Minas Gerais, 1899 — A Viúva dos Lima Escondeu Horrores na Casa Fechada a Cadeado

Minas Gerais, a província do ouro e das sombras. Ouro Preto, 1899. A beleza barroca das igrejas e a opulência enferrujada do passado colonial escondiam, sob as pedras frias das ruas, segredos que a luz do sol se recusava a tocar. Uma casa isolada, um nome, Lima, perdido nos registros paroquiais, e um silêncio que se instalou sobre a encosta, pesado e difícil de explicar, um silêncio que não era ausência de som, mas sim a presença sufocante de algo que se recusava a fazer barulho.

Nos livros antigos de 1899, ela aparece apenas como a residência dos Lima, um casarão de dois andares, com varanda sustentada por colunas brancas de pedra-sabão, testemunhas silenciosas de uma fachada aristocrática. Seu quintal descia abruptamente pela encosta da serra, a cerca de 3 km do centro da cidade, uma distância calculada, distante o suficiente para que os gritos agonizantes, o ranger da loucura, e os sons abafados da noite jamais fossem ouvidos. A família era composta por Eugênio Lima, comerciante de café e ouro, um homem de posses, mas de poucas palavras e de passos noturnos; Helena Magalhães Lima, uma mulher de beleza fria e olhos vigilantes; e quatro filhos: Augusto, o primogênito taciturno, com 14 anos em 1899; os gêmeos Carlos e Cecília, de 12, que pareciam compartilhar uma única alma silenciosa; e a caçula, Elisa, de apenas seis anos, a última centelha de luz que seria apagada.

Em 20 de abril de 1899, o grito da tragédia se tornou público. Eugênio Lima é encontrado morto na área de beneficiamento de sua fazenda em Mariana, a poucas léguas de Ouro Preto. O relatório oficial, apressado, atribui a causa a um acidente brutal com maquinário pesado, e o caso se encerra em poucos dias, com a frieza burocrática que Minas reservava aos seus mortos.

O estranho, o verdadeiramente aterrorizante, começa depois, quando o luto deveria ter trazido a comunidade para perto. Helena, aos 36 anos, assume os negócios com uma eficiência espectral, mas a casa se fecha sobre si mesma. As crianças somem da escola de preceptores, as janelas de vidro do andar superior, antes abertas para o sol da manhã, permanecem agora constante e misteriosamente fechadas, com as cortinas de veludo pesado bloqueando qualquer visibilidade. Helena quase não é vista na cidade, tornando-se uma figura de sussurros e boatos, a viúva de semblante pétreo.

O diário de Maria Conceição, uma empregada contratada por apenas dois meses nesse período, é a primeira fresta na escuridão. Em suas poucas páginas, escritas com a simplicidade aterrorizada de quem testemunha o inominável, há a menção a passos noturnos, lentos e cadenciados, no andar de cima, em horas em que todos deveriam estar dormindo. Havia ordens estritas para que ninguém, sob qualquer pretexto, subisse ao andar dos quartos, e o mais assustador, um odor persistente, doce e rançoso, vindo do porão, um cheiro que Maria só conseguia associar a algo que estava apodrecendo em silêncio. Ao questionar, Maria foi dispensada no mesmo dia, paga generosamente, mas jogada para fora com o terror na garganta e a memória do cheiro na narina, com ordens frias para jamais retornar ou falar sobre o que viu.

Em 1908, a casa já parecia completamente abandonada, engolida pela vegetação. Não há registros de óbito, nem transferência escolar, nem venda que indiquem para onde foram Helena e os filhos. Eles simplesmente evaporaram, tornando-se fantasmas não apenas da casa, mas da própria cidade. A história teria sido esquecida, diluída em lendas e fofocas velhas. Não fosse o que surgiu em 1922, mais de duas décadas depois, quando um caficultor paulista, Antônio Prado, alheio aos sussurros de Ouro Preto, comprou o imóvel para restaurá-lo e as primeiras pistas visíveis do porão vieram à tona, revelando a frieza brutal da viúva dos Lima.

No porão da residência, durante as obras de restauração, a escuridão úmida e o cheiro persistente de mofo e terra eram tão densos que pareciam ter peso. Mas, ao remover o entulho e limpar as paredes, foram encontradas marcas perturbadoras e indeléveis nas paredes e no assoalho de terra que sugeriam a existência de divisórias improvisadas, criando pequenos compartimentos de aproximadamente 2 m² cada, celas de pedra e escuridão. Junto às paredes, na altura do peito de um adulto, ganchos de metal estavam firmemente fixados a aproximadamente 1,5 m do chão. Alguns ainda continham restos ressecados de cordas, como se algo tivesse lutado desesperadamente para se libertar.

Segundo o relatório sombrio do engenheiro responsável pela reforma, Carlos Mendonça, preservado na biblioteca municipal de Ouro Preto, “as marcas no assoalho sugerem que o porão foi dividido em seis compartimentos distintos, sem ventilação adequada ou luz natural, um local de privação total. Identificamos também um sistema de canal que aparentemente conduzia água para cada um dos compartimentos, talvez para o consumo, talvez para a lavagem. A configuração lembra mais uma instalação para confinamento brutal do que qualquer arranjo doméstico convencional.”

A casa macabra da viúva dos Lima, como passou a ser conhecida entre os moradores locais a partir de 1923, permanece como um enigma sombrio na história de Ouro Preto. O que realmente aconteceu naquele casarão de silêncio e pedra entre 1899 e 1902? Para onde foram Helena Lima e seus filhos? E mais perturbador, para que serviam aqueles compartimentos no porão, aqueles cubículos de medo e escuridão?

A vida na residência dos Lima antes da morte de Eugênio era marcada por uma aparente normalidade aristocrática, uma máscara social. Os registros da paróquia local indicam que a família frequentava as missas dominicais com regularidade, ocupando sempre o mesmo banco na igreja de Nossa Senhora do Pilar, uma demonstração de virtude pública. As crianças, Augusto, os gêmeos Carlos e Cecília, e a caçula Elisa, eram educadas em casa por preceptores contratados da capital da província.

Relatos de antigos empregados, coletados em uma série de entrevistas conduzidas pelo jornal A Província em 1917, desenham um retrato da dinâmica familiar antes da tragédia. Josefa Santos, que trabalhou como cozinheira na Casa dos Lima entre 1895 e 1898, descreveu:

— O Senhor Eugênio era um homem de poucas palavras. Saía cedo e retornava tarde, frequentemente trazendo presentes caros para as crianças, como um apaziguador de consciência. A Senhora Helena mantinha a casa em ordem impecável, uma ordem militar que não permitia o menor desvio. As refeições eram servidas pontualmente às 7 da manhã, ao meio-dia e às 6 da tarde. Ninguém se atrasava. Havia uma campainha de prata que ela tocava três vezes antes de cada refeição, um toque frio como um sino funerário.

Contudo, por trás dessa fachada de ordem aristocrática, funcionários mais antigos mencionavam tensões que raramente vinham à tona. Segundo João Batista, coxeiro da família por 6 anos, o senhor e a senhora discutiam frequentemente após o jantar, quando acreditavam que todos já haviam se recolhido e que o silêncio da casa os protegia.

— As discussões sempre cessavam abruptamente quando percebiam a presença de alguém, um piscar de olhos, uma batida na porta. No dia seguinte era como se nada tivesse acontecido, a máscara estava perfeitamente ajustada.

A casa em si era um reflexo dessa dualidade: bela e ameaçadora. A arquitetura colonial mineira, com suas paredes espessas de adobe, criava um ambiente naturalmente silencioso e isolado, um casulo de mistério. Os cômodos do andar superior, onde dormia a família, eram separados do restante da casa por uma escadaria central feita de jacarandá maciço, que rangia a cada passo, anunciando a aproximação de qualquer pessoa com um som que parecia um gemido de advertência. Um sistema rudimentar de campainhas conectava os quartos à cozinha e à área de serviço, permitindo que Helena coordenasse os trabalhos domésticos sem precisar circular pela casa, mantendo-se isolada.

O relato mais detalhado sobre a organização interna da residência vem de um inventário realizado após a morte de Eugênio, preservado nos arquivos do cartório de Ouro Preto. O documento lista meticulosamente os bens da família, uma fortuna considerável: três pianos, incluindo um importado da Áustria, uma biblioteca com mais de 200 volumes, muitos em francês e inglês, prataria completa para 24 pessoas e uma coleção de relógios suíços. A descrição da casa menciona 12 cômodos no total, incluindo uma sala de música, uma biblioteca, cinco quartos no andar superior, uma ampla cozinha, duas salas de estar, um escritório e uma despensa. Curiosamente, o porão, o local dos horrores, não é mencionado no inventário, uma omissão que gritava no silêncio dos documentos.

Maria da Glória, que trabalhou como ama da pequena Elisa por aproximadamente um ano, relatou em entrevista ao A Província:

— As crianças raramente brincavam juntas. O menino mais velho, Augusto, passava a maior parte do tempo no escritório do pai aprendendo sobre os negócios, com uma seriedade precoce. Os gêmeos estavam sempre juntos, cochichando pelos cantos da casa, compartilhando segredos silenciosos. A pequena Elisa era a única que demonstrava alguma alegria, mas mesmo ela se tornava estranhamente quieta quando a mãe entrava no cômodo, como se a presença de Helena sugasse toda a felicidade do ar.

O entorno da propriedade contribuía para seu isolamento: a casa foi construída em um terreno de aproximadamente 10 hectares, cercado por uma densa vegetação típica da região montanhosa de Minas Gerais. Um riacho cortava a propriedade, fornecendo água para a casa e para um pequeno moinho. Ao fundo do terreno, uma trilha íngreme levava a uma área mais elevada, de onde se podia ver toda a cidade de Ouro Preto. Segundo relatos locais, Eugênio frequentemente subia até este ponto no final da tarde, permanecendo lá até o anoitecer, talvez buscando consolo ou alívio do peso que carregava.

O que intriga os historiadores e aumenta o horror é a ausência quase completa de fotografias da família. Apesar da posição social dos Lima e do acesso que teriam a fotógrafos profissionais, apenas uma fotografia foi preservada. Encontrada entre os arquivos da paróquia local, a imagem mostra a família reunida na varanda da casa após o batizado de Elisa. Nela, Eugênio e Helena estão sentados com expressões solenes e frias. As crianças estão dispostas ao redor, todas vestidas formalmente. O que chama a atenção na fotografia não é o que está presente, mas o que falta: nenhum dos fotografados sorri, e o espaço entre eles é notavelmente grande, como se evitassem o contato físico mesmo nessa ocasião formal, uma família fragmentada pelo terror silencioso.

A rotina aparentemente ordenada da família Lima começou a se desintegrar aproximadamente seis meses antes da morte de Eugênio. Registros da escola local mostram que os gêmeos Carlos e Cecília deixaram de frequentar as aulas em novembro de 1898. O motivo oficial registrado foi “educação domiciliar”, mas professores relataram posteriormente que as crianças já vinham apresentando comportamento retraído nas semanas anteriores, olhares assustados, silêncio anormal. No mesmo período, Helena começou a dispensar funcionários da casa sem explicações claras, isolando metodicamente a residência. O número de empregados, que chegava a 12 em épocas de maior movimento, foi reduzido para apenas quatro: um coxeiro, uma cozinheira, uma criada para limpeza e um jardineiro que vinha apenas três vezes por semana. Todos os preceptores foram dispensados, e o silêncio da casa se tornou mais denso, mais palpável.

Em janeiro de 1899, aproximadamente 3 meses antes da morte de Eugênio, um evento estranho foi registrado pelo delegado local, o primeiro indício de que a casa se tornara um palco de terror. Segundo o relatório policial, parcialmente preservado nos arquivos municipais, “atendendo ao chamado do Senhor E. Lima, comparecemos a sua residência por volta das 19 horas. O proprietário relatou ter ouvido ruídos suspeitos no porão da casa durante a madrugada anterior, suspeitando de invasão. Após vistoria minuciosa do local, nada foi encontrado que indicasse entrada forçada ou presença de estranhos.”

O senhor Lima mostrou-se visivelmente nervoso durante toda a inspeção, insistindo que verificássemos cada canto da propriedade. A senhora Lima e os filhos permaneceram no andar superior durante toda a visita, envoltos em um silêncio opressor que incomodou o delegado. O relatório continua: “Ao término da inspeção, o Senhor Lima solicitou reservadamente que mantivéssemos patrulhas frequentes nas proximidades de sua propriedade, sem especificar o motivo de tal preocupação. Quando questionado sobre possíveis ameaças específicas, limitou-se a dizer que questões de negócios poderiam ter criado desafetos.” As patrulhas foram realizadas por aproximadamente duas semanas, sem qualquer incidente registrado. Após esse período, com a demanda por policiamento em outras áreas da cidade, as rondas especiais na propriedade dos Lima foram descontinuadas, um erro trágico. Não há registros de novas solicitações por parte de Eugênio Lima.

A morte de Eugênio Lima, em abril de 1899, marcou o início de uma série de eventos cada vez mais inquietantes na propriedade. O relatório do médico que examinou o corpo, Dr. Joaquim Ferreira, menciona múltiplas lacerações e fraturas consistentes com queda e esmagamento por maquinário. O documento também registra que o corpo foi encontrado por um trabalhador rural por volta das 5 da manhã, sugerindo que o acidente ocorreu durante a noite anterior. O que torna essa morte particularmente estranha é o fato de Eugênio raramente visitar a fazenda de beneficiamento de café durante a noite. Segundo depoimentos de funcionários, ele costumava inspecionar o local apenas durante o dia, geralmente pela manhã. Além disso, o relatório menciona que ele estava vestido com trajes formais, inadequados para trabalho no campo, incluindo um relógio de bolso que parou às 23:47, presumivelmente o momento exato do acidente, sugerindo um encontro marcado, não um acidente de rotina.

No dia do funeral, realizado na Igreja de Nossa Senhora do Pilar, um detalhe chamou a atenção dos presentes, aumentando a nuvem de suspeita. Apenas o cocheiro e o padre compareceram à cerimônia. Helena Lima e os filhos não estiveram presentes, enviando uma carta, fria e formal, explicando que o luto profundo os impedia de participar. O corpo foi sepultado no cemitério da igreja em um túmulo simples que contrastava dramaticamente com a posição social e a riqueza da família.

Nos dias que se seguiram, a cidade de Ouro Preto começou a notar mudanças sinistras no casarão dos Lima. As janelas do andar superior, antes frequentemente abertas durante o dia, permaneciam agora constantemente fechadas, com pesadas cortinas bloqueando qualquer visibilidade do interior, selando a casa. As visitas, já raras, cessaram completamente. Entregas de mantimentos, antes feitas semanalmente, passaram a ocorrer quinzenalmente, sempre recebidas pelo coxeiro no portão da propriedade, sem que comerciantes tivessem acesso ao interior.

Foi nesse período que Helena contratou brevemente Maria Conceição, a empregada cujo diário posteriormente trouxe à tona os primeiros indícios do que realmente acontecia na casa, uma lenta descida ao inferno doméstico. Maria foi contratada especificamente para ajudar na limpeza, com instruções explícitas para não interagir com os filhos da família e limitar seu trabalho ao andar térreo da residência, um confinamento imposto à empregada. Em uma das poucas entradas preservadas de seu diário, datada de 12 de maio de 1899, Maria escreve:

Hoje escutei choro vindo do andar de cima. Parecia ser a voz da menina menor. O som era abafado, como se viesse de muito longe, ou como se alguém tentasse contê-lo. Quando mencionei isso à senhora Helena, ela disse que a menina estava apenas doente, com febre, e que não me preocupasse. Ofereci-me para levar um chá de erva cidreira que minha avó sempre preparava para febres, mas ela recusou firmemente, dizendo que já tinha todos os remédios necessários, com um olhar que me gelou o sangue.

Três dias depois, Maria registra, com uma letra mais trêmula:

Os barulhos no porão continuam todas as noites. A senhora Helena insiste que são apenas ratos, mas o que escuto são batidas rítmicas, como se alguém estivesse golpeando as paredes com um objeto. Hoje notei que o filho mais velho desceu ao porão duas vezes durante o dia, sempre carregando uma bandeja coberta com um pano. Quando retornou, a bandeja estava vazia, e ele tinha uma expressão que não era de um menino, mas de um servo perturbado.

A entrada final no diário de Maria, datada de 20 de maio de 1899, diz apenas:

Hoje encontrei manchas escuras no piso da cozinha, vindas da direção do porão. O cheiro, meu Deus, era horrível, doce e rançoso. Quando tentei limpá-las, a senhora Helena apareceu subitamente, nunca a tinha visto tão furiosa. Seus olhos eram de fogo. Disse-me para deixar tudo como estava e que eu não deveria mais trabalhar ali. Recebi dois meses de pagamento e fui instruída a sair imediatamente. Enquanto recolhia meus pertences, ouvi claramente uma voz masculina adulta vindo do porão, um som gutural. Não era o coxeiro que estava no estábulo, nem o filho mais velho que eu podia ver no jardim através da janela. Não era Eugênio, mas não era a voz de um menino. Era a voz de um homem em agonia.

Após a dispensa aterrorizada de Maria Conceição, Helena não contratou mais funcionários para trabalhar dentro da casa, selando-a completamente contra o mundo exterior. O único contato regular da família com o mundo exterior era através do coxeiro, José Almeida, que também passou a realizar todas as compras necessárias na cidade, tornando-se o cúmplice silencioso. José, no entanto, mostrou-se sempre extremamente reservado quanto à família que servia. Em uma ocasião, quando questionado por um comerciante local sobre a saúde da viúva e das crianças, respondeu apenas, com um olhar de medo nos olhos:

— A família Lima prefere manter seus assuntos em privacidade, e eu respeito isso.

A ausência das crianças Lima nas escolas e eventos sociais gerou algum comentário inicial na pequena comunidade de Ouro Preto, mas logo o assunto foi ofuscado por questões mais urgentes. O final do século XIX e início do XX foi um período de transformações políticas e econômicas no Brasil, e uma família reclusa, mesmo que proeminente, não permaneceu no centro das atenções por muito tempo, a indiferença social encobrindo o horror.

Durante aproximadamente dois anos após a morte de Eugênio, a casa dos Lima manteve uma aparência de ocupação normal, apesar do isolamento crescente. As chaminés exalavam fumaça regularmente, indicando a atividade interna. O jardim, embora menos cuidado que antes, ainda recebia a manutenção básica do jardineiro, que vinha uma vez por semana. A carruagem da família ocasionalmente era vista, saindo da propriedade, sempre conduzida por José, mas com as cortinas fechadas, impossibilitando ver quem estava dentro, ou quantos estavam dentro.

Foi a partir de 1901 que os moradores locais começaram a notar mudanças mais drásticas. A fumaça das chaminés tornou-se irregular, esporádica. O jardim, antes meticulosamente cuidado, começou a mostrar sinais claros de abandono. As entregas de suprimentos que ocorriam quinzenalmente tornaram-se mensais e, eventualmente, cessaram por completo por volta do final daquele ano. Em março de 1902, o padre Antônio da Silva, da igreja de Nossa Senhora do Pilar, preocupado com a ausência prolongada da família nas missas dominicais, decidiu fazer uma visita à propriedade, movido pela obrigação pastoral.

Em seu relato ao bispo da diocese, preservado nos arquivos eclesiásticos, ele escreve: “Encontrei os portões da propriedade trancados com grossas correntes. Chamei repetidamente, mas não obtive resposta. As janelas da casa estavam todas fechadas, muitas com tábuas pregadas por dentro. O jardim estava completamente tomado pelo mato, um cenário de total abandono. Não havia sinais de que a propriedade estivesse habitada.” O padre relata ainda que, enquanto inspecionava os arredores da casa, ouviu um som distinto, como de algo sendo arrastado no andar superior, um arranhar na madeira. Ele chamou novamente, identificando-se como padre da paróquia, mas ninguém respondeu. Antes de partir, deixou um bilhete preso ao portão, oferecendo assistência espiritual à família.

Uma semana depois, ao retornar à propriedade, o padre encontrou seu bilhete ainda no portão, intocado. Mas notou algo diferente. As tábuas, que cobriam uma das janelas do andar superior, haviam sido removidas. Através da janela aberta, pude ver brevemente uma figura feminina observando. Era pálida, magra, e seus olhos eram duas manchas de escuridão no rosto fantasmagórico. Quando acenei, a figura recuou e a janela foi fechada abruptamente, com um baque que parecia um tiro no silêncio da tarde.

Esta foi a última observação confirmada de qualquer membro da família Lima na propriedade. Nos meses seguintes, nenhuma atividade foi notada na casa, o silêncio era total. José Almeida, o fiel coxeiro, foi visto pela última vez em Ouro Preto em abril de 1902, quando retirou uma quantia considerável do banco local, apresentando uma autorização escrita e assinada por Helena Lima. Segundo o gerente do banco, José parecia extremamente nervoso e ansioso para concluir a transação rapidamente. Ele deixou a cidade no mesmo dia em direção ao Rio de Janeiro, conforme registros da estação ferroviária local.

Por aproximadamente 6 anos, a casa permaneceu aparentemente abandonada, um espectro na encosta. A vegetação cresceu livremente ao redor da construção, praticamente escondendo-a da vista de quem passava pela estrada. Os portões enferrujaram nas dobradiças, as telhas começaram a cair e algumas janelas quebraram com o tempo e as intempéries. Curiosamente, nenhum processo formal de abandono ou espólio foi iniciado durante este período. Os impostos da propriedade continuaram sendo pagos regularmente por meio de um escritório de advocacia no Rio de Janeiro que agia em nome de Helena Lima, embora ninguém tenha conseguido contato direto com ela, a viúva fantasma.

Em 1908, um incêndio de pequenas proporções atingiu parte do telhado da casa, possivelmente causado por um raio durante uma forte tempestade. Os bombeiros locais, ao chegarem ao local, encontraram os portões trancados e precisaram forçar a entrada. O relatório oficial do incidente preservado nos arquivos municipais menciona: “O fogo foi controlado rapidamente, afetando apenas uma pequena parte do telhado. Durante a inspeção pós-incêndio, notamos que a casa aparentava estar desabitada há anos. A maior parte dos móveis ainda estava presente, coberta por grandes lençóis empoeirados. Não foram encontrados objetos pessoais como roupas ou fotografias. Uma inspeção no porão revelou um cheiro extremamente desagradável, além de marcas estranhas no chão e nas paredes.”

Após o incêndio, a prefeitura de Ouro Preto tentou contatar Helena Lima através do escritório de advocacia no Rio de Janeiro. A resposta veio na forma de uma carta formal, informando que a propriedade seria colocada à venda e que um representante legal viria a Ouro Preto para tratar dos detalhes. Contudo, este representante nunca apareceu, e a casa continuou abandonada por mais 14 anos, uma testemunha silenciosa do tempo e do horror. Foi somente em 1922 que a propriedade finalmente mudou de mãos. O comprador, o caficultor paulista Antônio Prado, adquiriu o imóvel em um leilão de bens não reclamados, realizado pela Prefeitura de Ouro Preto. O valor pago foi significativamente inferior ao valor real da propriedade, devido ao estado de abandono e à reputação sinistra que o local havia adquirido ao longo dos anos. Antônio Prado contratou uma equipe de trabalhadores locais para limpar o terreno e avaliar as condições da casa antes de iniciar as reformas. Foi durante esta limpeza inicial que os compartimentos no porão foram descobertos, levantando questões perturbadoras sobre o que realmente aconteceu com a família Lima, um mistério que a terra se recusava a manter enterrado.

O silêncio que tomou conta da casa dos Lima após a partida de todos os seus habitantes é algo que os antigos moradores de Ouro Preto ainda mencionam com desconforto. É um silêncio que parece pesar mais do que a ausência normal de sons. Um vazio carregado de perguntas sem resposta, de medo contido. Nos anos seguintes, ao aparente abandono da propriedade, alguns moradores locais relataram experiências estranhas ao passarem próximos à casa.

Joaquim Ferreira, um leiteiro que fazia entregas nas propriedades vizinhas, afirmou em depoimento ao jornal local em 1915:

— Às vezes, bem cedo da manhã, quando passava pelo portão dos Lima, tinha a impressão de ver movimento por trás das janelas do segundo andar. Nunca era nada concreto, apenas sombras ou reflexos, mas o mais estranho era o silêncio. Mesmo quando o vento forte balançava as árvores em volta, perto daquela casa, tudo parecia parado, como se o próprio ar evitasse tocá-la.

Maria Aparecida, uma lavadeira que morava a aproximadamente meio quilômetro da propriedade, relatou em conversa com o padre Antônio em 1910:

— Por quase um ano após a família desaparecer, eu ouvia o piano tocando à noite. Sempre a mesma melodia, sempre a mesma hora, quando o sino da igreja batia 9 horas. A música durava exatamente o tempo de eu terminar de costurar um botão ou remendar uma meia. Depois parava abruptamente, como se alguém tivesse fechado a tampa com força, um som seco que interrompia a melodia.

Estes relatos, embora interessantes do ponto de vista folclórico, carecem de confirmação independente e podem ser atribuídos à combinação do isolamento da propriedade, sua reputação crescentemente sinistra e o impacto que a história dos Lima teve na pequena comunidade de Ouro Preto. Mais concretamente documentada é a deterioração física da casa ao longo dos anos. Fotografias tiradas em 1912, parte de um levantamento de propriedades históricas realizado pela prefeitura local, mostram um imóvel em avançado estado de abandono. O telhado, parcialmente colapsado, permitia a entrada de água das chuvas, acelerando a degradação interna. A vegetação crescia não apenas ao redor, mas também dentro da casa, com trepadeiras entrando pelas janelas quebradas e raízes forçando passagem entre as tábuas do assoalho.

O relatório que acompanha estas fotografias menciona: “A propriedade conhecida como Casa dos Lima representa um exemplo lamentável de abandono de patrimônio histórico. A estrutura original datada aproximadamente de 1870 apresenta características arquitetônicas típicas do período colonial tardio, com influências neoclássicas europeias. Apesar do avançado estado de deterioração, a estrutura principal permanece surpreendentemente íntegra, sugerindo construção de qualidade excepcional.” O que este relatório técnico não menciona, mas que foi registrado em cartas pessoais do engenheiro responsável pelo levantamento, é o desconforto que toda a equipe sentiu ao trabalhar no local. Em correspondência a um colega no Rio de Janeiro, ele escreve:

Completamos o levantamento da casa dos Lima em metade do tempo planejado. Nenhum dos trabalhadores estava disposto a permanecer no local após o pôr do sol, citando superstições locais. Devo admitir que mesmo durante o dia havia algo opressivo na atmosfera da casa. Os cômodos, mesmo quando completamente vazios, pareciam menores do que suas dimensões reais indicavam. O eco dos nossos passos soava abafado, como se o próprio ar fosse mais denso dentro daquelas paredes.

Em 1917, quando o diário de Maria Conceição foi entregue à delegacia local por sua neta, houve um breve ressurgimento do interesse pelo caso da família Lima. O delegado na época, Coronel Matias Pereira, chegou a iniciar uma investigação formal, mas enfrentou vários obstáculos. Os registros bancários da família haviam sido transferidos para o Rio de Janeiro e, posteriormente, para São Paulo, diluindo-se em um emaranhado de empresas e procuradores. O escritório de advocacia, que representava Helena Lima, havia encerrado suas atividades em 1914, e todos os documentos relacionados a seus clientes foram perdidos em um incêndio suspeito. A investigação foi oficialmente encerrada após 3 meses sem conclusões definitivas. No relatório final, Coronel Pereira escreveu apenas: “Diante da ausência de evidências concretas de crime e do longo período transcorrido desde os eventos relatados, não é possível estabelecer com certeza o que aconteceu com a família Lima. O caso permanece em aberto, mas sem perspectivas de avanço significativo.”

Este relatório poderia ter marcado o fim da história da casa dos Lima, não fosse pela descoberta feita 5 anos depois, quando Antônio Prado adquiriu a propriedade e iniciou as reformas. O casarão estava praticamente em ruínas quando a equipe de reforma chegou em junho de 1922. O primeiro trabalho foi limpar o terreno e avaliar a estrutura da casa. Durante esta fase inicial, nada de particularmente notável foi encontrado. Apenas o esperado resultado de quase duas décadas de abandono.

Foi somente quando os trabalhadores começaram a limpar o porão que descobriram algo perturbador. Carlos Mendonça, o engenheiro responsável pela reforma, descreve o achado em seu relatório.

— Ao remover uma camada de entulho no porão, descobrimos que o chão não era de terra batida, como inicialmente supomos, mas de madeira. Após a limpeza completa, identificamos marcas claramente visíveis no assoalho, indicando onde antes existiam divisórias, formando seis compartimentos de tamanho similar, celas de madeira e escuridão. Nas paredes, a aproximadamente 1,5 m do chão, encontramos ganchos de metal firmemente fixados, alguns ainda com restos de cordas. O espaçamento e posicionamento destes ganchos sugerem que foram utilizados para imobilizar algo ou alguém contra as paredes.

O relatório continua:

— Em um dos cantos do porão, parcialmente escondido atrás de um antigo armário de ferramentas, encontramos um pequeno baú de metal hermeticamente fechado. Dentro dele havia diversos itens pessoais, um caderno com anotações em francês, várias chaves pequenas, um medalhão de prata com as iniciais E. L. gravadas e o mais intrigante: cinco anéis de tamanhos diferentes, todos semelhantes a alianças de casamento, enfileirados em um pedaço de veludo negro.

O caderno, posteriormente traduzido, revelou-se um diário pessoal, possivelmente pertencente à Helena Lima. As entradas, escritas em francês elegante, mas com ocasionais erros gramaticais, começavam em janeiro de 1899, aproximadamente 3 meses antes da morte de Eugênio, e terminavam abruptamente em março de 1902. Coincidentemente, o mesmo período da última observação confirmada de movimento na casa. As primeiras entradas descrevem uma crescente paranoia por parte de Helena:

E está cada vez mais distante. Passa horas trancado no escritório. Quando questiono, diz apenas que são negócios. Ontem à noite acordei e ele não estava na cama. Encontrei-o no porão, mexendo naquele baú que mantém trancado. Quando me viu, fechou-o rapidamente e disse que estava apenas procurando algumas ferramentas. Às 3 da manhã.

Em uma entrada datada de 10 de fevereiro de 1899:

Hoje encontrei uma carta escondida no bolso do casaco de E. Uma mulher do Rio de Janeiro, escrevendo em termos íntimos demais para uma simples conhecida. Quando o confrontei, ele negou qualquer impropriedade, afirmando que era apenas correspondência comercial, mas vi o medo em seus olhos. Ele sabe que descobri. Ele me traiu.

As entradas tornam-se progressivamente mais erráticas após a morte de Eugênio. Em uma passagem particularmente perturbadora, datada de maio de 1899, um mês após o acidente:

O porão está quase pronto. Ah, Augusto tem sido tão prestativo. Ele entende a necessidade. Os outros não compreendem ainda, mas compreenderão. Esta casa guarda segredos demais. Nenhum de nós pode sair agora.

A entrada final do diário, datada de 27 de março de 1902, consiste em uma única linha, escrita com caligrafia desesperada e firme:

Está feito. Partiremos esta noite. Os cinco anéis celam nossa promessa.

O conteúdo do diário, combinado com as descobertas físicas no porão, levantou sérias questões sobre o destino da família Lima. Antônio Prado, alarmado com estas descobertas, contactou as autoridades locais. Uma nova investigação foi aberta, desta vez conduzida pelo delegado estadual Roberto Almeida, que veio especialmente de Belo Horizonte para assumir o caso. A equipe do delegado Almeida conduziu uma busca minuciosa na propriedade. O assoalho do porão foi parcialmente removido, revelando uma camada de terra aproximadamente 30 cm abaixo. Análises dessa terra não indicaram presença de restos humanos ou outros materiais orgânicos significativos, sugerindo que se crimes foram cometidos no local, os corpos foram removidos. Uma busca nos registros de passagens ferroviárias e marítimas revelou que em abril de 1902 cinco passagens foram compradas para Buenos Aires, Argentina, em nome de “José Almeida”. Os passageiros eram listados como Senhor Almeida, Senhora Almeida e três filhos. Não há registros de Lima ou Magalhães antes desta data, sugerindo a possibilidade de que Helena Lima possa ter assumido uma nova identidade. Registros consulares argentinos daquele período foram consultados, mas nenhuma entrada foi encontrada para a família Almeida ou Lima. Se eles realmente viajaram para a Argentina, aparentemente não se registraram oficialmente junto às autoridades locais.

A investigação estendeu-se até o Rio de Janeiro, onde foi descoberto que o escritório de advocacia que representava Helena Lima era, na verdade, propriedade de um primo distante de Eugênio. Este primo, Martim Lima, havia falecido em 1912 sem deixar herdeiros. Seus registros profissionais foram transferidos para o arquivo municipal, mas um incêndio em 1914 destruiu grande parte deste arquivo, eliminando qualquer possibilidade de rastrear as movimentações financeiras da família através desta via. A casa permanecia como a única testemunha silenciosa do que realmente aconteceu, e ela ainda guardava mais um segredo macabro.

Durante a reforma conduzida por Antônio Prado, uma parede falsa foi descoberta no andar superior, ocultando um pequeno cômodo de aproximadamente 2 m². O espaço era completamente vazio, exceto por uma cadeira de madeira no centro e, pregado na parede, um espelho oval com moldura ornamentada. O espelho estava coberto por um pano negro que, ao ser removido, revelou que toda a superfície refletora havia sido meticulosamente riscada, tornando impossível qualquer reflexão ou a visão do rosto de quem olhasse. Na parte de trás da cadeira, entalhado na madeira com o que parecia ser a ponta de uma faca, estava a frase: “Cinco entram, cinco saem. O que permanece é apenas o eco.”

A investigação do delegado Almeida foi formalmente encerrada em janeiro de 1923. Seu relatório final, disponível nos Arquivos Estaduais de Minas Gerais, conclui: “Apesar das evidências circunstanciais sugerirem a possibilidade de comportamento criminoso por parte de Helena Lima, após a morte de seu marido, não foram encontradas provas conclusivas de homicídio ou outros crimes específicos. O longo período transcorrido desde os eventos, a ausência de corpos ou testemunhas diretas e a possibilidade de que a família tenha simplesmente escolhido desaparecer usando identidades falsas, tornam impossível determinar com certeza o que ocorreu na Casa dos Lima entre 1899 e 1902.”

O relatório menciona ainda: “As modificações no porão, incluindo os compartimentos e ganchos nas paredes, são certamente perturbadoras e sugerem confinamento involuntário. Contudo, não podemos descartar explicações alternativas como preparativos para armazenamento de mercadorias valiosas ou mesmo alguma forma de tratamento médico não convencional para doenças da época.” Esta explicação oficial não satisfez os moradores locais que rapidamente desenvolveram suas próprias teorias sobre o que aconteceu na Casa dos Lima. A versão mais comum, que persiste até hoje no folclore de Ouro Preto, é que Helena enlouqueceu após descobrir uma infidelidade do marido e, com a ajuda do filho mais velho, Augusto, planejou e executou seu assassinato, fazendo parecer um acidente. Posteriormente, teria mantido os outros filhos prisioneiros no porão por anos, em uma loucura silenciosa, até finalmente fugir, quando percebeu que as autoridades começavam a suspeitar.

Outra teoria, menos difundida, mas documentada em uma série de cartas entre historiadores locais, nos anos 1930, sugere que Eugênio estava envolvido em atividades criminosas e que seu assassinato foi um acerto de contas. Helena, temendo pela própria vida e a de seus filhos, teria criado os compartimentos no porão como esconderijos temporários em caso de invasão, antes de finalmente decidir fugir do país com uma nova identidade.

Antônio Prado, após todas essas descobertas, desistiu de transformar a propriedade em uma casa de veraneio. Ele vendeu o terreno para a prefeitura de Ouro Preto por um valor simbólico em 1924. A casa foi demolida no ano seguinte e o terreno permaneceu vazio por décadas, com a vegetação gradualmente reclamando o espaço, cobrindo o local do horror. Em 1955, a área foi transformada em um pequeno parque municipal. Nenhuma placa ou monumento menciona a história da família Lima ou a casa que ali existiu. Contudo, moradores antigos ainda se referem ao local como o terreno da viúva, e muitos evitam atravessá-lo após o pôr do sol, relatando desconforto e o peso do silêncio.

Mais tarde, documentos mantidos sob sigilo por décadas e somente disponibilizados ao público em 1987, como parte de uma iniciativa de transparência histórica, revelam detalhes perturbadores que foram deliberadamente omitidos do relatório oficial. Segundo o depoimento de Pedro Sampaio, um dos trabalhadores que participou da limpeza inicial do porão, ele encontrou uma pequena caixa de metal hermeticamente fechada.

— Dentro dela havia cinco pequenos frascos de vidro, cada um contendo o que parecia ser um dedo humano preservado em algum tipo de líquido. Cada frasco estava meticulosamente etiquetado com iniciais: E. L., H. L., A. L., C. L., e E. L. — Coincidentemente, as iniciais de todos os membros da família Lima.

Este depoimento foi questionado na época, pois a caixa mencionada não foi apresentada como evidência. Pedro afirmou que o engenheiro Carlos Mendonça havia recolhido a caixa pessoalmente, dizendo que a entregaria diretamente às autoridades. Carlos, por sua vez, negou veementemente ter visto tal objeto, sugerindo que Pedro havia fabricado a história ou confundido o conteúdo de algum outro recipiente encontrado no local. O delegado Almeida chegou a ordenar uma busca na residência e no escritório de Carlos Mendonça, mas nada foi encontrado. Pedro Sampaio faleceu inesperadamente duas semanas após dar seu depoimento. Vítima do que foi oficialmente registrado como “complicações de pneumonia”, uma morte conveniente e rápida. Seu corpo foi rapidamente enterrado, sem autópsia.

Outro detalhe omitido do relatório oficial diz respeito a marcas encontradas nas paredes do pequeno cômodo secreto no andar superior, aquele que continha apenas uma cadeira e o espelho riscado. Fotografias preservadas nos arquivos policiais mostram o que parecem ser centenas de pequenas marcas verticais agrupadas em conjuntos de cinco, cobrindo quase toda a superfície de uma das paredes. As marcas são consistentes com o tipo de registro que prisioneiros frequentemente fazem para contar dias de confinamento. Se assumirmos que cada grupo de cinco marcas representa 5 dias, o total sugere um período de confinamento de aproximadamente 3 anos. Coincidentemente, o mesmo intervalo entre a morte de Eugênio Lima e o desaparecimento final da família.

Talvez o elemento mais perturbador e cuidadosamente suprimido dos registros oficiais foi encontrado durante a demolição da casa em 1925. Embutido em uma das paredes da sala de estar, os trabalhadores descobriram um pequeno oratório católico oculto. Dentro dele, em vez dos esperados santos ou crucifixos, havia cinco pequenas estatuetas artesanais, aparentemente feitas de uma mistura de cera e outros materiais não identificados. Cada estatueta representava uma figura humana em diferentes estágios de vida: um homem adulto, uma mulher adulta, um adolescente e duas crianças. Todas estavam dispostas em círculo e tinham os rostos virados para dentro, como se olhassem umas para as outras, em um ritual sombrio. No centro do círculo havia um pequeno pedaço de tecido manchado que nunca foi analisado formalmente. O oratório e seu conteúdo desapareceram misteriosamente antes que pudessem ser fotografados ou catalogados apropriadamente.

Estes elementos adicionais, embora fascinantes, não fornecem respostas definitivas sobre o destino da família Lima. Eles apenas adicionam novas camadas de mistério a um caso já repleto de perguntas sem resposta. O que sabemos, com razoável certeza, é que em algum momento entre 1902 e 1908, a Casa dos Lima foi completamente abandonada, selando seu horror. Os registros bancários confirmam que até 1908 os impostos da propriedade continuaram sendo pagos regularmente. Após essa data, os pagamentos cessaram, levando eventualmente ao leilão da propriedade em 1922.

O que aconteceu com Helena Lima e seus quatro filhos permanece um mistério frio e denso. A teoria de que eles deixaram o Brasil com identidades falsas, possivelmente viajando para a Argentina, é sustentada pelos registros de compra de passagens, mas nenhuma evidência concreta de sua vida após a partida foi jamais encontrada.

Mais convincente, talvez, é um registro encontrado nos arquivos de um hospital psiquiátrico em Buenos Aires, datado de 1919. O documento menciona um paciente brasileiro identificado apenas como “Augusto”, que foi internado após um aparente colapso nervoso. Nas anotações do médico responsável, a menção a delírios recorrentes sobre um porão com compartimentos e obsessão com a ideia de que sua família está presa dentro de espelhos. O paciente permaneceu internado por aproximadamente seis meses antes de receber alta sob os cuidados de uma irmã não identificada. Não há registros posteriores sobre seu paradeiro. A conexão com o caso dos Lima é tênue, mas a específica menção ao porão com compartimentos e a referência a espelhos, lembrando o espelho riscado encontrado no cômodo secreto, são coincidências notáveis demais para serem ignoradas.

No parque municipal que hoje ocupa o terreno, visitantes relatam desconforto na área do antigo porão. Pode ser sugestão, mas chama a atenção que até quem desconhece a história menciona a sensação de estar sendo observado próximo ao ponto do espelho riscado. Em 2005, escavações leves encontraram um broche de prata com as iniciais H. L. e um bilhete, dobrado e amarelado: “Perdão, não é esquecimento.” A peça está no Museu de Ouro Preto. Em 2018, a digitalização de arquivos da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo revelou um prontuário de 1932 para “Helena A”, com delírios sobre um porão em Minas e a frase: “Eles estão seguros agora, todos os cinco.” A coincidência é notável, mas inconclusiva.

No fim, persiste o motivo dos cinco: anéis, frascos com material orgânico, estatuetas e a frase entalhada: cinco entram, cinco saem. O que permanece é apenas o eco. Qual o horror que se esconde na sombra do número cinco? E você, qual teoria explica os cinco? E o que realmente aconteceu com a viúva e seus filhos, trancados com brutalidade pelo silêncio da História?

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