Os pais abandonam o filho adotivo durante uma mudança. Dias depois, o novo inquilino o encontra…

— Não, por favor, não se vão sem mim! Ei, voltem! Papá, mamã, Clara, estou aqui! Deixaram-me para trás! Por favor, regressem! Não me deixem sozinho! — gritava o pequeno Nico, de apenas dez anos, enquanto batia com força no vidro grosso da janela da sala.

Os seus bracinhos, magros e trémulos, insistiam em golpear o vidro, embora soubesse que ninguém o ouviria dali. Os seus olhos, cheios de lágrimas, não se descolavam do carro que se afastava cada vez mais. Era o carro da sua família, carregado de caixas e malas presas no tejadilho: a mudança. Iam-se embora sem ele.

Nico ficou ali, imóvel como uma estátua, preso entre a esperança e o choque. Estava certo de que, a qualquer momento, o carro travaria, que os seus pais dariam por ele, que regressariam a correr para o procurar, que ririam do mal-entendido e o abraçariam com força. Afinal, quem deixaria um filho para trás assim? Não fazia sentido.

Mas o carro não travou. Continuou a avançar cada vez mais rápido, desaparecendo pouco a pouco pelo caminho de terra. Nico manteve o olhar fixo até que o veículo se tornou um ponto distante e depois deixou de existir.

O silêncio após ver o carro desaparecer foi ensurdecedor. Quando se apercebeu de que ninguém voltaria, o pânico começou a crescer-lhe por dentro. Deu um passo para trás. Depois, outro. E, de repente, girou sobre os pés e começou a correr pela casa, os olhos arregalados e o coração a mil.

Aquela casa que antes tinha tanta vida estava vazia, completamente vazia. Nico correu até à porta da sala e rodou o puxador com força: estava trancada. Com as mãos suadas, voltou a tentar, desta vez com mais força, mas foi inútil. Virou-se para a cozinha: também trancada. O desespero levou-o a vasculhar cada canto da casa, buscando uma saída, mas todas as portas estavam fechadas. Todas as janelas, firmemente fechadas. Era como se o tivessem deixado trancado de propósito.

— Isto não pode estar a acontecer. Eles… eles não se puderam esquecer de mim — disse Nico, a respirar com dificuldade, parado no meio da sala vazia.

Voltou a correr para a janela da sala. A rua lá fora estava agora deserta. Apenas o vento fazia ranger as folhas secas do jardim. O pequeno Nico encostou o rosto ao vidro, convencido de que o carro voltaria a aparecer, que tudo era apenas um erro.

— Não, eles têm que voltar. Eles vão voltar. Não me deixariam aqui sozinho — sussurrava, quase como uma prece.

Mas o tempo passou. Uma hora inteira arrastou-se lentamente. Nem o som de um motor, nem passos na entrada, nada da sua mãe, nada do seu pai, nem rasto da sua irmã, Clara. O silêncio era insuportável.

Exausto, o menino deixou-se cair no chão, encostando as costas à parede. Os seus olhos continuavam a olhar para a rua, mas agora com um brilho diferente, um brilho de dúvida. Uma confusão dolorosa começava a apoderar-se dele.

— Talvez… talvez eles pensem que estou a dormir no banco de trás. Não deram conta de que não entrei no carro — sussurrava, a tentar convencer-se. — De certeza que a Clara estava com o telemóvel, a jogar os seus joguinhos parvos de sempre, e não notou que eu não estava.

Mas, à medida que os minutos passavam, essa esperança também se esvaía. Se tivesse sido um erro, já teriam regressado.

As horas continuavam a avançar. O céu, antes azul, tornava-se laranja e dourado. Logo, a escuridão começou a instalar-se. O menino levantou-se, assustado, ao ouvir um ruído. Mamã, chamou, com esperança. Mas sentiu o rugido do seu estômago. Desde que acordou, não tinha comido nada.

Correu para a cozinha, mas o que encontrou ali foi ainda mais desesperante. A cozinha, tal como o resto da casa, estava completamente vazia. Não havia frigorífico, fogão, nem sequer uma garrafa de água ou um pacote de bolachas esquecido. Só havia um armário velho, coberto de pó.

Nico abriu todas as portas, revistou até ao último canto, mas não encontrou nada. A única coisa que restava ali era o som da sua barriga a roer e a sensação cada vez mais forte da sede a apertar-lhe a garganta.

Correu para o lava-loiças, abriu a torneira… e nada. Nem uma gota. A água também se tinha ido. A boca seca começou a incomodá-lo. A cabeça dava voltas. O medo começou a subir-lhe pelo peito como uma onda.

Estava totalmente encerrado. O pânico ameaçava explodir, mas Nico conteve o choro por uns segundos, até que já não conseguiu mais. Os seus olhos encheram-se de lágrimas, e ele deslizou lentamente pela parede, até ficar sentado no chão gelado da sala. Chorando em silêncio, abraçou os próprios joelhos.

A casa estava escura, fria e muda. O lugar onde tinha crescido, onde via a sua irmã pentear o cabelo das suas bonecas, onde ouvia a mãe trautear na cozinha e o pai queixar-se do futebol, agora não era mais do que uma caixa vazia.

— Porquê? — sussurrou, entre lágrimas. — Por que é que me deixaram aqui? O que fiz? O que fiz para que me abandonassem?

Sem esperança, o pequeno Nico fechou os olhos com força, tentando escapar da cruel realidade. E, naquele instante, algo aconteceu. A sua mente transportou-o para outro tempo, para outro momento.

Quando voltou a abrir os olhos, já não estava na escuridão. Estava de volta àquela casa, mas de um modo completamente diferente. A casa estava cheia de vida. O aroma de comida pairava no ar.

— Golo! — gritou Pedro, o pai de Nico, eufórico, a ver um jogo de futebol.

Clara, a sua irmã, ouvia música alta e dançava no quarto. Na cozinha, Soraya, a sua mãe, mexia os tachos enquanto trauteava uma canção.

Nico começou a caminhar pela casa, a observar cada detalhe. O pó acumulava-se nos cantos. Os quadros continuavam tortos. Chegou à porta do quarto de Clara. Estava entreaberta.

— Clara — perguntou, quase num sussurro —, posso pegar num lápis e numa folha? Quero fazer um desenho rapidinho.

A rapariga não respondeu. Nico tentou de novo, e depois uma terceira vez. Nada.

Pensando que não haveria problema, estendeu a mão para pegar num lápis. Mas, assim que os seus dedos roçaram o lápis, Clara parou a música. Girou o corpo na direção do irmão, com uma expressão carregada de fúria.

— Mas o que é que pensas que estás a fazer, pirralho inútil?! — gritou Clara. — Eu… eu só queria desenhar um pouco.

— Quantas vezes te disse que não podes entrar aqui? Some daqui! Não toques nas minhas coisas! — Ela arrancou-lhe o lápis da mão com brutalidade.

Passos rápidos ressoaram no corredor. Soraya apareceu com o rosto irritado.

— O que é que se passa aqui? — perguntou a mãe.

— O que se passa é que este inútil está a chatear-me e a estragar as minhas coisas! — gritou Clara.

— Eu só queria desenhar, mamã. Só um bocadinho. Não ia estragar nada.

Mas Soraya não o deixou terminar.

— Cala-te, Nicolás! — gritou. — Isto acontece por te deixarmos solto nesta casa! Assim que nos viramos, já estás a fazer das tuas!

Agarrou-o com força pelos braços e arrastou-o pelo corredor, levando-o para a cozinha.

— Agora, lava todos estes pratos — ordenou, apontando para a pilha de loiça e tachos sujos. — E quando terminares, quero este chão a brilhar. Entendido?

A cozinha era um desastre total. Sem dizer uma palavra, Nico pegou na esponja e começou a esfregar. Era parte da sua rotina.

— Depois, limpas o frigorífico, que está uma nojeira. E mais tarde, cortas a relva, que já parece uma selva.

— Mamã, por que é que a Clara nunca ajuda? Por que é que sou sempre eu?

Soraya parou, o rosto endureceu.

— Porque a Clara não pode perder tempo com isso. Ela precisa de estudar, de descansar. Vai ser médica um dia, terá uma carreira brilhante. E tu tens que ajudar, contribuir de alguma maneira.

— Mas eu também quero ser médico.

A mãe soltou uma gargalhada de troça.

— Tu, médico? Se nem sequer estudas, não sabes sequer escrever o teu nome!

— Mas a mãe nunca me levou à escola — murmurou o menino.

— Tentei quando eras muito pequeno, mas não prestavas atenção a nada. Tinhas um défice. A escola não era para ti naquele momento, e tenho a certeza de que também não é agora. A vida é assim, Nicolás. Alguns nascem para ter cargos importantes, para ser médicos, advogados, e outros nascem para trabalhar duro. Tu nasceste para isso, e não há nada de mal. Devias agradecer por, pelo menos, ter uma família.

Nico assentiu, sem emoção. Sou parvo, de verdade, pensava em silêncio. Ela só está a dizer a verdade.

Um grito ressoou da sala: “Nicolás!” Era Pedro. O pai não gostava de esperar. Nico correu para a sala.

— Senhor — disse, aproximando-se do sofá.

Pedro nem sequer se virou. Estendeu a mão com uma garrafa de cerveja vazia. Nico pegou na garrafa e correu para a cozinha. Ao abrir o frigorífico, os seus olhos iluminaram-se ao ver um bolo de chocolate.

— A mãe fez este bolo? — perguntou, com os olhos a brilhar.

— Sim, fiz. Mas nem se te passe pela cabeça tocar-lhe. Esse bolo é para a Clara e as amigas dela, mais tarde.

Nico saiu com pressa, mas tropeçou num par de sapatos cor-de-rosa atirados ao chão. A garrafa de vidro caiu, partindo-se em mil pedaços. A cerveja espalhou-se pelo chão.

Pedro levantou-se do sofá como uma fera.

— Inútil! — gritou, avançando para o menino.

— Perdão, tropecei nos sapatos da Clara.

— Agora vais culpar a tua irmã! — Pedro levantou a mão e deu-lhe uma bofetada no rosto.

Nico caiu, levando a mão à bochecha.

— Sabes quanto custa uma cerveja dessas? Quantas horas tenho de trabalhar para comprar uma caixa?

Soraya apareceu.

— Levanta-te e limpa tudo isto já! E já agora, apanha os sapatos da tua irmã também, porque se o tivesses feito antes, como é o teu dever, nada disto teria acontecido. É a tua responsabilidade, entendeste? És um burro, não aprendes absolutamente nada.

Nico apenas assentiu. Recolheu os vidros partidos, limpou a cerveja e levou os sapatos para o quarto de Clara.

— E procura não chorar, pirralho. Os homens não choram.

Aquelas palavras ficaram a ressoar na mente de Nico. Soraya chamou-o para o almoço. Na mesa, pratos a transbordar, mas Nico recebeu um prato raso: uma colherada de arroz, um pouco de caldo de feijão aguado e uma perna de frango.

— Vais comer no canto da sala — disse a mãe. — E quando terminares, vais limpar a casa toda e depois, diretamente para o castigo. Ficarás lá até o dia acabar. Hoje portaste-te muito mal, e tens de aprender a saber qual é o teu lugar. Se melhorares amanhã, comes mais.

Nico sentou-se no chão, encolhido, e começou a comer em silêncio. As risadas vinham da mesa. Pedro ria alto. Clara contava histórias da escola. Soraya falava do bolo. E Nico, ali no canto, era invisível.

Quando voltou a abrir os olhos, Nico já não estava no passado. Só havia o silêncio frio daquela casa vazia e abandonada. O seu corpo raquítico era a prova de que não era a primeira vez que passava fome.

— Será que nunca me quiseram? — pensou, compreendendo, finalmente, a dura realidade.

Caminhou devagar pelos corredores. Parou em frente à porta do quarto de Clara, um lugar que sempre lhe foi proibido. A porta estava aberta. Ele entrou. No chão, à luz do luar, viu algo a brilhar: um lápis e uma folha de papel. Agachou-se, pegou neles e sentou-se no chão. Começou a desenhar: um carro a afastar-se, um menino a chorar na janela.

Ali, naquele chão gelado, com os olhos pesados de sono, Nico adormeceu.

Quando acordou, a luz forte do sol atingiu-o na cara. O seu estômago roncava, e a boca estava seca. Levantou-se num salto. Estava sozinho.

Correu para a lavandaria e o seu coração quase lhe saiu do peito quando viu um balde. E tinha água. Sem pensar duas vezes, ajoelhou-se e enfiou a cara no balde, bebendo até à última gota.

Ao levantar a cabeça, viu o seu reflexo: o rosto magro, os olhos encovados. Voltou a ser arrastado para o passado. Dois dias antes.

— Hoje não precisas de limpar a casa, Nicolás. Vamos mudar-nos. Vamos para a cidade grande. Hoje, em vez de limpar, vais ajudar a empacotar tudo.

Nico entusiasmou-se. Mas, longe dele, Soraya falava com Pedro em voz baixa:

— E então, o que vamos fazer com o pirralho?

— Deixamo-lo. Não há como levá-lo para a cidade. Lá, vai ser difícil tê-lo trancado. E se ele foge? Se fala, estamos perdidos.

— E quem é que vai lavar os vestidos da Clara?

— Arranjamo-nos. Mas o Nico, ele não vai. Já basta de aturar essa criança.

A crueldade daquelas palavras era tão natural que quase passava despercebida. Nicolás não era filho deles, não de sangue. Não era filho biológico de Soraya, nem de Pedro.

E a casa nunca lhes tinha pertencido. Era dos verdadeiros pais de Nicolás, de quem Soraya e Pedro se livraram para se apoderarem do que lhes pertencia. Agora, que a casa estava deteriorada, estavam prontos para ir embora.

— E quem é que acha que vai vir a este canto perdido, Pedro? O novo dono quis fazer tudo pela internet. Quando chegarem, essa peste do Nicolás já vai estar morta. Vão pensar que era só um pirralho de rua, um intruso que entrou e morreu de fome.

De volta ao presente, Nico estava desesperado. A sua força esgotava-se a cada tentativa de encontrar uma saída. O seu corpo já não respondia bem. Cinco dias se passaram.

Noutra parte do estado, um carro modesto percorria os caminhos de terra. Ao volante, Héctor, um homem de pouco mais de 30 anos, com um sorriso sereno. Não era milionário, mas era um empresário estável.

— Preciso de um descanso. Passar uns meses mais perto da natureza, longe do caos da cidade, vai fazer-me bem — disse Héctor ao telemóvel, à sua irmã.

Ele tinha comprado a casa pela internet. Chegou à propriedade e saiu do carro. A casa parecia abandonada, mas Héctor sorriu. Vou transformar esta casa num lar, pensou, caminhando para a porta.

O que encontrou lá dentro não foi o que esperava. O espaço estava vazio, mas sentiu um frio estranho a percorrer-lhe a espinha. Sentia que algo ali não estava bem. Começou a explorar os corredores e ouviu um som baixo, fraco, quase impercetível. Um bater leve, rítmico e constante. O som vinha de um dos quartos.

Com a mão a tremer, empurrou lentamente a porta, e a cena que viu fê-lo paralisar. No chão, deitado de lado, havia um menino, tão magro que se lhe notavam os ossos sob a pele, os lábios rachados, os olhos encovados, o corpo a tremer levemente. Era ele que batia com a palma fraca da mão contra a porta.

— Meu Deus, meu Deus, santo — disse Héctor, em estado de choque.

O menino girou o rosto com dificuldade. A voz saiu fraca.

— Ajuda-me. Por favor, ajuda-me.

Héctor correu para o carro. Voltou com uma garrafa de água, frutas e um saco de dormir.

— Despacio, despacio — disse, enquanto Nico bebia desesperado. — Tudo vai ficar bem. Eu vou ajudar-te.

Nico comeu um pequeno pedaço de maçã. O sabor doce encheu a sua boca como um milagre.

— Obrigado.

— Vais ficar bem, prometo — disse Héctor. — Vamos ter que ficar aqui esta noite, mas tranquilo. Há água, comida, mantas quentes.

Na manhã seguinte, Nico despertou sentindo uma leveza no corpo. Um aroma delicioso vinha lá de fora. Héctor preparava o pequeno-almoço sobre uma manta, no meio da relva.

— Vem comer comigo. Preparei para nós — disse Héctor, com naturalidade.

Nico não conseguiu mais. Correu para ele, abraçou-o e começou a chorar.

— Já agradeceste bastante, agora é momento de desfrutar.

Sentaram-se juntos. Nico comia devagar.

— Depois do pequeno-almoço, vamos para a cidade. Quero levar-te ao hospital e também preciso de procurar a tua família.

Nico encolheu-se, desviou o olhar.

— Não queres ver a tua família? Foram eles que te deixaram aqui assim?

Nico assentiu lentamente.

— Podes confiar em mim. Estou aqui para te proteger, e ninguém te voltará a fazer mal. Mas, para isso, preciso de saber o que se passou.

Nico contou tudo: os gritos, as humilhações, os pratos separados, os castigos, a violência. Héctor ouviu em silêncio.

— Ninguém mais te vai fazer mal. Prometo.

Ao regressarem à casa, enquanto caminhavam pela velha divisão, Héctor tropeçou numa tábua solta no chão. Agachou-se, puxou-a com cuidado e o chão abriu-se. Uma entrada secreta revelou-se, um buraco que descia diretamente para debaixo da casa.

— Há algo lá em baixo.

Nico aproximou-se.

— Isso… isso sempre esteve aí. Ninguém sabia disto.

Héctor acendeu uma lanterna e desceu. A sala subterrânea estava cheia de objetos reluzentes. Quadros valiosíssimos, prataria, jóias e lingotes de ouro.

— Meu Deus, isto vale uma fortuna! — exclamou Héctor.

Nico não conseguia desviar o olhar. E ali, numa prateleira, havia um porta-retratos: uma fotografia de um casal sorridente em frente àquela mesma casa, mas restaurada, e a mulher segurava um bebé nos braços.

Ao lado, um diário antigo. Héctor começou a ler em voz alta: “Hoje é um dos dias mais felizes da minha vida. Descobrimos que vamos ter um filho. Chamá-lo-emos Nicolás em homenagem ao meu pai.”

O diário falava do nascimento e da vida feliz naquela casa. A mulher relatava os detalhes da chegada dos novos empregados: Soraya, a nova empregada doméstica, com a sua filha Clara, e Pedro, o jardineiro.

— Eles… eles roubaram-me tudo — sussurrou Nico, com a voz quebrada. — Até a minha origem.

— Temos que ir para a polícia agora.

Héctor ligou para a sua irmã, que reagiu horrorizada. Enquanto isso, na cidade, Soraya queixava-se na cozinha.

— Meu Deus, quantos pratos! Não dou conta. A Clara não vai lavar nada. E o Pedro não se levanta para buscar a cerveja!

— E o que vamos fazer com o que resta da venda da casa velha? — perguntou Pedro.

— Vamos fazer outro golpe. Há muitos velhos tolos nesta cidade.

Clara, a ver televisão, gritou: “Papá, mamã, venham já, é urgente!”

Na televisão, o jornalista falava: “Um menino foi encontrado em estado deplorável no interior de uma antiga propriedade rural. O mais surpreendente: junto a ele, descobriu-se uma fortuna estimada em mais de 100 milhões de dólares, escondida numa divisão subterrânea secreta da casa.”

— Imbecil, disse-te para arranjar aquela tábua! — gritou Soraya. — Se o tivesses feito, agora éramos multimilionários!

— Essa fortuna é nossa! — gritou Clara.

— Vamos para o hospital! — disse Soraya, com ambição nos olhos. — Vamos recuperar o nosso filhinho, e depois anulamos a venda da casa.

No hospital, Nico recuperava-se. Héctor estava sempre ao seu lado.

— Se eles não são os meus pais, e os verdadeiros já não estão, queres ser o meu novo pai? — perguntou Nico, baixinho.

Os olhos de Héctor encheram-se de lágrimas.

— Sim, Nicolás, quero ser o teu pai.

Naquele momento, Soraya, Pedro e Clara irromperam na receção.

— Onde está o meu menino? Vim buscar o meu filhinho querido! — gritava Soraya, com uma voz dramática e falsa.

— Entregue-nos a chave da casa. Vamos cuidar do nosso tesouro.

Héctor virou-se para o comissário.

— Oficiais, algemem os dois e levem a rapariga para um centro de acolhimento.

— Estão a ser presos por maus-tratos infantis, tentativa de homicídio, falsidade ideológica, roubo e assassinato de um casal. Abandonaram esta criança para que morresse.

Nico olhou para Soraya, Pedro e Clara, que foram levados algemados. A verdade tinha vindo à tona.

Dias depois, no hospital, Nico perguntou a Héctor:

— Alexandra e o tio António foram presos?

— Sim, e o polícia corrupto também. E todos os documentos originais apareceram. Nicolás, tu és o legítimo herdeiro da fortuna escondida na casa.

Héctor não tocou num cêntimo. Regressaram à antiga casa, mas desta vez, com novos olhos. Pintaram as paredes, restauraram o jardim. O lugar que antes albergava medo e silêncio vibrava agora com amor, vida e calor.

Nico deixou de ser o menino magro e apagado. Começou a ganhar peso, a sorrir mais, a dormir em paz. Héctor conheceu uma professora que se tornou uma mãe amorosa para Nico. O menino demonstrou ser um génio na escola e, anos depois, com esforço e dedicação, tornou-se médico.

Clara, por sua vez, rejeitou toda a oportunidade de mudar. Envolveu-se com gente errada e acabou presa. Ironia do destino, encontrou-se na prisão com a mãe, Soraya, agora envelhecida, doente e destruída.

A justiça pode tardar, mas sempre chega. E, como diz o velho ditado, quem faz, paga.

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