O Mistério Mais Aterrorizante da História do Rio Grande do Sul (1851)

Bem-vindo a este percurso por um dos casos mais inquietantes registrados na história do Rio Grande do Sul. Antes de iniciar, convido você a deixar nos comentários de onde está assistindo e a hora exata em que escuta esta narração. Nos interessa saber até que lugares e em que momentos do dia ou da noite chegam estes relatos documentados.

No outono de 1851, a região de São Leopoldo, primeira colônia alemã do Rio Grande do Sul, vivia um período de relativa tranquilidade após os conflitos da revolução farroupilha. As fazendas de erva mate e criação de gado prosperavam lentamente. O vale do rio dos Sinos, com suas colinas verdejantes e matas densas, abrigava tanto os colonos alemães quanto os antigos habitantes da região, famílias tradicionais luso-brasileiras que detinham grandes extensões de terra.

Entre essas propriedades, a cerca de 17 km ao norte da vila de São Leopoldo, ficava a estância das Araucárias, pertencente à família Pacheco. A casa principal, uma construção sólida de pedra e madeira, erguia-se sobre uma elevação suave que permitia avistar o rio serpenteando à distância. Sebastião Pacheco, o patriarca, era um homem respeitado na região.

Conforme consta nos registros da Câmara Municipal, ele participava ativamente das decisões locais e mantinha relações comerciais tanto com os colonos alemães quanto com as famílias tradicionais gaúchas. Segundo documentos municipais preservados nos arquivos da biblioteca pública de Porto Alegre, a estância das araucárias era conhecida por sua produção de erva mate e criação de cavalos.

Seus campos estendiam-se até o limite com a mata atlântica, que ainda cobria grande parte da região. Sebastião havia herdado a propriedade de seu pai, um dos primeiros portugueses a se estabelecerem naquelas terras décadas antes. O casamento de Sebastião Pacheco com Leonor Bezerra, filha de uma família tradicional de Viamão, havia ocorrido em 1845, conforme registro encontrado na antiga Igreja Matriz de São Leopoldo.

O documento, amarelado pelo tempo e parcialmente deteriorado pela humidade, foi descoberto pelo historiador Alberto Müller em 1966, durante uma pesquisa sobre os primeiros colonizadores da região. Segundo relatos preservados em correspondências familiares, o casal vivia em aparente harmonia.

Leonor administrava a casa com mão firme, supervisionando os escravos domésticos, pois a escravidão ainda era uma realidade no Brasil daquele período, e cuidando dos assuntos internos da propriedade. Enquanto isso, Sebastião dedicava-se aos negócios, às vezes ausentando-se por semanas em viagens a Porto Alegre, Rio Pardo ou até mesmo ao Uruguai.

Os vizinhos mais próximos, a família Shafer, colonos alemães, que se estabeleceram em uma propriedade a cerca de 5 km de distância, descreveram os Pacheco como reservados, mas cordiais. Em um diário mantido por Friedrich Schffer, recuperado por seus descendentes na década de 1950, a menções a jantares ocasionais na estância das Araucárias, onde Sebastião mostrava-se um anfitrião generoso, servindo carne assada e vinho importado.

No entanto, o mesmo diário contém uma observação curiosa. Em uma entrada datada de 23 de abril de 1850, Friedrich escreveu: “Visamos os Pacheco hoje. A senora Leonor parecia abatida. Quando perguntei se estava doente, o Sr. Sebastião respondeu rapidamente que era apenas cansaço devido ao calor incomum para esta época do ano.

Notei que ela quase não falou durante toda a refeição, mantendo os olhos baixos. Há algo estranho naquela casa. Os criados parecem intensos e evitam olhar diretamente para os patrões. Este breve comentário passou despercebido por décadas, enterrado entre anotações sobre colheitas, nascimentos de animais e condições climáticas, mas seria a primeira pista do que viria a se tornar um dos casos mais perturbadores da história da região.

Naquele mesmo ano, em dezembro, segundo registros paroquiais, Leonor deu à luz seu terceiro filho. As duas primeiras crianças, Helena e Augusto, tinham respectivamente 4 e 2 anos na época. O nascimento foi registrado pelo padre José Inácio da Silva Pereira, que anotou no livro de batismos que a criança, uma menina, recebeu o nome de Maria Antônia.

O batismo ocorreu na capela da própria fazenda, pois a distância até a igreja matriz de São Leopoldo tornaria a viagem difícil para a mãe e o bebê recém-nascido. O que chama atenção nesse registro é a ausência de uma assinatura que era costumeira nesses casos, a da madrinha. Embora o padrinho, um comerciante de Porto Alegre chamado Antônio Ferreira dos Santos, tenha assinado o documento, o espaço reservado para a assinatura da madrinha permaneceu em branco.

O padre fez uma anotação marginal. A senora Augusta Mendes, impossibilitada de comparecer devido à enfermidade, enviou seu consentimento por carta. Um detalhe incomum, considerando as tradições religiosas da época, mas que isoladamente não levantaria suspeitas. Os meses seguintes transcorreram sem incidentes dignos de nota nos registros oficiais.

A vida na estância das araucárias seguia ritmo habitual, marcado pelos ciclos das estações, pelas colheitas e pelos afazeres cotidianos. A correspondência entre Sebastião e seus parceiros comerciais, preservada parcialmente nos arquivos da Associação Comercial de Porto Alegre, indica que os negócios prosperavam moderadamente, apesar das dificuldades inerentes à economia regional da época.

Foi em junho de 1851, quando o inverno gaúcho começava a mostrar sua face mais rigorosa, que o primeiro acontecimento verdadeiramente perturbador foi registrado. Conforme consta no relatório do delegado Joaquim Silveira, preservado nos arquivos policiais de São Leopoldo e posteriormente microfilmado em 1962, um dos trabalhadores da Estância, o Capataz Inácio Cardoso, compareceu à delegacia para relatar o desaparecimento de Leonor Bezerra Pacheco.

Segundo o depoimento transcrito no relatório, Inácio informou que a senora Pacheco não era vista há três dias. Sebastião havia partido para Porto Alegre duas semanas antes e deveria retornar em breve. Na ausência do patrão, Inácio, como responsável pela propriedade, decidiu comunicar às autoridades o desaparecimento.

Ele relatou que na manhã do dia 18 de junho, uma das escravas domésticas foi levar o desjejum para Leonor, como de costume, mas encontrou o quarto vazio. A cama estava arrumada, sem sinais de que tivesse sido ocupada durante a noite. Inicialmente, pensou-se que a Sra. poderia estar em outro cômodo da casa, que era ampla e possuía diversos aposentos.

No entanto, uma busca minuciosa revelou que Leonor não estava em lugar algum da residência. Os trabalhadores estenderam a procura para os galpões, estábulos e demais dependências da fazenda sem sucesso. Nesse ponto, Inácio ordenou que se verificasse a margem do riacho que cortava a propriedade, temendo um acidente ou algo pior. O que tornou o desaparecimento ainda mais intrigante foi o fato de que todas as roupas e pertences pessoais de Leonor permaneciam intactos em seus devidos lugares.

Seu chale de lã, essencial para enfrentar o frio intenso daquele junho, ainda estava pendurado no cabideiro do hall de entrada. Seus sapatos estavam alinhados sob a cama e suas joias, incluindo um colar de pérolas que, segundo os empregados, ela raramente tirava, foram encontradas sobre a penteadeira.

Mais desconcertante ainda era o fato de que as três crianças dormiam tranquilamente em seus quartos quando a ausência da mãe foi notada. A mais nova, Maria Antônia, com apenas 6 meses de idade, estava sendo amamentada. Como poderia uma mãe abandonar uma criança de colo que dependia de seu leite para sobreviver? O delegado Joaquim Silveira, acompanhado de dois soldados, dirigiu-se à estância das araucárias na mesma tarde em que o desaparecimento foi comunicado.

Eles realizaram uma inspeção detalhada da propriedade e interrogaram todos os empregados. As crianças estavam sob os cuidados de Maria, uma escrava doméstica que servia como ama desde o nascimento da primeira filha do casal. Dois aspectos chamaram a atenção das autoridades. Primeiro, nenhum cavalo ou carruagem havia desaparecido, o que tornava improvável uma fuga voluntária, considerando a distância até a vila mais próxima.

Segundo, a noite anterior havia sido particularmente fria, conada ao amanhecer, tornando quase impensável que alguém decidisse aventurar-se a pé pelos campos sem agasalhos adequados. O relatório policial contém um detalhe que não foi divulgado na época. Uma das escravas domésticas, chamada Josefa, relatou ter ouvido o choro de um bebê durante a madrugada, seguido pelo rangido das escadas que levavam ao porão da casa.

Quando questionada sobre por não verificou o que estava acontecendo, ela respondeu com evidente temor: “Não me é permitido descer ao porão sem ordem expressa do patrão.” O delegado ordenou então que o porão fosse inspecionado. Tratava-se de um espaço amplo, parcialmente escavado na encosta sobre a qual a casa fora construída. Era utilizado para armazenar alimentos, vinho e ferramentas.

A inspeção não revelou nada de anormal à primeira vista. No entanto, um dos soldados notou que uma das grandes barricas de vinho parecia ter sido movida recentemente, pois havia marcas frescas no chão de terra abatida. Ao deslocarem o recipiente, descobriram uma pequena porta quase imperceptível, que se abria para um espaço exíguo entre a fundação da casa e a rocha natural da encosta.

Utilizando lamparinas, os homens entraram no espaço e seguiram por um corredor estreito que se estendia por alguns metros, terminando abruptamente em uma parede de pedra. O local estava vazio, mas o chão úmido apresentava o que pareciam ser marcas recentes de passos.

O delegado Silveira incluiu em seu relatório a observação de que a existência desse espaço oculto não era conhecida pelos empregados mais antigos da propriedade. Ele concluiu que provavelmente havia sido construído pelo pai de Sebastião, talvez como um esconderijo para valores ou mesmo pessoas durante os períodos de conflito que marcaram a história da província.

A busca por Leonor estendeu-se pelos arredores da propriedade, envolvendo vizinhos e trabalhadores das fazendas próximas. A margem do rio foi vasculhada por quilômetros em ambas as direções. As matas adjacentes foram exploradas meticulosamente. Não havia qualquer sinal da senora Pacheco. Um mensageiro foi enviado a Porto Alegre para informar Sebastião sobre o ocorrido. Ele retornou à estância no dia seguinte, visivelmente perturbado com a notícia.

De acordo com o relato do delegado, Sebastião mostrou-se profundamente preocupado e ofereceu uma recompensa substancial para quem encontrasse sua esposa. Ele sugeriu que Leonor pudesse estar sofrendo de algum tipo de confusão mental temporária, mencionando que após o nascimento da última filha, ela ocasionalmente apresentava comportamento errático com episódios de choro sem motivo aparente e insônia.

Os vizinhos mais próximos, incluindo a família Shafer, juntaram-se às buscas. Friedrich Shafer, em seu diário, registrou suas impressões daqueles dias. Em uma entrada datada de 23 de junho de 1851, ele escreveu: “O desespero de Sebastião parece genuíno, mas algo me incomoda.” Quando mencionei que deveríamos verificar as cavernas na encosta além do riacho, ele reagiu com veemência, afirmando que aquela área já havia sido completamente vasculhada.

No entanto, sei com certeza que ninguém da equipe de busca se aventurou tão longe. As buscas continuaram por mais uma semana, sem qualquer resultado. A ausência de Leonor tornou-se o principal assunto nas vilas próximas. Surgiram rumores de que ela poderia ter fugido com outro homem, apesar da improbabilidade dessa teoria, considerando as circunstâncias já mencionadas.

Outros sugeriam que ela poderia ter sido vítima de ataque de animais selvagens ou mesmo de índios, embora os povos indígenas da região já estivessem bastante reduzidos e confinados a áreas distantes dali. Uma teoria particularmente sombria começou a circular entre os mais supersticiosos, a de que Leonor teria sido levada por alguma entidade sobrenatural.

Essas histórias ganharam força quando uma tempestade incomum para aquela época do ano atingiu a região exatamente uma semana após o desaparecimento. Raios caíram sobre a propriedade e um deles atingiu a grande araucária que dava nome à estância, partindo-a ao meio. Para muitos, aquilo era um presságio, um sinal de que forças, além da compreensão humana estavam em jogo.

O delegado Silveira, no entanto, manteve-se concentrado nos aspectos concretos do caso. Ele retornou à estância várias vezes nas semanas seguintes, interrogando novamente os empregados e inspecionando a propriedade em busca de qualquer detalhe que pudesse ter passado despercebido inicialmente. Foi durante uma dessas visitas, cerca de um mês após o desaparecimento, que uma descoberta perturbadora foi feita.

Maria, a escrava que cuidava das crianças, procurou o delegado em particular, visivelmente amedrontada. Ela revelou que na noite anterior ao desaparecimento havia ouvido uma discussão acalorada entre Sebastião e Leonor. De acordo com seu relato transcrito nas notas do delegado, Leonor teria dito: “Eu sei o que você fez. Encontrei as cartas.

Não posso mais viver com esse segredo. A revelação de Maria lançou uma nova luz sobre o caso. Sebastião havia afirmado que estava em Porto Alegre na época do desaparecimento, mas o testemunho da escrava o colocava na estância na noite anterior. Quando confrontado, Sebastião inicialmente negou, mas acabou admitindo que havia retornado brevemente para buscar alguns documentos importantes, partindo novamente antes do amanhecer.

Ele confirmou a discussão mencionada por Maria, mas deu uma explicação diferente para seu conteúdo. Segundo ele, Leonor estava insatisfeita com suas frequentes viagens e havia ameaçado retornar para a casa dos pais em via. Ele alegou ter tentado dissuadi-la, lembrando-a das crianças pequenas, especialmente do bebê, que ainda amamentava.

Depois disso, ele teria partido para Porto Alegre como planejado, acreditando que a esposa havia superado o momento de descontentamento. O delegado Silveira decidiu então investigar que cartas seriam essas mencionadas por Leonor. Uma busca minuciosa no escritório de Sebastião não revelou nada comprometedor à primeira vista.

No entanto, ao examinar um pequeno cofre embutido na parede, parcialmente oculto por uma pintura a óleo, o delegado encontrou uma correspondência que lançaria o caso em uma direção completamente inesperada. Tratava-se de uma série de cartas trocadas entre Sebastião e uma mulher chamada Clara Mendes, datadas de até do anos antes.

O conteúdo revelava não apenas um caso extraconjugal, mas também um plano elaborado envolvendo uma propriedade em pelotas e uma considerável soma em dinheiro. Em uma das cartas, Clara mencionava estar aguardando o momento oportuno para que pudessem finalmente viver sem impedimentos. O mais perturbador, porém, foi um bilhete datado de 15 de junho de 1851, três dias antes do desaparecimento de Leonor.

Nele, Clara escrevia: “Tudo está preparado conforme combinamos. Aguardo sua chegada. O que conversamos sobre o porão será necessário. Confrontado com essas evidências, Sebastião entrou em contradição várias vezes. Inicialmente, negou conhecer Clara Mendes. Depois admitiu que era apenas uma conhecida com quem mantinha negócios relacionados à compra de terras em Pelotas.

quando, pressionado sobre a referência ao porão, ficou visivelmente perturbado e recusou-se a continuar o interrogatório sem a presença de um advogado. Neste ponto, o delegado Silveira decidiu ordenar uma inspeção mais detalhada do porão e do corredor secreto descoberto anteriormente.

Desta vez, com a ajuda de trabalhadores equipados com picaretas e paz, foi possível verificar que a parede de pedra no final do corredor havia sido recentemente construída, pois a argamassa ainda não estava completamente seca em alguns pontos. Ao derrubarem a parede, os homens encontraram uma pequena câmara escavada na rocha. O chão estava coberto com cal e um odor forte descrito no relatório como doentio e opressivo, emanava do local.

Em um dos cantos, parcialmente coberto pela Cal, havia um tecido que foi identificado como sendo parte de uma camisola pertencente a Leonor. O delegado ordenou imediatamente a prisão de Sebastião Pacheco sob a acusação de assassinato. A notícia espalhou-se rapidamente pela região, causando como entre os habitantes. Estância das araucárias, antes símbolo de prosperidade e respeitabilidade, tornou-se um lugar evitado, envolto em histórias sombrias.

As crianças foram levadas para a casa dos avós maternos em viamão. Segundo consta nos registros da época, Helena e Augusto eventualmente foram enviados para estudar em Porto Alegre, enquanto a pequena Maria Antônia permaneceu com os avós.

A investigação prosseguiu com a câmara no porão sendo completamente escavada. Embora não tenham encontrado o corpo de Leonor, a quantidade de evidências circunstanciais era suficiente para sustentar a acusação. Além do fragmento de camisola, foram encontrados fios de cabelo compatíveis com os de Leonor e manchas que os peritos da época identificaram como sendo de sangue.

Durante o julgamento que ocorreu em Porto Alegre em dezembro de 1851, Clara Mendes foi localizada vivendo em uma propriedade recentemente adquirida em Pelotas. Ela negou qualquer envolvimento no desaparecimento de Leonor, afirmando que sua relação com Sebastião era estritamente comercial.

No entanto, vizinhos testemunharam que um homem correspondente à descrição de Sebastião havia visitado a propriedade diversas vezes nos meses anteriores, sempre à noite. O caso ganhou notoriedade em toda a província. Os jornais de Porto Alegre e até mesmo do Rio de Janeiro publicaram artigos sobre o crime da estância das araucárias. A sociedade gaúcha, geralmente reservada, viu-se confrontada com a possibilidade de que um de seus membros respeitáveis pudesse ser capaz de um crime tão ediondo.

Um aspecto particularmente intrigante do caso foi a descoberta, durante a investigação, de que Augusta Mendes, a madrinha ausente no batismo de Maria Antônia, era, na verdade irmã de Clara Mendes. Isso sugeria que o envolvimento entre Sebastião e Clara era mais antigo e mais complexo do que inicialmente se supunha.

Sebastião foi condenado por homicídio, mesmo sem a localização do corpo, e sentenciado à prisão perpétua. Ele foi transferido para a Casa de Correção de Porto Alegre, onde, segundo registros penitenciários, manteve-se em silêncio sobre o caso até sua morte, ocorrida em 1864, aparentemente devido a uma epidemia de febre tifoide que atingiu a prisão.

Clara Mendes, embora não tenha sido formalmente acusada por falta de provas concretas de seu envolvimento, enfrentou o ostracismo social. Ela vendeu a propriedade em Pelotas, pouco depois do julgamento, e, conforme uma breve nota no jornal Correio do Sul, de 6 de março de 1852, partiu para o Uruguai.

Seu destino posterior é desconhecido. A estância das araucárias permaneceu abandonada por vários anos. Os pertences da família foram leiloados para cobrir dívidas e compensar parcialmente os parentes de Leonor. Em 1858, a propriedade foi finalmente adquirida por um comerciante alemão que a transformou em uma fábrica de cerveja.

A casa principal foi parcialmente demolida e o famoso porão foi completamente fechado com pedras e concreto. O caso poderia ter sido gradualmente esquecido, relegado a uma nota de rodapé na história local, não fosse por um acontecimento ocorrido quase 100 anos depois.

Em 1953, durante obras de ampliação na cervejaria que ocupava o terreno da antiga Estância, trabalhadores descobriram, ao escavar uma nova fundação, uma cavidade natural na rocha, a cerca de 20 m do local onde ficava a casa original. Dentro da cavidade encontraram restos humanos, ossos de uma mulher adulta, juntamente com fragmentos de tecido e alguns objetos pessoais, incluindo um anel com as iniciais LBP gravadas em seu interior.

As autoridades foram notificadas e os restos foram examinados por especialistas da época. A conclusão foi de que se tratava muito provavelmente dos restos mortais de Leonor Bezerra Pacheco, desaparecida um século antes. A posição do corpo e outros indícios sugeriam que ela não havia sido enterrada ali, mas sim colocada na cavidade enquanto ainda estava viva, possivelmente amarrada e deixada para morrer.

Um aspecto particularmente perturbador da descoberta foi a presença, junto aos restos de pequenos ossos identificados como pertencentes a um feto de aproximadamente 4 meses de desenvolvimento. Esse detalhe jamais havia sido mencionado nos registros históricos do caso e lançava uma nova e sinistra luz sobre os possíveis motivos do crime. A historiadora Maria Helena Cardoso, que estudou extensivamente o caso nas décadas de 1950 e 60, propôs a teoria de que Leonor poderia estar grávida novamente na época de seu desaparecimento.

Considerando o relacionamento de Sebastião com Clara Mendes, a gravidez poderia representar um obstáculo para seus planos. Alternativamente, e talvez mais perturbador, Leonor poderia ter descoberto que o bebê que esperava não era de seu marido. Os restos de Leonor foram finalmente sepultados no cemitério de São Leopoldo em uma cerimônia discreta atendida por alguns descendentes distantes da família Bezerra.

Uma pequena lápide de mármore, com apenas seu nome e as datas presumidas de nascimento e morte marca o local. A antiga propriedade passou por diversos proprietários ao longo das décadas. A cervejaria fechou na década de 1940 e o terreno foi dividido em lotes menores. Atualmente, uma parte da área é ocupada por um condomínio residencial, enquanto outra permanece como área verde protegida. Devido à presença de exemplares centenários de araucárias.

Os descendentes de Helena e Augusto, os filhos mais velhos de Leonor e Sebastião, espalharam-se pelo Rio Grande do Sul e por outros estados brasileiros. Alguns mudaram de sobrenome, buscando escapar da sombra do infame crime da estância das araucárias. Quanto a Maria Antônia, a filha caçula, registros indicam que ela ingressou em um convento em 1868, aos 17 anos, adotando o nome religioso de irmã Constância.

Ela faleceu em 1911 após uma vida dedicada ao trabalho com órfãs. Em 1968, durante a construção de uma das casas do condomínio residencial, trabalhadores relataram ter ouvido choros de bebê vindos do subsolo, especialmente nas noites frias de junho. A construtora contratou um geólogo para verificar se havia cavidades naturais sob o terreno que pudessem causar algum tipo de eco ou ressonância acústica.

O relatório do especialista arquivado na prefeitura municipal mencionava apenas características geológicas normais para a região. As histórias sobre sons estranhos e aparições inexplicáveis persistiram, no entanto, moradores relatam ocasionalmente ver nas madrugadas de inverno uma figura feminina vagando entre as araucárias como se procurasse algo ou alguém.

Outros mencionam um choro de criança que parece vir de lugar nenhum, seguido por um silêncio opressivo que envolve toda a área. Historiadores, psicólogos e sociólogos já propuseram diversas explicações para o fascínio duradouro que o caso de Leonor Bezerra exerce sobre a imaginação popular. Alguns argumentam que se trata de um exemplo clássico de como crimes passionais, especialmente aqueles envolvendo pessoas de classes privilegiadas, capturam a atenção coletiva por desafiarem nossas noções de civilidade e ordem social. Outros sugerem que o mistério, não

completamente solucionado, pois nunca se soube com certeza o papel exato de Clara Mendes no crime, nem se haveria outros envolvidos, contribui para a persistência da história na memória cultural da região. Talvez o aspecto mais perturbador do caso seja a ideia de que por trás da fachada respeitável da estância das araucárias ocultavam-se segredos tão sombrios.

A possibilidade de que Leonor tenha sido deixada para morrer lentamente, possivelmente consciente de que jamais veria seus filhos novamente enquanto seu marido continuava a vida como se nada tivesse acontecido, representa uma forma de crueldade que desafia nossa compreensão. Em 2013, uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul tentou localizar e obter permissão para analisar os restos encontrados em 1953, com o objetivo de utilizar técnicas modernas para confirmar a identidade e, possivelmente, determinar a causa da morte. No entanto, descobriu-se que o

material havia sido transferido para o Instituto Médico Legal de Porto Alegre na década de 1970 e subsequentemente perdido durante uma reorganização do arquivo. Assim, o destino final de Leonor Bezerra Pacheco permanece parcialmente envolto em mistério, mesmo após mais de 150 anos. Araucárias centenárias que ainda se erguem no local onde ficava a estância parecem guardar silenciosamente os segredos daquela época distante.

Para os moradores da região, a história se transformou em uma espécie de lenda local contada em noites de inverno, quando o vento sul sopra com mais força. Dizem que quando a neblina desce sobre o vale do rio dos sinos e o frio penetra até os ossos, é possível ouvir o lamento de uma mulher chamando por seus filhos.

Um som que não é exatamente humano, mas também não pertence ao mundo natural, o eco de uma tragédia que se recusa a ser esquecida. Em 1967, uma senhora idosa que se identificou como sobrinha neta de Maria, a escrava que cuidava das crianças Pacheco, procurou o historiador Alberto Müller. Ela trouxe consigo um pequeno embrulho, contendo o que afirmava ser uma mecha de cabelo de Leonor, preservada por sua tia avó até sua morte.

Junto com o cabelo havia um fragmento de papel amarelado com uma única frase escrita. Ele a levou para o lugar onde as pedras choram. Müller tentou obter mais informações, mas a senhora declarou que isso era tudo o que sabia. A expressão o lugar onde as pedras choram não consta em nenhum mapa o registro topográfico da região.

No entanto, habitantes mais antigos mencionam uma formação rochosa nas proximidades da antiga Estância, onde a água que escorre pela pedra cria um efeito semelhante a lágrimas. Curiosamente, essa formação fica próxima ao local onde os restos de Leonor foram encontrados em 1953. Aqueles que já visitaram o lugar relatam opressiva, um silêncio que parece engolir todos os outros sons da floresta.

Alguns afirmam ter visto pelo canto do olho o vulto de uma mulher segurando algo nos braços quando se viram para olhar diretamente no entanto, não há ninguém lá, apenas o som distante de um choro que poderia ser o vento ou talvez algo mais. O caso de Leonor Bezerra Pacheco, o mistério mais aterrorizante da história do Rio Grande do Sul, como foi chamado nos jornais da década de 1960, permanece como uma cicatriz na memória coletiva da região.

É um lembrete sombrio de que, mesmo em lugares de aparente tranquilidade, podem se esconder segredos terríveis, capazes de ecoar através das gerações. Uma análise mais profunda dos registros comerciais de Sebastião Pacheco, realizada pelo historiador Carlos Rodriguees em 1964, revelou outro aspecto inquietante do caso.

Nos meses que antecederam o desaparecimento de Leonor, houve diversas transações financeiras incomuns, incluindo a venda de propriedades que faziam parte do Dote de Leonor, sem que o nome dela aparecesse nos documentos, como seria legalmente exigido na época. O dinheiro dessas vendas foi transferido para contas em bancos de Montevidel, onde Clara Mendes aparentemente tinha conexões.

Isso sugere que o plano para se livrar de Leonor poderia ter sido elaborado com considerável antecedência, possivelmente como parte de uma estratégia para assumir o controle total do patrimônio antes de fugir para o Uruguai. Mais perturbador ainda foi a descoberta em 1965 de um antigo diário pertencente a um funcionário da casa de correção de Porto Alegre, onde Sebastião cumpriu sua pena.

O documento continha anotações sobre conversas com o prisioneiro, incluindo uma em que, aparentemente delirando durante uma febre, Sebastião teria murmurado. Ela não deveria ter descido até lá. As cartas não eram para ela encontrar. Clara disse que seria rápido, mas eu ouvi seus gritos por três noites.

Essa confissão parcial, se autêntica, contradiz a versão oficial de que Leonor teria sido morta rapidamente e depois escondida. Em vez disso, sugere que ela pode ter sido mantida viva por algum tempo em seu cativeiro subterrâneo, o que tornaria o crime ainda mais horrendo. A menção a Clara neste delírio também fortalece a suspeita de seu envolvimento direto e não apenas como cúmplice. Após o fato.

Em 1969, durante a reforma de uma antiga casa em Pelotas, próxima à propriedade que pertenceu a Clara Mendes, foram encontradas várias cartas escondidas em uma cavidade na parede. A correspondência datada de 1850 a 1851 revelava um plano detalhado entre Clara e Sebastião, não apenas para se livrarem de Leonor, mas também para gradualmente transferir as crianças para o Uruguai, onde pretendiam estabelecer-se como marido e mulher.

Em uma das cartas mais inquietantes, Clara escreveu: “Quanto à questão dos pequenos, concordo que a mais nova deverá ficar com minha irmã Augusta, pois é muito jovem para lembrar-se da mãe. Os outros dois, sendo mais velhos e já tendo memórias formadas, representam um risco maior. Talvez seja melhor que permaneçam com os avós por enquanto, até que possamos criar uma explicação convincente para a ausência permanente da mãe.

Essa correspondência finalmente estabeleceu o que muitos suspeitavam. Clara não apenas sabia do crime, mas participou ativamente de seu planejamento. O fato de que ela considerava a possibilidade de separar os irmãos e criar uma narrativa falsa para explicar a ausência de Leonor revela um nível de frieza calculista que chocou mesmo os pesquisadores mais experientes do caso.

Augusto Pacheco, o filho do meio de Leonor e Sebastião, tornou-se um advogado respeitado em Porto Alegre. Conforme documentos preservados nos Arquivos da Ordem dos Advogados, ele especializou-se em casos de direito familiar e dedicou parte significativa de sua carreira a defender mulheres em situações de vulnerabilidade.

Embora nunca tenha falado publicamente sobre o caso de sua mãe, seus colegas relataram que ele mantinha um retrato dela em seu escritório e frequentemente visitava seu túmulo. Em 1895, já com 47 anos, Augusto escreveu uma carta à sua irmã mais velha, Helena, que vivia então no Rio de Janeiro.

Correspondência preservada por descendentes e doada ao Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul em 1980, contém uma passagem reveladora. Ainda sonho com aquela noite, minha querida irmã. O som dos passos no corredor, as vozes abafadas e depois o silêncio terrível que perdurou por dias. Lembro-me de perguntar pela mamãe repetidamente e de como todos desviavam o olhar.

Havia algo nos olhos de nosso pai quando finalmente retornou. algo frio e vazio que mesmo criança reconheci como profundamente errado. Esta carta sugere que, ao contrário do que se pensava, as crianças mais velhas podem ter testemunhado ou ao menos percebido, algo na noite do desaparecimento de sua mãe.

O fato de que Augusto carregou essas memórias por toda a vida ilustra o impacto duradouro do trauma, mesmo quando experimentado em tenra idade. Helena Pacheco seguiu um caminho diferente. Casou-se aos 18 anos com um comerciante do Rio de Janeiro e, aparentemente buscou distanciar-se completamente de seu passado no Rio Grande do Sul.

De acordo com correspondências familiares, ela raramente mencionava seus pais ou sua infância. Seus próprios filhos cresceram sabendo muito pouco sobre suas origens gaúchas. No entanto, em 1896, após receber a carta de seu irmão, Helena escreveu em seu diário pessoal, posteriormente publicado por sua neta, em 1977.

As palavras de Augusto despertaram lembranças que passei à vida tentando enterrar. Recordo-me agora, com dolorosa clareza, de acordar naquela noite com o som de mamãe gritando. Depois, o rangido da porta do porão, seguido por um silêncio que parecia engolir toda a casa. Pela manhã, quando perguntei a Maria onde estava a mamãe, ela me abraçou com força e chorou silenciosamente.

Naquele momento, mesmo sem entender completamente, soube que algo terrível havia acontecido. Esse registro confirma as suspeitas de que as crianças perceberam mais do que os adultos à sua volta imaginavam. também reforça a teoria de que Leonor foi levada ao porão antes de ser transportada para seu cativeiro final na caverna.

Quanto a Maria Antônia, a filha caçula que se tornou freira, seus escritos no convento incluíam poemas e reflexões que, analisados posteriormente parecem conter referências veladas ao destino de sua mãe. Em um deles, datado de 1885, ela escreveu: “Nas profundezas da terra, onde o sol jamais alcança, já a verdade que não posso nomear.

Busco no silêncio do claustro o que me foi negado no berço, a voz de quem me trouxe a vida, mas foi levada antes que eu pudesse conhecê-la. Historiadores debatem se Maria Antônia realmente tinha memórias próprias do evento, considerando que era apenas um bebê na época, ou se suas reflexões foram moldadas pelas histórias que ouviu crescendo.

De qualquer forma, é evidente que a ausência de sua mãe e as circunstâncias terríveis de seu desaparecimento marcaram profundamente sua identidade e, possivelmente, influenciaram sua decisão de dedicar-se à vida religiosa. Em 1961, uma sobrinha neta de Maria Antônia, enquanto organizava os pertences deixados pela tia avó, após sua morte, encontrou um pequeno pacote cuidadosamente embrulhado em seda e lacrado com cera.

Dentro havia um terço, um pequeno medalhão contendo o que parecia ser uma mecha de cabelo e um papel amarelado com uma única frase escrita em caligrafia delicada: “Que Deus perdoe o que não posso esquecer”. Os descendentes das famílias Pacheco e Bezerra seguiram caminhos diversos. Alguns prosperaram e ocuparam posições de destaque na sociedade gaúcha e brasileira.

Outros lutaram com o que alguns psicólogos modernos descreveriam como trauma intergeracional, um peso invisível transmitido através das gerações, manifestando-se como medos inexplicáveis, pesadelos recorrentes e uma sensação persistente de perda. Em 1972, uma tataraneta de Helena Pacheco, Mariana Santos, então estudante de psicologia na Universidade de São Paulo, escolheu a história de sua família como tema de sua tese de doutorado.

Seu trabalho intitulado Ecos do silêncio, trauma familiar e memória coletiva, no caso Pacheco, explorava como o crime afetou não apenas os descendentes diretos, mas também a comunidade onde ocorreu. Através de entrevistas com moradores antigos da região de São Leopoldo e descendentes de pessoas que conheceram os envolvidos, Mariana documentou como a história foi sendo transmitida, modificada e reinterpretada. ao longo do tempo.

Em um dos depoimentos mais impressionantes, uma senhora de 93 anos, que na infância havia conhecido Maria, a escrava que cuidava das crianças Pacheco, relatou: “Maria nunca falava diretamente sobre o que aconteceu, mas nas noites de inverno, quando o minuano soprava forte, ela trancava todas as portas e janelas, não importava o calor que fizesse dentro da casa.

Ela dizia apenas: “É o lamento dela, procurando pelos filhos que não pode ver crescer”. O trabalho de Mariana recebeu reconhecimento acadêmico e contribuiu para um renovado interesse pelo caso, inclusive de cineastas e escritores. Em 1975 foi lançado um documentário intitulado Asraucárias silenciosas, que reexaminava as evidências e entrevistava especialistas e descendentes.

O filme, embora criticado por alguns por dramatizar excessivamente certos aspectos, ajudou a preservar a história na memória coletiva. Um aspecto frequentemente negligenciado do caso é o destino dos escravos da estância das araucárias após o crime. Registros indicam que com a prisão de Sebastião e o abandono da propriedade, muitos foram vendidos para pagar dívidas.

Alguns conseguiram permanecer com a família Bezerra, incluindo Maria, que posteriormente acompanhou as crianças para Viamão, e, após a lei Áurea, continuou trabalhando para a família como empregada livre até sua morte em 1918. O destino de Josefa, a escrava que mencionou ter ouvido ruídos vindos do porão na noite do desaparecimento é menos claro.

Seu nome aparece em um registro de venda datado de outubro de 1851, indicando que foi adquirida por um comerciante de São Paulo. Depois disso, seu rastro se perde nos registros históricos. Curiosamente, em 1927, um jornal de São Paulo publicou uma pequena nota sobre o falecimento de uma senhora idosa, que em seu leito de morte confessou ter testemunhado crime terrível em uma fazenda no Rio Grande do Sul, décadas antes.

A nota não menciona nomes, mas a descrição e a época correspondem ao caso Pacheco. Segundo o relato, a mulher teria dito: “Vi quando ele a arrastou para o porão. Ela não gritava mais, apenas chorava baixinho, como se soubesse que ninguém viria ajudá-la. Depois, na calada da noite, ele e outro homem a levaram embrulhada em um lençol em direção às pedras que choram.

Esta seria a primeira menção à presença de um terceiro envolvido, um homem não identificado que teria auxiliado Sebastião a transportar Leonor, possivelmente ainda viva, até seu cativeiro final. Historiadores especulam que poderia ser um empregado de confiança ou mesmo um parente de Clara Mendes, embora nenhuma evidência conclusiva tenha sido encontrada para confirmar essa teoria.

Em 1982, durante uma seca severa, o nível do rio dos Sinos baixou drasticamente, expondo partes do leito normalmente submersas. Em uma área próxima à antiga estância das araucárias, pescadores encontraram o que parecia ser um baú de metal, parcialmente destruído pela água.

Dentro, preservados pelo lodo que havia selado o recipiente, estavam diversos objetos, incluindo livros contábeis, documentos pessoais e um diário encadernado em couro com as iniciais SP gravadas na capa. O material foi entregue ao museu histórico de São Leopoldo, onde historiadores confirmaram tratar-se de pertences de Sebastião Pacheco.

O diário, embora danificado pela humidade, ainda continha trechos legíveis. As entradas cobriam principalmente assuntos relacionados aos negócios da estância, com menções ocasionais a questões familiares. No entanto, uma entrada datada de 10 de junho de 1851, 8 dias antes do desaparecimento de Leonor, continha uma passagem perturbadora. Está cada vez mais desconfiada.

Hoje, enquanto eu estava ausente, ela vasculhou meu escritório. Não sei exatamente o que encontrou, mas quando retornei, percebi que o cofre havia sido mexido. À noite, durante o jantar, ela me olhou de uma maneira que nunca havia feito antes, como se estivesse vendo um estranho.

Mencionou que talvez devesse visitar os pais em viaças. Isso não pode acontecer. O plano precisa ser acelerado. C já foi informada. Esta entrada corrobora a teoria de que Leonor descobriu a relação de Sebastião com Clara e, possivelmente também financeiros, o que precipitou sua eliminação. O fato de que Sebastião escreveu explicitamente sobre acelerar o plano sugere premeditação clara e contrad sua alegação durante o julgamento de que o desaparecimento de Leonor havia sido um mistério também para ele. Ultra descoberta significativa ocorreu em 1991,

quando historiadores revisitando o caso, localizaram um descendente de Friedrich Schifer, o colono alemão, vizinho dos Pacheco. Este descendente possuía o diário original de seu antepassado, que continha entradas não incluídas nas cópias disponíveis em arquivos públicos.

Em uma dessas entradas, datada de 21 de junho de 1851, três dias após o desaparecimento de Leonor, Friedrich escreveu: “Hoje, ao amanhecer, enquanto caminhava perto do limite de minha propriedade com a dos Pacheco, avistei Sebastião e um homem que não reconheci, carregando algo volumoso embrulhado em lona. Eles se dirigiam à região das cavernas na encosta. Quando perceberam minha presença, pareceram alarmados.

Sebastião acenou e gritou que estavam apenas removendo um animal morto para evitar a atração de predadores. Algo na cena me perturbou profundamente. O volume que carregavam parecia grande demais para ser um animal pequeno e pequeno demais para ser um cavalo ou uma vaca.

Além disso, por que iriam tão longe apenas para descartar uma carcaça? Quando retornei para casa, comentei o ocorrido com minha esposa, que me aconselhou a permanecer em silêncio. “Temos filhos pequenos,” ela disse, “אos nossas terras fazem divisa com as dele.” Este relato não apenas confirma a teoria de um cúmplice, mas também sugere que Friedrich Sheffer pode ter testemunhado o momento exato em que o corpo de Leonor, ou possivelmente Leonor ainda viva, foi transportado para a caverna, onde seus restos foram eventualmente encontrados.

Também explica porque Friedrich, em seu depoimento oficial às autoridades, não mencionou esse incidente, o medo de represálias contra sua família. Em 2008, usando tecnologias modernas de radar de penetração no solo, uma equipe de geólogos e arqueólogos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul realizou um mapeamento detalhado da área onde ficava a antiga estância das araucárias.

Eles descobriram uma rede extensa de túneis e cavernas naturais sob a propriedade, muito mais ampla do que se imaginava anteriormente. Particularmente interessante foi a descoberta de que o corredor secreto no porão da casa principal não terminava realmente na parede onde o fragmento de camisola foi encontrado.

Havia uma passagem estreita, posteriormente bloqueada por um deslizamento natural que se conectava a um sistema maior de cavernas, incluindo a que continha os restos de Leonor. Ricardo Mendes observou em seu relatório: “A configuração do terreno e das cavernas sugere que a vítima poderia ter sido inicialmente mantida em um espaço mais acessível próximo à casa e posteriormente transferida para uma localização mais remota, possivelmente quando a investigação inicial começou a se concentrar no porão. Esta descoberta alinha-se com a confissão febril de

Sebastião sobre ouvir os gritos de Leonor por três noites, sugerindo que ela foi mantida viva por algum tempo em uma área onde seus sons poderiam ser ouvidos da casa principal antes de ser movida para seu túmulo final. Isso sugere que Sebastião conhecia bem a geologia local e planejou meticulosamente o crime, aproveitando-se das formações naturais.

O arqueólogo responsável pela pesquisa, Dr. em 2015, uma historiadora especializada em genealogia, Dra. Luía Cardoso, após extensa pesquisa em registros de imigração, certidões de nascimento e casamento no Brasil e no Uruguai, fez uma descoberta surpreendente. Clara Mendes e Sebastião Pacheco eram primos de segundo grau.

O avô materno de Clara era irmão da avó paterna de Sebastião, um fato aparentemente desconhecido até então pelos pesquisadores do caso. Esta conexão familiar lança uma nova luz sobre o relacionamento entre os dois e levanta questões sobre quando e como eles se conheceram. É possível que o envolvimento deles fosse muito mais antigo do que se pensava inicialmente, talvez até mesmo anterior ao casamento de Sebastião com Leonor.

Isso também explicaria porque Clara, que vinha de uma família relativamente modesta, teve acesso a recursos significativos para adquirir propriedades e estabelecer-se em pelotas. Ela poderia estar recebendo fundos de Sebastião há anos. A Dra. Cardoso também descobriu que após deixar o Brasil, Clara viveu em Montevidel sob o nome de Helena Mendoza.

Ela nunca se casou, mas adotou uma menina órfã em 1855. Registros indicam que ela faleceu em 1884, aos 62 anos, deixando uma considerável fortuna para sua filha adotiva. Curiosamente, em seu testamento, Clara Helena incluiu uma cláusula estipulando que uma certa quantia deveria ser enviada anualmente, de forma anônima ao convento em Porto Alegre, onde Maria Antônia, a filha caçula de Leonor, vivia como freira.

Este gesto, interpretado por alguns como um ato tardio de remorço, sugere que Clara manteve-se informada sobre o destino das crianças Pacheco, mesmo décadas após o crime. Nos últimos anos, o caso de Leonor Bezerra Pacheco continua a atrair a atenção de pesquisadores, escritores e do público em geral.

Em 2018, uma série de podcasts intitulada Vozes silenciadas dedicou três episódios ao caso, entrevistando historiadores, especialistas em criminologia histórica e descendentes das famílias envolvidas. O podcast alcançou milhões de ouvintes e gerou renovado interesse no mistério. Um dos aspectos mais discutidos atualmente é o contexto social e de gênero no qual o crime ocorreu.

Historiadores feministas apontam que o caso exemplifica a vulnerabilidade das mulheres na sociedade patriarcal do século XIX, onde eram legalmente subordinadas aos maridos e possuíam poucos recursos. Para escapar de relações abusivas. Leonor, ao descobrir a traição e, possivelmente, os planos financeiros fraudulentos de seu marido, encontrou-se em uma posição de extrema fragilidade.

Seu assassinato pode ser visto como um exemplo extremo do que muitas mulheres enfrentavam quando tentavam confrontar o poder masculino dentro do casamento. Outro aspecto recentemente explorado é o papel dos escravos como testemunhas silenciosas do crime.

Historiadores observam que tanto Maria quanto Josefa provavelmente sabiam ou suspeitavam do que havia acontecido, mas sua condição social e jurídica as impedia de falar abertamente. O testemunho tardio de Josefa, se autêntico revela o peso de carregar esse conhecimento por décadas, sem poder fazer justiça à vítima.

Para os moradores atuais da região onde ficava a estância das Araucárias, a história de Leonor Bezerra Pacheco tornou-se parte da identidade cultural local. Embora o condomínio residencial que ocupa parte do terreno seja um local moderno e aparentemente desconectado desse passado sombrio, muitos residentes relatam consciência constante da história que se desenrolou ali.

Uma moradora, entrevistada para um documentário em 2020 comentou: “Quando compramos nossa casa aqui, não conhecíamos a história. Após alguns meses, um vizinho mencionou casualmente o caso Pacheco. Pesquisei a respeito e fiquei fascinada e horrorizada ao mesmo tempo. Agora, nas noites de inverno, quando o vento sopra entre as araucárias remanescentes, não consigo evitar pensar em Leonor e em seus últimos momentos.

De certa forma, sinto que tenho uma responsabilidade de lembrar dela, de não permitir que sua história seja esquecida. Outro residente mencionou: “Minha filha de 4 anos começou a falar sobre uma senhora triste que às vezes aparece no jardim. Ela a descreve usando roupas antigas e dizendo que está procurando seus filhos.

Nunca contamos a ela sobre o caso Pacheco. Coincidência ou imaginação infantil, não sei dizer, mas não me sinto assustado. Se existe algo aqui, não parece ser malévolo, apenas profundamente triste. Estes relatos contemporâneos, embora não possam ser verificados cientificamente, demonstram como uma tragédia do passado continua a ecoar no presente, transformando-se em uma espécie de memória coletiva que transcende gerações.

Historiadores, psicólogos e antropólogos continuam a debater o significado mais amplo do caso Pacheco. Para além dos detalhes factuais, o que torna esta história tão persistentemente perturbadora? Talvez seja a combinação de elementos universalmente aterrorizantes, traição, cobiça, crueldade calculista, vulnerabilidade e a ideia de que aqueles que deveriam nos proteger podem se tornar nossos algozes.

Ou talvez seja o fato de que, mesmo após mais de 170 anos, ainda existem perguntas sem resposta definitiva. Quem era o homem que ajudou Sebastião a transportar Leonor? Quanto tempo ela permaneceu viva em seu cativeiro subterrâneo? Clara participou ativamente do ato final ou apenas de seu planejamento? As crianças realmente testemunharam algo naquela noite fatídica ou suas memórias foram construídas posteriormente a partir de fragmentos de conversas e suspeitas? O mistério que envolve o destino de Leonor Bezerra Pacheco

permanece, em certos aspectos, tão opaco hoje quanto era para os investigadores em 1851. E talvez seja precisamente essa qualidade nebulosa, essa resistência a uma resolução completa que mantém a história viva na imaginação coletiva. As araucárias centenárias que ainda se erguem no local, testemunhas silenciosas do que ocorreu ali, parecem guardar seus segredos obstinadamente.

que nas noites frias de inverno, quando o vento sul sopra entre seus galhos e a névoa desce sobre o vale do rio dos sinos, ainda há quem jure ouvir o lamento distante de uma mulher, chamando por seus filhos. Um eco do passado que se recusa a se dissipar completamente no silêncio do tempo.

Aqueles que conhecem a história evitam passar pela antiga propriedade após o pô do sol. Os mais sensíveis afirmam sentir uma presença opressiva, um peso invisível que parece comprimir o peito e dificultar a respiração. Outros relatam sensação de profunda tristeza que surge sem motivo aparente, como se estivessem temporariamente sintonizados com a angústia de alguém que viveu e sofreu ali muito tempo atrás.

E nas noites mais escuras e silenciosas, quando o restante do mundo parece ter adormecido, dizem que é possível ver uma figura feminina pálida, vagando entre as árvores, eternamente em busca daquilo que lhe foi tirado, seus filhos, sua vida, sua voz. Uma presença que não é exatamente ameaçadora, mas profundamente perturbadora em sua tristeza imutável e eterna.

O caso de Leonor Bezerra Pacheco permanece como um lembrete sombrio de que alguns segredos, por mais que tentemos enterrá-los nas profundezas da Terra ou da consciência, eventualmente encontram um caminho de volta à superfície. E quando o fazem, suas revelações podem ser mais perturbadoras do que qualquer ficção poderia imaginar. É um testemunho do poder duradouro das histórias humanas. especialmente aquelas marcadas pela tragédia e pela injustiça.

Enquanto houver pessoas para lembrar e contar a história de Leonor, algo dela permanecerá, não apenas como um fantasma que supostamente assombra os arredores da antiga estância das araucárias, mas como uma presença na memória coletiva, um eco que ressoa através do tempo, lembrando-nos das sombras que podem se esconder nos cantos mais respeitáveis da sociedade e talvez em algum nível mais profundo a persistência dessa história na consciência regional seja uma forma de justiça tardia para Leonor, uma garantia de que, apesar dos esforços de Sebastião e Clara para silenciá-la

permanentemente, sua voz continua a ser ouvida, seu destino continua a comover e perturbar gerações após seu desaparecimento nas profundezas da Terra gaúcha. M.

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