava prestes a cometer um ato que a levaria ao patíbulo. Não era uma criminosa, não era uma ameaça, era simplesmente uma escrava faminta que ousou pegar uma maçã caída no chão.


Se esta história te impacta tanto quanto nos impactou ao pesquisá-la, se inscreve agora e ativa o sininho. Este é um testemunho que não pode ser esquecido. Fica até o final. O que aconteceu desafiou todas as expectativas. O recôncavo baiano era o coração da riqueza açucareira do Brasil imperial. Em 1847, a província da Bahia tinha mais de 167.000 pessoas escravizadas, a segunda maior concentração do país.
As fazendas de cana de açúcar eram verdadeiras cidades autônomas, onde a crueldade era sistemática e legitimada pelas leis imperiais. O engenho Santo Antônio, propriedade do senhor de Engenho Coronel Antônio José de Almeida, se estendia por 600 haares de terras férteis próximas à cidade de Cachoeira. Ali viviam 184 pessoas escravizadas que trabalhavam desde o amanhecer até o anoitecer sob o calor escaldante do Nordeste brasileiro.
Joana havia nascido naquele mesmo engenho em 1840. Era filha de Maria, uma mulher que trabalhava na Casagrande como Mucama, servindo diretamente a família Almeida. Joana nunca conheceu seu pai, vendido para uma fazenda de café no Vale do Paraíba antes dela completar um ano.
Prática comum que separava família sem qualquer consideração. Aos 7 anos, Joana já trabalhava. As crianças escravizadas começavam suas atividades entre 5 e 7 anos, realizando tarefas como espantar urubus dos currais, carregar água, cuidar dos filhos pequenos dos senhores e ajudar na cozinha.
O sistema de alimentação nos engenhos do recôncavo era brutalmente inadequado. Cada pessoa escravizada adulta recebia semanalmente cerca de 3 a 4 L de farinha de mandioca, feijão velho, ocasionalmente shark, carne seca de baixa qualidade. Para as crianças, as porções eram ainda menores. Joana e Maria recebiam juntas uma ração e meia. A farinha de mandioca era a base de tudo. Faziam pirão, angu e beiju.
A comida era monótona, insuficiente e carente de nutrientes. Não havia frutas frescas para as crianças, exceto quando conseguiam pegar sobras ou colheras escondidas nas roças. Era um sábado de fevereiro. O calor ultrapassava os 38ºC e a umidade tornava o ar quase irrespirável.
Joana havia trabalhado desde as 5 da manhã, ajudando a cozinheira da Casagrande a preparar o café da família Almeida. Suas pequenas mãos estavam queimadas do fogão à lenha e doloridas de carregar panelas pesadas. Ao meio-dia, enquanto os senhores descansavam nas redes da varanda com suas camisolas de linho branco e leques de palha, Joana passou pelo pomar reservado exclusivamente para a família do coronel.
Ali, maciiras importadas de Portugal a alto custo produziam frutas vermelhas e raras, um luxo extraordinário no clima tropical da Bahia. As macieiras eram guardadas com zelo absoluto. Cada fruta valia mais que o salário mensal de um trabalhador livre. Joana não comia nada desde a noite anterior, apenas um punhado de farinha seca e água do açude.
A tontura da fome e do calor a fez cambalear. Naquele momento, viu uma maçã caída sob a árvore, meio escondida entre as folhas secas. Olhou ao redor o feitor Mor, um homem brutal chamado João Pereira, conhecido por usar o bacalhau, chicote de couro trançado, sem provocação, não estava vista. Os demais trabalhadores estavam nos canaviais distantes.
Joana se ajoelhou, pegou a maçã com suas mãos pequenas e deu uma mordida desesperada. O suco doce e refrescante explodiu em sua boca seca. Por um breve momento, só existiu aquele sabor, aquela sensação de algo mais que eterna farinha dura. Ela deu um segundo mordida, depois uma terceira. Sua ladra. A voz do feitor João Pereira cortou o ar como um raio. Joana congelou.
A maçã caiu de suas mãos trêmulas. O feitor avançou em sua direção com bacalhau enrolado na mão direita e uma expressão de fúria calculada em seu rosto marcado pelo sol. Roubando da propriedade do senhor. Sabe o que acontece com o ladrão? Joana não conseguiu responder. O terror a deixou muda enquanto as lágrimas começavam a rolar por seu rosto sujo de terra.
Pereira agarrou pelo braço com força brutal, levantando-a do chão. Joana gritou de dor. Vamos ver o que o coronel Almeida vai dizer sobre isso. Pereira arrastou Joana pelo caminho de pedras portuguesas em direção à Casagre. Outros escravizados observavam com horror silencioso, sabendo que qualquer intervenção resultaria em seu próprio castigo severo. A mãe de Joana, Maria, estava dentro da casa preparando o almoço e não viu nada.
O coronel Antônio José de Almeida estava em seu escritório revisando os livros de contabilidade do engenho quando Pereira bateu a porta. O senhor de Engenho, homem de 58 anos, com reputação de ser justo, mas firme segundo os padrões da elite açucareira, levantou a vista com irritação. Coronel Almeida, peguei esta negrinha roubando maçãs do seu pomar.
Com meus próprios olhos vi. Almeida se levantou lentamente, estudando a menina aterrorizada que tremia diante dele. No Brasil imperial de 1847, o Código Criminal do Império de 1830 e as leis complementares sobre escravidão eram explícitas e brutais. As pessoas escravizadas eram consideradas propriedades sem direitos civis fundamentais, mas o roubo, mesmo por uma criança escravizada, era visto como um ato de desafio intolerável que ameaçava todo o sistema. Os senhores acreditavam que permitir qualquer transgressão, por
menor que fosse, poderia inspirar rebeliões como a dos Maleis, 1835, ou a revolta de Manuel Congo, 1838. É verdade o que o feitor diz? perguntou Almeida com voz gélida. Joana, paralisada pelo medo, apenas conseguiu acenar com a cabeça. Seus lábios tremiam demais para formar palavras. Almeida suspirou, não com compaixão, mas com o aborrecimento de quem precisa lidar com problema inesperado.
Em sua mente, não via uma criança faminta. Via uma propriedade que havia violado as regras estabelecidas, um exemplo que precisava ser feito para manter a ordem. Leve a para o tronco. Amanhã convoco o conselho de disciplina. O tronco era uma estrutura de madeira localizada no pátio dos fundos do engenho, ao lado das cenzalas.
Consistia em duas tábuas grossas com furos onde pés e mãos eram presos, forçando a pessoa a permanecer em posição extremamente dolorosa por horas ou dias. Joana foi presa ali sem água nem comida. O espaço era exposto ao sol escaldante da Baia, sem sombra, rodeado pelo cheiro forte dos currais e do estrume. A posição forçada causava dores intensas nas costas e articulações.
A menina chorava e chamava pela mãe, mas não chegaria até a noite, quando as tarefas da Casagrande terminassem. E quando finalmente escutou, não pôde fazer nada. As mães escravizadas viviam com tormento constante de não poder proteger seus filhos. Minha filha, minha pequena Joana”, sussurrava Maria do lado de fora, com as mãos contra a madeira áspera do tronco, sem permissão para libertá-la. O conselho de disciplina.
Nos engenhos grandes do Recôncavo Baiano existiam conselhos de disciplina formados pelo proprietário, o feitor MOR, às vezes senhores de engenho vizinhos. Esses conselhos funcionavam como tribunais improvisados que determinavam castigos para pessoas escravizadas. O sistema legal oficial do Brasil imperial era ainda mais despiedoso.
Segundo o Código Criminal de 1830 Legislações Complementares, uma pessoa escravizada acusada de crimes podia ser julgada em tribunais civis, mas sem direito real à defesa, sem poder testemunhar favoravelmente a si mesma e com júri composto exclusivamente por homens brancos proprietários. No domingo pela manhã, Almeida convocou três senhores de engenho vizinhos.
Major Rodrigo Sampaio, dono de 312 pessoas escravizadas. Dr. Joaquim Ferreira, juiz municipal e proprietário de 245 pessoas escravizadas e padre Manuel da Costa, vigário da paróquia e dono de 78 pessoas escravizadas. Os quatro homens se reuniram no escritório de Almeida. Sobre a mesa havia cachaça de alambique, charutos de fumo de rolo e os documentos de propriedade de Joana.
A menina não estava presente. Não se requeria sua presença para decidir seu destino. O problema não é a maçã, disse doutora Ferreira, o juiz, com voz grave. O problema é o precedente. Se uma criança pode roubar sem consequências severas, o que impedirá os adultos de fazerem o mesmo? O major Sampaio concordou enquanto acendia seu charuto.
Tive problemas sérios no meu engenho ano passado por ser leniente demais. Tive que vender seis negros para Pernambuco para acabar com as ideias de rebeldia. O padre Manuel da Costa, surpreendentemente, era o mais duro dos quatro.
Citava a Bíblia para justificar a escravidão e acreditava que o castigo severo era a forma de salvar almas negras do pecado eterno. Provérbios 13:24. Aquele que poupa var odeia seu filho, mas o que o ama cedo disciplina. Esta menina deve aprender e os demais escravos devem ver as consequências do roubo. Depois de 3 horas de deliberação regadas a cachaça, os homens chegaram a uma conclusão que surpreendeu até o próprio Almeida.
Doutora Ferreira, o juiz municipal propôs levar o caso ao Tribunal da Comarca em Cachoeira. Isto deve ser feito oficialmente. Precisamos de um julgamento público. A sentença deve vir de um tribunal civil para que cada negro da região veja e compreenda. Não podemos parecer fracos no momento em que há tanta agitação abolicionista vindo da corte. Era inusual.
A maioria dos castigos era administrada internamente nos engenhos, mas 1847 era ano de tensões. A pressão abolicionista internacional crescia e no Brasil intelectuais começavam a questionar publicamente a escravidão. No recôncavo, os senhores sentiam necessidade de demonstrar controle absoluto.
Almeida aceitou relutantemente, não por compaixão a Joana, mas porque um julgamento público significava custos e atenção não desejada. mas reconheceu o valor do simbolismo. Que seja feito. Segunda-feira levo diante do tribunal da comarca. Joana passou outra noite no tronco. Maria conseguiu convencer o feitor Pereira a permitir que levasse um pouco de água e farinha entregues através de uma abertura entre as tábuas.
“Mamãe, estou com medo”, chorou Joana. “Eu sei, minha filha, eu sei”, respondeu Maria com a voz quebrada pela impotência. Maria sabia o que significava um julgamento. Havia visto outros escravizados levados para a cachoeira. Alguns voltavam marcados a ferro quente, outros nunca voltaram. Naquela noite, nas cenzalas circulavam sussurros.
Todos sabiam o que estava acontecendo com Joana e todos sentiam o mesmo terror coletivo. Qualquer um deles poderia ser o próximo. Na segunda-feira, ao amanhecer, Joana foi colocada na carroça de bois junto com sacos de açúcar mascavo que seriam vendidos no mercado de cachoeira. Suas mãos foram amarradas com cordas de cisal.
João Pereira, o feitor, a escoltava junto com o coronel Almeida, que viajava em sua mula baiana. O caminho de terra batida de 12 km entre o engenho Santo Antônio e Cachoeira passava por outros engenhos imensos. Joana havia campos intermináveis de cana de açúcar, onde centenas de pessoas trabalhavam sob o sol brutal.
O pó do caminho grudava em sua pele suada. Cachoeira era uma das cidades mais importantes do recôncavo baiano. Sua prosperidade foi construída completamente sobre a escravidão e o comércio de açúcar, fumo e cachaça. O porto fluvial do rio Paraguaçu fervilhava com saveiros carregando mercadorias e pessoas escravizadas.
O edifício do tribunal era uma construção imponente de dois andares com azulejos portugueses azuis e brancos, construído no estilo colonial que a elite baiana admirava. Dentro, o ambiente era sufocante, apesar das janelas altas com gelosias de madeira. O juiz Carlos Alberto Menezes, de 62 anos, era um senhor de engenho que possuía 198 pessoas escravizadas em sua propriedade. Não havia nenhuma possibilidade de imparcialidade.


O sistema inteiro existia para proteger os interesses dos proprietários escravistas. Joana foi levada perante o tribunal às 10 da manhã. A sala estava lotada de espectadores brancos, senhores de engenho, comerciantes, curiosos. Também havia aproximadamente 25 pessoas escravizadas, trazidas por seus donos especificamente para presenciar o julgamento como advertência.
A menina, de apenas 7 anos, parecia minúscula diante do estrado elevado do juiz. Usava o mesmo vestido de chitão desbotado que vestia meses, sujo e rasgado. Seus pés descalços mal tocavam chão de madeira encerada. Não havia advogado defensor. A lei brasileira não requeria nem permitia representação legal adequada para pessoas escravizadas em casos menores.
Joana também não podia testemunhar a seu favor. Segundo as leis do império, o promotor público, Dr. Augusto Tavares, apresentou o caso com dramática severidade. Excelentíssimo juiz Menezes, este tribunal se reúne hoje para julgar um ato de roubo flagrante.
A acusada, uma escrava negra de 7 anos de idade, propriedade do respeitável coronel Antônio José de Almeida, foi capturada roubando uma maçã do pomar particular de seu senhor. A audiência murmurou: “No contexto da época, o fato de ser uma criança era irrelevante. As pessoas escravizadas não tinham idade de inocência. As crianças eram tratadas como adultas em termos de responsabilidade criminal. João Pereira foi chamado como testemunha.
O que o senhor viu exatamente, feitor Pereira? Vi com meus próprios olhos, doutor. Ela estava no pomar do senhor, ajoelhada, comendo uma maçã que claramente havia tirado da árvore. Quando a confrontei, tentou esconder a evidência, deixando-a cair. E o senhor sabe qual o valor dessas macieiras importadas? Sim, senhor. O coronel pagou R$ 80.000 por cada muda trazida de Portugal.
São árvores raras, difíceis de cultivar neste clima. Cada maçã vale mais que uma semana de ração. O juiz Menezes escutou em silêncio. Não havia deliberação de júri em casos como este. O juiz tinha autoridade completa, segundo o Código de Processo Criminal de 1832. Depois de apenas 10 minutos de reflexão silenciosa, Menezes bateu seu martelo de madeira.
A acusada é culpada de roubo qualificado de propriedade de alto valor. Segundo as leis do império do Brasil e os códigos estabelecidos para manutenção da ordem entre a população escrava, sentenciu a escrava Joana a morte por enforcamento. O murmúrio de surpresa percorreu a sala. Mesmo para os padrões brutais da Bahia de 1847, era uma sentença extrema para uma criança de 7 anos por roubar uma maçã. Mas Menezes continuou.
A execução se realizará em quatro dias. na quinta-feira às 10 da manhã na Praça do Mercado de Cachoeira. Que isto sirva como lembrança para todos os escravos da comarca. O roubo não será tolerado sob nenhuma circunstância. Joana não compreendeu completamente as palavras, mas sentiu o peso do terror na sala. Viu os rostos das pessoas escravizadas que haviam sido trazidas para presenciar.
Seus olhos cheios de horror e lágrimas silenciosas. O coronel Almeida estava genuinamente surpreso. Havia esperado um castigo severo, talvez 50 chibatadas públicas ou marcação a ferro, mas não pena capital. No entanto, não protestou. Fazê-lo seria questionar a autoridade do juiz e o sistema que sustentava sua própria riqueza.
Joana foi levada de volta à carroça. Ao sair do edifício do tribunal, viu algo que aterrorizou ainda mais. Na praça principal de Cachoeira já estava erguida uma estrutura de madeira com uma corda pendurada. A forca era elemento permanente no centro da cidade, usada regularmente para executar pessoas escravizadas e criminosos condenados.
Joana foi levada para a cadeia pública de cachoeira, localizada ao lado da Câmara Municipal. O edifício de pedra tinha celas separadas para brancos e para pessoas escravizadas. A sessão destinada aos cativos era essencialmente uma masmorra, sem janelas, sem luz natural. com paredes úmidas cobertas de mofo e um fedor insuportável de dejetos humanos.
A menina foi trancada em uma cela individual de aproximadamente 2 m². Não havia cama, apenas palha suja e úmida no chão de pedra fria. Um balde de madeira rachado servia como latrina. Os ratos circulavam livremente na escuridão. Joana se sentou no canto, abraçando joelhos, tremendo não apenas de medo, mas também de frio que emanava das pedras.
Pela primeira vez em sua curta vida, estava completamente sozinha, sem sua mãe, sem nenhum rosto conhecido. A notícia chega ao engenho. Quando Coronel Almeida retornou ao Engênio Santo Antônio naquela tarde, a notícia da sentença se espalhou como fogo pelas cenzalas. Maria, a mãe de Joana, colapsou quando soube. Outras mulheres a cercaram, segurando-a enquanto gritava de agonia: “Minha filha, vão matar minha menina”.
Mas não havia nada que pudesse fazer. Como pessoa escravizada, Maria não tinha direitos legais. Não podia apelar, não podia contratar advogado, não podia sequer viajar para cachoeira sem permissão escrita do Senhor. Era completamente impotente. Naquela noite, em segredo, nas cenzalas escuras, alguns dos mais velhos rezaram. A religião era uma das poucas fontes de consolo e resistência espiritual que possuíam.
Cantavam ladaanhas em voz baixa, misturando orixás africanos com santos católicos, pedindo um milagre que parecia impossível. O carcereiro da sessão de escravizados era um homem chamado Domingos Ferreira, de 41 anos. Ferreira era pobre segundo os padrões brancos baianos.
Não possuía terras nem escravos, trabalhando como carcereiro por um salário mínimo. Na noite de segunda-feira, Ferreira levou a Joana um prato de angu de milho aguado e água salobra. Quando abriu a cela e viu a menina encolhida na escuridão, algo nele vacilou. Ferreira tinha uma filha de 9 anos chamada Rosa.
E naquele momento, pela primeira vez em sua vida, permitiu-se ver Joana não como uma escrava negra, mas como uma criança, não muito diferente de sua própria filha. “Como você se chama?”, perguntou com voz mais suave que o habitual. Joana olhou para ele com olhos enormes, cheios de lágrimas. “Joana, senhor, está com fome?” Joana, a menina assentiu.
Ferreira deixou o prato no chão e saiu sem dizer mais nada. Mas naquela noite, em sua pequena casa, nas proximidades do mercado, não conseguiu dormir. A imagem de Joana o perseguia. O segundo dia, terça-feira. Na terça-feira, a notícia da sentença se espalhou por todo o recôncavo baiano. Era assunto de conversa nas vendas, nas tabernas e nas igrejas brancas.
As opiniões estavam divididas. Alguns senhores de engenho aprovavam a severidade como medida de suas necessária. Outros pensavam que era excessivo e poderia gerar simpatia indesejada, até mesmo entre alguns brancos pobres que viam injustiça clara. Na pequena comunidade de membros da irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, uma organização religiosa negra que congregava pessoas livres de cor e alguns libertos, as discussões eram intensas.
As irmandades eram uma das poucas instituições onde negros tinham alguma autonomia e poder de organização no Brasil imperial. Entre esses membros estava Francisco Xavier dos Santos, um homem pardo livre de 48 anos que trabalhava como mestre carpinteiro em Cachoeira.
Xavier havia comprado sua própria liberdade 15 anos antes através de economias acumuladas ao longo de décadas. A sentença de Joana o horrorizou de uma maneira que não pôde ignorar. Na terça-feira à tarde, Xavier visitou o juiz Menezes em seu escritório particular. Era um risco enorme. Homens negros, mesmo livres, que questionavam decisões de autoridades brancas, podiam sofrer retaliações severas.
Excelentíssimo juiz Menezes, venho respeitosamente apelar pela vida da menina escrava Joana. Começou Xavier com voz firme, mas cautelosa. Menes o olhou com desprezo mal disfarçado. Que interesse tem você neste assunto, Francisco? É acaso o proprietário da escrava? Não, excelência, mas venho como cidadão livre e cristão. É apenas uma criança de 7 anos.
Certamente a misericórdia é apropriada neste caso. A lei não faz distinções de idade quando se trata de proteger a propriedade e a ordem”, replicou Menezes friamente. “Se você questiona as leis do império, Francisco, talvez deva considerar sua própria posição na sociedade.” Era uma ameaça velada. Xavier entendeu a mensagem, mas insistiu.
Não poderia a sentença ser comutada. Açoites, marcação a ferro, venda para outra província, mas morte por uma maçã. Menezes bateu na mesa com a palma. A sentença é final. Sugiro que se retire antes que eu questione suas intenções. Xavier saiu derrotado, mas não se rendeu completamente. Na terça-feira à noite, Maria obteve permissão especial do coronel Almeida para visitar sua filha.
Foi um ato de pragmatismo de Almeida, não de compaixão. Se Joana morresse sem se despedir da mãe, as outras mulheres escravizadas poderiam se tornar difíceis de controlar. Maria foi escoltada pelo feitor João Pereira até Cachoeira em uma carroça. Domingos Ferreiros recebeu e permitiu a Maria entrar na cela durante 30 minutos.
Enquanto Pereira esperava do lado de fora, mãe e filha se abraçaram na escuridão úmida. Maria não tinha palavras reais de consolo para oferecer. Como explicar a morte a uma criança de 7 anos? Como dizer que o mundo é tão cruel, tão injusto, que a matará pelo pecado de ter fome? Mamãe, vou para o céu? Perguntou Joana com voz pequena.
Vai sim, minha filha. Vai para o céu, onde não tem fome, não tem dor, não tem senhor, respondeu Maria, embora seu coração se partisse em mil pedaços. Cantaram juntas uma canção que Maria havia aprendido de sua própria mãe.
Uma melodia que misturava línguas africanas esquecidas com palavras em português, uma canção sobre resistência e esperança. Quando os 30 minutos terminaram, Pereira separou brutalmente mãe e filha. Maria gritou e lutou, mas foi arrastada para fora da cela. Joana viu desaparecer na escuridão, sem saber se haveria novamente. A quarta-feira amanheceu nublada e opressiva. Em Cachoeira, os preparativos para a execução pública continuavam.
As execuções de pessoas escravizadas eram eventos públicos deliberadamente espetaculares, projetados para aterrorizar a população escravizada e reforçar o sistema de dominação. A praça do mercado de cachoeira começou a ser preparada. A forca permanente foi inspecionada.
A corda verificada e vendedores ambulantes começaram a montar barracas para vender comida e bebida ao público que assistiria. As execuções eram tratadas como entretenimento público entre muitos brancos. Francisco Xavier não havia dormido na noite de terça-feira. Depois de sua reunião frustrada com juiz Menezes, ele convocou uma reunião de emergência da mesa diretora da irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. As irmandades negras no Brasil tinham um poder limitado, mas real.
Elas podiam comprar a liberdade de membros, oferecer enterros dignos, prestar assistência legal limitada e ocasionalmente intervir em casos extremos envolvendo pessoas escravizadas. Na reunião, Xavier propôs algo extraordinário, que a irmandade usasse seus fundos comunitários para comprar a liberdade de Joana do Coronel Almeida, caso a sentença pudesse ser comutada. É apenas uma criança, argumentou Xavier apaixonadamente.
Se conseguirmos convencer o Coronel Almeida a pedir clemência ao juiz, oferecendo-lhe compensação financeira pela perda da propriedade, talvez consigamos salvá-la. Havia resistência. Os fundos da irmandade eram limitados, acumulados através de contribuições modestas de membros pobres. Mas o provedor, um homem idoso chamado João Batista, concordou: “Nossa fé nos chama a agir. Aprovaremos os fundos”.


Na quarta-feira de manhã, uma delegação da irmandade, Xavier, João Batista e dois outros membros visitou o engenho Santo Antônio. O coronel Almeida os recebeu com surpresa e desconfiança, mas quando Xavier explicou a proposta, R$ 150.000 Ris pela liberdade de Joana. Mas a solicitação formal de comutação da sentença, Almeida começou a considerar economicamente fazia sentido.
Joana, aos 7 anos, tinha valor limitado. Uma execução pública atrairia atenção não desejada. E R$ 150.000 eram uma quantia significativa, o equivalente a 3 meses de lucro com o trabalho da menina nos próximos 10 anos. E o que propõem como castigo alternativo? Perguntou Almeida. 50 públicos e entrega imediata a custódia da irmandade com documentos de alforria registrados em cartório, respondeu Xavier firmemente. Era brutal.
50 soites poderiam matar ou incapacitar permanentemente uma criança de 7 anos. Mas não era morte imediata na forca, era uma pequena abertura no muro de horror absoluto. Almeida, motivado pelo pragmatismo financeiro, visitou o juiz Menezes naquela mesma tarde.
Apresentou formalmente um pedido de comutação da sentença, citando reflexões sobre o valor da propriedade e o impacto na ordem pública. Menezes estava irritado, mas ele também enfrentava pressões. Vários comerciantes importantes de cachoeira haviam expressado preocupações sobre o impacto na imagem da cidade e a crescente pressão abolicionista vinda da corte no Rio de Janeiro, tornava executar uma criança de 7 anos politicamente arriscado.
Muito bem, como tarei a sentença sob as seguintes condições: o castigo que você propõe será administrado publicamente amanhã às 10 da manhã na praça no lugar da execução e a menina deve ser entregue à irmandade com documentação de alforria dentro de 24 horas. Almeida concordou. Os documentos foram preparados imediatamente.
Domingos Ferreira, o carcereiro, que havia escutado rumores da negociação durante o dia, sentiu uma onda de alívio tão intensa que teve que se sentar. Às 5 da tarde, Ferreira desceu à cela de Joana com o prato de comida do dia. A menina mal havia comido em três dias. Estava pálida, fraca e aterrorizada. Ferreira se ajoelhou ao lado dela na palha suja.
pela primeira vez, falou com ela não como carcereiro para prisioneira, mas como ser humano para outro. “Joana, escute com atenção. Amanhã não vão te enforcar.” Joana olhou com olhos que mal compreendiam. Uns homens bons pediram perdão por você. Em vez de te enforcar, vão te castigar com o chicote. Vai doer muito, mas você vai viver. Entende? Você vai viver.
As lágrimas começaram a correr pelo rosto de Joana. Não de terror desta vez, mas de algo mais complexo, alívio, dor, confusão. Aos 7 anos, não podia compreender completamente o que significava liberdade ou irmandade. Não entendia que nunca mais seria propriedade de alguém, mas entendia que não ia morrer amanhã. E naquele momento isso era suficiente.
Quando Almeida retornou ao Engênio Santo Antônio naquela noite e a notícia se propagou, Maria caiu de joelhos na terra chorando, mas eram lágrimas mistas. Sua filha viveria, mas sofreria horrores primeiro e depois seria levada embora pela irmandade. Maria nunca mais teria autoridade materna sobre ela. As outras mulheres escravizadas a cercaram, oferecendo o único consolo que podiam, sua presença e suas lágrimas compartilhadas.
Cantaram em voz baixa na escuridão, hinos de dor e resistência que haviam sustentado gerações em cativeiro. “Pelo menos ela vai viver”, sussurrou uma mulher idosa chamada Benedita. “Pelo menos isso era uma misericórdia amarga e pequena, mas em um mundo de crueldade absoluta mesmo isso era algo.” Se você chegou até aqui, sabe que esta não é uma história fácil de ouvir, mas é necessária.
Compartilha este vídeo para que mais pessoas conheçam essas verdades esquecidas. e fica até o final, porque o que aconteceu depois é igualmente impactante. Quinta-feira pela manhã, a Praça do Mercado. A quinta-feira amanheceu quente e úmida. Às 8 da manhã, a Praça do Mercado de Cachoeira já estava cheia de gente. Mais de 400 pessoas, tanto brancos como escravizados, trazidos obrigatoriamente por seus donos, se congregavam ao redor da plataforma de madeira, onde o castigo seria administrado. Os castigos públicos de pessoas escravizadas eram rituais
calculados de terror. Serviam múltiplos propósitos. Aterrorizar a população escravizada, fazendo-a presenciar o sofrimento, reforçar a autoridade branca e proporcionar entretenimento brutal a alguns espectadores. Vendedores ambulantes vendiam a carajé, cocada, cachaça e água de cocô à multidão. Famílias brancas chegavam com seus filhos como se fossem a um evento festivo.
Esta normalização da violência era um dos aspectos mais perturbadores do sistema escravista brasileiro. Às 9:45 da manhã, uma carroça da cadeia chegou à praça. Domingos Ferreira desceu primeiro, seguido por dois ajudantes que tiraram Joana da carroça. A menina mal conseguia andar. Três dias sem comida adequada, sem luz solar e aterrorizada, a haviam deixado fraca.
Suas pernas tremiam enquanto era levada em direção à plataforma. Maria estava entre a multidão de pessoas escravizadas obrigadas a presenciar. Quando viu sua filha, gritou seu nome. Joana virou a cabeça, procurando desesperadamente sua mãe entre o mar de rostos. “Mamãe!”, gritou Joana, estendendo seus pequenos braços, mas os guardas a empurraram adiante.
Maria tentou avançar, mas outros escravizados a seguraram, sabendo que se ela interrompesse o castigo, também seria castigada severamente. O juiz Menezes apareceu em uma sacada adjacente para ler oficialmente a sentença comutada. Pelo poder que me confere o império do Brasil, a sentença de morte da escrava Joana foi comutada por petição de seu proprietário, o coronel Antônio José de Almeida.
Em seu lugar, a acusada receberá 50 soites e será libertada mediante pagamento de alforria pela irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. A multidão reagiu com murmúrios mistos. Alguns brancos expressavam decepção por não presenciar o enforcamento. Outros a sentiam com aprovação pragmática.
As pessoas escravizadas presentes permaneciam em silêncio aterrorizado, sabendo que qualquer reação poderia se voltar contra eles. Joana foi levada a um poste de madeira no centro da plataforma. Suas pequenas mãos foram amarradas com cordas de cisal acima de sua cabeça, esticando seu corpo até que seus pés descalços mal tocassem o chão. O verdugo designado era João Pereira, o feitor que a havia capturado.
Pereira desenrolou seu bacalhau, o chicote de couro trançado usado nos engenhos. O castigo começou sob o sol escaldante da Bahia. Joana, amarrada ao poste, suportou 50 soites que a lei escravista demandava. O Código Criminal de 1830 estabelecia que o escravo não poderá levar por dia mais de 50 soites, embora esta regra fosse frequentemente violada na prática.
Os testemunhas presentes, tanto pessoas escravizadas obrigadas a presenciar como cidadãos brancos, nunca esqueceriam esse dia. Entre a multidão, Maria chorava violentamente, sustentada por outros escravizados que também choravam em silêncio. Para o açoite número 20, o corpo pequeno de Joana começou a ceder. Para o 30, ela havia perdido a consciência.
Pereira continuou metodicamente até 50, como havia sido ordenado. Quando os açoites terminaram, Joana foi desamarrada e colapsou na plataforma. Francisco Xavier e João Batista, da Irmandade subiram imediatamente para recebê-la, carregando-a cuidadosamente em seus braços. Ferreira, o carcereiro, que havia presenciado tudo com crescente horror, subiu rapidamente na carroça que a irmandade havia trazido.
Não conseguia suportar um minuto mais naquela praça. Maria tentou seguir, mas o feitor Pereira bloqueou brutalmente. Volta para o trabalho, negra. A menina não é mais propriedade do coronel. Maria foi obrigada a retornar ao engênio Santo Antônio com os demais escravizados, sem poder sequer tocar sua filha ferida. Esta seria a última vez que veria Joana por muitos anos.
A irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos mantinha uma pequena casa de assistência ao lado da igreja. Ali, Joana foi levada e cuidada por mulheres da comunidade que tinham conhecimento de medicina tradicional africana. Limparam suas feridas com água, sal e ervas curativas. Aplicaram um guuentos feitos de banha de porco misturada com plantas medicinais.
vendaram seu corpo pequeno com panos limpos de algodão. Joana permaneceu inconsciente durante horas. Quando finalmente despertou ao entardecer, seu primeiro pensamento foi para sua mãe. “Onde está minha mamãe?”, sussurrou com voz débil. Uma mulher idosa chamada Francisca, que cuidava dela, segurou sua mão suavemente. “Sua mãe está no engenho. Mas você agora é livre, menina.
Livre? Nunca mais vai ser escrava de ninguém.” Joana não compreendia completamente o que isso significava, mas sentiu algo na voz de Francisca, algo parecido com esperança. Durante as duas semanas seguintes, Joana permaneceu na casa de assistência da irmandade, recuperando-se de suas feridas. As mulheres continuaram cuidando dela com dedicação. As cicatrizes começaram a formar-se, marcas que ela carregaria pelo resto da vida.
A menina falava pouco. O trauma do que havia experimentado a havia mudado fundamentalmente. Às vezes chorava em silêncio, outras vezes ficava olhando a parede com olhos vazios, perdida em pensamentos que ninguém conseguia alcançar. Francisco Xavier visitava diariamente, trazendo comida extra, pão de milho, frutas, caldo de galinha. Ele falava gentilmente com Joana, explicando devagar o que significava ser livre.
Você não pertence mais a ninguém, Joana. Ninguém pode te vender, ninguém pode te bater. Você é dona de si mesma. Na segunda semana, Xavier levou Joana ao cartório de cachoeira. Ali, na presença do tabelião, foram registrados oficialmente seus documentos de alforria. A carta de liberdade que comprovava legalmente que ela não era mais escravizada.
O tabelião, um homem branco de meia idade, olhou para Joana com uma mistura de curiosidade e desdém. Para ele, ela era apenas mais uma negra forra em um mundo onde a liberdade negra era tolerada, mas não celebrada. Xavier guardou os documentos cuidadosamente em uma pasta de couro. Estes papéis são sagrados, Joana. Sem eles, qualquer pessoa pode te escravizar de novo.
Você deve guardá-lo sempre. Era a realidade brutal do Brasil imperial. Pessoas negras livres viviam sob ameaça constante de reescravização ilegal. precisavam carregar seus documentos sempre, provar constantemente sua condição livre. Joana perguntava diariamente por sua mãe. Xavier tentou arranjar uma visita, mas o coronel Almeida recusou.
Permitir que Maria visitasse a filha liberta poderia dar ideias aos demais escravizados de seu engenho. Foi através de uma rede clandestina, um escravizado que viajava entre cachoeira e o engenho fazendo entregas, que Xavier conseguiu enviar mensagens entre mãe e filha. Maria mandou um pedaço de pano que ela mesma havia tingido com urucum junto com uma mensagem sussurrada.
Nunca esqueça quem você é. Nunca esqueça sua mãe. Joana guardou aquele pano como seu tesouro mais precioso, dormindo com ele todas as noites. Após três semanas, Joana foi levada para morar com a família de João Batista, o provedor da irmandade. João Batista era um homem livre de cor, carpinteiro naval, que vivia em uma casa modesta, mas digna no bairro de pescadores de cachoeira.
Sua esposa, dona Clara, era uma mulher liberta de 52 anos que havia comprado sua própria liberdade 20 anos antes. Eles não tinham filhos próprios e receberam Joana com uma bondade que a menina nunca havia experimentado. Pela primeira vez, Joana teve uma cama de verdade, um gerão de palha limpa coberto com lençol de algodão.
Teve comidas regulares e abundantes, feijão com farinha, peixe fresco do rio, frutas. Teve roupas limpas e sapatos. Mas mais importante, teve afeto. Dona Clara abraçava, penteava seus cabelos, cantava para ela dormir. João Batista chamava de minha filha e lhe contava histórias sobre seus ancestrais africanos que ele ouvirá de seu próprio avô.
A adaptação foi difícil. Joana havia vivido toda sua vida como escravizada. A liberdade era um conceito abstrato que ela mal compreendia. Às vezes acordava de madrugada, aterrorizada, pensando que precisava começar suas tarefas no engenho. Tinha pesadelos constantes. Sonhava com o Feitor Pereira, com o poste de castigo, com a forca na praça.
Acordava gritando e dona Clara corria para acalmá-la. Mais doloroso era a separação de sua mãe. Joana não entendia porque não podia vê-la. Por se agora era livre, ainda estava presa pela ausência materna. Onde está minha mamãe? Quando posso vê-la? Perguntava constantemente. João Batista tentava explicar a complexidade da situação, que Maria ainda era escravizada, que o coronel não permitia visitas, que viajar ao engenho era perigoso.
Mas como explicar essas crueldades a uma criança de 7 anos? Trs mes após sua libertação, algo extraordinário aconteceu. Francisco Xavier, que além de carpinteiro era autodidata e sabia ler e escrever, ofereceu-se para ensinar Joana. No Brasil imperial de 1847, educar pessoas negras era desencorajado, embora não explicitamente legal para os libertos, mas era raro e visto com suspeita pelas autoridades. Xavier começou ensinando Joana ao alfabeto, usando carvão e tábuas de madeira.
A menina, inicialmente tímida e traumatizada, começou a mostrar interesse. Para seu nono aniversário em 1849, Joana conseguia ler frases simples em português. Este conhecimento era revolucionário. A alfabetização era poder, era identidade, era liberdade mental que nenhum sistema poderia roubar completamente.
Em 1850, quando Joana tinha 10 anos, Xavier ajudou a escrever sua primeira carta para Maria. Querida mamãe, estou morando com seu João e dona Clara. Eles são bons comigo. Estou aprendendo a ler e escrever. Penso na senhora todos os dias. Espero que esteja bem. Te amo muito. Sua filha Joana. A carta foi entregue através da mesma rede clandestina.
Duas semanas depois, chegou resposta ditada por Maria a alguém que pudesse escrever. Minha querida Joana, chorei quando escutei sua carta. Pensei que nunca saberia de você de novo. Estou trabalhando duro, mas estou bem. Saber que você está livre e aprendendo me dá forças para continuar. Nunca se esqueça de quem você é. Sua mãe que te ama. Maria. Joana leu essa carta centenas de vezes até o papel se desgastar.
guardava-a junto com o pano tingido, seus únicos elos físicos com sua mãe. Joana cresceu sob os cuidados amorosos de João Batista e dona Clara na comunidade da Irmandade do Rosário. O que poderia ter sido uma vida destruída pelo trauma tornou-se uma história de resistência silenciosa através da educação.
Aos 16 anos, em 1856, Joana já era uma costureira habilidosa. Suas mãos, que haviam sido amarradas ao poste de castigo aos 7 anos, agora criavam vestidos delicados para famílias de comerciantes de cachoeira. A ironia não escapava dela. Algumas das mesmas pessoas que presenciaram seu sofrimento público agora pagavam por seus serviços.
Mas Joana tinha um propósito que ia além da sobrevivência. Cada vintém que ganhava era guardado cuidadosamente em uma caixa de madeira sob sua cama. Seu sonho singular consumia todos seus pensamentos. juntar dinheiro suficiente para comprar a alforria de sua mãe. Durante esses anos, mantinha correspondência esporádica com Maria através da Rede clandestina de mensageiros da Irmandade.
Cada carta era um risco calculado e um elo precioso com a mãe que não via desde os 7 anos de idade. Em 1858, aos 18 anos, Joan havia economizado R$ 350.000, uma fortuna para uma jovem costureira liberta. era mais do que suficiente para comprar a alforria de uma mulher escravizada de 41 anos. Com Francisco Xavier como intermediário, Joana fez uma oferta formal ao coronel Antônio José de Almeida, R$ 350.
000 pela liberdade de Maria. A resposta chegou uma semana depois, brutal e definitiva, recusa absoluta. Almeida não tinha interesse em vender Maria, que ainda era trabalhadora produtiva nos campos de cana, e certamente não negociaria para satisfazer sentimentalismos de negros libertos. Foram suas palavras exatas transmitidas por Xavier. Joana ficou devastada.
Todos aqueles anos de trabalho, cada centavo economizado com sacrifício, cada vestido costurado até suas mãos doerem. Tudo foi inútil contra a vontade arbitrária de um senhor de escravos. Naquela noite, sentada na casa de João Batista, Joana chorou como não chorava desde criança. Mas quando as lágrimas secaram, algo fundamental havia mudado nela.
A tristeza se transformou em determinação de aço. “Se o dinheiro não liberta minha mãe, então só a abolição total fará”, declarou a João Batista. A partir de 1860, Joana dedicou suas tardes a ensinar crianças negras, tanto livres quanto escravizadas, cujos senhores toleravam a ler e escrever. Fazia isso discretamente na casa da irmandade, usando a Bíblia como texto principal para evitar suspeitas.
Mas ensinava mais que letras, ensinava dignidade, identidade, esperança. Cada criança alfabetizada era um ato de resistência contra um sistema que lucrava com a ignorância forçada. Uma de suas alunas era Benedita, menina escravizada de 9 anos, cuja inteligência brilhante lembrava Joana de si mesma.


Quando Benedita perguntou porque ela ensinava correndo riscos, Joana respondeu simplesmente: “Por que alguém me ensinou quando eu mais precisei? E por que conhecimento é poder que ninguém pode te tirar, mesmo com chicote e correntes. Os anos 1860 e 1870 viram o movimento abolicionista brasileiro ganhar força gradualmente.
A Lei do ventre livre de 1871 declarou livres os filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir daquela data. Uma vitória parcial que sinalizava mudanças inevitáveis. Joana, aos 31 anos, via claramente que era apenas o começo. Sua mãe, nascida em 1817, não seria beneficiada por nenhuma dessas leis graduais, apenas a abolição completa libertária.
Joana se tornou voz ativa nos encontros da irmandade, argumentando pela necessidade de pressão constante, de educação massiva, de resistência organizada. Sua história pessoal, quase enforcada aos 7 anos, agora educadora respeitada, inspirava outros a acreditar que mudança era possível. Francisco Xavier, agora idoso e frágil, via nela a continuação de sua própria luta. Você é a prova viva de que eles não podem nos destruir, Joana.
Cada criança que você ensina é uma semente de liberdade plantada. Na manhã de 13 de maio de 1888, a notícia chegou à cachoeira como tempestade. A princesa Isabel havia assinado a lei Áurea. A escravidão estava abolida no Brasil, o último país das Américas a fazê-lo. Joana, agora com 48 anos, estava em sua pequena casa quando ouviu os gritos nas ruas.
Por um momento, não conseguiu se mover. 41 anos desde que a haviam quase matado por roubar uma maçã. 41 anos desde que a separaram de sua mãe. E agora, finalmente, Maria era livre. As lágrimas vieram, não de tristeza, mas de um alívio tão profundo que fez suas pernas se derem. Dona Clara, agora idosa, abraçou enquanto ambas choravam. Sua mãe está livre, Joana. Livre.
Dois dias depois, Joana viajou para o que restava do engenho Santo Antônio. A propriedade estava em ruínas, sem mão de obra escravizada, o engenho colapsara. O coronel Almeida havia morrido anos antes e seu filho abandonara o lugar. Joana encontrou sua mãe no pátio das antigas cenzalas.
Maria, aos 71 anos, estava sentada em um banco de madeira, ainda processando que liberdade realmente significava depois de sete décadas como propriedade de alguém. Quando mãe e filha se viram, Maria, envelhecida prematuramente por trabalho brutal, e Joana, uma mulher madura, educada e respeitada, o tempo pareceu parar. Minha filha, minha Joana, mamãe. Finalmente, mamãe. O abraço durou vários minutos.
41 anos de separação, de cartas esporádicas, de saudade que doía fisicamente. Tudo culminou naquele momento no pátio empoirado. Joana leu em voz alta todas as cartas antigas que havia guardado. Depois abriu a Bíblia e começou a ler.
Maria escutava Maravilhada, sua filha, que havia sido condenada à morte aos 7 anos, agora lia com voz firme e educadas escrituras sagradas. Como você aprendeu tudo isso, minha filha? Pessoas boas me ajudaram. Mamãe, e agora eu ajudo outras? É o que faço. É quem eu sou. Joana levou Maria para viver com ela em Cachoeira.
Os 7 anos que Maria viveu em liberdade, de 1888 até sua morte em 1895 aos 78 anos, foram os mais felizes de sua vida. Ela via sua filha todos os dias educando dezenas de crianças negras recém-li libertas. via o respeito que Joana recebia da comunidade, via o legado que sua filha estava construindo. Quando Maria morreu pacificamente em 1895, mais de 200 pessoas compareceram ao enterro organizado pela irmandade.
Era um testemunho do impacto que tanto ela quanto Joana haviam tido. Esta história deve ser lembrada, não esquecida. Se te impactou, compartilha este vídeo. Comenta que lições você tira da história de Joana. Se inscreve para mais histórias. históricas que precisam ser contadas. E, acima de tudo, lembra, conhecer o passado é o primeiro passo para construir um futuro mais justo. Joana continuou educando até seus últimos dias.
Viveu até 1925, alcançando os 85 anos. Uma longevidade extraordinária para alguém que havia sofrido tanto trauma físico na infância. Nunca se casou, dedicando sua vida inteiramente à educação e a preservar as histórias de pessoas escravizadas. educou mais de 500 crianças ao longo de sua vida, muitas das quais se tornaram professores, artesãos e líderes comunitários.
Em 1920, com a ajuda de um jovem jornalista, Joana escreveu suas memórias: “Uma maçã e uma vida, Memórias de Joana”. O manuscrito circulou em cópias manuscritas entre comunidades negras da Bahia e foi finalmente publicado em 1968. Joana morreu em Cachoeira no dia 3 de agosto de 1925, rodeada por ex-alunos. Em sua lápida, segundo seu próprio desejo, foram gravadas estas palavras: “Fui condenada a morrer por uma maçã.
Escolhi viver pela educação. Aqui já Joana, filha de Maria, mestra, sobrevivente, livre”. Sua história nos lembra que a crueldade institucionalizada pode tentar destruir o espírito humano, mas não pode extinguir a resistência, a esperança e a determinação de levar outros.
Joana transformou trauma em propósito, dor em poder e silêncio forçado em voz educadora que ecoou por gerações. Nem todas as histórias de escravidão tiveram finais esperançosos, mas cada uma merece ser contada, lembrada e honrada. A história de Joana é uma entre milhões, mas é uma que sobreviveu para nos ensinar que, mesmo nas profundezas da injustiça, a dignidade humana pode prevalecer.

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