Bem-vindo a este percurso por um dos casos mais inquietantes registrados na história de São Paulo. Antes de iniciar, convido você a deixar nos comentários de onde está nos assistindo e a hora exata em que escuta esta narração. Interessa-nos saber até quais lugares e em quais momentos do dia ou da noite chegam estes relatos documentados. São Paulo, 1848.
A província ainda era um lugar modesto, com menos de 20.000 habitantes, concentrados principalmente no chamado triângulo histórico, formado pelas ruas São Bento, Direita e 15 de novembro. As casas, em sua maioria de taipa, exibiam um estilo colonial que resistia ao tempo, com seus telhados de duas águas e sacadas de madeira.
O rio Tamanduateí, ainda não canalizado, serpenteava pela cidade, servindo como rota essencial para o transporte de mercadorias. Era uma São Paulo bem diferente da metrópole, que viria a se tornar décadas depois, com a explosão do café e a chegada das ferrovias. Naquele tempo, a cidade vivia um momento de transições importantes.

A Faculdade de Direito do Largo São Francisco, inaugurada 20 anos antes, em 1828, já atraía estudantes de várias partes do país, alterando profundamente a dinâmica social da pequena capital. A economia da província dava seus primeiros passos para sair da subsistência e ingressar numa fase mais comercial. O sistema eleitoral brasileiro havia passado por mudanças recentes e na França e na Suíça, o sufrágio universal acabava de ser introduzido naquele mesmo ano.
Eccos distantes de transformações que de alguma forma chegavam até mesmo aos rincões mais afastados do império do Brasil. É neste cenário que encontramos a história de Bento Albuquerque e Clara Nogueira, um casal cuja trágica existência permaneceria arquivada e esquecida por mais de um século até ser redescoberta em circunstâncias tão perturbadoras quanto os eventos originais.
Bento Albuquerque era um comerciante respeitado na região da rua do Comércio, atual rua Álvares Penteado. Filho de portugueses, havia herdado do pai uma pequena casa de comércio, onde vendia desde produtos importados até artigos de primeira necessidade. Aos 42 anos, era conhecido por sua pontualidade, descrição e pelo olhar sempre fixo no horizonte, como se buscasse algo além da linha do tempo.
Clara Nogueira, sua esposa há 15 anos, vinha de uma família tradicional de Santana de Parnaíba e administrava os assuntos domésticos com a mesma eficiência com que seu marido conduzia os negócios. O casal residia em uma casa ampla na região do atual bairro da luz, próximo ao convento da luz, um dos poucos edifícios imponentes da cidade naquela época.
A residência de dois pavimentos destacava-se entre as demais construções da vizinhança, não apenas pelo tamanho, mas pela peculiar atmosfera de silêncio que parecia envolvê-la. Vizinhos relatavam que mesmo nos dias mais quentes, quando as janelas de todas as casas permaneciam abertas para aliviar o calor, a casa dos Albuquerque mantinha-se sempre fechada, como se guardasse um segredo pesado demais para ser exposto à luz do dia.
Clara e Bento não tinham filhos, o que naquela época era motivo de coxichos e especulações. Quando Deus não dá filhos, o diabo dá pensamentos, diziam as senhoras mais velhas do bairro após as missas de domingo na Igreja da Luz. Ainda assim, o casal mantinha uma rotina absolutamente comum.
Bento saía todas as manhãs para sua loja e retornava ao entardecer. Clara cuidava da casa e ocasionalmente visitava o mercado ou a igreja. Uma vez por mês, recebiam o padre Anselmo para um jantar. Ocasião em que a casa se iluminava brevemente, apenas para voltar à sua habitual penumbra logo depois. Foi numa manhã de abril de 1848 que a rotina da cidade se quebrou. Bento Albuquerque não abriu sua loja.
O fato, por si só, já seria digno de nota, pois em 20 anos de comércio era a primeira vez que isso acontecia. Seus empregados, dois jovens aprendizes e um escravo liberto chamado Joaquim, aguardaram por quase duas horas na porta do estabelecimento, até que o mais velho deles decidiu ir até a residência do patrão para verificar o que havia ocorrido.
O que o jovem encontrou ao chegar à casa dos Albuquerque iniciaria um dos casos mais perturbadores da história de São Paulo. mistério que ecoaria por gerações, embora tenha sido meticulosamente silenciado por aqueles que detinham o poder na província. Segundo consta no registro oficial preservado nos arquivos da antiga Câmara Municipal, ao chegar à residência, o aprendiz Antônio Vieira encontrou a porta entreaberta, fato incomum para uma casa que sempre permanecia hermeticamente fechada.
Ao entrar, chamou por seu patrão e pela senora Clara, mas não obteve resposta. A sala principal estava em perfeita ordem, assim como a cozinha e os quartos do primeiro andar. Foi apenas ao subir para o segundo pavimento que Antônio se deparou com o que descreveria mais tarde como uma cena que nem o mais horrível pesadelo poderia conceber.
Bento Albuquerque estava sentado em sua poltrona preferida, ainda vestido com o terno que usava para ir à loja, as mãos cuidadosamente pousadas sobre os braços do assento, como se estivesse apenas descansando. Seus olhos, no entanto, fitavam o vazio com uma expressão que o jovem aprendiz descreveu como o olhar de quem viu o que nenhum homem deveria ver.
Na cama, perfeitamente arrumada, jazia Clara Nogueira, vestida com seu melhor vestido de seda azul, as mãos delicadamente cruzadas sobre o peito, como se tivesse sido preparada para seu velório. Não havia sinais de violência, não havia sangue, nem desordem, nem qualquer indício de luta, apenas um silêncio denso e o cheiro fraco de cera de velas recém apagadas.
O jovem Antônio correu para buscar ajuda e em poucas horas a notícia se espalhou pela pequena São Paulo. As autoridades foram chamadas e o delegado Francisco de Paula Xavier de Toledo assumiu pessoalmente o caso. Segundo consta em seu relatório preliminar, hoje preservado no Arquivo do Estado de São Paulo, tanto Bento quanto Clara haviam falecido por causas indeterminadas.
Não encontramos quaisquer marcas nos corpos, nem indícios de envenenamento ou violência”, escreveu o delegado. Os servos da casa, interrogados separadamente, afirmam que o casal havia se recolhido na noite anterior, como de costume, sem nada que indicasse perturbação ou anormalidade. O caso poderia ter terminado aí, mais um mistério sem solução em uma época em que as investigações eram limitadas pela ciência disponível.
Mas o que tornaria o caso dos Albquerque verdadeiramente perturbador seriam os eventos subsequentes e as descobertas feitas no porão da casa. Um cômodo cuja existência era desconhecida até mesmo dos empregados mais antigos. Foi durante o inventário dos bens realizado três dias após a descoberta dos corpos, que o escrivão Martinho de Oliveira notou algo estranho no açoalho da sala de jantar, uma pequena argola de metal, quase imperceptível, inserida entre as tábuas de madeira. Ao puxá-la, revelou-se um alçapão que levava a uma escada íngreme
e estreita. O que foi encontrado naquele porão mudaria completamente o rumo das investigações e lançaria uma sombra sobre a memória do respeitado comerciante e sua esposa. De acordo com as anotações do escrivão, que foram posteriormente classificadas e arquivadas sobilo por ordem do presidente da província, o porão continha uma sala circular de aproximadamente 4 m de diâmetro.
As paredes estavam cobertas por estantes repletas de livros em diversos idiomas, muitos deles proibidos pela igreja na época e manuscritos aparentemente escritos pelo próprio Bento Albuquerque. No centro da sala havia uma mesa de madeira escura com entalhes complexos ao longo de suas bordas.
Sobre a mesa, um diário de capa preta e um conjunto de objetos cuidadosamente organizados. Sete pequenas pedras dispostas em círculo, uma balança de precisão, frascos contendo diversos pós e líquidos e uma coleção de mapas antigos da região de São Paulo, com marcações em locais específicos, muitos deles correspondendo a antigos cemitérios indígenas e locais de execuções durante o período colonial.
Mas o que realmente chocou as autoridades foram os desenhos nas paredes feitos com um pigmento escuro que, segundo análises posteriores realizadas em 1862 pela Faculdade de Medicina continha traços de sangue humano. Os desenhos representavam uma sequência de símbolos que nenhum dos presentes conseguiu identificar, exceto por um um círculo com uma cruz invertida em seu centro.
O diário encontrado na mesa revelou-se ainda mais perturbador. Escrito ao longo de 20 anos, continha registros detalhados de experimentos que Bento Albuquerque realizara em busca do que ele chamava de a língua primordial, um idioma que, segundo suas anotações, seria capaz de dobrar as leis naturais e estabelecer comunicação com o que existe além do véu do tempo.
As últimas páginas do diário, datadas de três dias antes da morte do casal, descreviam o que parecia ser a conclusão bem-sucedida de seus experimentos. “Clara finalmente compreendeu a pronúncia exata das sete palavras”, escreveu Bento. “Esta noite, quando o relógio da catedral bater meia-noite, realizaremos a invocação final.
Se formos bem-sucedidos, veremos o que nenhum olho humano jamais viu, o rosto daquele que nos observa de fora do tempo. A entrada final, escrita com uma caligrafia trêmula e quase ilegível, continha apenas uma frase. Ele veio e não estava sozinho. O delegado Francisco de Toledo ordenou que o porão fosse imediatamente lacrado e que todos os objetos e documentos fossem enviados ao palácio do governo provincial.
Segundo registros oficiais, o caso foi encerrado como morte por causas naturais e a casa dos Albuquerque foi demolida menos de um mês depois, por ordem direta do presidente da província. Os documentos relacionados ao caso permaneceram arquivados e esquecidos até 1963, quando o historiador Paulo Mendes, durante uma pesquisa nos arquivos do antigo império para sua tese sobre crimes na São Paulo colonial, encontrou as anotações do escrivão Martinho de Oliveira e alguns fragmentos do diário de Bento Albuquerque. Intrigado com o
caso, Mendes decidiu aprofundar sua investigação. Descobriu que, nos meses seguintes à morte dos Albuquerque, outras seis pessoas morreram em circunstâncias similares em São Paulo, todas encontradas em suas casas, sem marcas de violência, com expressões de terror congeladas em seus rostos.
Em todos os casos, as vítimas tinham alguma conexão com Bento, um fornecedor de sua loja, dois clientes frequentes, um vizinho, o padre Anselmo e, curiosamente, o delegado Francisco de Toledo, encontrado morto em seu escritório exatamente três meses após o início das investigações. Mais perturbador ainda foi descobrir que todos os envolvidos diretamente na investigação, o jovem aprendiz Antônio Vieira, o escrivão Martinho de Oliveira, os policiais que primeiro entraram na casa faleceram antes de completar 40 anos, a maioria em circunstâncias
consideradas estranhas nos registros da época. Em suas anotações pessoais encontradas após sua própria morte repentina em 1964, Paulo Mendes escreveu que havia conseguido decifrar parte dos símbolos encontrados nas paredes do porão. Segundo ele, tratava-se de uma variação de um antigo sistema de escrita usado por tribos indígenas que habitavam a região de São Paulo antes da chegada dos portugueses.
Os símbolos formariam uma espécie de convite ou portal para entidades que existiriam em um plano paralelo ao nosso. O mais assustador”, escreveu Mendes em sua última anotação, “É que quanto mais estudo esses símbolos, mais tenho a impressão de que eles estão me observando de volta.” Ontem à noite acordei com a certeza de que havia alguém parado aos pés da minha cama.
Podia sentir sua respiração, embora não conseguisse vê-lo na escuridão. E o mais estranho, ele cheirava a cera de velas recém apagadas. Paulo Mendes foi encontrado morto em seu escritório na manhã seguinte, a causa oficial da morte, parada cardíaca. Seus documentos sobre o caso Albuquerque desapareceram misteriosamente dos arquivos da universidade e o caso voltou a ser esquecido por mais algumas décadas.
Em 2001, durante as escavações para a construção de um edifício comercial na região da luz, os trabalhadores encontraram os restos de uma antiga estrutura subterrânea que não constava em nenhuma planta oficial da cidade. Dentro dela, encravada na parede, havia uma caixa de chumbo selada, contendo um frasco de vidro com um líquido escurecido pelo tempo e um papel amarelado com sete palavras escritas em uma língua desconhecida.
O engenheiro responsável pela obra, intrigado com a descoberta, levou os objetos para sua casa para examiná-los melhor. Três dias depois, foi encontrado morto em seu escritório. Não havia sinais de violência. Apenas uma expressão de terror absoluto em seu rosto e, segundo o relatório policial, um estranho cheiro de cera de velas recém-apagadas.
Os objetos encontrados nas escavações foram enviados para análise no Instituto de Criminalística, mas desapareceram misteriosamente durante o transporte. O caso foi arquivado como roubo, embora nenhum outro item tenha sido levado da viatura policial. A construção do edifício foi abandonada após três acidentes fatais inexplicáveis no local, e o terreno permanece vazio até hoje, cercado por tapum e rumores.
Em 2011, a pesquisadora Mariana Santos do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, encontrou nos arquivos da Cúria Metropolitana um conjunto de cartas trocadas entre o padre Anselmo e o bispo de São Paulo nos meses que antecederam a morte dos Albuquerque. Nas cartas, o padre expressava preocupação com as atividades de Bento Albuquerque, a quem descrevia como um homem consumido por uma busca perigosa e blasfema.
Na última carta, datada de apenas uma semana antes das mortes, o padre Anselmo escreveu: “Visitei a casa dos Albuquerque ontem à noite, como de costume. Durante o jantar, Clara quase não falou, e seus olhos pareciam estranhamente vazios. Bento, por outro lado, mostrava-se excitado como nunca o vi antes. Quando me preparava para sair, ele me segurou pelo braço e sussurrou: “Anselmo, descobri algo que mudará tudo o que sabemos sobre a realidade.
Há algo observando-nos de fora do tempo, algo que esteve aqui muito antes de nós e permanecerá muito depois que o último de nós tenha se tornado pó”. e descobri como falar com ele. Confesso, excelência, que senti um calafrio percorrer minha espinha ao ouvir essas palavras e ver o brilho febril em seus olhos. Mariana Santos, intrigada com o caso, decidiu seguir os passos de Paulo Mendes e investigar o mistério dos Albuquerque.
Conseguiu reunir fragmentos de informações espalhados por diversos arquivos e bibliotecas. reconstruindo parte da história que havia sido deliberadamente apagada da memória oficial de São Paulo. Em suas pesquisas, descobriu que Bento Albuquerque não era apenas um comerciante comum. Antes de se estabelecer em São Paulo, havia estudado na Europa, frequentando círculos acadêmicos interessados em ocultismo e ciências esotéricas.
Seu retorno ao Brasil e a escolha de São Paulo como residência não foram acidentais. Segundo documentos encontrados por Mariana, Bento acreditava que a região possuía propriedades especiais relacionadas ao que ele chamava de junção temporal, locais onde a barreira entre diferentes planos de existência seria mais tênue.
Mais surpreendente foi a descoberta de que Clara, longe de ser apenas a esposa submissa, retratada nos registros oficiais, era na verdade uma mulher letrada e participava ativamente dos experimentos do marido. Filha de um curandeiro de Santana de Parnaíba, Clara havia crescido entre dois mundos, o catolicismo oficial e as práticas místicas indígenas preservadas secretamente por sua família.
Nos diários pessoais de Clara, encontrados por Mariana em uma coleção particular, ela descreve sonhos recorrentes em que uma entidade sem rosto a chamava pelo nome e lhe ensinava palavras em uma língua que ela nunca havia ouvido, mas compreendia perfeitamente ao despertar. “Cada noite ele me mostra um pouco mais”, escreveu Clara em um de seus últimos registros.
Diz que existe um mundo muito além deste, onde o tempo não flui da mesma forma. Um mundo onde poderíamos viver eternamente livres das limitações da carne. Bento acredita que finalmente estamos prontos para a travessia. Esta noite, quando o relógio bater meia-noite, diremos as sete palavras na sequência correta e o portal se abrirá. Tenho medo, mas também uma curiosidade que não consigo explicar.
O que nos aguarda do outro lado? À medida que Mariana aprofundava sua pesquisa, estranhos eventos começaram a ocorrer em sua vida. Objetos mudavam de lugar em seu apartamento quando ela estava fora. O cheiro de cera de velas invadia seu quarto no meio da noite, embora ela não tivesse velas em casa. e mais perturbador, começou a ter sonhos vívidos em que um homem e uma mulher, vestidos com roupas do século XIX lhe ensinavam palavras em uma língua que ela não reconhecia, mas compreendia perfeitamente ao acordar. Preocupada com os rumos que sua
pesquisa estava tomando, Mariana decidiu compartilhar suas descobertas com um colega do departamento, o professor Carlos Mendonça, especialista em antropologia religiosa. Após ouvir seu relato, Carlos ficou visivelmente pálido. “Você precisa parar com essa pesquisa imediatamente”, disse ele.
O que você está descrevendo não é apenas um caso histórico curioso, mas algo muito mais perigoso. Há certos conhecimentos que não deveriam ser desenterrados. Quando Mariana insistiu em saber mais, Carlos finalmente revelou que o caso dos Albuquerque não era isolado. Ao longo da história, em diferentes partes do mundo, havia registros de pessoas que tentaram estabelecer comunicação com o que algumas culturas chamavam de os observadores, entidades que existiriam fora do fluxo normal do tempo e observariam a humanidade desde o início de sua existência. Em todas as histórias,
explicou Carlos, o padrão é o mesmo. Alguém descobre uma forma de comunicação, geralmente através de sonhos ou rituais específicos. Inicialmente, as entidades parecem benevolentes, oferecendo conhecimento e promessas de poder ou imortalidade. Mas sempre, sem exceção, aqueles que estabelecem contato acabam encontrados mortos em circunstâncias misteriosas, com expressões de terror absoluto congeladas em seus rostos.
Mariana, embora assustada, não conseguiu abandonar sua pesquisa. havia chegado longe demais e a curiosidade científica falava mais alto que o medo. Nas semanas seguintes, continuou coletando informações, reconstruindo a história dos Albuquerque e tentando decifrar os símbolos que haviam sido encontrados nas paredes do porão.
Uma noite, enquanto trabalhava até tarde em seu apartamento, Mariana sentiu subitamente que não estava sozinha. O ar pareceu ficar mais denso e aquele familiar cheiro de cera de velas invadiu o ambiente. Ao olhar para a porta de seu escritório, viu duas silhuetas paradas na escuridão, um homem e uma mulher, vestidos com roupas do século XIX, seus rostos parcialmente ocultos pelas sombras.
Finalmente encontramos alguém que pode completar o que começamos”, disse a mulher com uma voz que parecia chegar de muito longe e ao mesmo tempo de dentro da própria mente de Mariana. Você já conhece seis das palavras, só falta uma. Foi nesse momento que Mariana percebeu com horror que havia algo errado com as figuras.
Embora parecessem sólidas à primeira vista, havia uma qualidade translúcida em suas formas, como se existissem parcialmente em outra dimensão. E seus olhos, seus olhos não eram humanos, eram vazios, como buracos negros que pareciam sugar a própria luz ao redor. Mariana tentou gritar, mas nenhum som saiu de sua garganta. tentou se mover, mas seu corpo não respondia. As figuras se aproximaram lentamente, estendendo suas mãos em direção a ela.
“Venha conosco”, disse o homem. “Ele está esperando por você. Ele tem esperado por tanto tempo. Nesse momento, o telefone de Mariana tocou, quebrando o transe. As figuras desapareceram instantaneamente, deixando apenas o cheiro de cera e uma sensação de frio intenso no ar. Era o professor Carlos ligando para verificar como ela estava, preocupado após vários dias sem notícias.
Abalada, Mariana contou o que havia acontecido. Carlos insistiu que ela viesse imediatamente para sua casa, onde estaria mais segura. No caminho, enquanto dirigia pela Avenida Paulista Deserta aquela hora da noite, Mariana percebeu algo estranho no banco do passageiro, uma pequena caixa de madeira que certamente não estava ali quando entrou no carro. Ao chegar à casa de Carlos, mostrou-lhe a caixa.
Dentro havia um papel amarelado com uma única palavra escrita em caracteres desconhecidos, mas que inexplicavelmente Mariana conseguia ler. “É sétima palavra”, disse ela com um olhar distante. “Agora sei todas elas”. Carlos, percebendo o perigo, tentou tomar o papel de suas mãos, mas era tarde demais.
Sem perceber o que fazia, como se estivesse em transe, Mariana começou a pronunciar as sete palavras em sequência, sua voz mudando gradualmente para um tom que não parecia humano. Ao pronunciar a última palavra, todas as luzes da casa se apagaram simultaneamente. o silêncio que se seguiu, eles ouviram algo se movendo na escuridão, algo grande que parecia se arrastar pelo teto acima de suas cabeças.
“O que foi isso?”, sussurrou Mariana, agora plenamente consciente e aterrorizada. “Você os chamou?”, respondeu Carlos, sua voz tremendo. “E eles vieram, mas não estão sozinhos. No dia seguinte, os corpos de Mariana Santos e Carlos Mendonça foram encontrados na sala de estar. Não havia sinais de violência, nenhuma marca em seus corpos, apenas expressões de terror absoluto congeladas em seus rostos e um estranho cheiro de cera de velas recém apagadas. Todos os documentos relacionados à pesquisa de Mariana sobre o caso Albuquerque desapareceram de seu
apartamento e do departamento na universidade. O caso foi oficialmente registrado como morte por causas naturais e logo foi esquecido pela imprensa e pelo público. Mas em certos círculos acadêmicos, o mistério dos Albuquerque continua sendo discutido em sussurros. E há rumores de que em noites especialmente silenciosas, moradores da região da luz relatam ver um casal vestido com roupas antigas caminhando lentamente pelas ruas desertas, como se procurassem algo ou alguém antes de desaparecerem nas sombras. As investigações oficiais sobre
o caso foram encerradas em 2011, sem conclusões definitivas. Os poucos documentos que restam estão arquivados sobilo no arquivo do Estado de São Paulo, acessíveis apenas mediante autorização especial. E dizem que aqueles que conseguem tal autorização e se aventuram a ler os relatórios originais, nunca mais são os mesmos.
Existe um último detalhe perturbador que merece ser mencionado. Nos últimos anos, pelo menos três pessoas que tentaram investigar o caso dos Albuquerque relataram experiências semelhantes, sonhos vívidos com um casal do século XIX, o cheiro de cera de velas em momentos inesperados e a sensação persistente de estarem sendo observadas por algo que existe fora do tempo normal.
Uma dessas pessoas, a jornalista Amanda Ribeiro, que preparava uma reportagem sobre mistérios históricos de São Paulo, deixou um último registro em seu diário antes de desaparecer misteriosamente em 2018. Sonhei com eles novamente na noite passada. Desta vez, mostraram-me um lugar. Parece ser uma construção antiga na região da luz. Disseram que há algo enterrado lá.

algo que nunca deveria ter sido encontrado. Estou indo verificar hoje. Se minhas suspeitas estiverem corretas, finalmente entenderei o que aconteceu com os Albuquerque naquela noite de abril de 1848. Sei que deveria ter medo, mas a curiosidade é mais forte. Além disso, já conheço seis das palavras, só falta uma.
Amanda nunca foi encontrada. Seu carro foi achado estacionado próximo a um terreno vazio na região da luz, o mesmo terreno onde em 2001 foram descobertos os artefatos misteriosos durante as escavações. Dentro do veículo, apenas seu diário e um forte cheiro de cera de velas recém-apagadas.
As páginas finais do diário continhos de símbolos estranhos, idênticos aos que teriam sido encontrados nas paredes do porão da casa dos Albuquerque, mais de 170 anos antes. E na última página, uma única frase escrita com uma caligrafia que não se parecia em nada com a de Amanda. Ele está observando e nunca esteve sozinho. O caso permanece aberto nos registros da Polícia de São Paulo.
Mais um mistério sem solução na história da cidade que cresceu às margens do Anhangabaú sobre fundações muito mais antigas e talvez muito mais perturbadoras do que a maioria de seus habitantes imagina. No entanto, há um epílogo para esta história que apenas recentemente veio à tona. Em dezembro de 2022, durante obras de renovação na rede de esgoto, na região da luz, operários encontraram uma cavidade subterrânea que não constava em nenhuma planta da cidade.
Dentro dela, um pequeno compartimento selado continha um conjunto de documentos em um estado de preservação surpreendente, considerando sua idade. Entre esses documentos estava um manuscrito assinado pelo padre Anselmo, datado de três dias antes de sua própria morte, em 1848. No texto, o religioso fazia uma confissão perturbadora.
Temo que tenha sido cúmplice, mesmo que involuntariamente de algo terrível. Durante anos, escutei as teorias de Bento Albuquerque sobre entidades que existem fora do nosso tempo, considerando-as apenas divagações de uma mente demasiadamente educada. Agora sei que estava errado. Na noite anterior à sua morte, Bento me confiou um segredo. Ele e Clara haviam conseguido estabelecer contato com algo que ele chamava de o Observador.
Acreditei naquele momento que era apenas mais uma de suas fantasias. Mas ontem à noite, após celebrar uma missa na Igreja da Luz, vi algo que jamais poderei esquecer. Ao retornar à minha residência, encontrei Bento e Clara parados na escuridão do meu quarto. Mas não eram realmente eles. Havia algo de errado, algo de profundamente antinatural em suas formas.
E seus olhos eram vazios como poços sem fundo. Eles falaram comigo sem mover os lábios, suas vozes soando diretamente em minha mente. Disseram que ele havia vindo e que agora estavam vivendo em um lugar além do vé do tempo. Disseram que eu deveria me juntar a eles, que só precisava conhecer sete palavras específicas.
começaram a me ensinar a primeira delas quando subitamente consegui gritar o nome de nosso Senhor. No momento em que o fiz, eles desapareceram, deixando apenas um estranho cheiro de cera de velas. Escrevo isso com a certeza de que não viverei muito mais. Algo atravessou o limite entre os mundos e agora está aqui caminhando entre nós, usando os rostos de pessoas que conhecemos.
e temo que eu seja o próximo a receber sua visita. Que Deus tenha misericórdia de minha alma. O manuscrito do padre Anselmo, junto com os demais documentos encontrados, foi enviado para análise no Departamento de História da Universidade de São Paulo.
O professor responsável pela pesquisa Rodrigo Almeida, manteve contato constante com seus colegas durante os primeiros dias de estudo do material. No entanto, após duas semanas, parou abruptamente de responder mensagens e não compareceu mais ao departamento. Quando a polícia foi até seu apartamento, encontrou o vazio. Na mesa de trabalho havia apenas um caderno aberto com uma anotação feita às pressas. Eles estavam certos sobre tudo.
Agora entendo o que aconteceu. As sete palavras são a chave. Já conheço seis delas. Esta noite aprenderei a última. Rodrigo Almeida permanece desaparecido até hoje. Seu caso foi oficialmente classificado como pessoa desaparecida, mas os policiais que investigaram seu apartamento relataram um estranho cheiro de cera de velas recém apagadas.
Os documentos encontrados na cavidade subterrânea foram reclassificados como sigilosos e transferidos para um arquivo especial do governo federal. Oficialmente, o motivo alegado foi preservação histórica. Extraoficialmente, dizem que ninguém que tenha lido o conteúdo completo do manuscrito do padre Anselmo permaneceu o mesmo depois.
A região da luz, onde ficava a antiga casa dos Albuquerque, passou por diversas transformações ao longo dos séculos, mas o terreno onde ela se erguia permanece estranhamente vazio até hoje. Tentativas de construção no local sempre terminaram em abandono, seja por acidentes inexplicáveis, problemas financeiros repentinos ou desistência dos proprietários.
E se você que nos acompanhou até aqui nesta narrativa começar a sonhar com um casal do século XIX nos próximos dias ou sentir o cheiro de cera de velas em momentos inexplicáveis, lembre-se, algumas portas, uma vez abertas, nunca mais podem ser completamente fechadas. E há coisas que observam nossa realidade de fora do tempo, esperando pacientemente por uma oportunidade de entrar.
Em 2025, uma equipe de pesquisadores de fenômenos paranormais obteve autorização para conduzir um estudo no terreno vazio. Equipados com tecnologia de ponta registraram anomalias eletromagnéticas significativas e flutuações térmicas. inexplicáveis no local exato onde, segundo os mapas antigos, ficava o porão da casa dos Albuquerque.
Ao analisarem as gravações de áudio feitas durante a noite, descobriram algo perturbador: vozes sussurrando em uma língua desconhecida interrompidas por uma frase clara em português: “Ele vê todos vocês. Ele sempre esteve observando.” A pesquisa foi encerrada prematuramente quando dois membros da equipe desapareceram. Foram encontrados três dias depois, vagando pelas ruas do bairro da Luz, sem memória do que havia acontecido, e repetindo obsessivamente sete palavras em uma língua que nenhum linguista conseguiu identificar. E assim o mistério de Bento Albuquerque e Clara
Nogueira permanece como uma sombra silenciosa sobre a história de São Paulo. Um lembrete de que por trás da cidade moderna e pulsante existem segredos antigos enterrados em suas fundações. segredos que talvez seja melhor deixar em paz, porque algumas coisas não foram feitas para serem compreendidas pelo limitado intelecto humano.
E algumas presenças são melhor sentidas à distância, nunca confrontadas diretamente. Se algum dia você passar pela região da luz em uma noite especialmente silenciosa e sentir subitamente um cheiro de cera de velas recém apagadas, não olhe para trás. Continue andando e, acima de tudo, não pare para escutar se alguém sussurrar seu nome na escuridão, porque eles ainda estão lá, Bento e Clara, eternamente presos entre dois mundos e não estão sozinhos.
O observador continua seu trabalho silencioso, vigiando pacientemente, esperando por mais alguém curioso o suficiente para aprender as sete palavras que abrem a porta. Talvez você seja o próximo. Talvez, enquanto lia esta história, já tenha aprendido a primeira palavra sem perceber. M.