O Escravo Disputado por Duas Sinhás Que Gerou o Maior Escândalo do Rio Grande do Sul, 1854

Na primavera de 1853, na estância nos arredores de Pelotas, Rio Grande do Sul, ninguém imaginava que duas mulheres de sua própria família travavam uma guerra silenciosa e mortal pelos favores do mesmo homem. Não um pretendente da elite, não um oficial militar, mas Gabriel, um escravo mulato de 26 anos, alfabetizado, que trabalhava como administrador interno da propriedade e possuía uma beleza e refinamento que desafiavam sua condição.

Durante 8 meses, dona Francisca, esposa do comendador, de 34 anos, e sua cunhada viúva, dona Mariana, de 28 anos, disputaram secretamente a atenção de Gabriel, cada uma, acreditando ser a única a manter um relacionamento proibido com ele, o que começou como encontros furtivos separados, transformou-se em uma teia de mentiras, manipulações, chantagens e ciúmes.

que envolveu subornos a outros escravos, ameaças veladas e até tentativas de envenenamento. Na noite gelada de 15 de junho de 1854, quando as duas senhoras se encontraram simultaneamente no mesmo local onde Gabriel as aguardava, o confronto brutal entre elas acordou toda a casa grande. O comendador descobriu não um, mas dois adultérios sobeto.

Três pessoas morreriam nas 48 horas seguintes. A sociedade gaúcha jamais viu escândalo igual. Mas tudo começou 10 meses antes, quando o inverno rigoroso de 1853 cobria os campos de pelotas com geada espessa todas as manhãs. A estância Santa Rita era uma das propriedades mais prósperas da região das charqueadas.

1500 rezes abatidas por mês, 200 escravos trabalhando nas salgadeiras, uma casa grande de dois andares com varandas que davam para os campos infinitos onde o gado pastava antes de seguir para o matadouro. O comendador Antônio Rodrigues da Silva, com 52 anos, cabelos grisalhos e bigode farto, construíra aquele império com mãos de ferro. Negociava diretamente com o Rio de Janeiro e Buenos Aires.

Suas carretas de sharque alimentavam tropas imperiais e plantações de café no Sudeste. Era respeitado e temido em igual medida. A sociedade sulista do império tinha códigos próprios, mais rígida que a do norte açucareiro, mais violenta que a do sudeste cafeeiro. O gaúcho não perdoava ofensas. A honra valia mais que a vida.

As mulheres da elite viviam reclusas, transitando apenas entre a igreja, as visitas familiares e os saraus restritos. Qualquer deslize moral era punido com exclusão social permanente. E havia algo mais. O medo constante da missigenação.

Apesar de ser prática comum entre senhores e escravas, a ideia de mulheres brancas se relacionando com homens negros ou mulatos era considerada o maior dos crimes, uma subversão completa da ordem natural. As leis eram claras. Relacionamentos entre mulheres brancas e homens negros ou mulatos eram tratados como estupro, independentemente do consentimento.

 

O homem seria executado, a mulher enviada para um convento ou instituição para alienados mentais, a família deshonrada para sempre. Não havia perdão, não havia clemência. Nesse mundo de hierarquias brutais vivia dona Francisca de Almeida Silva. 34 anos, casada a 16 com o comendador. Pele alva que nunca via o sol direto, cabelos castanhos sempre presos em coques elaborados, olhos escuros que revelavam uma inteligência aguçada, sufocada pela rotina.

Vinha de família tradicional de Porto Alegre, filha de desembargador, educada em colégio de freiras. Tocava piano com perfeição, lia francês fluentemente, bordava como ninguém na região e morria de tédio. 16 anos de casamento que produziram apenas duas filhas, ambas já enviadas para estudar em Porto Alegre. O comendador a tratava com cortesia fria, como se trataria uma peça valiosa de mobília.

visitava seu quarto uma vez por mês, cumprindo obrigação conjugal com eficiência mecânica. O resto do tempo dedicava aos negócios, à política local, às viagens comerciais que duravam semanas. Francisca sabia que ele mantinha duas escravas como amantes fixas nas cenzalas. Todos sabiam. Ninguém mencionava. Sua vida era uma sequência previsível de dias idênticos.

Acordava às 6 da manhã. rezava, supervisionava o café da manhã, bordava até o almoço, lia até a hora do chá, tocava piano antes do jantar, dormia cedo, sozinha, sempre sozinha, até que chegou a cunhada. Dona Mariana Rodrigues Pacheco, tinha 28 anos quando envio voo.

Seu marido, irmão mais novo do Comendador, morrera de febre amarela em viagem ao Rio de Janeiro, deixando-a sem filhos e sem fortuna. própria. A propriedade do falecido foi incorporada à estância principal. Mariana não tinha para onde ir. O comendador, cumprindo obrigação familiar, ofereceu-lhe abrigo na Santa Rita. Ela chegou em abril de 1853, vestida de negro rigoroso, carregando apenas três baús de roupas e livros.

era mais baixa que Francisca, mais curvilínea, com cabelos loiros raros na região e olhos verdes que chamavam atenção indesejada, bonita de forma provocante, mesmo sob as roupas de luto. Nos primeiros meses, manteve-se reclusa em seus aposentos, saindo apenas para as refeições e a missa dominical. As duas mulheres estabeleceram uma convivência cordial, mas distante.

Francisca, como senhora da casa, mantinha a autoridade sobre os escravos domésticos e as rotinas. Mariana aceitava sua posição de agregada com resignação aparente. Tomavam chá juntas às tardes. Conversavam sobre trivialidades, nunca sobre sentimentos, frustrações ou os vazios que ambas carregavam.

O que elas não imaginavam era que compartilhariam muito mais do que aquela casa. Gabriel chegara à estância Santa Rita 5 anos antes, em circunstâncias incomuns. Não nascera escravo. Era filho de uma mucama alforreada e um comerciante português que morrera antes de reconhecê-lo legalmente. Crescera livre em Rio Grande. Aprendeu a ler e escrever com padres jesuítas.

trabalhava como caixeiro quando foi preso por dívidas que não conseguiu pagar. A lei permitia a escravização por dívida. O comendador comprou seus serviços por bom preço. Aos 26 anos, Gabriel era diferente dos outros escravos. Pele mulata clara, traços finos que revelavam a mistura de sangues, olhos cor de mel, corpo alto e bem proporcionado.

Falava português corretamente, sem os vícios de linguagem dos cativos. Sabia fazer contas complexas. O comendador, o homem prático, percebeu que desperdiçaria um talento, mantendo-o nas charqueadas. designou-o como administrador interno, responsável por gerenciar estoques, supervisionar escravos domésticos, fazer inventários. Gabriel transitava pela Casa Grande com frequência.

subia ao escritório do comendador para apresentar relatórios. organizava a biblioteca, verificava se as mucamas cumpriam suas funções, usava roupas melhores que os outros cativos, camisas de algodão, calças de linho, sapatos de couro. Tratava as senhoras com respeito impecável, olhos sempre baixos, voz sempre suave, postura sempre subserviente, mas por dentro queimava.

Queimava de raiva por ter nascido livre e tornado-se escravo por um acidente do destino. Queimava de humilhação, cada vez que precisava baixar a cabeça para homens que considerava intelectualmente inferiores. Queimava de desejo cada vez que via mulheres brancas passarem por ele como se fosse invisível.

Sabia que era bonito, sabia que era inteligente, sabia que em qualquer outro lugar do mundo poderia ter vida diferente, mas estava preso, preso por correntes que não via, mas que eram mais fortes que ferro. Foi Francisca quem o notou primeiro. Era uma tarde de maio, três semanas após a chegada de Mariana. Francisca estava na biblioteca procurando um volume de poesias francesas quando Gabriel entrou para organizar os livros que o comendador deixara espalhados.

Ele pediu licença, mantendo distância respeitosa. Começou a trabalhar em silêncio. Francisca observou-o por sobre o livro aberto em suas mãos. Observou a forma como seus dedos tocavam as lombadas dos volumes com cuidado quase reverente. Observou como lia os títulos, às vezes franzindo a testa em concentração.

Observou o perfil do seu rosto, a curva do pescoço, a largura dos ombros sob a camisa simples. Pela primeira vez em anos, sentiu algo além de tédio. Gabriel, percebendo que estava sendo observado, virou-se e encontrou os olhos da fixos nele. Baixou o olhar imediatamente, tenso. “Desculpe se a incomodei, dona Francisca. Já termino e me retiro.

Você sabe ler?” A pergunta saiu antes que ela pudesse pensar melhor. “Sim, senhora. Aprendi quando ainda era livre.” “Livre?” Francisca fechou o livro genuinamente curiosa. Como um homem livre se torna escravo. Gabriel hesitou. Não era apropriado conversar longamente com a Sinhá, mas ela havia perguntado e recusar-se a responder seria desrespeito. Dívidas, senhora.

Trabalhava como caixeiro em Rio Grande. Fiz um empréstimo que não consegui pagar. A lei permite. Eu sei o que a lei permite. Francisca levantou-se, aproximando-se das estantes. Você gosta de ler? Gostava, senhora, quando tinha tempo. Que tipo de livro? Filosofia, senhora? História, poesia? Às vezes.

Francisca pegou o volume que procurava e, em impulso inexplicável, entregou-o a Gabriel. Víctor Hugo, les miserable, você lê francês? Gabriel olhou o livro como se fosse uma cobra venenosa. Aceitar seria presunção imperdoável. Recusar seria insulto. Assim. Um pouco, senhora, muito pouco. Leve, leia quando puder, mas não deixe o comendador ver.

Os olhos de Gabriel encontraram os dela por uma fração de segundo. Naquele instante, algo passou entre eles. Reconhecimento. Duas pessoas inteligentes presas em gaiolas diferentes, vendo uma a outra pela primeira vez. Muito obrigado, senhora. Gabriel pegou o livro, escondendo-o sob o braço. Cuidarei bem dele. Saiu rapidamente.

Francisca ficou parada no meio da biblioteca, coração batendo mais rápido do que deveria, sentindo-se viva pela primeira vez em anos. Se você está curioso para saber como essa história impossível começou, deixe seu like. Esta é uma história real que desafia tudo o que achamos que sabemos sobre o passado.

Nos dias seguintes, Francisca criou desculpas para estar na biblioteca sempre que Gabriel precisava organizá-la. Conversas curtas, cuidadosas, sempre dentro dos limites da propriedade. Ela perguntava sobre os livros. Ele respondia com reverência estudada, mas os olhares duravam frações de segundo a mais. As vozes ficavam levemente mais suaves. A distância física diminuía centímetro a centímetro.

Gabriel devolvia os livros que ela emprestava com comentários escritos em pequenos pedaços de papel deixados entre as páginas. Análises inteligentes que revelavam uma mente culta. Francisca respondia com suas próprias notas. Uma correspondência secreta através da literatura. Foi através de uma nota sobre um poema de Camões que Gabriel ousou escrever.

Assim a me honra com sua atenção. Espero não estar sendo presunçoso ao dizer que nossas conversas são à luz nos meus dias escuros. Francisca queimou a nota imediatamente após ler, mas escreveu outra. Não há presunção em falar verdade. Suas palavras também iluminam o vazio.

Enquanto isso, Mariana emergia lentamente de seu luto. Começou a deixar os aposentos com mais frequência. Tomava café da manhã com Francisca. Caminhava pelos jardins nas tardes frias. Sentava-se na varanda para bordar, observando o movimento da propriedade, e inevitavelmente notou Gabriel. Notou como ele se movia com graça entre os outros escravos.

Notou sua postura ereta, diferente da curvatura submissa dos demais. Notou sua voz educada quando dava instruções. Notou principalmente sua beleza. Mariana, viúva por apenas 8 meses, queimava de necessidades que não ousava nomear. O casamento fora arranjado quando tinha 18 anos. O marido, 20 anos mais velho, a tratava como boneca decorativa. As relações conjugais eram rápidas e insatisfatórias.

Ele morrera antes que ela descobrisse se havia algo além daquilo. Agora, aos 28 anos, descobria-se observando um escravo mulato com uma intensidade que a assustava. Foi em uma manhã de junho que ela criou o primeiro pretexto. Gabriel subia as escadas carregando livros para o escritório do comendador. Mariana esperou até que ele passasse pelo corredor onde ela estava.

Gabriel, a voz saiu mais alta que pretendia. Ele parou imediatamente, curvando-se. Sim, dona Mariana. Preciso que você revise o inventário do meu quarto. Algumas peças de prata que trouxe não estão na lista. Certamente, senhora. Quando a senhora desejar, agora, se puder, o comendador está em Pelotas, não voltará até a noite.

Gabriel seguiu-a até os aposentos de Mariana, mantendo três passos de distância respeitosa. Ela fechou a porta. Não completamente. Seria escandaloso demais, mas o suficiente para criar intimidade. As peças estão naquele baú. Mariana apontou para o canto do quarto. Gabriel ajoelhou-se ao lado do baú, retirando papel e lápis para fazer o inventário.

Mariana ficou em pé ao lado dele, mais perto do que necessário. Podia sentir o calor do corpo dele, o cheiro de sabão e suor limpo. “Você é muito diferente dos outros escravos”, ela disse voz baixa. Gabriel manteve os olhos no inventário. O comendador me designou funções diferentes, senhora. Não é só isso. Você pensa diferente. Move-se diferente, Simpausa. É muito bonito.

O lápis de Gabriel parou no meio de uma palavra. O silêncio ficou denso, perigoso. A senhora não deveria dizer essas coisas? Sua voz saiu rouca. Por que não? É a verdade. Por Gabriel levantou os olhos finalmente, encontrando-os dela. Porque é perigoso, dona Mariana, para ambos. Eu sei.

Ela deu um passo mais perto, mas não consigo parar de pensar em você. Gabriel levantou-se bruscamente, quase derrubando o tinteiro. Preciso ir. O inventário pode esperar. Não. Mariana segurou seu braço. O toque foi como choque elétrico para ambos. Não vá não. Ainda. Se alguém entrar, ninguém vai entrar. Todos estão ocupados. A casa está vazia. Seus dedos apertaram o tecido da manga dele.

Apenas fique um momento. Só conversar, por favor. Gabriel olhou para a porta entreaberta, para os dedos dela em seu braço, para os olhos verdes suplicantes. Sabia que deveria sair imediatamente. Sabia que cada segundo ali aumentava o perigo exponencialmente, mas ficou. Ficou porque viu naqueles olhos a mesma solidão que carregava.

Ficou porque, por um momento, não era tratado como propriedade, mas como homem. ficou porque era humano e humanos cometem erros fatais quando tocados por desejo e compaixão. Só um momento, ele concordou, voz resignada. Mariana soltou seu braço, mas não se afastou.

Começou a falar sobre a viuvez, sobre a solidão, sobre sentir-se invisível e inútil. Gabriel ouvia inicialmente tenso, gradualmente relaxando. Ofereceu palavras de conforto, cuidadosas, mas genuínas. Quando saiu 15 minutos depois, ambos sabiam que aquilo se repetiria e repetiu. Nos dias seguintes, Mariana criava situações que exigiam a presença de Gabriel em seus aposentos, sempre com a porta entreaberta, sempre dentro dos limites da propriedade, mas cada vez com maior intimidade.

As conversas ficavam mais longas, mais pessoais. Os toques acidentais ficavam mais frequentes. A tensão sexual não dita crescia como tempestade se formando. Gabriel encontrava-se dividido entre duas situações impossíveis. De manhã, trocava notas secretas com Francisca através dos livros da biblioteca.

As mensagens tornavam-se mais pessoais, mais carregadas de emoção mal contida. Francisca escrevera em uma nota que ele guardou contra toda a prudência. Sonho com conversas que nunca podemos ter, com toques que nunca podemos compartilhar. É pecado desejar o impossível. De tarde visitava os aposentos de Mariana sob pretextos cada vez mais frágeis, afundando em conversas íntimas que beiravam a confissão.

Ela falava de seu corpo que nunca conhecera prazer, de suas noites vazias, de seus sonhos proibidos. E Gabriel, homem de sangue quente e inteligência aguçada, percebia que ela não falava de abstrações. Ele sabia que estava jogando com fogo, sabia que aquilo terminaria em tragédia, mas pela primeira vez em 5 anos de escravidão, sentia-se vivo, desejado, visto como homem completo.

E essa sensação era narcótico potente demais para resistir. O que Gabriel não percebia ainda era que as duas mulheres estavam em rota de colisão e ele estava no centro. Era final de junho quando Francisca decidiu cruzar a linha final. O comendador viajara para Rio Grande, negócio que levaria três dias. As filhas estavam em Porto Alegre.

Mariana estava de cama com dor de cabeça, ou pelo menos era o que dissera. A casa estava extraordinariamente vazia. Francisca enviou uma mucama com recado. Gabriel deveria vir à biblioteca após o jantar para organizar novos livros que haviam chegado de Porto Alegre.

Quando ele entrou, às 8 da noite, encontrou a biblioteca iluminada por apenas duas velas. Francisca estava de pé junto à janela, vestindo um hobby de seda que revelava mais do que o costume. Cabelos soltos pela primeira vez desde que se conheceram. “Fecha a porta”, ela disse, “sem se virar.” Gabriel obedeceu mãos tremendo levemente. A senhora pediu para organizar livros. Menti. Francisca virou-se finalmente.

Os olhos dela brilhavam de determinação e medo. Não há livros para organizar. Então, por que me chamou? Você sabe por quê? O silêncio esticou-se entre eles como corda prestes a romper. Dona Francisca. Gabriel deu um passo atrás em direção à porta. Isso é loucura. Se alguém souber, ninguém vai saber. Todos dormem. As mucamas estão nas cenzalas. Estamos sozinhos.

A senhora não pensou nas consequências? Me enforcarão. A senhora será enviada para a instituição de alienados. O comendador. O comendador. Francisca Rio. Som amargo. O comendador me trata como móvel. 16 anos de casamento e ele não sabe minha cor favorita. Meu livro preferido, o que me faz sorrir. Você em semanas me conhece melhor que ele em uma vida inteira.

Isso não muda o fato de que sou escravo e a senhora é esposa dele. Eu sei o que sou. A voz dela subiu, depois baixou para sussurro intenso. Sei exatamente o que sou. Prisioneira em casa dourada, útero que não deu herdeiro homem, decoração que ele exibe em saraus.

Sei tudo isso, mas com você, com você sou Francisca, apenas Francisca, mulher que pensa, sente, deseja. Gabriel encostou-se na porta, olhos fechados. Isso vai nos destruir. Eu sei. Ela se aproximou lentamente, mas prefiro um momento de verdade a uma vida inteira de mentira. Quando Francisca ficou a poucos centímetros dele, Gabriel abriu os olhos, viu lágrimas escorrendo pelo rosto dela, viu coragem e desespero e desejo misturados, viu tudo o que sentia refletido naqueles olhos escuros. “Não podemos”, ele tentou uma última vez.

“Podemos?”, Francisca tocou seu rosto com dedos trêmulos. Por uma noite podemos fingir que este mundo não existe. A resistência de Gabriel quebrou-se como galho seco. Puxou-a para seus braços com força, que a surpreendeu. Beijou-a com fome de anos de solidão e desejo reprimido.

Ela respondeu com igual intensidade, dedos entrelaçados em seus cabelos, corpo pressionado contra o dele. Ali na biblioteca cercada de livros que falavam de mundos melhores, escravo e siná quebraram todas as leis divinas e humanas. foi desesperado, eterno, urgente e cuidadoso, transgressor e estranhamente inocente. Dois seres humanos encontrando conexão mundo que decretara sua impossibilidade.

Quando terminou, permaneceram entrelaçados no chão entre as estantes, respirações aos poucos voltando ao normal. “O que fizemos?”, Francisca sussurrou contra o peito dele. “Condenmo-nos. Gabriel respondeu, mas não a soltou. Vale a pena. Ele beijou seus cabelos. Pergunte-me quando estivermos na forca.

Ram baixinho, humor negro de quem sabe que cometeu erro irreparável, mas não consegue se arrepender. Precisamos ser cuidadosos. Francisca levantou-se, ajeitando as roupas. Ninguém pode suspeitar. Isso não pode se repetir. Não pode. Ela concordou. Mas vai. e repetiu. Nas semanas seguintes, sempre que o comendador viajava, Gabriel e Francisca encontravam-se na biblioteca após o escurecer.

Desenvolveram códigos, livros deixados em posições específicas, velas acesas em determinadas janelas. eram cuidadosos ao extremo. Nunca olhavam um para o outro durante o dia, nunca falavam além do estritamente necessário quando havia testemunhas. Mas à noite, nas horas roubadas, eram apenas homem e mulher, amando-se com urgência de condenados. O que nenhum dos dois sabia era que Mariana também avançava.

Enquanto Francisca acreditava ter Mariana segura nos aposentos, com dores de cabeça convenientes, a cunhada traçava seus próprios planos. Era início de julho, inverno rigoroso, quando Mariana finalmente seduziu Gabriel completamente. Chamou-o aos seus aposentos sob pr pr pr pr pr pretexto de móvel pesado que precisava ser movido.

Quando ele entrou, ela estava de roupão, cabelos soltos, pele perfumada. Não há móvel, não é? Gabriel perguntou cansado de jogos perigosos. Não. Mariana trancou a porta. Não há móvel. Há apenas eu, você e a verdade. Dona Mariana, a senhora está brincando com fogo, então deixe-me queimar. Se aproximou, desatando o roupão. Sei que sente algo por mim.

Vejo em seus olhos. Gabriel recuou, mas o quarto era pequeno. A senhora está enganada. Estou. Ela o encurralou contra a parede. Então, por que seu coração dispara quando estou perto? Por que suas mãos tremem quando me toca acidentalmente? Porque tenho medo. Medo do que a senhora quer. Medo das consequências. Deixe o medo para depois. Mariana pressionou-se contra ele. Agora apenas me beije.

Gabriel, fraco e humano, cedeu novamente. O que começou com Mariana foi diferente do que tinha com Francisca. Com Francisca havia conexão intelectual, ternura, clicidade de mentes aprisionadas. Com Mariana havia paixão física pura, desejo animal, urgência corporal sem pretensão de romance. Gabriel, pela primeira vez em sua vida, tinha duas amantes e ambas eram as mulheres mais perigosas que poderia escolher. Durante julho e agosto, Gabriel viveu uma farça impossível.

 

Encontrava-se com Francisca nas noites em que o comendador viajava, nos cantos escuros da biblioteca. encontrava-se com Mariana nas tardes em que Francisca visitava vizinhos nos aposentos trancados dela. Cada uma acreditava ser a única. Cada uma cobrava declarações de exclusividade.

Cada uma ameaçava com ciúmes que ele não entendia completamente. Era apenas questão de tempo até que as mulheres descobrissem a verdade e quando descobrissem o inferno se abriria. Pause por um momento. Em uma sociedade que punia essa transgressão com extrema violência, o que levaria duas pessoas a arriscar tudo. Deixe sua reflexão nos comentários.

Agosto chegou com ventos gelados que cortavam como navalhas. A Estância Santa Rita preparava-se para o início da nova temporada de abate. O comendador estava mais presente, supervisionando pessoalmente as operações. Os encontros de Gabriel com ambas as mulheres tornaram-se mais raros e, por isso mesmo, mais desesperados. Foi Mariana quem começou a suspeitar primeiro.

Uma tarde, fingindo dor de cabeça, observou pela fresta da porta do seu quarto, Gabriel, passando pelo corredor. Esperava que ele subisse até seus aposentos, como fazia sempre que ela mandava recado através da mucama. Mas ele não subiu, continuou andando em direção ao outro lado da casa. Curiosidade picou como espinho.

Mariana saiu silenciosamente de seus aposentos, seguindo-o à distância segura. Viu-o entrar na biblioteca. Esperou. Minutos depois, Francisca entrou também, olhando para os lados antes de fechar a porta suavemente. O sangue de Mariana gelou, depois ferveu. Aproximou-se da porta, o vido colado contra a madeira.

Não conseguia distinguir palavras, apenas murmúrios, mas reconheceu o tom íntimo, carregado de emoção. Reconheceu porque era o mesmo tom que Gabriel usava com ela. Mariana afastou-se da porta, mãos tremendo de raiva e ciúmes. Voltou para seus aposentos sem ser vista, mente fervilhando de pensamentos venenosos. A hipócrita. Francisca, sempre tão correta, tão senhora da casa, tão acima de todos, estava o mesmo escravo que Mariana amava. Não, não amava. Mariana não amava Gabriel.

Amava o que ele representava. Amava o poder de tê-lo, a transgressão de possuí-lo, o perigo de desafiá-lo. E agora descobria que dividia tudo isso com a cunhada. Mariana não confrontou ninguém imediatamente. Era inteligente demais para isso. Confronto direto levaria a Escândalo. E Escândalo a destruiria tanto quanto a Francisca.

Não precisava ser mais esperta. Precisava usar aquela informação a seu favor. Nos dias seguintes, Mariana mudou sua estratégia. tornou-se mais doce com Francisca, elogiava seus bordados, pedia conselhos sobre assuntos domésticos, propunha caminhada juntas pelos jardins. Francisca, sem suspeitar de nada, relaxou a guarda.

“Você parece mais feliz ultimamente”, Mariana comentou durante o chá de uma tarde. Francisca quase engasgou. Feliz. Por que diz isso? Não sei. Há um brilho diferente em seus olhos, como se tivesse descoberto algo novo. Deve ser a leitura. Tenho encontrado livros muito interessantes. Ah, sim, livros. Mariana sorriu, gato brincando com o rato.

O Gabriel tem sido muito prestativo organizando a biblioteca. Não. Francisca ficou pálida por uma fração de segundo antes de recompor-se. Sim. É muito eficiente, muito eficiente mesmo. Bonito também, não acha? Mariana. Francisca colocou a xícara na mesa bruscamente. Que tipo de comentário é esse? Apenas uma observação. Mariana manteve o tom leve. Não precisa ficar ofendida.

É apenas um escravo, afinal. Exatamente. Apenas um escravo. Mas Francisca levantou-se e saiu da sala coração disparado. Mariana sabia de alguma forma sabia. Naquela noite, Francisca conseguiu enviar recado para Gabriel através de uma mucama de confiança. Precisamos parar. É perigoso demais. Gabriel recebeu a mensagem com alívio, misturado a dor.

Sabia que era inevitável. sabia que cada encontro aumentava as chances de descoberta catastrófica. Sabia que deveriam ter parado meses atrás, mas quando Mariano o procurou dois dias depois, ele não conseguiu recusar. Senti sua falta. Ela disse trancando a porta dos aposentos. Por que tem me evitado? Não evitei, dona Mariana. Tenho estado ocupado com Não minta para mim.

Ela o empurrou contra a parede, olhos brilhando perigosamente. Você acha que sou idiota? Acha que não percebo quando está me evitando? A senhora está imaginando coisas. Estou. Mariana desabotoou a blusa dele lentamente. Então prove. Prove que ainda me deseja. Gabriel pegou suas mãos parando-a. Isso precisa parar para ambos.

É loucura continuar. Por quê? Porque tem medo. Sempre foi covarde assim? Não é covardia, é sobrevivência. Ou talvez. Mariana inclinou a cabeça estudando-o. Talvez seja porque há outra pessoa. O corpo de Gabriel ficou rígido. Não há ninguém. Não. Então, por que cheira a perfume de lavanda? O mesmo perfume que Francisca usa? Silêncio mortal. Achei que era minha imaginação.

Mariana continuou, voz baixa e venenosa. Mas não é. É. Você está as duas, a mim e a minha cunhada. Que homem ambicioso você é, Gabriel, subindo na vida literalmente. Dona Mariana, cale a boca. Ela o esbofeteou. A marca ficou vermelha em seu rosto. Cale a boca e me escute com atenção. Se você terminar comigo para ficar com aquela vaca, eu conto tudo.

Conto ao comendador, conto à sociedade inteira e você sabe o que acontecerá. A senhora também será destruída, mas você morrerá. Mariana sorriu frio e calculado. E isso me basta. Gabriel percebeu naquele momento que havia subestimado completamente aquela mulher. Vira nela apenas solidão e desejo. Não perceber a crueldade, o egoísmo, a capacidade de destruição.

O que a senhora quer? Quero que termine com ela. Quero que seja apenas meu. E se obedecer, ficaremos em segredo até eu decidir que acabou. Ela tocou o rosto dele, onde a marca da bofetada ardia. Simples assim. E se eu recusar? Então, amanhã mesmo o comendador saberá de tudo e você poderá assistir Francisca sendo arrastada para o manicômio antes de ser enforcado na praça pública.

Gabriel fechou os olhos. Estava preso em armadilha sem saída. Se terminasse com Francisca, quebraria o coração da única pessoa que o tratara com verdadeira ternura. Se não terminasse, condenaria ambos. Preciso de tempo para pensar. Tem até amanhã de noite. Mariana destrancou a porta. Agora saia. E Gabriel, se tentar avisar Francisca, eu saberei. Tenho olhos em toda esta casa.

Gabriel saiu cambaleando, mente girando em desespero. Tinha menos de 24 horas para decidir como navegar aquele campo minado. O que ele não sabia era que Francisca também estava armando seus próprios planos. Porque Francisca não era idiota. Percebera as perguntas de Mariana, os olhares calculistas, as insinuações venenosas.

E Francisca tinha recursos que Mariana não imaginava. As mucamas eram leais a ela. Não a cunhada viúva que chegara há poucos meses. E mucamas viam tudo, sabiam tudo, especialmente Benedita, escrava de 40 anos que servia como aia pessoal de Francisca, desde que esta chegara à estância como noiva. Fale a verdade, Benedita.

Francisca disse naquela noite, trancadas no quarto: “Dona Mariana, ela tem envolvimento com Gabriel?” Benedita baixou os olhos. “Não é meu lugar dizer sim. Ah, Benedita, olhe para mim.” Francisca pegou as mãos da escrava. “Você me conhece há 16 anos. Sabe que confio em você mais que em qualquer pessoa nesta casa. Preciso da verdade, por favor.” Benedita suspirou pesadamente.

Sim, senh desde julho. Todos nas cenzalas sabem. Dona Mariana chama ele aos aposentos dela quando o comendador não está. Francisca sentiu algo quebrar dentro do peito. Todos sabem. Os escravos sabem, mas não falam. Não é nosso lugar. E E eles sabem sobre mim também. Benedita hesitou antes de acenar afirmativamente: “Sabem sim, há, mas ninguém julga a senhora. Gabriel é bom homem, não merecia ser escravo. E a senhora pausa.

A senhora sempre nos tratou com bondade. Se encontrou momento de felicidade, ninguém vai delatar.” Lágrimas escorreram pelo rosto de Francisca, não de vergonha, mas de raiva. Gabriel estava com ambas. estava mentindo para ambas, estava usando ambas ou estavam usando-o. A raiva transformou-se rapidamente em compreensão fria.

Gabriel não era vilão naquela história. Era peça movida por forças maiores que ele. Duas mulheres poderosas disputando propriedade, porque era isso que ele era no final das contas, propriedade. Benedita, preciso que faça algo por mim. Qualquer coisa sim há. Vigie, Mariana, anote horários, comportamentos, tudo e me informe imediatamente se ela tentar algo contra Gabriel ou contra mim.

A senhora pretende? Ainda não sei. Francisca enxugou as lágrimas, mas não permitirei que aquela mulher destrua tudo, nem a mim, nem a Gabriel, nem esta família. Enquanto isso, Gabriel lutava com sua própria consciência. Não podia avisar Francisca sem que Mariana soubesse. Não podia continuar com Mariana sem trair Francisca.

Não podia terminar com ambas sem causar escândalo. Estava preso em teia, cada vez mais apertada. Passou a noite acordado na cenzala, olhando o teto de palha, mente buscando saídas impossíveis. A única solução que via era fugir, deixar a estância, arriscar-se nas estradas, tentar chegar ao Uruguai, onde poderia ser livre.

Mas fugitivos eram caçados, capitães do mato eram eficientes. E, se fosse capturado, a punição seria pior que morte. Além disso, fugir deixaria Francisca a mercê de Mariana. e por razões que não conseguia explicar completamente, não suportava a ideia de abandoná-la. Amanheceu sem resposta.

Foi trabalhar mecanicamente, movendo-se pela casa como fantasma. Evitou ambas as mulheres. Concentrou-se em tarefas que o mantivessem longe das áreas onde elas transitavam. Mas era setembro e setembro trazia o aniversário do comendador. Toda a sociedade de Pelotas seria convidada para a grande saral, na estância Santa Rita. Duas centenas de pessoas circulariam pela Casagre.

Haveria música, dança, comida abundante. O prestígio do comendador seria exibido em todo seu esplendor. E Gabriel, como administrador interno, precisaria supervisionar tudo. Na semana anterior ao Saral, a tensão na casa era palpável. Francisca e Mariana mal se falavam. Gabriel evitava ambas. O comendador, alheio a tudo, preocupava-se apenas com a impressão que causaria nos convidados.

As mucamas coxixavam, os escravos sentiam a tempestade se aproximando. Foi três dias antes do saral que Mariana fez sua jogada. Procurou Gabriel nas cenzalas, onde ele jamais esperaria vê-la. Chegou a noite encapuzada, acompanhada apenas por uma escrava de confiança. Preciso falar com você agora. Gabriel a levou para o depósito de ferramentas, único lugar minimamente privado.

A senhora enlouqueceu se alguém vê. Ninguém me viu. E mesmo que vissem, não importa mais. Mariana jogou um embrulho aos pés dele. Isso é dinheiro suficiente para comprar sua euforria e ainda sobrar para começar vida nova. Gabriel olhou o embrulho sem tocá-lo. Em troca de quê? Em troca de você fazer exatamente o que eu mandar no saral do comendador. Que tipo de coisa? Ainda decidirei.

Mas quando decidir, você obedecerá sem questionar. fará o que eu pedir e depois disso estará livre, livre de mim, livre desta estância, livre desta vida. E se eu recusar, então na manhã do Saral contarei ao comendador sobre você e Francisca, e assistirei quando ele mandar castrá-lo antes de enforcá-lo. Gabriel sentiu náuseia subir.

Por que está fazendo isso? Porque posso? Mariana sorriu e naquele sorriso havia apenas crueldade. Porque vocês dois me usaram, me mentiram, me traíram e agora pagarão de uma forma ou de outra. Ela saiu, deixando Gabriel paralisado ao lado do dinheiro que representava tanto sua salvação quanto sua condenação. Dois dias antes do saral, Francisca finalmente confrontou Gabriel.

encontrou-o na biblioteca sozinho, organizando cadeiras para os convidados. Trancou a porta. Precisamos conversar. Gabriel não a olhou. Não há nada para conversar. Há tudo para conversar. Sei sobre Mariana. Agora ele olhou. Olhos arregalados. Como? Não importa como. O que importa é que estamos todos em perigo. Ela está planejando algo. Sinto. Eu sei o que ela está planejando.

Gabriel contou tudo. A chantagem, o dinheiro, a exigência misteriosa para o saral. Francisca ficou pálida. Ela vai causar escândalo público. É a única explicação. Vai expor tudo diante dos convidados para destruir a todos. O que fazemos? Fugimos. A decisão apareceu nos olhos de Francisca como relâmpago.

Hoje à noite pegamos cavalos, vamos para Rio Grande, conseguimos passagem para o Uruguai. Estão sonhando? Gabriel assegurou pelos ombros. O Comador nos caçará. Capitães do mato nos encontrarão e quando encontrarem, então morremos livres. Francisca tocou o rosto dele. Morremos juntos. Preferível a viver esta mentira.

Gabriel olhou para aquela mulher educada, refinada, criada em berço de ouro, propondo abandonar tudo por ele, por um escravo, por amor impossível. Você enlouqueceu. Enlouqueci há meses quando me apaixonei por você. Era a primeira vez que qualquer um deles usava aquela palavra. Amor pairou entre eles como confissão e condenação. Francisca, não diga que não sente o mesmo. Sei que sente. Vi em seus olhos desde o primeiro dia.

Sentir não muda a realidade. Então vamos mudar a realidade. Ela o beijou com desespero. Esta noite, à meia-noite, nos encontramos nos estábulos. Temos cavalos selados. 6 horas de vantagem antes que percebam nossa falta. Podemos conseguir. E Mariana? Mariana pode se enforcar com suas próprias intrigas. Gabriel queria dizer não.

Queria ser sensato, queria sobreviver, mas olhou para Francisca, brilho de esperança louca nos olhos, corpo tremendo de adrenalina e amor, e não conseguiu destruir aquela fé. Meia-noite ele concordou. nos estábulos. Beijaram-se uma última vez antes de ela sair, ambos sabendo que haviam acabado de selar seus destinos.

O que nenhum dos dois sabia era que Benedita, cumprindo ordens de Francisca de vigiar tudo, observara Mariana indo às censalas duas noites antes, e ficara perturbada demais para contar imediatamente a Assiná. Quando finalmente decidiu falar, era tarde demais. A noite anterior ao Saral chegou gelada e carregada de presságios.

Gabriel preparou-se meticulosamente. Guardou o dinheiro de Mariana, seria útil na fuga. Separou roupas simples, embrulhou pão e shark roubados da despensa. Estava pronto para fugir ou morrer tentando. Meia-noite chegou lentamente. Gabriel saiu da cenzala quando todos dormiam, movendo-se como sombra em direção aos estábulos.

Coração batendo tão forte que temia acordar os outros. Mãos suando, apesar do frio. Chegou aos estábulos 5 minutos antes da hora combinada. Dois cavalos estavam selados como Francisca prometera. Alforges prontos, tudo perfeito. 15 minutos depois, Francisca ainda não chegara. Gabriel começou a ficar nervoso. Onde ela estava? Teria sido descoberta? Teria mudado de ideia? 20 minutos, meia hora.

Foi quando ouviu os gritos. Gritos vindos da casa grande, múltiplas vozes, luz de tochas se movendo rapidamente, latidos de cães. Gabriel sentiu o sangue gelar. Foram descobertos. De alguma forma, alguém descobriu o plano. Deveria fugir sozinho, montar o cavalo e cavalgar até ser capturado. Mas não conseguia abandonar Francisca.

começou a correr em direção à casa quando viu a cena que mudaria tudo. No pátio frontal da Casagre, iluminado por dezenas de tochas, Mariana estava de camisola, cabelos desgrenhados, gritando e apontando para Francisca: “Puta, adúltera, todos vejam, a senhora da casa  escravo.” O comendador estava lá de hobby, completamente confuso.

Outros escravos acordados pelo alvoroço, mucamas assustadas e Francisca, pálida como morte, tentando explicar algo a um marido que não estava ouvindo. Mentira, Francisca gritava. Está inventando tudo? Está louca. Louca? Então, como explica isto? Mariana jogou algo no chão. Gabriel, ainda escondido na escuridão, reconheceu: “E suas camisas, as que Francisca lavara pessoalmente para apagar o cheiro dela.

Encontrei no seu quarto roupas dele e isto. Outro objeto, o livro de Víctor Hugo, primeiro que trocaram, com dedicatória dele para você.” O comendador pegou o livro, leu a nota que Gabriel escrevera meses antes, em momento de fraqueza. Olhou para Francisca, olhou para as roupas no chão. Antônio, deixe-me explicar. Francisca estendeu as mãos. A bofetada foi tão forte que a jogou no chão.

O comendador rugiu, voz ecoando pela propriedade. Deshonrou meu nome, minha casa, minha honra. Não. Francisca tentou levantar, mas ele a chutou. Onde está ele? Onde está o escravo, filho da Gabriel sabia que deveria fugir. Deveria montar o cavalo e nunca olhar para trás, mas viu Francisca sangrando no chão.

Viu o comendador descer sobre ela novamente e algo nele quebrou. Saiu das sombras. Caminhou em direção ao pátio iluminado, em direção à própria morte. Estou aqui. Todos se viraram. O comendador parou. Pé ainda sobre as costelas de Francisca. Mariana sorriu triunfante.

Francisca gritou: “Não!” Gabriel continuou andando até estar a poucos metros do comendador. Olhou para Mariana, viu vitória e vingança naqueles olhos verdes. Olhou para Francisca, viu amor e desespero. Olhou para o comendador, viu ódio puro. “Sou culpado,” Gabriel disse, voz firme. “Fui eu quem a seduziu. Ela é inocente. Usei artes diabólicas. Feitiços que aprendi de curandeiros africanos.

Assim, ah, estava enfeitiçada. A culpa é toda minha. Não, Francisca chorava. É mentira. Eu o amei voluntariamente. Eu escolhi. Cale a boca. O comendador chutou-a novamente. Então olhou para Gabriel, estudando-o como se visse pela primeira vez. Então foi você. Você corrompeu minha esposa. Violou a santidade do meu lar. Sim, senhor.

Sabe o que faço com escravos que tocam em mulheres brancas? Sei, senhor. O comendador virou-se para os outros escravos que assistiam aterrorizados. Amarrem ele ao pelourinho. Arranquem a roupa, todos assistirão. Quero que vejam o que acontece com negros que se esquecem do seu lugar. Quatro escravos avançaram sobre Gabriel. Ele não resistiu. Deixou-se ser arrastado até o pelourinho no centro do pátio.

Deixou-se ser despido e amarrado, braços esticados acima da cabeça, costas expostas. Francisca gritava tentando levantar, sendo contida por mucamas. Mariana a assistia, olhos brilhando de satisfação perversa. O comendador pegou o chicote pessoalmente. Quantas vezes, filho da  Quantas vezes tocou nela? Gabriel não respondeu. A primeira chicotada abriu pele e carne.

Gabriel mordeu os lábios até sangrar, mas não gritou. Quantas vezes? Segunda chicotada, terceira, quarta? Dezenas de vezes! Mariana gritou venenosa durante meses. Ele a fodeu em todos os cantos desta casa, na biblioteca, nos jardins, até mesmo. Cale a boca, Mariana. Francisca conseguiu se libertar. Correu em direção ao marido. Pare, por favor. Ele não tem culpa. Fui eu.

Eu? O comendador empurrou-a brutalmente. Ela caiu batendo a cabeça em uma pedra. Ficou imóvel. “Francisca!” Gabriel gritou, puxando as correntes. Chicotada, 15ª vigésima. As costas de Gabriel não eram mais que carne rasgada, quando o comendador finalmente parou, ofegante de esforço e raiva. Isso é só o começo ele disse, voz mortal.

 

Amanhã depois do saral, porque não cancelarei meu aniversário por causa de e escravo. Você será castrado publicamente, depois enforcado, e seu corpo ficará pendurado na entrada da estância como aviso. Gabriel mal ouvia, visão escurecendo pela dor. Viu Benedita e outras mucamas carregando Francisca desacordada para dentro da casa.

Viu Mariana finalmente uma expressão de horror substituindo o triunfo, como se só agora percebesse o monstro que desencadeara. Viu o comendador entrar na casa, deixando-o amarrado ali, sangrando no frio da noite. Os outros escravos dispersaram lentamente, silenciosos, aterrorizados. Apenas um permaneceu, João, escravo velho que trabalhava nos estábulos desde antes de Gabriel chegar. Vou te soltar, filho.

João sussurrou quando teve certeza de que estavam sozinhos. Vou te dar um cavalo. Vai embora. Vai para longe daqui. Não posso deixá-la. Ela está morta, filho, ou tão boa quanto. O comendador vai mandá-la para manicômio. Você não pode salvá-la, só pode se salvar. Então não me salvarei.

João olhou para aquele jovem teimoso, sangrando mais orgulhoso, condenado, mas digno. Balançou a cabeça. Que Deus tenha piedade de você, filho, porque os homens não terão. Deixou Gabriel ali e foi embora. A tensão está aumentando. Se você está torcendo por esse casal impossível, deixe seu like. Mas lembre-se, esta é uma história real do Brasil escravocrata.

Amanheceu lentamente sobre a estância Santa Rita, o dia do grande saral, dia em que o comendador exibia sua riqueza e poder para a Sociedade de Pelotas, dia em que tudo desmoronaria em chamas. Gabriel passou a noite amarrado ao pelourinho, costas ardendo, sangue seco colando-se à pele, frio penetrando até os ossos, mas manteve-se consciente através da dor, porque sabia que se desmaiasse poderia nunca mais acordar.

Ao amanhecer, João voltou com um balde de água e panos, limpou as feridas o melhor que pôde, aplicou unguentos preparados pelas curandeiras, deu-lhe água e pedaços de pão que Gabriel mal conseguiu engolir. “Assim?”, Gabriel perguntou. Voz rouca. Acordou, está trancada nos aposentos. O comendador colocou duas mucamas vigiando.

Ela tenta sair, mas não deixam. E Mariana? trancada também parece arrependida agora, mas tarde demais. João amarrou as bandagens. Os convidados começam a chegar ao meio-dia. O comendador mandou te deixar aqui até o saral acabar. quer que todos vejam, que saibam, quer fazer exemplo. Isso mesmo, filho. Gabriel olhou o horizonte onde o sol nascia, pintando o céu de vermelho sangue.

Teve a certeza absoluta de que aquele era o último amanhecer que veria. Estranhamente, sentiu-se em paz. Vivera mais intensamente nos últimos meses que em toda a sua vida. Amara e fora amado, desejara e fora desejado, fora tratado como homem, mesmo que por tempo curto. Valia a pena morrer por isso. Enquanto Gabriel aceitava seu destino, dentro da casagre Francisca travava batalha diferente.

Acordara com dor lancinante na cabeça, marca roxa na face, costelas latejando a cada respiração. Benedita estava ao lado da cama chorando silenciosamente. Gabriel, foi a primeira palavra que conseguiu articular. Vivo, sim, mas ferido. O comendador mandou chicoteá-lo a noite toda. Francisca tentou se levantar, mas quase desmaiou de tontura. Preciso vê-lo. Não pode, Sinh.

Tem guardas na porta. O comendador não quer que saia. Para onde ele me mandará? Con vento, manicômio. Benedita não respondeu. A resposta estava nos olhos tristes. Então vou morrer trancada como louca. Francisca deitou-se novamente, lágrimas escorrendo. E Gabriel será enforcado. Tudo porque nos atrevemos a amar.

O amor de vocês era impossível. Sim. Ah. Todo amor é impossível até que existe. Francisca olhou o teto. Benedita, há algo que você possa fazer? Qualquer coisa? O que senhá? Não sei. Ajudá-lo a fugir, envenenar o comendador, incendiar a casa. Riu amargamente. Algo. Há algo. Benedita disse lentamente: “Mas é perigoso para todos”.

Francisca sentou-se bruscamente, ignorando a dor. Diga, os escravos estão com medo. Medo do que o comendador vai fazer com Gabriel. Medo de que se um pode ser morto assim, todos podem. Pausa significativa. A conversa de revolta. Francisca olhou para a escrava como se a visse pela primeira vez. Revolta. Há 40 homens nas salgadeiras.

Trabalham com facas o dia todo, conhecem cada canto desta propriedade. Se decidirem, Benedita deixou a frase suspensa, mas precisariam de razão, de liderança, de alguém que os organizasse. Você está sugerindo que eu não estou sugerindo nada, senh apenas dizendo que as portas às vezes abrem quando se empurra na direção certa.

As duas mulheres olharam-se longamente. Francisca, criada em berço de ouro, educada para ser ornamento. Benedita, nascida escrava, educada pela brutalidade. Mas naquele momento eram apenas duas mulheres desesperadas, buscando saída impossível. “Se eu conseguir sair deste quarto,” Francisca começou. “Deixe isso comigo, Sim.

” Enquanto essas conspirações fermentavam, Mariana vivia seu próprio inferno particular, também trancada, também vigiada, mas pelas razões certas, o comendador não confiava nela. Percebia tarde demais que a cunhada era cobra venenosa, mas não podia expô-la publicamente sem revelar o escândalo da casa. Então, mantinha-a presa, decidindo o que fazer depois.

Mariana olhava-se no espelho, vendo o monstro olhando de volta. O que fizera? Destruíra tudo por ciúme mesquinho e vingança cruel. Gabriel seria morto. Francisca seria internada, a família destruída. E para quê? para provar ponto, para se vingar de rejeição. Pela primeira vez em sua vida, Mariana sentiu algo parecido com Remorço, mas Remorço não desfazia o mal causado. Remorço não ressuscitaria Gabriel após o enforcamento.

Remorço era luxo dos que chegavam tarde demais. Sentou-se na cama, vestido negro de viúva, parecendo mortalha, e chorou. Chorou por Gabriel, por Francisca, por si mesma. Chorou pela mulher amarga e solitária que se tornara. Chorou porque sabia que carregaria aquilo até o último dia de vida, mas lágrimas eram baratas.

E Mariana, descobria tarde demais, não tinha forma de pagar suas dívidas. Meio-dia chegou com o primeiro grupo de convidados. Charretes e cavalos enchendo o pátio. Homens de fraque e mulheres de vestidos pomposos, estanciiros ricos e suas famílias, políticos locais, comerciantes prósperos, padre da igreja matriz, todos vindo celebrar mais um ano de vida do comendador Antônio Rodrigues da Silva.

E todos vendo logo na entrada um escravo mulato amarrado ao pelourinho, costas destroçadas, cabeça baixa. “Que se passa ali?”, um convidado perguntou. “Um escravo que se esqueceu de seu lugar?” O comendador respondeu: “Vozregada de significado. Logo será tratado adequadamente, mas hoje é dia de festa. Entrem, entrem”. Os convidados passaram, alguns olhando Gabriel com curiosidade, outros com repulsa, a maioria com indiferença. Apenas mais um escravo sendo punido.

Nada de extraordinário. Instalaram-se na casa. Música começou a tocar. Um quarteto de cordas contratado de Porto Alegre. Comida foi servida em abundância. Shark, vitela, pães doces, vinhos importados. O comendador circulava entre os convidados, recebendo cumprimentos, contando piadas, exibindo prosperidade.

Ninguém perguntou por sua esposa. Era sabido que mulheres da casa não participavam sempre dos saraus. Assumiram que dona Francisca estivesse indisposta. O que não sabiam era que Francisca, naquele exato momento, estava saindo de seus aposentos através de passagem secreta que apenas ela e Benedita conheciam. Passagem construída décadas antes, quando a casa fora erguida, ligando os quartos principais à despensas através de corredor estreito nas paredes.

Benedita aguiou pela escuridão dedos tocando as paredes de madeira. Saíram nas dispensas, onde duas outras mucamas esperavam com roupas simples, vestido de escrava, lenço cobrindo os cabelos. Não vão reconhecê-la assim, Benedita disse, ajudando-a a se vestir. Mas precisa andar curvada, olhos baixos, como nós.

Francisca ajustou o lenço, escondendo os cabelos castanhos. olhou-se refletida em panela de cobre irreconhecível. E agora? Agora vamos até as cenzalas conversar com quem precisa ouvir. Saíram pelas portas dos fundos, misturando-se aos escravos que serviam o saral. Ninguém prestou atenção a mais uma mucama circulando.

Chegaram à cenzalas, onde os homens das charqueadas descansavam entre turnos. Benedita reuniu seis homens. Os mais fortes, os mais inteligentes, os líderes naturais entraram em um barracão vazio. Francisca jogou o lenço para trás, revelando-se. Houve murmúrios de surpresa e medo. Silêncio. Benedita ordenou. Assim a tem proposta. Francisca olhou para aqueles homens.

 

Músculos construídos por trabalho brutal, peles marcadas por chicotes, olhos que já não carregavam esperança. Sabia que o que estava prestes a propor era loucura. Sabia que provavelmente morreria, mas não via a alternativa. “Gabriel será morto ao pôr do sol”, ela começou. Voz firme, apesar do medo. Vocês sabem disso e sabem que se Gabriel pode ser morto, qualquer um de vocês pode, por qualquer razão, a qualquer momento.

Os homens não responderam, mas tensão aumentou no ar. Eu amei, Gabriel. Amo Gabriel. E por isso vou ser trancada em manicômio, tratada como louca pelo resto da vida. Mas antes que isso aconteça, proponho algo. Respiração profunda. Libertem Gabriel. Tomem a casa, peguem armas, cavalos, dinheiro. Fujam todos para o Uruguai, para onde quiserem.

Mas fujam juntos, organizados, com chance. Silêncio pesado. Então, um dos homens, Mateus, corpo enorme coberto de cicatrizes, falou: “Assimábio o que está pedindo? Sei, estou pedindo revolta, estou pedindo que arrisque em tudo. E assim há o que ganha com isso? Uma hora ao lado de Gabriel antes de morrer. É tudo que quero.

Outro homem mais jovem chamado Paulo cuspiu no chão. Porque deveríamos confiar numa? Sua gente nos chicoteia, nos vende, nos mata. Por que ajudá-la agora? Porque não estou pedindo para me ajudarem. Francisco olhou nos olhos de cada um. Estou oferecendo me juntar a vocês. Quando atacarem, eu estarei junto. Quando fugirem, eu fugirei.

Quando morrerem, voz tremeu. Eu morrerei. Benedita colocou a mão no ombro de Francisca. Ela fala verdade. Tratou-nos com bondade durante anos e ama Gabriel de verdade. Vi seus olhos. Não é como a outra. Sim. Ah. cheia de veneno. Os homens entreolharam-se. Comunicação silenciosa. Finalmente, Mateus acenou.

Há 40 homens nas charqueadas, facas afiadas e todos raivosos com o que fizeram com Gabriel. Pausa. Se a está disposta a morrer conosco, morreremos tentando ser livres. Quando? Francisca perguntou. Por do sol. Quando o comendador for buscar Gabriel para a execução, atacaremos então como? Mateus sorriu sem alegria. Deixe isso conosco, Sá. Sabemos como.

Francisca sentiu, estendeu a mão. Mateus olhou para ela surpreso, então a apertou. Aperto de iguais. Obrigado ela disse. Por tudo. Não agradeça ainda, senh provavelmente estaremos todos mortos antes da noite acabar. Francisca deixou as cenzas, escoltada novamente por Benedita, voltou para a casa pelos caminhos dos fundos, mas ao invés de retornar aos aposentos, desviou em direção ao pátio, onde Gabriel permanecia amarrado.

Aproximou-se silenciosamente, aproveitando que todos os guardas estavam ocupados, supervisionando o saral. Ajoelhou-se atrás do pelourinho, onde não podiam vê-la, mas ele podia ouvi-la. Gabriel, sussurro baixíssimo. Ele reconheceu a voz imediatamente. Francisca, como está aqui? Não importa. Escute. Ao pôr do sol, haverá revolta.

Os escravos vão atacar. Você será libertado. Não. Gabriel protestou. Eles vão morrer. Todos. Não vale. Vale. Ela tocou suas costas feridas levemente, sentindo-o tremer de dor. Vale cada vida. Vale a chance de liberdade. Vale eu e você termos ao menos minutos juntos antes do fim. Francisca, você não precisa fazer isso. Preciso porque te amo.

Porque essa é a única forma de dar significado a tudo que aconteceu. Beijou suas costas gentilmente. E porque no final prefiro morrer livre do que viver escrava de mentira. Lágrimas escorreram pelo rosto de Gabriel, misturando-se ao sangue seco. Eu também te amo. Desde o primeiro dia na biblioteca. Eu sei.

Francisca sorriu, embora ele não pudesse ver. sempre soube. Ficou ali por mais um minuto, absorvendo a presença dele, gravando na memória a sensação de tocá-lo. Então levantou-se e partiu, sabendo que a próxima vez que o visse seria em meio à violência e caos, ou nunca mais. A tarde avançou em letargia cruel. O saral continuava. Música, risadas, conversas superficiais.

O comendador embriagava-se lentamente de vinho e adulação. Os convidados desfrutavam de luxo construído sobre sofrimento e nas cenzalas, nas charqueadas, nas despensas, uma tempestade se preparava. Às 5 da tarde, Mateus reuniu os 40 homens escolhidos, distribuiu facas escondidas em roupas, dividiu em grupos 10 para dominar os guardas, 10 para pegar armas na sala de armaria, 10 para garantir os cavalos, 10 para proteção dos que fugiriam.

“Lembremo-nos!”, ele falou, voz grave, “Não somos assassinos. Matamos apenas quem nos atacar. Objetivo é fugir, não vingança. E assim há, alguém perguntou. Assim, vem conosco. Libertou Gabriel, foge com ele. Houve murmúrios, mas ninguém protestou. Francisca ganhara de forma improvável o respeito daqueles homens.

Às 6 horas, Sol começou a descer no horizonte, tingindo tudo de laranja e vermelho. O comendador, cambaleante de vinho, anunciou aos convidados. Meus amigos, antes do jantar testemunharão algo especial. A justiça sendo feita. Um escravo que esqueceu seu lugar aprenderá a lembrá-lo.

Os convidados, curiosos e meio embriagados também, seguiram-no para o pátio, onde Gabriel permanecia amarrado. Formar círculo como se fosse espetáculo. O comendador aproximou-se de Gabriel, faca na mão. Antes de te enforcar, vou garantir que nunca mais toque em mulher branca. Gabriel fechou os olhos, preparando-se para a dor final. Foi quando os gritos começaram das cenzalas.

40 homens avançaram em corrida, facas em punho, rostos determinados, uivos de guerra de homens que não tinham mais nada a perder. O comendador virou-se confuso. Os convidados gritaram, mulheres desmaiando, homens recuando. O quê? O comendador começou. Mateus chegou primeiro, derrubando-o com soco brutal. Dois outros escravos cortaram as cordas que prendiam Gabriel, que desabou. Segurou-o antes que caísse.

“Consegue andar?” “Consigo correr,” Gabriel respondeu, adrenalina superando a dor. Caos explodiu. Guardas sacaram armas, mas foram dominados antes que pudessem atirar. Convidados correram em pânico, pisoteando uns aos outros. Mateus e seu grupo avançaram para a armaria, quebrando portas, pegando rifles e pistolas.

Francisca surgiu correndo das sombras, ainda vestida como escrava. Jogou-se nos braços de Gabriel. Está vivo por enquanto. Precisamos sair agora. Outro grupo trouxe cavalos já selados, 20 animais, não suficiente para 40 pessoas, mas teriam que servir. Foi quando o primeiro tiro ecoou. Um dos guardas, ferido, mas consciente, disparara.

A bala atingiu Paulo no peito. Ele caiu, olhos arregalados de surpresa, sangue espalhando-se rapidamente. Paulo! Mateus gritou, ajoelhando-se ao lado do jovem. Vivai! Paulo sussurrou, sangue borbulhando dos lábios. Foge por mim. morreu antes de terminar a frase. A morte do primeiro quebrou algo nos outros. Não era mais revolta controlada, era guerra.

Três escravos avançaram sobre o guarda que atirara, facas descendo repetidamente. Quando terminaram, o homem não era mais reconhecível. “Parem!” Mateus rugiu: “Não somos como eles, mas era tarde. Sangue chamava sangue. Mais guardas chegavam correndo da periferia da propriedade, mais tiros. Dois escravos caíram, um cavalo relinchando de dor quando uma bala acertou seu flanco.

Montém! Francisca! Gritou! Não há tempo. Gabriel, ignorando as costas em fogo, montou, puxando Francisca para cima do cavalo. Mateus e outros fizeram o mesmo. Alguns cavalos carregando dois ou três homens. “E outros?”, Benedita gritou, apontando para os escravos sem montaria.

Sigam a pé”, Mateus ordenou: “Encontrem-se conosco na divisa com o Uruguai, cidade de Jaguarão. Há abolicionistas lá.” Esporearam os cavalos, explodindo do pátio em galope desesperado. 20 pessoas em 20 cavalos buscando liberdade ou morte tentando. Atrás deles, a estância Santa Rita queimava literalmente. No caos tochas haviam sido derrubadas.

Fogo espalhava-se rapidamente pela casa grande, pelas cenzalas, pelos galpões. O comendador, ensanguentado, mas vivo, assistia seu império virar cinzas. viu sua esposa fugindo nas costas de um escravo. Viu tudo que construíra desmoronando e em seus aposentos, Mariana observava pelas janelas gradeadas o inferno que causara, lágrimas escorrendo, sabendo que sairia viva, mas carregaria culpa até morrer.

Os fugitivos cavalgaram a noite toda, cavalos exaustos, espuma gotejando das bocas, pessoas feridas sangrando, mas sem parar. Não podiam parar. Capitães do mato logo estariam em seus rastros. Amanhecer encontrou-os a 40 km de pelotas próximos à fronteira. Alguns cavalos mancavam. Três pessoas haviam caído durante a noite, machucadas demais para continuar, dizendo aos outros para seguir em frente.

Gabriel e Francisca cavalgavam juntos. Ela segura contra o peito dele, apesar da dor das costas feridas. Não haviam falado muito durante a fuga. Não havia necessidade. Estavam juntos, vivos, por enquanto suficiente. Olhe, Mateus apontou, Jaguarão e além, Uruguai.

A pequena cidade fronteiriça se estendia à distância, e, além dela, do outro lado do rio Jaguarão, a promessa de liberdade, mas entre eles e a fronteira, uma linha de homens armados, capitães do mato, capangas do comendador, talvez 30 homens, rifles apontados e à frente de todos o próprio comendador Antônio Rodrigues da Silva. Os fugitivos pararam a 100 m de distância, não havia para onde ir.

cerrados entre os perseguidores e a fronteira, o comendador cavalgou lentamente até ficar no meio termo entre os dois grupos. Voz carregando pela manhã silenciosa: “Fancisca, é sua última chance. Volte agora! Esquecerei tudo. Te tratarei como esposa merece ser tratada.” Francisca olhou para Gabriel, depois para o marido.

Decisão iluminou seus olhos, desmontou do cavalo, caminhou em direção ao comendador. Gabriel tentou segurá-la, mas ela se soltou. Não. Gabriel sussurrou. Francisca parou a poucos metros do comendador. Olhou para o homem com quem fora casada por 16 anos. O homem que a tratara como propriedade, o homem que destruíra tudo.

“Você está certo?” Ela disse autossuficiente para todos ouvirem. “Merece ser tratada como esposa merece”. Virou-se de costas para ele, caminhou de volta para Gabriel, montou novamente. Eu escolho ele. Escolho liberdade. Escolho amor. Escolho dignidade. Olhou o comendador uma última vez.

e escolho nunca mais viver na gaiola que você construiu. O rosto do comendador contorceu-se em ódio puro. Então morrerão juntos. Ergueu a mão para ordenar o ataque. Foi quando o tiro veio da direção oposta. Um dos capitães do mato caiu, bala no peito. Depois outro. Depois mais dois. Da cidade de Jaguarão. Um grupo de homens armados emergia.

abolicionistas, quilombolas, escravos libertos que formavam rede clandestina de ajuda. “Corram”, alguém gritou dos abolicionistas. “Cruzem o rio, estarão seguros no outro lado.” Os fugitivos não precisaram de segundo convite. Esporearam os cavalos exaustos em direção ao rio. Tiros explodiam de ambos os lados. Agora, perseguidores contra abolicionistas. Caos de nova batalha.

Gabriel segurou Francisca firme enquanto o cavalo entrava no rio. Água fria até o peito, correnteza forte, o animal lutando para não ser levado. Outros cavalos ao redor, alguns conseguindo, alguns sendo levados pela correnteza, cavaleiros lutando para nadar, tiros ainda ecoando atrás deles e então milagrosamente patas tocando fundo novamente, subindo à margem oposta. Uruguai, terra estrangeira, terra livre.

Gabriel e Francisca desabaram do cavalo caindo na grama, respirando pesadamente, olhando para trás através do rio. Do outro lado, o comendador estava na margem, fuzil em mãos apontando. Por um momento, Gabriel achou que atiraria, mas o homem apenas ficou ali impotente, assistindo sua propriedade. Esposa e escravo, escaparem para sempre.

Depois virou-se e partiu. Derrotado, quebrado. De 20 cavalos que começaram, apenas 12 cruzaram o rio. Oito pessoas perdidas, mortas ou capturadas. Mas 12 sobreviveram. 12 conseguiram o impossível. Mateus ajoelhou-se na grama, beijando a terra. Livres! Finalmente livres! Francisca virou-se nos braços de Gabriel, olhou para seu rosto, sangrando, machucado, exausto, mas vivo, beijou-o profundamente, não se importando com quem via.

“Conseguimos”, ela sussurrou contra seus lábios. “Conseguimos,”, ele concordou. “Sabiam que o futuro seria difícil. Estranhos em terra estranha, sem dinheiro, sem família, sem nada além uns dos outros. sabiam que o comendador tentaria pegá-los, mandaria agentes caçadores de recompensa. Sabiam que sempre olhariam para trás com medo, mas naquele momento, molhados e exaustos na margem uruguaia do rio Jaguarão, eram livres e juntos. E era tudo que importava.

Esta história real nos mostra o preço brutal da transgressão social. Se você está sentindo a injustiça deste sistema, compartilhe. Histórias como esta revelam à humanidade que o racismo tentava negar. 3 anos depois, 1857, Montevidel, Uruguai. A pequena casa na periferia da cidade tinha paredes caiadas e telhado de telhas vermelhas, dois quartos, cozinha simples, quintal onde cresciam hortaliças, modesta, mas digna e inteiramente deles.

Gabriel trabalhava como professor em escola para filhos de escravos fugidos e libertos. Ensinava português, matemática, história. Pagamento era pouco, mas suficiente. E, pela primeira vez na vida, era tratado com respeito. Senr. Gabriel, chamavam-no. Senhor. Francisca costurava e bordava para famílias uruguaias ricas.

Descobrira que suas habilidades de Sinhá tinham valor no mundo livre. Também ensinava francês para crianças da elite local. O dinheiro complementava-o de Gabriel. viviam simplesmente, mas sem fome, sem medo, sem correntes visíveis ou invisíveis. À noite, deitavam-se juntos na cama estreita, corpos entrelaçados, conversando sobre o dia, sobre o futuro, sobre os filhos que talvez tivessem um dia.

As costas de Gabriel cicatrizaram, mas deixaram marcas. Francisca traçava os sucos com dedos gentis, lágrimas nos olhos cada vez que via. Gabriel segurava sua mão, beijava seus dedos, dizia que valera a pena. Cada cicatriz era símbolo de liberdade conquistada. Dos 12 que cruzaram o rio, oito permaneceram em Montevidel.

Mateus abriu pequena oficina de ferreiro. Benedita trabalhava como parteira. Formaram comunidade, família escolhida, substituindo a biológica perdida. Notícias do Brasil chegavam ocasionalmente. A estância Santa Rita fora reconstruída parcialmente, mas nunca recuperou o prestígio.

O comendador tornara-se recluso, bebendo-se até a morte 3 anos após a fuga. Morrera sozinho, sem herdeiros, propriedade confiscada por dívidas. Mariana fora enviada para convento após o escândalo. Diziam que enlouquecera de remorço, passando dias inteiros rezando e chorando. Morrera em 1856. Febre que os médicos não conseguiram curar. Últimas palavras foram supostamente pedido de perdão a Gabriel e Francisca.

Francisca chorou quando soube, não de tristeza, mas de alívio. O último fantasma do passado enterrado, o último fio cortado. “Deveria perdoá-la?”, perguntou a Gabriel. “Já perdoou?”, Ele respondeu: “No momento em que escolheu fugir, ao invés de odiar, foi ela que destruiu tudo. Não foi o sistema que destruiu tudo. Mariana foi apenas instrumento. Gabriel olhou pela janela para o céu azul de Montevidel.

Sistema que transforma pessoas em propriedade, que nega humanidade, que pune amor. Esse é o verdadeiro inimigo.” Francisca abraçou-o por trás. rosto contra suas costas cicatrizadas. Quando a escravidão acabar no Brasil, não sei, mas acabará. Tem que acabar. Nenhum sistema construído sobre crueldade dura para sempre. Estavam certos.

31 anos depois, em 1888, a lei Áurea seria assinada. Escravidão abolida oficialmente, mas Gabriel e Francisca não viveriam para ver. Em 1862, febre amarela varreu Monte Videl. Matou milhares, matou Mateus, matou Benedita, matou Gabriel. Ele adoeceu em abril, febre alta, delírios.

Francisca cuidou dele noite e dia, aplicando com pressas frias, forçando-o a beber água, mas não havia cura. A medicina da época era impotente contra a doença. Numa noite de maio, deitado na cama estreita, suor encharcando os lençóis, Gabriel segurou a mão de Francisca. “Não se arrepende”, ele sussurrou, voz fraca.

“De quê?” “De tudo, do escândalo, da fuga, desta vida difícil?” Francisca beijou seus dedos, queimando de febre. Arrependo-me apenas de não termos fugido mais cedo, de termos desperdiçado meses em medo quando podíamos ter estado juntos. “Te amo,” Gabriel disse, “desde aquele primeiro dia na biblioteca.” “Eu sei, sempre soube.” Francisca sorriu através das lágrimas.

“E eu te amo até o último suspiro e além”. Foram as últimas palavras que trocaram. Gabriel fechou os olhos e não os abriu novamente. Parou de respirar às 3 da manhã, mão ainda entrelaçada na dela. Francisca ficou ali segurando-o até o amanhecer. Depois chamou vizinhos. Prepararam o corpo. Enterraram-no cemitério para estrangeiros. Pequena cruz de madeira com o nome mal grafado.

Francisca viveu mais 19 anos. Nunca se casou novamente, nunca amou novamente. Continuou ensinando, costurando, sobrevivendo. Visitava o túmulo de Gabriel todas as semanas, levando flores, contando sobre seu dia, mantendo conversa unilateral, como se ele ainda estivesse ali. Em 1881, aos 62 anos, teve ataque do coração.

Morreu instantaneamente, sozinha em casa. Vizinhos encontraram seu corpo dois dias depois. Enterraram-na ao lado de Gabriel, mesma cruz simples de madeira, nenhum sobrenome, apenas Francisca Amada. Com o tempo, as cruzes apodreceram, as sepulturas foram esquecidas, a pequena casa foi demolida para dar lugar a edifício. A escola onde Gabriel ensinou fechou.

As pessoas que os conheceram morreram. A história de Gabriel e Francisca desapareceu, como tantas outras histórias de amor impossível daquela época. Mas nas famílias de escravos fugidos que se estabeleceram no Uruguai, a história foi passada oralmente. A voz contavam para netos.

Houve uma vez uma branca e um escravo que amaram tanto que desafiaram o mundo inteiro. Nos quilombos do Brasil, a história de Mateus e dos 40 foi cantada. Houve uma vez homens que escolheram morrer livres, ao invés de viver acorrentados. E em Pelotas, nas rodas de chimarrão das famílias antigas, a história do escândalo da Estância Santa Rita era sussurrada com mistura de horror e fascínio. Houve uma vez uma mulher da elite que jogou tudo fora por amor a um escravo.

Versões diferentes, detalhes mudados, mas essência permanecendo. Duas pessoas que amaram quando amar era crime, que escolheram um ao outro quando sociedade exigia separação, que preferiram liberdade difícil a conforto de correntes. A história de Gabriel e Francisca nos mostra que a humanidade e o amor sempre encontraram formas de existir, mesmo nos sistemas mais opressivos.

Se você quer ver mais histórias assim, inscreva-se no canal e ative o sininho. Deixe nos comentários qual história você quer ver a seguir, porque histórias como estas, de amor, coragem e resistência são as verdadeiras raízes do Brasil. Não as versões sanitizadas dos livros oficiais, mas as narrativas humanas cruas que revelam quem realmente fomos e talvez quem ainda podemos nos tornar.

A Estância Santa Rita hoje é ruína parcialmente reconstruída, patrimônio histórico estadual. Turistas visitam, tiram fotos, ouvem versão oficial. Importante centro de produção de Shark no século XIX. Ninguém menciona o escândalo. Ninguém fala de Gabriel e Francisca. Ninguém conta sobre a revolta.

Mas se você olhar com atenção, ainda pode ver no pátio as marcas onde o pelourinho ficava. Ainda pode encontrar nas fundações queimadas da antiga casa grande os vestígios do incêndio. Ainda pode imaginar se fechar os olhos os gritos daquela noite de junho de 1854. Histórias não morrem completamente, apenas adormecem esperando alguém as acordar.

Esta foi uma delas, a história de amor impossível entre escravo e siná, que gerou o maior escândalo que o Rio Grande do Sul já viu. História de paixão e revolta, de liberdade e sacrifício, de humanidade persistindo onde deveria ser impossível. E como todas as grandes histórias de amor, terminou em tragédia e transcendência.

Gabriel e Francisca morreram jovens, longe de casa, sem reconhecimento ou glória, mas morreram livres, morreram amados. E no fim, talvez seja tudo o que qualquer um de nós pode esperar. M.

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