Ele abus*va da própria filha – o patriarca mais monstruoso do Mato Grosso

O que você faria se descobrisse que o homem que chorou na televisão, implorando pelo retorno das filhas desaparecidas, foi o mesmo que as enterrou no fundo de uma represa? Em 15 de janeiro de 1985, na pequena Sinope, Mato Grosso, duas irmãs saíram de bicicleta para um banho de represa e nunca mais voltaram para casa.

Ana Paula Schneider, 18 anos, estava há três semanas de partir para Cuiabá para estudar pedagogia. Cristiane, apenas 16, seguia a irmã mais velha como uma sombra. Seus corpos foram encontrados 32 anos depois, quando uma seca histórica expôs segredos que o rio celeste guardava no silêncio de suas águas turvas. Documentos da delegacia de Sinop.

Fotografias de 1985 e o diário pessoal de Ana Paula revelaram uma verdade que faria qualquer pai de família questionar os próprios vizinhos. Antes de continuar, escreva nos comentários de onde você está assistindo esse vídeo. Quero saber até onde nossas histórias estão chegando.

A história que você está prestes a ouvir vai mostrar que os monstros nem sempre batem à nossa porta. Às vezes eles já estão sentados à mesa do jantar. O calor de janeiro em Sinope era sufocante, 38º a sombra, mas não havia sombra suficiente na cidade, que ainda cheirava a serragem e terra vermelha recém revirada. O cheiro doce da madeira cortada misturava-se ao odor metálico do solo exposto.

10 anos antes, aquele lugar era mata fechada, lar de onças e araras azuis. Agora, ruas de terra batida se estendiam em linhas retas, cortando o que restava da floresta como cicatrizes abertas que ainda sangravam resina. As motoserras começavam a rugir antes do amanhecer. O barulho ecoava pela cidade como um lamento constante, uma trilha sonora de progresso que custava árvores centenárias.

Caminhões carregados de toras passavam pelas ruas levantando poeira vermelha que grudava na pele, no cabelo, na alma de quem escolhera fazer daquele fim de mundo o seu lar. Osvaldo Schneider chegara de Erechim três anos antes, trazendo a família numa combi azul desbotada e o sonho de enriquecer com a madeira.

Homem baixo, de ombros largos e mãos calejadas, que cheiravam permanentemente a óleo diesel e serragem. trabalhava na madeireira florestal norte desde que pusera os pés em Mato Grosso. Aos 42 anos, carregava nas costas não apenas o peso das toras que ajudava a carregar, mas também segredos que fermentavam em silêncio, como aguardente em barril fechado.

Marlene, sua esposa, aceitara a mudança em silêncio, como aceitava tudo na vida. Mulher magra de 38 anos e olhar sempre baixo tinha aquela palidez de quem vivia com medo. Medo do marido quando bebia, medo da solidão quando ele trabalhava, medo do futuro numa terra onde tudo ainda era incerto.

Passava os dias cuidando da casa e das filhas, costurando roupas para fora e criando galinhas no quintal. A casa dos Schneider ficava na rua das Paineiras, número 247, madeira pintada de azul desbotado, com varanda na frente, onde Marlene se sentava nas tardes para descascar mandioca e quintal, nos fundos, cercado por mourões, onde criava uma dúzia de galinhas caipiras.

O cheiro de milho cozido e feijão tropeiro sempre pairava no ar, misturado ao aroma da terra molhada quando chovia. Ana Paula e Cristiane dividiam o quarto menor da casa com duas camas de solteiros separadas por um criado mudo onde guardavam seus tesouros adolescentes. Um guarda-roupa de compensado rangia quando aberto, revelando roupas simples, mas bem cuidadas.

Na parede, um crucifixo de madeira dividia espaço com pôsteres de artistas da Globo recortados da revista Amiga. Naquela manhã de terça-feira, 15 de janeiro, Ana Paula acordou antes do galo cantar. O calor já se anunciava pesado, grudento, do tipo que cola a roupa no corpo e faz a respiração ficar difícil.

Aos 18 anos, era a esperança da família, a filha perfeita que estudava sob a luz do lampião quando faltava energia elétrica. Formara-se no colégio estadual com as melhores notas da turma, uma façanha em tempos em que meninas de família pobre raramente terminavam o segundo grau. Em março, partiria para Cuiabá para cursar pedagogia na Universidade Federal de Mato Grosso.

Seria a primeira Schneider e talvez a primeira de sua rua, a pisar numa universidade. Sonho alimentado anos a fio de ensinar crianças, de fazer diferença no mundo, estava apenas algumas semanas de se tornar realidade. Ana Paula tinha aquela beleza simples das meninas do interior, cabelos castanhos e lisos que ela prendia em tranças, olhos cor de mel que brilhavam quando falava dos planos para o futuro, pele dourada pelo sol de Mato Grosso.

alta para os padrões da família, elegante mesmo usando as roupas simples que Marlene costurava à mão. Cristiane, dois anos mais nova, era diferente da irmã em tudo. Onde Ana Paula era estudiosa e sonhadora, Cris era inquieta e rebelde, cabelos louros e olhos claros como o pai, mas com o temperamento explosivo que Osvaldo tentava controlar com gritos e quando o álcool falava mais alto com a mão pesada.

Aos 16 anos, Cristiane já demonstrava sinais de que não se contentaria com a vida pacata que o destino parecia ter reservado para ela. A relação entre as irmãs era intensa, quase simbiótica. Cristiane idolatrava Ana Paula com a devoção de uma fiel seguidora, onde uma ia, a outra seguia.

Os segredos eram compartilhados em sussurros noturnos quando as luzes se apagavam e Sinope adormecia sob o manto de estrelas que ainda brilhavam forte no céu limpo do interior. Naquela manhã, enquanto Marlene preparava café com leite condensado e pão com margarina, Ana Paula parecia diferente. havia uma tensão em seus movimentos, uma ansiedade mal disfarçada que não passou despercebida pelos olhos atentos de Cristiane.

Ana Paula mexia no cabelo mais do que o normal, olhava o relógio constantemente, suspirava sem motivo aparente. O plano era simples, ou pelo menos parecia ser. As duas iriam de bicicleta até a represa do rio celeste, a 15 minutos de pedalada da cidade.

Era o ponto de encontro da juventude de Sinop nos fins de semana e feriados, um oasis de frescor em meio ao calor escaldante que derretia o asfalto das ruas principais. A represa havia sido construída 5 anos antes para abastecer a cidade em crescimento. Água verde escura, cercada por mata densa, que ainda resistia às motosserras, com uma pequena praia de areia branca, onde os jovens se reuniam para namorar, tocar violão e fugir do calor que transformava Sinope numa frigideira a céu aberto durante o verão.

Mas havia algo que Ana Paula não contara à família, algo que guardava como um tesouro perigoso no fundo do coração. Há meses mantinha encontros secretos com alguém. Alguém que prometera mudanças, que falava em horizontes, além das fronteiras sufocantes de Sinope, alguém que conhecia seus sonhos mais íntimos e prometia torná-los realidade.

O diário de Ana Paula, encontrado décadas depois nos arquivos empoeirados da família, revelaria a verdade sobre esses encontros clandestinos. Páginas escritas à mão, com letra caprichada de colegial aplicada contavam sobre R, a inicial misteriosa que ela usava para se referir a essa pessoa que mexera com seu mundo adolescente como um furacão silencioso.

“Rry diz que podemos ser felizes longe daqui”, escrevera numa entrada de dezembro, quando o calor de fim de ano já anunciava o verão brutal que estava por vir. Ele entende o que sinto. Ele sabe o que é melhor para nós. Disse que tem planos que podemos começar uma vida nova em outro lugar.

Em janeiro, as entradas se tornaram mais frequentes, mais intensas. Erry falou sobre levar Cristiane também. Dizia uma anotação de 10 de janeiro. Diz que ela não pode ficar aqui sozinha, que precisamos protegê-la. Às vezes tenho medo, mas ele é tão carinhoso, tão preocupado conosco.

Por volta das 2as da tarde, quando o sol transformava as ruas de Sinope numa fornalha a céu aberto, Ana Paula chamou Cristiane. “Vamos dar uma volta na represa”, disse, ajeitando o cabelo em duas tranças perfeitas que caíam sobre os ombros. Está muito quente aqui dentro. Cristiane não hesitou. Seguir a irmã era natural como respirar, instintivo como a sede em dia de calor.

Havia uma confiança cega entre elas, um vínculo que transcendia a simples relação fraternal. Ana Paula era mais que irmã para Cristiane. Era modelo, protetora, ponte para um mundo maior que ela ainda não conhecia, mas já sonhava em explorar. Pegaram as bicicletas na garagem improvisada nos fundos da casa, duas bikes velhas, uma verde e outra vermelha, que Osvaldo comprara num brechó em Cuiabá durante uma das viagens a trabalho.

As bikes rangiam quando pedaladas, mas ainda serviam para percorrer as ruas de terra de Sinope e alcançar a represa nos dias de folga. Ana Paula vestia short jeans desbotado e blusa branca de algodão que Marlene costurara especialmente para ela. Cristiane escolhera short cor- de rosa e regata listrada em azul e branco.

Ambas calçavam havaianas gastas pelo uso o calçado oficial da juventude Siopense nos anos 80. Suas vozes ecoaram pela rua empoeirada enquanto pedalavam em direção à represa, misturando-se ao som distante das motosserras e ao latido dos viralatas, que dormitavam à sombra das poucas árvores, que resistiam ao crescimento urbano desenfreado. Vizinhos as viram partir, como em qualquer tarde normal de verão.

Dona Conceição, que varria a calçada com a dedicação de quem tenta manter a dignidade em meio ao caos da terra vermelha, acenou da janela com seu sorriso desdentado. Seu Jorge, mecânico que consertava carros no quintal de casa, ergueu a mão suja de gracha num cumprimento casual, sem imaginar que estava presenciando um adeus definitivo.

Ninguém poderia imaginar que era a última vez que veriam as meninas Schneider vivas. Ninguém suspeitava que aquela tarde, aparentemente comum, guardava um horror que assombraria Sinope pelas próximas três décadas. Na represa, a tarde se arrastava devagar, pesada como mel derretido no calor. O sol castigava implacável, transformando a areia em brasas e fazendo a água verde escura parecer um espelho líquido que refletia o céu sem nuvens.

A água parecia convidar para um mergulho refrescante, prometendo alívio do calor que grudava na pele como cola. As bicicletas foram encostadas numa árvore de tronco grosso, amarradas com uma corrente velha que Ana Paula sempre carregava.

As toalhas, duas listradas que Marlene bordara com iniciais caprichadas, foram estendidas na areia quente. Ana Paula olhou o relógio de pulso presente de formatura 3:30 da tarde. Harry ainda não havia chegado. Cristiane perguntou pela terceira vez quem era esse encontro misterioso que a irmã tanto mencionava nas últimas semanas. Ana Paula apenas sorriu com aquele jeito de quem guarda segredos importantes, segredos que podem mudar vidas.

Você vai gostar dele disse, os olhos brilhando com uma mistura de excitação e nervosismo. Ele vai cuidar de nós duas, disse que tem planos especiais para nossa família. As palavras de Ana Paula carregavam um peso que Cristiane não conseguia decifrar completamente. Havia algo na voz da irmã, uma intensidade que ia além do entusiasmo adolescente.

Era como se ela soubesse de algo importante, algo que estava prestes a mudar suas vidas para sempre. Às 4:15 da tarde, quando o calor atingia seu pico e até os pássaros se calavam, o som inconfundível de um motor diesel cortou o silêncio da represa. Uma pickup Ford azul desbotada estacionou na estrada de terra que levava ao local, levantando uma nuvem de poeira vermelha que pairou no ar parado como fumaça de incêndio.

O motor diesel rangeu e tociu antes de morrer definitivamente, deixando o silêncio voltar a reinar sobre a represa. Passos pesados, decididos, se aproximaram pela trilha estreita que cortava a mata. Cristiane ouviu primeiro seu instinto adolescente mais aguçado que o da irmã. Ana Paula se levantou lentamente, alisando o short e ajeitando a blusa com gestos nervosos.

O que aconteceu nos minutos seguintes selaria o destino das irmãs Schneider para sempre, enterrando junto com elas segredos que Sinope levaria décadas para desenterrar. Mas para entender a verdadeira dimensão dessa tragédia que estava prestes a se desenrolar, é preciso conhecer o homem que desceu daquela picap azul naquela tarde de janeiro. Um homem que as meninas conheciam bem.

Um homem quem confiavam cegamente, um homem que carregava segredos mais sombrios que a mata fechada de Mato Grosso. Segredos que fermentavam em silêncio há anos, esperando o momento certo para explodir como dinamite numa pedreira. O relógio de Ana Paula marcava exatamente 4:30, quando os primeiros gritos ecoaram pela represa.

Breves, desesperados, abafados pela densidade da floresta que cercava a água como uma muralha verde. Depois, apenas o silêncio voltou a reinar sobre as águas do rio celeste, um silêncio que se estenderia por 32 anos. E nesse silêncio, duas vidas se apagaram para sempre, levando consigo a inocência de uma família e de uma cidade inteira. 6 horas da tarde, Marlene Schneider enxugou as mãos no avental e olhou pela janela da cozinha pela décima vez.

As meninas sempre voltavam antes do escurecer, sempre. O feijão cozinhava no fogão a lenha, soltando o vapor que embaçava os vidros. O cheiro de alho refogado misturava-se ao aroma da terra úmida que anunciava a chuva vespertina. Marlene sentiu o primeiro aperto no peito, aquele pressentimento que toda mãe conhece, mas prefere ignorar até não poder mais. 7 horas.

O céu escureceu com a velocidade brutal dos entardeceres amazônicos. Em 15 minutos, a luz dourada da tarde se transformou na escuridão densa da noite tropical. Marlene acendeu o Lampião a gás e saiu para a varanda, os olhos vasculhando a rua das paineiras em busca das bicicletas coloridas das filhas.

Apenas o som dos grilos e o latido distante de cachorros viralatas quebravam o silêncio que se instalara sobre Sinope. As janelas das casas vizinhas já brilhavam com a luz amarelada dos lampiões e velas, criando pequenas ilhas de calor humano na escuridão que engolia a cidade pioneira. 8 horas.

Osvaldo chegou do trabalho dirigindo a mesma picap Ford Azul que estacionara na represa 3 horas antes. O motor diesel torsiu e morreu diante da casa. Ele desceu da cabine com movimentos cansados de quem carregara a madeira o dia inteiro sob o sol inclemente. As roupas grudavam no corpo suado e suas mãos ainda tremiam levemente, não do esforço físico, mas de algo muito mais perturbador.

“Onde estão as meninas?”, Marlene perguntou antes mesmo que ele pisasse na varanda. A voz dela carregava uma urgência que fez Osvaldo parar no meio do quintal. “Como assim? Onde estão? Não voltaram ainda? Sua resposta soou natural demais, ensaiada demais, mas Marlene estava concentrada demais na própria angústia para perceber as nuances na voz do marido. Osvaldo entrou em casa, tomou banho gelado no banheiro dos fundos e se sentou à mesa para jantar.

Comeu o feijão tropeiro e a farofa com a calma de um homem cansado após um dia normal de trabalho. De vez em quando erguia os olhos para Marlene, que caminhava de um lado para outro da cozinha como animal enjaulado. “Elas devem ter ficado na casa de alguma amiga”, disse ele limpando a boca com a mão. “Você sabe como é, meninas dessa idade.

” Mas quando o relógio marcou 9 da noite e as filhas ainda não haviam aparecido, até mesmo Osvaldo fingiu preocupação. Pegou uma lanterna e saiu para procurá-las, caminhando pelas ruas de terra de Sinope, com passos que pareciam conhecer exatamente onde não encontrar o que procurava. A primeira parada foi a casa de Melia Hoffman, melhor amiga de Ana Paula.

A família alemã morava numa casa de alvenaria, na parte mais nova da cidade, com jardim bem cuidado e cerca de madeira pintada de branco. Dona Ingrid, mãe de Melânia, abriu a porta já de camisola, os cabelos loiros presos em um coque desarrumado. “A meninas não não vieram aqui hoje”, respondeu ela em português carregado de sotaque.

Melânia até perguntou por Ana Paula na escola, mas disseram que ela não foi hoje. Osvaldo visitou mais três casas antes de retornar para casa com as mãos vazias e a expressão adequadamente preocupada. Marlene o aguardava na varanda, retorcendo um pano de prato entre os dedos até quase rasgá-lo. “Nada”, ele disse, subindo os degraus de madeira com peso de homem derrotado.

Ninguém viu elas desde que saíram de casa. Antes de prosseguirmos, confira se você já está inscrito no canal. Caso não esteja, se inscreva, pois temos mais histórias como essa para contar. Meia-noite, Marlene não conseguia dormir. Caminhava pela casa vazia como alma penada, acendendo e apagando luzes, olhando pela janela, rezando baixinho para Nossa Senhora Aparecida.

Osvaldo roncava pesadamente no quarto do casal, o sono profundo de quem havia gastado muita energia durante o dia. De madrugada, Marlene tomou uma decisão. Assim que o sol nascesse, iria à delegacia. A delegacia de polícia de Sinop funcionava numa casa adaptada na rua principal, ao lado da agência dos Correios e em frente ao único posto de gasolina da cidade.

Delegado Antônio Ferraz, paulista de Ribeirão Preto, que aceitara a transferência para Mato Grosso em busca de aventura e dinheiro fácil, atendia num escritório abarrotado de papéis e arquivos empoeirados. Ferraz tinha 45 anos, bigode grisalho e a barriga proeminente de quem descobrira que a cachaça local custava metade do preço da pinga paulista.

Nos dois anos que morava em Sinope, havia lidado principalmente com brigas de bar, discussões sobre lotes de terra e o desaparecimento eventual de alguma reiz, nunca com pessoas. “Quanto tempo faz que as meninas sumiram?”, perguntou ele, ajustando os óculos de leitura para escrever o boletim de ocorrência numa máquina de escrever que faltavam três teclas. Desde ontem à tarde.

Marlene respondeu à voz embargada. Havia chorado a noite inteira e seus olhos estavam vermelhos e inchados. Saíram para a represa e não voltaram mais. Represa? Ferraz fez uma anotação. Elas sabiam nadar? Ana Paula. Sim. Cristiane não muito bem, mas elas sempre iam juntas. Ana Paula sempre cuidava da irmã. Osvaldo estava sentado numa cadeira de madeira ao lado da esposa, o boné de trabalhador nas mãos, os olhos fixos no chão. Quando Ferraz perguntou se ele tinha alguma suspeita sobre o que poderia ter acontecido, Osvaldo ergueu a

cabeça e o encarou diretamente. Deve ter sido algum louco delegado, algum maluco que veio de fora. Sinope está crescendo muito rápido. Tem muito estranho chegando aqui todo dia. A observação era pertinente. Sinope vivia um crescimento explosivo e desordenado. Todos os dias chegavam famílias do sul em busca de oportunidades na fronteira agrícola.

Chegavam também aventureiros, fugitivos, homens com passado duvidoso, atraídos pela promessa de anonimato que as cidades novas ofereciam. Ferraz organizou uma busca para aquela mesma tarde. Convocou seus dois investigadores, Valdemar Santos, conhecido como Dema, Matogrossense Nato, que conhecia cada trilha da região, e Carlos Benedito, jovem recém-chegado de Cuiabá, que sonhava em se transferir para a capital assim que possível.

Às 2as da tarde, quando o calor tornava qualquer atividade ao ar livre quase impossível, o grupo de busca se reuniu na represa. Além dos policiais, compareceram uma dúzia de voluntários, vizinhos, colegas de Osvaldo da Madeireira, professoras do colégio estadual, onde Ana Paula estudara. A represa parecia diferente sob a luz crua da tarde.

A água verde escura refletia o céu sem nuvens como espelho líquido. Mas havia algo sinistro naquela beleza. Talvez fosse o silêncio denso demais ou a forma como a mata fechada cercava a água como muralha intransponível. Dema encontrou as bicicletas primeiro. Estavam encostadas numa árvore de tronco grosso, ainda acorrentadas, as toalhas das meninas estendidas na areia, como se elas tivessem saído da água há poucos minutos.

Uma garrafa de Coca-Cola pela metade e um pacote de biscoito mais aberto completavam a cena de um piquenique interrompido. “Elas estavam aqui”, Dema disse, apontando para as marcas na areia, pegadas delas bem fresquinhas. Ferraz examinou a cena com a meticulosidade de quem assistira muitos filmes policiais americanos.

Havia outras pegadas na areia, maiores, masculinas, que se misturavam com as das meninas. numa dança confusa de sinais. Uma delas, mais profunda, estava marcada com o desenho característico de uma bota de trabalho. “Tem mais alguém aqui?”, o delegado murmurou fazendo anotações num caderninho de couro. Alguém de bota pesada.

A busca se estendeu pela mata que circundava a represa. Homens com facões abriram picadas na vegetação densa, gritando os nomes das meninas até ficarem roucos. vasculharam cada moita, cada tronco caído, cada depressão no terreno onde um corpo poderia estar escondido. Quando o sol começou a se pôr, pintando o céu de laranja e vermelho como uma fogueira gigantesca, a busca foi suspensa.

Não haviam encontrado nada além das pegadas na areia e alguns galhos quebrados que poderiam significar qualquer coisa. Naquela noite, Ferraz ligou para a Polícia Civil de Cuiabá pedindo reforços. Três dias depois, chegaram dois investigadores da capital com equipamentos mais modernos, um detector de metais emprestado do exército e uma câmera fotográfica para documentar evidências.

A segunda busca foi mais sistemática. Dividiram a área da represa em quadrantes e vasculharam cada metro quadrado com precisão militar. encontraram latas de cerveja antigas, algumas moedas, pedaços de roupa que poderiam ter pertencido a qualquer um dos banhistas que frequentavam o local, mas nenhum sinal das irmãs Schneider.

Na quarta semana de buscas, quando janeiro dava lugar a fevereiro e o calor se tornava ainda mais insuportável, Ferraz tomou a decisão que todos temiam. dragariam a represa. O equipamento veio emprestado da Prefeitura de Cuiabá. Uma draga pequena operada por dois funcionários que passaram três dias mergulhando no fundo lodoso da represa. Trouxeram a superfície, entulho de construção, pneus velhos, até mesmo uma geladeira enferrujada que alguém jogara na água anos antes.

Nenhum corpo foi encontrado. As semanas se transformaram em meses. A história das irmãs desaparecidas virou assunto obrigatório nas rodas de conversa da cidade, na barbearia do seu Manoel, no armazém da dona Rosa, na igreja aos domingos. Todos tinham uma teoria sobre o que acontecera com as meninas Schneider. Alguns apostavam em sequestro.

Sinop ficava na rota de traficantes que levavam Coca do Bolívia para o Sudeste e talvez as meninas tivessem visto algo que não deveriam. Outros acreditavam em fuga romântica. Ana Paula tinha idade para isso e talvez tivesse convencido a irmã a acompanhá-la numa aventura amorosa. A teoria mais sombria, sussurrada apenas nas conversas mais íntimas, envolvia ritual satânico.

Alguns moradores mais antigos juravam que existiam grupos esotéricos na região, pessoas envolvidas com magia negra que faziam sacrifícios na mata fechada. As meninas bonitas e jovens seriam alvos perfeitos para esse tipo de maldade. Osvaldo Schneider mergulhou no trabalho como forma de escapar da dor.

Passou a fazer horas extras na madeireira, saindo de casa antes do amanhecer e voltando depois do anoitecer. Quando estava em casa, bebia. cachaça barata comprada no armazém, consumida em goles lentos e silenciosos enquanto Marlene chorava no quarto. Marlene definhava visivelmente. Em se meses perdeu 15 kg, os cabelos embranqueceram e ela desenvolveu um tique nervoso de mexer constantemente no terço que carregava no bolso do avental.

Parou de sair de casa, parou de conversar com as vizinhas, parou de viver. A casa na rua das paineiras se transformou num mausoléu. O quarto das meninas permanecia exatamente como elas o deixaram naquela manhã de janeiro. As camas arrumadas, a roupa limpa dobrada sobre as cadeiras, os livros escolares empilhados na mesa de estudos, improvisada com tábuas e tijolos.

Durante o primeiro ano após o desaparecimento, Ferraz manteve o caso ativo. Seguiu pistas que invariavelmente levavam a lugar nenhum. Investigou estranhos que chegaram à cidade na época do sumiço. Interrogou jovens que frequentavam a represa. Tudo sem resultado.

Em janeiro de 1986, no primeiro aniversário do desaparecimento, Marlene organizou uma missa na igreja do Sagrado Coração de Jesus. Quase toda a cidade compareceu. Padre Francisco, italiano que chegara a Sinope no mesmo ano que o Schneider, celebrou uma cerimônia emocionante, falando sobre fé, esperança e os mistérios insondáveis da vontade divina.

Após a missa, uma procissão silenciosa caminhou da igreja até a represa. Mais de 300 pessoas carregando velas acesas, rezando o terço em voz baixa, depositando flores na margem da água onde as filhas de Marlene foram vistas pela última vez. Osvaldo não participou da procissão. Alegou estar doente, mas os vizinhos o viram bebendo na varanda durante toda a tarde, observando a movimentação na rua, com olhos que pareciam carregar um peso maior que a tristeza.

Naquela noite, quando a cidade finalmente silenciou e as velas se apagaram, a represa voltou a guardar seus segredos nas profundezas escuras de suas águas. E no fundo de sua alma torturada, Osvaldo Schneider sabia que alguns segredos são pesados demais para flutuar a superfície. A verdade é como os corpos na água.

Por mais que se tente mantê-la no fundo, uma hora ela sempre sobe à tona. Mas às vezes isso leva muito mais tempo do que uma família destroçada pode suportar. Tr anos depois do desaparecimento, Marlen Schneider havia se tornado um fantasma na própria casa. A mulher, que um dia costurava vestidos caprichados para as filhas, agora passava os dias sentada na cadeira de balanço da varanda, olhando para a rua das paineiras, como se esperasse ver duas bicicletas coloridas surgirem na curva a qualquer momento.

Seus cabelos, completamente brancos aos 41 anos, estavam sempre despenteados. As roupas sempre as mesmas, um vestido preto desbotado e chinelos gastos que arrastavam no chão quando ela caminhava. Os vizinhos sussurravam que Marlene havia enlouquecido. Dona Conceição contava para quem quisesse ouvir que havia conversando sozinha na varanda durante as madrugadas, falando com pessoas que não existiam.

Seu Jorge, o mecânico, jurava ter ouvido ela chamando os nomes das filhas em voz alta durante as tardes mais silenciosas. Ana Paula, Cristiane, o almoço está pronto? Ela gritava às vezes, fazendo os cachorros da rua começarem a latir e as crianças correrem para dentro de casa. Marlene parou de cuidar da casa.

A tinta azul da madeira descascou e não foi renovada. O quintal se encheu de mato. As galinhas morreram uma por uma e ela não comprou outras. O jardim que um dia foi seu orgulho, se transformou numa moita selvagem, onde cobras e sapos encontraram abrigo. Dentro da casa, a situação era ainda mais perturbadora.

Marlene continuava pondo a mesa para quatro pessoas todas as refeições. Cozinhava como se as filhas fossem chegar a qualquer momento. Feijão tropeiro, farofa de mandioca, bife acebolado, os pratos favoritos de Ana Paula e Cristiane. A comida apodrecia nos pratos porque ninguém vinha comê-la. O quarto das meninas se tornou um santuário intocável.

Marlene passava horas ali dentro, sentada na cama de Ana Paula, segurando as roupas das filhas contra o peito e respirando o cheiro que há muito havia desaparecido. Ela falava com elas como se estivessem vivas, contando sobre o dia, reclamando do calor, perguntando sobre os planos para o futuro que nunca viria.

Osvaldo lidava com a situação, mergulhando cada vez mais fundo na cachaça. O que começou como uns goles para esquecer a dor se transformou numa bebedeira constante que durava do fim da tarde até de madrugada. Ele chegava da madeireira, tomava banho gelado e se sentava na mesa da cozinha com uma garrafa de Piraçununga pela metade. Bebia em silêncio, observando a esposa vagar pela casa como alma penada.

Às vezes ela tentava conversar com ele sobre as meninas e Osvaldo respondia com grunhidos ou gestos vagos da mão. Outras vezes, quando a cachaça falava mais alto, ele explodia em ataques de fúria que faziam Marlene se encolher como animal ferido.

“Chega!”, ele gritava, esmurrando a mesa até fazer os pratos tremularem. “Elas morreram, entende? Morreram. Não vão voltar nunca mais. Mas no dia seguinte, quando a ressaca apertava e a culpa pesava como chumbo no peito, Osvaldo voltava ao silêncio. Era mais fácil não falar sobre as filhas.

Era mais fácil fingir que a dor não existia, que aquele buraco no meio da família era apenas um pesadelo, do qual ele acordaria a qualquer momento. Os anos 80 deram lugar aos anos 90 e sinopse transformava numa velocidade alucinante. Pequena vila pioneira com ruas de terra virou uma cidade de verdade, com asfalto, semáforos, supermercados e até mesmo um shopping center.

Chegaram bancos, escolas particulares, uma rádio FM que tocava os sucessos nacionais durante todo o dia. A madeireira florestal norte cresceu junto com a cidade. Osvaldo foi promovido a supervisor e passou a ganhar um salário que permitiria dar uma vida confortável à família se ainda houvesse família para sustentar.

O dinheiro extra foi todo parar no balcão do bar do Zé Mineiro, estabelecimento que se tornou o refúgio noturno de Osvaldo após as jornadas na madeireira. O caso das irmãs Schneider foi gradualmente sendo esquecido pela população de Sinop. Novos moradores chegavam e não sabiam da tragédia. Os antigos moradores tocavam a vida adiante, porque é isso que pessoas vivas fazem.

seguem em frente, mesmo quando carregam cicatrizes que nunca se fecham completamente. O delegado Ferraz foi transferido para Cuiabá em 1989, levando consigo os arquivos do caso. Seu substituto, um jovem recémformado chamado Roberto Silva, herdou uma pilha de casos sem solução que incluía o desaparecimento das irmãs Schneider. Roberto tentou revisar as evidências durante os primeiros meses, mas logo percebeu que não havia por onde seguir.

O caso foi arquivado definitivamente em 1990. Em 1992, 7 anos após o desaparecimento, Marlene teve o primeiro surto psicótico. Osvaldo chegou em casa e a encontrou na cozinha, preparando um bolo de aniversário para Ana Paula. havia comprado refrigerante, salgadinhos, até mesmo balões coloridos que enfeitavam a sala.

“É aniversário dela hoje”, Marlene disse com um sorriso que gelou o sangue de Osvaldo. 25 anos. Ela vai chegar com os amigos da faculdade, você vai ver. Osvaldo tentou explicar gentilmente que Ana Paula não faria aniversário, que ela havia desaparecido há anos. Marlene o encarou com olhos que pareciam não reconhecê-lo e disse com voz de criança: “Quem é você? O que fez com meu marido? Onde estão minhas filhas?” Foi internada no Hospital São Lucas em Cuiabá, onde passou três meses sob cuidados psiquiátricos. Os médicos

diagnosticaram depressão severa com episódios psicóticos, provavelmente desencadeados pelo luto não elaborado. Prescreveram medicamentos e recomendaram terapia, mas Marlene se recusou a cooperar com qualquer tratamento. Quando voltou para casa, estava mais calma, mas também mais distante.

Tomava os remédios que Osvaldo controlava religiosamente, mas parecia viver num mundo paralelo, onde as filhas ainda existiam, apenas estavam viajando e voltariam em breve. Durante os anos 90, Sinop viveu seu período de maior crescimento econômico. O agronegócio explodiu, trazendo riqueza e modernização para a região. Fazendeiros do sul do país compraram terras imensas e transformaram a mata em plantações de soja que se estendiam até o horizonte. A população da cidade saltou de 15.

000 para 80.000 habitantes em uma década. Osvaldo se beneficiou da prosperidade. A madeireira expandiu as operações e ele foi novamente promovido, desta vez para gerente regional. Ganhou um Chevrolet Monza, 1995, 0 km e uma casa maior na parte nobre da cidade, mas preferiu ficar na velha casa da rua das Paineiras.

Mudar seria admitir que a vida anterior havia acabado definitivamente. O dinheiro extra continuou sendo desperdiçado no bar do Zé Mineiro. Osvaldo desenvolveu rose aos 52 anos, mas continuou bebendo como se cada gole fosse o último. Talvez fosse exatamente isso que ele esperava, que um dia a cachaça finalmente o levasse e acabasse com o tormento de carregar segredos que eram pesados demais para qualquer homem suportar.

Em 1998, 13 anos após o desaparecimento, Ana Paula faria 31 anos. Cristiane 29. Marlene ainda preparava bolo de aniversário para as duas, mas agora o fazia sozinha, sem convidar ninguém. cantava parabéns numa voz trêmula e apagava as velas, imaginando que as filhas estavam ali invisíveis, comemorando junto com ela.

Osvaldo observava essas cenas do alpendre com a garrafa de cachaça na mão e lágrimas descendo pelo rosto queimado de sol. Havia momentos, especialmente quando a bebida soltava as amarras da consciência, em que ele quase confessava tudo para Marlene. As palavras chegavam à borda dos lábios, prontas para explodir, como uma represa rompida. Mas então lembrava das consequências. Marlene não suportaria saber a verdade.

A revelação a mataria instantaneamente ou a levaria a um estado de loucura permanente. E ele, ele acabaria na cadeia se tivesse sorte. Se não tivesse, os vizinhos fariam justiça com as próprias mãos antes que a polícia chegasse. O ano 2000 chegou com festa na cidade.

Sinope comemorou a entrada no novo milênio com fogos de artifício na praça central e um show de Roberto Carlos que atraiu gente de toda a região. Osvaldo e Marlene assistiram aos fogos da varanda de casa, cada um perdido em seus próprios pensamentos. Marlene tinha 53 anos e parecia ter 70. Os remédios haviam estabilizado os surtos psicóticos, mas roubaram dela qualquer vestígio de alegria ou esperança.

Ela era um corpo que continuava funcionando apenas por força do hábito, uma máquina biológica que esqueceu como parar. Osvaldo, aos 57 anos, carregava o peso de 15 anos de culpa e álcool. Seu fígado estava destruído. Suas mãos tremiam constantemente e ele havia desenvolvido uma tosse seca que indicava que os cigarros baratos estavam cobrando seu preço, mas continuava vivo, condenado a carregar seus segredos como císifo carregava sua pedra, eternamente sem esperança de alívio. Em 2004, a morte finalmente veio buscar Marlene. Foi

discreta, quase gentil. Ela simplesmente não acordou numa manhã de abril, encontrada por Osvaldo quando ele foi chamá-la para o café. O médico disse que foi parada cardíaca, mas todos sabiam que Marlene havia morrido de tristeza 15 anos antes e o coração apenas demorou para perceber. O funeral foi uma multidão.

Sinope inteira compareceu para se despedir da mulher que se tornou símbolo de sofrimento maternal. Pessoas que nem conheciam Marlene pessoalmente choraram ao ver o caixão ser baixado à terra vermelha do cemitério municipal. Era como se a cidade inteira estivesse enterrando sua própria dor, sua própria culpa, por não ter conseguido encontrar as meninas desaparecidas.

Osvaldo ficou sozinho na casa da rua das Paineiras, sozinho, com as memórias, os fantasmas e o peso insuportável de segredos, que agora não tinha mais com quem compartilhar, nem para quem confessar. Seis meses depois, em outubro de 2004, Osvaldo Schneider foi encontrado morto no quintal de casa.

Oficialmente foi parada cardíaca causada pela cirrose em estado terminal. Extraoficialmente foi suicídio por envenenamento alcoólico. Ele simplesmente bebeu até que o corpo não aguentou mais. A casa foi vendida para uma família jovem que chegara do Paraná para trabalhar numa das novas agroindústrias da região. Eles reformaram completamente o imóvel, pintaram as paredes de cores alegres, plantaram flores no quintal, onde um dia Marlene criara galinhas.

Os novos moradores não sabiam da história da família Schneider. Para eles, era apenas uma casa velha que precisava de cuidados. Só descobriram sobre a tragédia quando Dona Conceição, ainda viva aos 78 anos, contou a história numa tarde de domingo. A família ficou abalada ao saber que havia dormido no quarto, onde duas meninas desaparecidas um dia sonharam com o futuro. Pensaram em vender a casa, mas acabaram ficando.

Afinal, o passado é passado e os vivos precisam seguir em frente. O tempo continuou passando sobre Sinope como chuva sobre terra seca. A cidade cresceu ainda mais. Virou importante centro do agronegócio brasileiro. Chegaram shopping centers modernos, universidades, hospitais de primeira linha.

A rua das Paineiras foi asfaltada e recebeu iluminação pública. Mas no fundo da represa do rio celeste, nas profundezas escuras, onde a luz do sol nunca penetra, dois corpos permaneciam esperando, esperando que um dia a verdade viesse à tona, junto com os segredos que um pai levou para o túmulo e que uma cidade inteira preferiu esquecer.

Porque algumas verdades são tão pesadas que afundam até o fundo e ficam lá por décadas como pedras no leito de um rio, até que a seca chegue e as águas baixem o suficiente para revelar o que sempre esteve ali escondido na escuridão. E quando isso acontece, quando os segredos finalmente flutuam à superfície, não há cachaça no mundo que seja forte o suficiente para afogar a verdade.

O Brasil nunca havia visto uma seca como a de 2017. Em Mato Grosso, os rios que sempre correram abundantes se transformaram em filetes d’água cercados por margens rachadas. Fazendeiros perderam plantações inteiras. O gado morria de sede nos pastos ressecados. E em Sinope, agora, uma cidade próspera de 140.000 habitantes.

A represa do rio celeste havia baixado a níveis jamais registrados desde sua construção. A água, que um dia cobria 15 m de profundidade, agora expunha bancos de areia e lama que não viam a luz do sol há mais de três décadas. Troncos de árvores que foram submersos durante a construção da represa emergiam como esqueletos de madeira branqueada. Pedras cobertas por décadas de sedimento, apareciam na superfície como dentes careados numa boca gigantesca.

Foi numa manhã de setembro, quando o termômetro marcava 41º, às 9 da manhã, que Jefferson Oliveira decidiu tentar a sorte na pescaria. Jefferson tinha 34 anos e trabalhava como técnico em informática numa empresa de agronegócio. Morava em Sinop há 5 anos, vindo de Cuiabá em busca de melhores oportunidades na região que se tornara o coração do agronegócio brasileiro.

Não conhecia a história das irmãs Schneider. Para ele, a represa do rio celeste era apenas um local de lazer onde tentava pescar nos fins de semana. Naquela manhã, com a água baixa demais para usar o barco, Jefferson decidiu caminhar pela margem exposta, procurando um local onde ainda houvesse profundidade suficiente para os peixes.

Levava uma vara de bambu, uma caixa de isca e uma cadeira de praia para passar a manhã. O cheiro era o primeiro sinal de que algo estava errado. Um odor doce e nause pairava sobre a área exposta. misturado ao cheiro de barro e vegetação apodrecida.

Jefferson pensou que fosse algum animal morto pela seca, talvez uma capivara ou um jacaré que não conseguiu encontrar água h tempo. Caminhou por quase 1 km pela margem seca, seguindo o que antigamente era o leito do rio. Seus pés afundavam na lama rachada, fazendo ruídos estranhos, como se pisassem ossos quebrados. O silêncio era absoluto.

Nem mesmo os pássaros cantavam naquele calor infernal. Foi quando contornava uma pilha de troncos entrelaçados que Jefferson viu algo que fez seu sangue gelar. No meio da lama seca, parcialmente coberto por galhos e folhas decompostas, havia algo que claramente não era madeira nem pedra. Uma costela humana emergia do sedimento como uma raiz branca e polida.

Jefferson largou a vara de pescar e se aproximou devagar, o coração batendo forte no peito. Seus olhos de leigo não conseguiam processar completamente o que estava vendo, mas seu instinto já sabia. Pegou o celular com mãos trêmulas e discou 190. Polícia Civil. Eu eu acho que encontrei um corpo na represa do rio celeste.

Se essa história já te arrepiou até aqui, compartilhe o vídeo para que mais gente descubra essa parte esquecida do país. A ligação de Jefferson foi atendida pela Delegacia Especializada de Homicídios de Sinop, um departamento que não existia em 1985, mas que se tornara necessário com o crescimento da cidade.

A delegada responsável era Roberta Mendes, 38 anos, formada em direito pela UFMT e especializada em crimes contra a mulher. Roberta chegou ao local uma hora depois, acompanhada pelo perito criminal João Batista e dois investigadores. Encontrou Jefferson sentado à sombra de uma árvore, pálido e claramente abalado. O técnico em informática havia vomitado duas vezes desde fazer a descoberta, e suas mãos ainda tremiam quando apontou na direção dos restos mortais. “Está ali”, ele disse, a voz embargada.

No meio daquela lama toda. Parece, parece que tem mais de um. Roberta se aproximou do local indicado com a cautela de quem havia visto muitas cenas de crime, mas nada, em sua experiência profissional a preparara para o que encontrou na lama seca da represa do rio celeste. Não era um corpo, eram dois.

Os esqueletos estavam parcialmente entrelaçados, como se as vítimas tivessem morrido abraçadas ou tentando se proteger mutuamente. Décadas, no fundo da represa, haviam preservado os ossos de forma quase perfeita. A lama funcionara como uma camada protetora, impedindo que peixes e outros animais perturbassem os restos mortais. Ao redor dos esqueletos, espalhados pela área como peças de um quebra-cabeça macabro.

Havia fragmentos de roupas, alguns objetos pessoais e algo que fez Roberta congelar no local. Pedras amarradas com fio elétrico aos restos mortais. Alguém havia tentado manter aqueles corpos submersos por muito tempo. “Isolem toda a área”, Roberta ordenou aos investigadores.

“Ninguém entra aqui sem autorização e chamem a perícia de Cuiabá. Vamos precisar de todo mundo disponível. Enquanto aguardava a chegada da equipe técnica, Roberta começou a fazer as perguntas que todo investigador faz diante de restos mortais antigos. Quem eram essas pessoas? Há quanto tempo estavam ali? E, principalmente, quem fez isso com eles? O perito João Batista, homem experiente, que já havia trabalhado em dezenas de casos de homicídio, examinou os esqueletos com lupa e máquina fotográfica.

Suas conclusões preliminares eram perturbadoras. “São duas mulheres jovens”, ele disse, “Agachado ao lado dos restos mortais, uma de aproximadamente 18 anos, a outra um pouco mais nova. Ambas sofreram traumatismo craniano severo. Veja estas fraturas aqui no temporal. Foram golpes violentos, provavelmente com objeto contundente.

Roberta anotou tudo num caderninho, mas uma suspeita já estava se formando em sua mente. Duas mulheres jovens no fundo de uma represa há várias décadas. Em Sinope, uma cidade que ela conhecia bem, havia uma história que todo mundo da região sabia, uma história sobre duas irmãs que desapareceram misteriosamente nos anos 80.

“João,” ela disse para o perito, “Você acha que estes corpos podem estar aqui há uns 30 anos?” Perfeitamente possível. A preservação indica que ficaram submersos todo esse tempo. O ambiente anóxico no fundo da represa criou condições ideais para a conservação dos ossos. Mas naquela tarde, enquanto a equipe técnica trabalhava na escavação e catalogação dos restos mortais, Roberta foi até a delegacia e pediu para consultar os arquivos de casos antigos.

Não demorou muito para encontrar o que procurava. O processo do desaparecimento das irmãs Ana Paula e Christiane Schneider, arquivado em 1990 como caso sem solução. O arquivo estava amarelado pelo tempo e guardado numa caixa de papelão no subsolo da delegacia.

Roberta espalhou os documentos sobre sua mesa e começou a ler os relatórios escritos pelo delegado Ferraz três décadas antes. Fotos das meninas desaparecidas, depoimentos dos pais, relatórios das buscas na represa. Tudo se encaixava perfeitamente. Na manhã seguinte, Roberta retornou ao local da descoberta com uma equipe ampliada que incluía um antropólogo forense da Universidade Federal de Mato Grosso. O professor Dr.

Marcelo Ramos havia sido chamado especificamente para ajudar na identificação dos restos mortais e na determinação da causa da morte. A escavação durou dois dias completos. Além dos esqueletos, a equipe recuperou diversos objetos. que haviam resistido ao tempo submersos na lama. Fragmentos de roupas, duas pulseiras de bijuteria, uma corrente com pingente em formato de coração e, o mais importante de tudo, duas carteiras de identidade plastificadas que milagrosamente ainda conham informações legíveis.

Ana Paula Schneider, nascida em 15 de janeiro de 1967. Christiane Schneider, nascida em 8 de março de 1969. A confirmação oficial chegou uma semana depois, quando os exames de DNA compararam material genético extraído dos ossos, com amostras coletadas de objetos pessoais que ainda existiam na casa onde a família Schneider havia morado.

Uma escova de cabelo guardada pela família que comprou a casa, alguns fios de cabelo encontrados num diário. Evidências que sobreviveram três décadas esperando por esse momento. A notícia explodiu na mídia regional como uma bomba. Corpos das irmãs Schneider, encontrados após 32 anos, estamparam os jornais locais. As redes sociais fervilharam com comentários, teorias e memórias. de moradores antigos que lembravam do caso.

Para Sinope, a descoberta representava o fechamento de um capítulo traumático que marcara a cidade por décadas. Para Roberta Mendes, significava o início de uma investigação criminal que precisava solucionar um assassinato cometido antes dela nascer. Mas havia algo perturbador nos detalhes da descoberta que incomodava profundamente a delegada.

As pedras amarradas aos corpos com fio elétrico não eram obra de um assassino amador. Quem quer que tivesse matado as irmãs Schneider conhecia métodos para manter corpos submersos. Mais perturbador ainda, conhecia a represa bem o suficiente para saber onde jogá-los sem que fossem facilmente encontrados. Isso sugeria alguém local, alguém que conhecia as meninas, alguém em quem elas confiavam o suficiente para ir encontrar numa represa isolada.

Roberta estudou novamente os depoimentos dos pais, coletados em 1985. Havia algo na versão de Osvaldo Schneider que não a convencia completamente. Pequenas inconsistências, detalhes que não se encaixavam perfeitamente. Mas Osvaldo estava morto há mais de uma década, assim como a esposa.

A verdade estava enterrada junto com eles no cemitério de Sinop. Ou talvez não. Talvez existissem outras evidências, outros segredos esperando para serem descobertos. Porque se três décadas, no fundo de uma represa não foram suficientes para apagar completamente as provas do crime, talvez ainda houvesse esperança de encontrar respostas para perguntas que uma cidade inteira fazia há mais de 30 anos.

A seca que expôs os corpos das irmãs Schneider estava apenas começando a revelar seus segredos. E Roberta Mendes tinha a estranha sensação de que a verdadeira descoberta ainda estava por vir. Três semanas após a descoberta dos corpos, Roberta Mendes tinha certeza de uma coisa. Alguém havia mentido descaradamente em 1985. Sentada em seu escritório na delegacia, rodeada por pilhas de documentos antigos, fotos da cena do crime e relatórios forenses, ela estudava cada detalhe dos depoimentos originais, como um arqueólogo examina fragmentos de cerâmica antiga. Havia inconsistências que saltavam aos olhos, contradições que

o delegado Ferraz não havia percebido na época, ou preferira ignorar o primeiro sinal. vermelho estava no depoimento de Osvaldo Schneider sobre como encontrar as bicicletas das filhas. Ele afirmava ter ido diretamente ao local certo da represa, numa área específica entre várias possíveis, como soubera exatamente onde procurar numa região com quilômetros de margem.

Intuição de pai, ele dissera na época. Mas intuição não explica precisão cirúrgica. Roberta pegou o telefone e discou para o Dr. Marcelo Ramos, o antropólogo forense, que ajudara na identificação dos corpos. Precisava de mais detalhes sobre a causa da morte, detalhes que pudessem revelar o perfil do assassino.

Doutor, sobre os ferimentos cranianos, o senhor pode determinar que tipo de objeto foi usado? A voz do antropólogo chegou grave pelo telefone. Pelos padrões de fratura. Foi algo pesado e contundente, provavelmente metálico, uma chave de fenda grande, talvez um martelo. Alguém que trabalha com ferramentas teria fácil acesso a esse tipo de objeto.

Osvaldo Schneider trabalhava numa madeireira. Ferramentas pesadas faziam parte de sua rotina diária. Roberta desligou o telefone e voltou aos arquivos. Havia outro detalhe perturbador que estava começando a incomodá-la, o comportamento de Osvaldo durante as buscas.

Segundo testemunhas, ele participara ativamente das procurações, mas sempre sugeria áreas específicas para vasculhar, áreas que ficavam longe do local onde os corpos foram finalmente encontrados. Era como se ele soubesse exatamente onde não procurar. A delegada decidiu visitar a Sociedade Histórica de Sinope, uma instituição criada nos anos 90, para preservar a memória da cidade pioneira.

Se existiam mais documentos sobre o caso ou objetos pessoais da família Schneider, seria lá que encontraria. O arquivo histórico funcionava numa casa antiga no centro da cidade, administrado por Helena Müller, alemã de 72 anos, que chegara a Sinope nos primeiros anos de colonização.

Helena conhecia praticamente todos os pioneiros da cidade e guardava na memória histórias que os livros oficiais preferiam esquecer. As meninas Schneider e Helena suspirou quando Roberta explicou o motivo da visita. Que tragédia! Eu conhecia a família, sabe? Osvaldo era complicado, bebia muito e tinha aquele jeito de olhar para as meninas que me dava arrepios. Como assim, dona Helena? A idosa escolheu as palavras com cuidado.

Olhava demais, prestava atenção demais nos corpos delas, entende? Marlene sempre pareceu assustada com alguma coisa, nunca disse nada, mas uma mulher reconhece o medo em outra. Helena levou Roberta até um arquivo onde guardava doações de famílias antigas. Numa caixa etiquetada Família Schneider 2005 estava o material que a família compradora da casa havia entregue após encontrá-lo no sótam: Fotografias, cartas e o que se revelaria a peça chave de todo o quebra-cabeça, o diário de Ana Paula Schneider. Roberta segurou o caderno com capa florida nas mãos, como se fosse uma

relíquia sagrada. As páginas amareladas pelo tempo conham a letra caprichada de uma adolescente com entradas que iam de janeiro a julho de 1985. A última anotação era do dia 14 de janeiro, véspera do desaparecimento. De volta à delegacia, Roberta leu o diário inteiro duas vezes antes de entender completamente a magnitude do horror que estava descobrindo.

As primeiras entradas eram normais: reclamações sobre escola, comentários sobre rapazes, sonhos sobre a faculdade. A partir de abril de 1985, o tom mudou drasticamente. R está sendo mais carinhoso comigo dizia uma entrada de maio. Diz que me ama de uma forma especial, que entende minhas necessidades de mulher adulta.

Às vezes tenho medo, mas ele explica que é assim mesmo entre pessoas que se amam de verdade. Roberta sentiu náusea subindo pelo estômago. Conhecia esse tipo de linguagem. havia investigado dezenas de casos de abuso sexual e o padrão era sempre o mesmo. Manipulação psicológica disfarçada de amor especial. Continuou lendo e a situação ficou ainda mais perturbadora.

Erry disse que Cristiane também precisa aprender sobre amor, uma entrada de junho, que ela está ficando mocinha e precisa ser preparada adequadamente, disse que vai ensinar ela como ensinou a mim. Não sei se está certo, mas Harry sabe o que é melhor para nossa família. A entrada final de 14 de janeiro, gelou o sangue da delegada.

Amanhã R vai resolver tudo. Disse que vamos embora de Sinope, os três juntos, começar vida nova longe de todo o mundo. Cristiane está empolgada, acha que vai ser uma aventura. Espero que Erre mantenha as promessas dele. Espero que seja feliz como ele promete. Roberta largou o diário sobre a mesa, as mãos tremendo.

A verdade estava ali, escrita na letra inocente de uma adolescente que não compreendia que estava sendo vítima de abuso sistemático. R. Não era um namorado misterioso, era Richard Osvaldo em sua forma abrasileirada. As meninas não haviam sido mortas por um estranho.

Haviam sido assassinadas pelo próprio pai quando Ana Paula estava prestes a sair de casa para a faculdade, levando consigo segredos que ele não podia permitir que fossem revelados. Antes de prosseguirmos, confira se você já está inscrito no canal. Caso não esteja, se inscreva, pois temos mais histórias como essa para contar. Roberta precisava de mais evidências para confirmar sua teoria.

ligou para o laboratório de perícia criminal de Cuiabá e solicitou análise de DNA mais aprofundada dos materiais encontrados junto aos corpos. Se Osvaldo fosse realmente o assassino, poderia haver vestígios dele nas roupas ou objetos das vítimas. Enquanto aguardava os resultados, decidiu entrevistar pessoas que conheceram a família Schneider nos anos 80.

A maioria dos vizinhos havia morrido ou se mudado, mas ainda restavam algumas testemunhas da época que poderiam fornecer informações valiosas. Dona Conceição, agora com 89 anos e morando numa casa de repouso, ainda mantinha a memória sharpe como navalha.

Quando Roberta mencionou a família Schneider, os olhos da idosa se encheram de lágrimas. Eu sabia que tinha coisa errada naquela casa. Ela disse, a voz trêmula, mas firme. Osvaldo não deixava as meninas saírem sozinhas. Controlava tudo que elas faziam. E Marlene, coitada da Marlene, vivia com cara de quem tinha medo de alguma coisa.

A senhora chegou a presenciar alguma situação estranha? Dona Conceição hesitou antes de responder. Uma vez de madrugada, ouvi gritos vindos da casa deles, gritos de menina. Pensei em chamar alguém, mas depois parou. No dia seguinte, Ana Paula estava com o rosto inchado. Disse que tinha caído da bicicleta.

Roberta anotou tudo, o quebra-cabeças se completando peça por peça. Entrevistou também Melânia Hoffman, a antiga melhor amiga de Ana Paula, agora casada e morando em Cuiabá. A conversa por telefone revelou detalhes ainda mais perturbadores. Ana Paula mudou muito nos últimos meses antes de desaparecer, Melânia contou. Ficou mais fechada, mais assustada.

Uma vez tentou me contar sobre uns problemas em casa, mas na metade da conversa se calou e disse que não podia falar sobre isso. Ela mencionou algum relacionamento amoroso? Nunca diretamente, mas eu percebia que tinha alguma coisa acontecendo. Ela falava sobre alguém que cuidava dela, que entendia as suas necessidades.

Pensei que fosse algum professor da escola. Nunca imaginei que A voz de Melia se quebrou ao entender as implicações do que estava dizendo. Três semanas depois, os resultados do laboratório chegaram com a força de uma sentença judicial. DNA de Osvaldo Schneider foi encontrado nas roupas de ambas as vítimas.

Mais perturbador ainda, foram encontrados vestígios de material genético dele em amostras de tecido ósseo das meninas, sugerindo contato íntimo recorrente. Roberta tinha agora evidência científica do que já suspeitava pelas evidências circunstanciais. Osvaldo Schneider havia abusado sexualmente das próprias filhas durante meses, possivelmente anos.

Quando Ana Paula estava prestes a sair de casa para a faculdade, ele percebeu que correria o risco de ter os crimes expostos. A solução que encontrou foi eliminar as testemunhas. O modus operande se tornava claro quando Roberta analisou a cronologia dos eventos.

Osvaldo marcou um encontro com as filhas na represa, provavelmente prometendo a viagem que Ana Paula mencionara no diário. Quando elas chegaram, ele as matou com uma ferramenta que carregava na picap, provavelmente um martelo ou chave de fenda grande. Depois amarrou pedras aos corpos com fio elétrico, material que ele tinha fácil acesso na madeireira, e os jogou na parte mais profunda da represa. Voltou para casa.

fingiu normalidade durante algumas horas e então organizou a primeira busca, indo diretamente ao local onde sabia que encontraria as bicicletas porque ele mesmo as havia deixado lá. Era um plano quase perfeito. O que Osvaldo não previu foi que 30 anos depois uma seca histórica baixaria o nível da represa a ponto de expor seus segredos.

Roberta preparou o relatório final com a meticulosidade de quem sabia que estava fechando um caso que assombrou uma cidade inteira por três décadas. Cada evidência foi catalogada, cada testemunho verificado, cada detalhe técnico confirmado pelos especialistas. A conclusão era inequívoca. Osvaldo Schneider havia assassinado as próprias filhas para encobrir anos de abuso sexual sistemático.

O caso que por 32 anos foi considerado um mistério insolúvel era, na verdade um crime familiar cometido pelo homem que mais deveria proteger as vítimas. Numa tarde de dezembro de 2017, Roberta convocou uma coletiva de imprensa no auditório da delegacia.

Repórteres de todo o estado compareceram para ouvir as conclusões da investigação que mexera com Sinope e região durante meses. Após análise minuciosa de todas as evidências coletadas, ela anunciou para as câmeras e microfones, podemos afirmar, com certeza científica, que Ana Paula e Christian Schneider foram assassinadas por seu pai, Osvaldo Schneider, em 15 de janeiro de 1985. O silêncio no auditório era sepulcral.

Então, como uma represa rompida, explodiram as perguntas dos jornalistas, o flash das câmeras, o frenesi da mídia diante de uma revelação que ninguém esperava. Mas para Roberta havia algo mais importante que a repercussão midiática. Havia duas meninas que finalmente poderiam descansar em paz, sabendo que a verdade sobre suas mortes havia sido revelada.

E havia uma cidade inteira que poderia finalmente fechar um capítulo traumático de sua história. A verdade, por mais horrível que fosse, era sempre melhor que o mistério, porque os mistérios alimentam pesadelos. A verdade, mesmo quando dói, traz a possibilidade de cura. A verdade tem o poder de dividir uma cidade ao meio.

Quando as conclusões da investigação de Roberta Mendes se espalharam pelas ruas de Sinope, a reação da população foi como um terremoto social que rachava famílias, amizades e até mesmo a própria memória coletiva da cidade. De um lado estavam aqueles que sempre suspeitaram que havia algo errado com Osvaldo Schneider.

Vizinhos que lembravam de seu comportamento controlador, colegas de trabalho que notavam como ele falava das filhas de forma inadequada. Para essas pessoas, a revelação confirmava suspeitas que carregavam há décadas. Do outro lado estava a parcela da população que se recusava a aceitar que um pai pudesse fazer algo tão monstruoso com as próprias filhas. Osvaldo pode ter tido defeitos, mas jamais faria isso diziam alguns antigos moradores. É fácil acusar um morto que não pode se defender.

Helena Müller, da sociedade histórica, recebeu ameaças por telefone depois de dar entrevista confirmando suas suspeitas sobre o comportamento de Osvaldo. Melania Hoffman foi atacada nas redes sociais por difamar a memória de uma família já destruída pela tragédia. Alguns moradores chegaram a organizar um abaixo assinado, questionando a competência da investigação, alegando que Roberta Mendes tinha inventado evidências para fechar um caso que deveria permanecer arquivado, mas a ciência não mente e DNA não inventa histórias.

Em fevereiro de 2018, Roberta organizou uma segunda coletiva de imprensa, desta vez para apresentar todos os laudos técnicos que comprovavam suas conclusões. Trouxe o Dr. Marcelo Ramos para explicar os detalhes antropológicos, especialistas em DNA para detalhar os exames genéticos e até mesmo um psicólogo forense para explicar os padrões de comportamento descritos no diário de Ana Paula.

Entendemos que essa revelação é traumática para a comunidade, Roberta disse diante das câmeras. Ninguém quer acreditar que horror assim possa acontecer numa família aparentemente normal. Mas ignorar a verdade não protege ninguém, pelo contrário, apenas perpetua o ciclo de violência que destruiu essas duas vidas inocentes.

A coletiva foi transmitida ao vivo pela rádio local e pelos canais de TV regionais. Em Sinope inteira, pessoas pararam para assistir. Lojas fecharam durante o horário da transmissão. Escolas suspenderam as aulas para que professores pudessem acompanhar as explicações técnicas. Quando terminou, um silêncio pesado pairou sobre a cidade.

Era o silêncio de uma comunidade sendo forçada a confrontar seus próprios demônios, suas próprias falhas, sua própria cegueira coletiva. Existem inúmeras histórias não contadas esperando para serem ouvidas. Junte-se a nós e vamos revelá-las juntos. Nos meses seguintes, Sinop viveu um período de reflexão forçada. sobre temas que preferira evitar durante décadas.

Casos de violência doméstica que antes eram assuntos de família começaram a ser denunciados com mais frequência. O Centro de Referência da Mulher registrou o aumento de 340% nas denúncias de abuso sexual infantil nos se meses após a revelação do caso Schneider. É como se a cidade tivesse acordado”, explicou a psicóloga Maria Fernanda Silva, que coordenava o atendimento às vítimas.

As pessoas finalmente entenderam que o monstro não é sempre um estranho que vem de fora. Às vezes ele mora na casa ao lado. Às vezes ele se senta à mesa do jantar. A Câmara Municipal aprovou por unanimidade a criação do Centro Ana Paula e Christiane Schneider de combate à violência doméstica, um complexo que incluía abrigo para mulheres vítimas de violência, programa de acompanhamento psicológico e núcleo jurídico especializado em crimes contra crianças e adolescentes.

O prédio foi construído num terreno doado pela prefeitura na Avenida das Palmeiras. a principal via da cidade. Na entrada, uma placa de bronze com os rostos sorridentes das irmãs Schneider e uma inscrição que dizia para que nunca mais o silêncio seja cúmplice da violência. Roberta Mendes foi promovida à delegada chefe da região e se tornou referência nacional em investigação de casos antigos envolvendo violência familiar.

passou a ministrar cursos para policiais de todo o país, sempre usando o caso Schneider como exemplo de como persistência e tecnologia moderna podem trazer justiça mesmo décadas após um crime. O que aprendi com esse caso, ela costumava dizer em suas palestras, é que a verdade tem peso próprio.

Ela afunda no fundo de represas, mas um dia sempre volta à superfície. Nossa obrigação como investigadores é estar preparados para reconhecê-la quando ela emerge. A represa onde os corpos foram encontrados passou por uma transformação simbólica. A prefeitura instalou uma pequena praia artificial no local da descoberta e criou um memorial com jardim e bancos para reflexão.

Famílias começaram a visitar o local nos fins de semana, não para se divertir, mas para refletir sobre a fragilidade da vida e a importância de proteger os mais vulneráveis. Uma vez por ano, no dia 15 de janeiro, aniversário do desaparecimento, uma cerimônia ecumênica é realizada na represa. Pessoas de todas as religiões se reúnem para rezar, não apenas pelas irmãs Schneider, mas por todas as vítimas de violência familiar que sofrem em silêncio.

Dona Conceição, a vizinha que sempre suspeitara de algo errado, morreu em 2019 aos 91 anos. em seu leito de morte, segurou a mão de uma sobrinha e sussurrou: “Agora posso morrer em paz. A verdade finalmente veio à tona. La casa onde a família Schneider morou foi demolida em 2018.

Os proprietários abalados pela revelação, não conseguiam mais viver no local. No terreno foi construída uma praça com playground e quadra de esportes frequentada por crianças do bairro. É como se a alegria infantil tivesse finalmente exorcizado os fantasmas que assombravam aquele endereço. Melânia Hoffman, a antiga melhor amiga de Ana Paula, criou uma fundação que oferece bolsas de estudo para meninas carentes cursarem pedagogia, realizando o sonho que Ana Paula nunca pôde concretizar.

Ela queria ensinar crianças, Melânia disse, na cerimônia de lançamento da fundação. De certa forma, ainda está ensinando, está nos ensinando a não fechar os olhos para o sofrimento dos outros. O Diário de Ana Paula foi doado para o Arquivo Público Estadual de Mato Grosso, onde serve como documento histórico sobre violência contra a mulher na região de fronteira agrícola.

Pesquisadores de universidades do país inteiro estudam suas páginas tentando entender como identificar sinais de abuso antes que seja tarde demais. Em 2020, 5 anos após a descoberta dos corpos, foi inaugurado na Universidade Federal de Mato Grosso o Núcleo de Estudos Ana Paula Schneider sobre violência familiar.

O centro desenvolve pesquisas sobre prevenção e tratamento de abuso sexual infantil e já formou centenas de profissionais especializados no atendimento à vítimas. Roberta Mendes, agora com 43 anos e reconhecida nacionalmente por seu trabalho, ainda guarda no escritório uma foto das irmãs Schneider, encontrada no arquivo histórico. Na imagem, Ana Paula e Cristiane sorriem para a câmera, abraçadas, com os olhos brilhantes de quem acredita que o futuro reserva apenas coisas boas.

Elas não tiveram a chance de crescer, de realizar seus sonhos, de formar suas próprias famílias”, Roberta disse numa entrevista recente. Mas sua morte não foi em vão se conseguiu abrir os olhos de uma sociedade inteira para um problema que preferia ignorar.

O caso das irmãs Schneider se tornou marco na história criminal de Mato Grosso, não apenas por ter sido solucionado após três décadas, mas por ter provocado uma revolução silenciosa na forma como a sociedade local lida com violência doméstica e abuso infantil. Hoje, Sinop é reconhecida como cidade modelo no combate à violência familiar. tem uma das menores taxas de feminicídio do Centro-Oeste brasileiro e uma rede de proteção à mulher que serve de exemplo para outros municípios.

Mas talvez a maior vitória não esteja nos números e estatísticas. Está no fato de que numa cidade que cresceu derrubando mata fechada e construindo sonhos sobre terra vermelha, duas meninas que morreram abraçadas no fundo de uma represa conseguiram três décadas depois ensinar uma lição que nenhuma escola poderia dar.

A lição de que o silêncio nunca protege os inocentes, apenas protege os culpados. e que a verdade, por mais dolorosa que seja, é sempre mais curativa que a mentira, porque mentiras apodrecem como corpos no fundo de represas. A verdade flutua à superfície, trazendo com ela a possibilidade de justiça, de cura e de mudança. Na represa do rio celeste, onde um dia repousaram os corpos de Ana Paula e Cristiane Schneider, as águas voltaram ao nível normal após o fim da seca histórica.

Peixes nadam novamente em suas profundezas, pássaros bebem em suas margens. A vida continua, como sempre continua. Mas agora as águas guardam uma memória diferente. Não mais o peso sombrio de segredos enterrados, mas a leveza transparente da verdade revelada. E nas tardes de domingo, quando famílias visitam o memorial construído na margem, as crianças brincam na água sem medo, protegidas pela certeza de que existem pessoas vigilantes, prontas para quebrar o silêncio antes que ele se torne cúmplice de nova tragédia. Essa é a verdadeira justiça que Ana

Paula e Cristiane Schneider conquistaram. Não a punição do culpado que a morte já levou, mas a proteção de outras meninas que nunca saberão seus nomes, mas que dormem mais seguras, porque duas irmãs de Sinope finalmente puderam contar sua história. E essa história, por mais sombria que seja, termina com luz.

A luz da verdade que venceu as trevas do silêncio. A luz da esperança que brilha mais forte depois de atravessar a escuridão mais densa. Algumas verdades precisam de três décadas para vir à tona, mas quando finalmente emergem, trazem consigo o poder de transformar não apenas o passado, mas principalmente o futuro. True.

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