
O sol da tarde desvanecia-se lentamente sobre a poeira do caminho rural, pintando de ouro pálido as pedras dispersas e os arbustos secos que ladeavam a vereda. Era aquela hora em que o mundo parecia suspirar, quando os contornos se suavizam e o ar transporta o peso silencioso das histórias por contar. Mariana Gutiérrez sentiu as pernas fraquejarem quando, finalmente, permitiu que o seu corpo exausto descansasse à beira daquele trilho poeirento.
Caminhara desde o amanhecer, carregando apenas uma mala gasta com tudo o que possuía no mundo. A patroa tinha sido clara: depois de descobrir que algumas peças de tecido tinham desaparecido do inventário, não a queria mais por perto. De nada serviu explicar que jamais roubaria o que não era seu. A acusação já estava feita e, na pequena vila onde trabalhava, a palavra da dona da casa valia mais do que qualquer defesa ou verdade.
Foi então que ouviu o ruído de cascos e rodas a ranger na terra seca. Mariana levantou os olhos cansados e viu uma carroça a aproximar-se, puxada por um cavalo castanho. O homem que conduzia o animal usava um chapéu de aba larga e tinha uma barba escura e bem cuidada. Atrás dele, na carroça de madeira, cinco meninas pequenas estavam apertadas, todas com cabelos claros e olhos curiosos fixos nela.
O fazendeiro puxou as rédeas e o cavalo parou a poucos metros de onde Mariana estava sentada.
— Está ferida? — perguntou ele, a sua voz grave carregada de uma preocupação genuína.
Mariana abanou a cabeça, tentando levantar-se com dignidade, apesar do cansaço que pesava em cada músculo.
— Apenas cansada. Vou para a vila vizinha procurar trabalho.
O homem desceu do cavalo com a agilidade de quem passou a vida inteira em fazendas. Era alto, com ombros largos que denunciavam anos de trabalho pesado. Os seus olhos castanhos analisaram-na por um momento, não com desconfiança, mas com uma avaliação cuidadosa.
— A pé? São mais de vinte quilómetros daqui até Vales do Sul — disse, tirando o chapéu e passando a mão pelo cabelo escuro. — E o sol está a ficar cada vez mais forte.
— Não tenho outra opção — respondeu Mariana, tentando não mostrar o desespero que sentia. As suas poupanças mal dariam para uma refeição, muito menos para um bilhete de autocarro.
Uma das meninas, a mais pequena, que não devia ter mais de três anos, esticou o bracinho em direção a Mariana. — Pai, ela está triste.
O fazendeiro olhou para a filha e depois, novamente, para Mariana. Houve um silêncio pesado, onde parecia estar a tomar uma decisão importante. Finalmente, pôs o chapéu de volta e deu alguns passos em direção a ela.
— O meu nome é Ernesto Mendoza. Tenho uma fazenda a uns dez quilómetros daqui, em São Miguel do Vale, e tenho uma proposta para si.
Mariana sentiu o coração acelerar. Propostas de estranhos no caminho raramente eram boas, mas algo na postura daquele homem, na forma como as meninas o olhavam com confiança absoluta, impedia-a de sentir medo.
— Que tipo de proposta? — perguntou, mantendo a voz firme, apesar da vulnerabilidade da sua situação.
Ernesto olhou para as cinco meninas na carroça antes de responder. A mais velha, que parecia ter uns dez anos, observava a conversa com uma expressão fechada, quase hostil. As outras quatro olhavam com curiosidade infantil.
— A senhora precisa de um teto sobre a cabeça. Eu preciso de alguém que cuide das minhas filhas, que prepare as refeições, que mantenha a casa em ordem. — Fez uma pausa, como se estivesse a escolher cuidadosamente as próximas palavras. — A minha esposa já não está connosco, e eu não consigo dar conta da fazenda e das meninas ao mesmo tempo.
Mariana sentiu um aperto no peito: viúvo, com cinco filhas pequenas. Devia ser extremamente difícil. — Eu trabalhava como costureira — disse ela, sem saber bem por que estava a considerar aquela proposta. — Não tenho muita experiência com crianças ou com a cozinha de uma fazenda.
— Mas sabe coser, limpar, cuidar de uma casa? — perguntou Ernesto. E quando ela anuiu, continuou. — Então pode aprender o resto. As meninas são boas, só precisam de alguém presente.
A menina mais velha soltou um ruído de desaprovação que não passou despercebido. Ernesto lançou-lhe um olhar, mas não disse nada. Mariana percebeu ali o primeiro sinal de que aquela casa não era tão tranquila quanto o fazendeiro tentava fazer parecer.
— E quanto ao pagamento? — perguntou Mariana, tentando manter alguma racionalidade no meio do desespero.
— Teto, comida, roupa lavada e um salário justo no final do mês — respondeu Ernesto, sem hesitar. — Não é muito, mas é honesto, e eu vou tratá-la com respeito. Isso eu garanto.
Mariana olhou para a estrada, depois para a carroça com as cinco meninas. A mais pequena ainda esticava o bracinho em direção a ela, com um sorriso sem dentes que lhe tocou no fundo do coração. Não tinha família, não tinha para onde ir.
— Está bem — disse finalmente, surpreendendo-se a si mesma com a rapidez da decisão. — Eu aceito.
Ernesto anuiu e, pela primeira vez, ela viu um pequeno sorriso surgir no seu rosto sério. — Vamos, então. Ponha a sua mala na carroça.
Quando Mariana subiu, sentando-se na borda da carroça, a menina mais pequena, Júlia, de três anos, imediatamente se aproximou.
— Vais morar connosco? — perguntou.
— Sim, vou morar convosco — respondeu Mariana.
A carroça começou a mover-se, e Daniela, a mais velha, finalmente falou, a sua voz cortante como vidro partido. — Não adianta tentar ser simpática. Não vais durar uma semana aqui.
Mariana encarou os olhos da menina, vendo ali não apenas hostilidade, mas uma dor profunda que ela reconhecia. Era a dor de quem tinha sido abandonada e tinha aprendido a não confiar.
— Talvez tenhas razão — respondeu Mariana com calma —, mas farei o meu melhor enquanto estiver aqui.
O resto da viagem decorreu em silêncio. Mariana aproveitou para observar Ernesto. Havia uma tensão nos seus ombros, uma rigidez que sugeria alguém a carregar um peso demasiado grande. De vez em quando, olhava para trás, e os seus olhos pousavam sempre em Daniela com uma preocupação especial.
Quando avistaram a fazenda, Mariana sentiu uma mistura de alívio e apreensão. A casa era simples, mas grande, com uma varanda onde descansavam algumas cadeiras velhas. O jardim estava abandonado, invadido por ervas daninhas. Ernesto parou a carroça e ajudou as meninas mais pequenas a descer. Daniela saltou sozinha e entrou na casa sem olhar para trás.
O interior era surpreendentemente arrumado. Ernesto mostrou-lhe o seu quarto, pequeno, com uma cama individual.
— O meu quarto fica do outro lado da casa — disse Ernesto. — Quero que saiba que respeito a sua privacidade.
— Entendo — disse Mariana. — E quanto às minhas obrigações, quando devo começar?
— Que tal descansar hoje? Amanhã de manhã eu explico a rotina. Levanto-me às cinco para cuidar dos animais. As meninas acordam por volta das seis.
Mariana sentou-se na cama. Pela primeira vez em dias, permitiu que as lágrimas que conteve escorressem pelo seu rosto. Não eram lágrimas de tristeza, mas de alívio. Tinha encontrado um lugar, embora fosse temporário.
Um ruído na porta fê-la virar-se. Júlia estava ali. — Vais dormir aqui?
— Sim, vou dormir aqui.
— Fica perto da cozinha. Quando tenho fome à noite, desço às escondidas para comer bolachas.
Mariana ajoelhou-se à altura da menina. — Sabes o que podemos fazer? Podemos deixar algumas bolachas numa lata no meu quarto. Assim, quando tiveres fome, podes vir acordar-me, e eu dou-tas sem acordar o teu pai.
Os olhos de Júlia iluminaram-se. A menina abraçou Mariana com a força de quem necessitava de carinho há muito tempo.
— Não vale a pena tentar ser simpática — disse Daniela, surgindo à porta. — Não vais durar uma semana aqui. És igual às outras que tentaram.
— Outras já vieram trabalhar aqui? — perguntou Mariana.
— Três — disse Daniela, levantando três dedos. — Nenhuma durou mais de um mês. Todas se foram, dizendo que era demasiado difícil cuidar de cinco crianças que não eram delas.
— Não vou mentir-te, Daniela — disse Mariana, escolhendo as suas palavras com cuidado. — Não sei se serei capaz. Nunca cuidei de cinco crianças antes, mas posso prometer que, enquanto estiver aqui, farei o meu melhor. E se algum dia for embora, não será sem aviso. Isso eu prometo.
Naquela noite, durante o jantar, Mariana descobriu mais sobre a família. Valéria era filha da irmã da esposa de Ernesto, que tinha morrido no parto. Ana tinha sido deixada à porta da igreja. Júlia era filha de uma conhecida que nunca se recuperara de problemas de saúde após o parto. Cinco meninas, cada uma com uma história de perda e abandono, acolhidas por Ernesto e a sua esposa.
— O teu pai é um bom homem — disse Mariana.
— É o melhor — concordou Daniela. — Por isso dói tanto que a minha mãe se tenha ido. Ele não merecia isso.
— Não vou perguntar-te sobre a tua mãe — disse Mariana, enquanto lavavam a louça. — Vais contar-mo se quiseres.
— Foi-se embora — disse Daniela, finalmente. — Simplesmente fez as malas e partiu. Nem sequer se despediu.
— Cuidas muito bem das tuas irmãs — disse Mariana.
— Alguém tem de o fazer.
— Mas tu também és uma menina. Mereces brincar, divertir-te, não te preocupares tanto.
— Agora ficamos nós duas — disse Mariana, gentilmente. — Já não tens de carregar tudo sozinha.
Nos dias seguintes, Mariana estabeleceu uma rotina. Ela cuidava da casa e das meninas mais pequenas de manhã. À tarde, ajudava Renata e Valéria com os trabalhos de casa, e as noites eram de histórias. As conservas que fazia em excesso começaram a ser vendidas na vila, garantindo um pequeno rendimento extra.
Três dias depois, Mariana decidiu enfrentar o jardim, que estava abandonado.
— A minha mãe é que cuidava da horta — disse Daniela. — Desde que ela se foi, ninguém mais lhe deu a devida atenção.
— Então é hora de alguém cuidar dela de novo — disse Mariana, convidando-a a ajudar.
Trabalharam lado a lado, e a tensão entre elas diminuiu. Daniela contou que a mãe tinha começado a chorar sem motivo antes de partir. — Estava estranha, calada. O pai disse que estava cansada, mas não era cansaço normal, era como se tivesse desaparecido por dentro antes de desaparecer por fora.
— Eu não me vou embora — prometeu Mariana.
Naquela noite, Daniela trouxe-lhe uma caixa de sementes. — Encontrei isto no sótão. A minha mãe guardava sementes das melhores plantas. Pensei que talvez quisesse semear.
— Obrigada, Daniela — disse Mariana, comovida.
Com o passar das semanas, Mariana notou as mudanças. As cortinas estavam limpas, a casa cheirava a comida caseira. Ernesto chegava a casa mais cedo, já que não precisava de se preocupar tanto com as tarefas domésticas.
— A casa está diferente — disse Ernesto, uma noite, enquanto tomava café e a observava a trabalhar. — Mais viva. Como deve ser uma casa.
— Eu estou a gostar de estar aqui — admitiu Mariana. — Mais do que imaginei que gostaria.
— Eu também tenho passado por acusações injustas — disse Ernesto, respondendo a uma pergunta de Mariana sobre o seu passado. — Quando a minha esposa se foi, muitos na vila pensaram que eu tinha feito algo de errado. Ninguém queria acreditar que ela simplesmente escolheu partir.
— Eu também fui acusada injustamente — disse Mariana, partilhando a sua própria história de ser despedida e difamada.
— É forte — disse Ernesto, com admiração nos olhos. — Mais do que imaginei quando a encontrei naquela estrada.
Um sábado, o irmão de Ernesto, Roberto, apareceu na fazenda, trazendo problemas. — Preciso de dinheiro. Cinquenta mil pesos. Tenho dívidas sérias.
— Quantas vezes vamos repetir esta história, Roberto? — perguntou Ernesto, com voz dura. — Três vezes eu paguei as tuas dívidas, três vezes prometeste mudar.
Roberto tentou manipular o irmão, dizendo que tinha direito a metade da fazenda. Ernesto estabeleceu limites claros.
— Tenho cinco mil guardados. É tudo o que posso dar-te. Sem pôr em risco as minhas filhas. É a última vez.
Roberto pegou no dinheiro e partiu sem um agradecimento. Ernesto estava visivelmente abalado. Mariana aproximou-se e abraçou-o. Foi um abraço rápido, quase desesperado, de alguém que precisava de saber que não estava completamente sozinho.
— Obrigado — murmurou ele. — Por estar aqui.
— Não fiz nada de mais — respondeu Mariana. — É o que fazemos pelas pessoas que amamos.
Na manhã seguinte, Mariana vestiu-se e saiu para o campo. Daniela parou-a.
— É o tio Roberto, não é? Veio pedir dinheiro de novo.
— O teu pai disse que não hoje — garantiu Mariana. — Estabeleceu limites claros.
— O pai é demasiado bom — disse Daniela. — Sempre a tentar salvar toda a gente, mesmo quando não pode.
— Tu também cuidas de todos — disse Mariana, com um pequeno sorriso. — Mesmo quando devias estar a ser apenas uma criança.
— Aprendi com os melhores — respondeu Daniela, com um brilho nos olhos.
Um sábado, quando a família estava reunida para almoçar, a porta abriu-se. Uma mulher apareceu, magra, com olheiras profundas, mas os olhos azuis de Daniela.
— Cláudia — sussurrou Ernesto.
— Voltei — disse a mãe biológica das meninas.
O prato que Daniela segurava caiu no chão, estilhaçando-se.
— Voltaste? — gritou Daniela, finalmente a chorar. — Foste-te embora por dois anos, sem uma palavra, e agora apareces a dizer que voltaste?
— Estava doente — suplicou Cláudia. — Estava deprimida. Tinha de sarar antes de poder voltar.
— Nós também precisávamos de ti! — soluçou Renata.
— E tu quem és? — perguntou Cláudia a Mariana, reparando nela pela primeira vez.
— Sou Mariana Gutiérrez — respondeu ela, com a voz firme. — Trabalho aqui como empregada doméstica e cuido das meninas.
— Ela é mais do que isso — disse Daniela, ferozmente. — Ela ficou.
— Vim buscar as minhas filhas — disse Cláudia a Ernesto. — Sou a mãe delas.
— Perdeste o direito de as chamar tuas quando te foste embora! — gritou Ernesto, com raiva.
— Não queremos ir contigo — disse Daniela, a sua voz clara e firme, apesar das lágrimas. — A Mariana é quem cuida de nós agora.
Cláudia, com o rosto desfeito, pediu para falar a sós com Ernesto.
— Vai levá-las para longe? — perguntou Júlia a Mariana, com o lábio a tremer.
— O vosso pai não vai permitir que nada vos aconteça — disse Mariana.
Ernesto e Cláudia falaram por quase uma hora. Quando Cláudia partiu, sem olhar para trás, Ernesto sentou-se à mesa, o rosto nas mãos. — Ela vai-me processar. Vai entrar com um pedido de custódia.
— Vamos lutar — disse Mariana, segurando-lhe a mão. — As meninas também são minhas agora.
A batalha foi tensa. O Dr. Torres, o advogado, aconselhou-os a construir um caso sólido. Daniela insistiu em escrever uma carta ao juiz, contando como Mariana a tinha permitido voltar a ser criança.
— Eu escolho ficar com quem nunca me abandonou — escreveu a menina.
— Estou apaixonado por ti, Mariana — disse Ernesto, uma noite, na horta, no meio da incerteza. — Eu também te amo.
— Depois de tudo se resolver, quero casar contigo de verdade — disse Ernesto.
Duas semanas depois, o juiz decidiu: a custódia ficaria com Ernesto. Cláudia teria direito a visitas, mas só se as meninas quisessem.
— Ficamos — disse Ernesto, as lágrimas nos olhos. — Ficamos com as meninas.
O casamento foi marcado para seis meses depois. A comunidade, incluindo Dona Mercedes, uniu-se para celebrar. Na manhã do casamento, Daniela ajudou Mariana a vestir-se.
— Estás linda, Mamãe Mariana — disse Daniela.
Na horta, onde se tinham beijado pela primeira vez, Ernesto ajoelhou-se e entregou-lhe um anel da sua avó.
— Mariana Gutiérrez, farias a honra de te tornares a minha esposa, de seres oficialmente mãe das minhas filhas?
— Sim — disse Mariana, entre lágrimas felizes. — Mil vezes sim.
Caminharam pelo corredor da igreja com as cinco meninas ao seu redor, uma família estranha e remendada, mas verdadeira. Ernesto e Mariana construíram uma vida juntos, e o amor continuou a crescer. Três anos depois, Mariana deu à luz o seu primeiro filho biológico, Miguel. As cinco meninas adoraram o irmão.
Anos mais tarde, Mariana olhou para os seus seis filhos e netos a brincar no pátio da fazenda.
— Arrependimentos? — perguntou Ernesto, segurando-lhe a mão.
— Nenhum — respondeu Mariana. — Cada momento difícil valeu a pena para chegar aqui.
Eles tinham perdido tudo, mas encontraram-se um ao outro, construindo um legado de que o lar não é um lugar, é onde está o amor. E que, às vezes, perder tudo é o primeiro passo para encontrar tudo o que realmente se precisa.