No outono de 1872, os registos paroquiais da Igreja do Sagrario de Guadalajara começaram a apresentar inconsistências que chamaram a atenção décadas depois. Um registo de batismo datado de 20 de março de 1854 registrava o nascimento de Esperanza Dolores Vázquez Moreno, filha de Don Aurelio Vázquez Herrera, comerciante de tecidos, e Doña Remedios Moreno de Vázquez.
No entanto, a partir de 1872, o nome da jovem desaparece completamente de todos os registos civis e eclesiásticos da cidade. A família Vázquez residia numa grande casa de dois andares, localizada na rua de San Francisco, a três quarteirões do templo de San Agustín, no que era então considerado um dos bairros mais respeitáveis de Guadalajara.
A propriedade, construída em pedra vulcânica e adobe no estilo colonial tardio, possuía um amplo pátio central rodeado por corredores com arcos de cantaria rosa. Os vizinhos recordavam Don Aurelio como um homem severo mas justo, um católico devoto, que assistia à missa diariamente na catedral.

Doña Remedios, por sua vez, era conhecida pela sua participação nas atividades de caridade da Sociedade das Damas da Caridade. O casal teve quatro filhos. Aurelio Júnior, nascido em 1850, María del Carmen em 1852, Esperanza Dolores em 1854 e, finalmente, José Refugio, nascido em 1856. Os registos escolares do Colégio das Irmãs da Caridade confirmam que as duas irmãs mais velhas completaram a sua educação básica sem incidentes notáveis.
Aurelio Júnior seguiu os passos comerciais do pai, enquanto José Refugio demonstrou vocação religiosa desde tenra idade. Durante os anos de 1865 a 1870, várias testemunhas concordam que a família mantinha uma rotina estrita, mas aparentemente normal. Don Aurelio abria a sua loja de tecidos todas as manhãs às 7 em ponto, localizada nos portais do centro da cidade.
Doña Remedios supervisionava os trabalhos domésticos com a ajuda de duas criadas. Petra Sandoval, originária de Tlaquepaque, e Jacinta Ruiz, uma mulher mais velha que servia a família desde antes do nascimento dos filhos. Aos domingos, a família completa assistia à missa das 11 na catedral, ocupando sempre o mesmo banco no lado esquerdo da nave central.
As vizinhas mais observadoras, como Doña Soledad Guerrero, que residia na casa ao lado, notaram que durante esses anos Esperanza Dolores tinha crescido e se tornado uma jovem de aparência notável, alta para os padrões da época, com cabelo castanho-escuro e olhos verdes. A jovem destacava-se entre as irmãs por uma beleza que, segundo os testemunhos posteriores, era inquietante para os parâmetros de uma jovem decente da sociedade Tapatía.
Em 1870, quando Esperanza completou 16 anos, começaram os primeiros indícios do que mais tarde os registos municipais catalogariam vagamente como problemas de conduta. O Padre Crescencio Maldonado, que oficiava na paróquia do Sagrario, anotou nos seus registos pessoais que a jovem tinha sido levada à confissão em múltiplas ocasiões pela mãe, sempre acompanhada de súplicas especiais para que o pároco intercedesse junto de Deus pela salvação de uma alma desviada.
As anotações do comerciante italiano Giovanni Benedetti, que tinha um negócio de importações em frente à loja de Don Aurelio, mencionam nas suas cartas à família em Génova que, durante o verão de 1871, ele observou situações irregulares nos horários da família Vázquez. Ele escreveu que a jovem Esperanza tinha deixado de aparecer nas atividades sociais habituais, incluindo as procissões religiosas e as peças de teatro que se realizavam no Teatro de Gollado.
De acordo com o testemunho posterior de Petra Sandoval, registado em 1893 pelo notário público Ramón Ibarra García, durante os meses finais de 1871, a jovem Esperanza tinha começado a mostrar comportamentos que não eram apropriados para uma jovem de boa família. A criada, então com 35 anos, descreveu episódios em que encontrava a jovem a conversar sozinha no pátio durante as madrugadas, rindo sem motivo aparente e cantando canções que não eram apropriadas para ouvidos cristãos.
O inverno de 1871 trouxe consigo mudanças mais evidentes na dinâmica familiar. Doña Remedios, que até então tinha sido uma presença constante nos círculos sociais da cidade, começou a recusar convites para saraus e reuniões. As senhoras do seu círculo social, lideradas por Doña Refugio Castellanos, viúva de um próspero criador de gado, notaram que a Senhora Vázquez tinha desenvolvido uma palidez doentia e uma tendência a assustar-se com ruídos menores.
Os irmãos de Esperanza também mostraram mudanças significativas. Aurelio Júnior, que herdara o caráter meticuloso do pai, começou a passar longas horas na loja da família, evitando regressar a casa antes do anoitecer. María del Carmen, que tinha um noivado informal com o jovem advogado Luis Fernando Orozco, rompeu subitamente o noivado sem dar explicações à família do pretendente. José Refugio, o mais novo, intensificou a sua devoção religiosa a ponto de solicitar a entrada antecipada no seminário de San José.
Durante a Quaresma de 1872, os vizinhos mais próximos da casa dos Vázquez começaram a relatar sons incomuns vindos do segundo andar da propriedade. Doña Soledad Guerrero mencionou numa carta à irmã, residente na cidade de León, que durante as noites ouvia batidas rítmicas contra as paredes, seguidas de períodos de silêncio absoluto que duravam horas.
O comerciante Pedro Maldonado, cuja oficina de ferreiro ficava na parte de trás do terreno dos Vázquez, relatou ter ouvido em várias ocasiões o que descreveu como cânticos gregorianos executados por uma voz feminina, mas em horários impróprios para a oração.
A 22 de março de 1872, exatamente dois dias após o 18º aniversário de Esperanza Dolores, Don Aurelio Vázquez dirigiu-se ao gabinete do arquiteto municipal Ignacio Torres Quintero para solicitar modificações estruturais na sua propriedade. Os documentos preservados no arquivo histórico municipal especificam a construção de um quarto de resguardo no andar superior com ventilação limitada, de acordo com especificações particulares do proprietário.
O pedido incluía o reforço de um dos quartos existentes e a instalação de medidas de segurança adicionais. As obras começaram a 15 de abril de 1872, executadas pelo mestre pedreiro Crescencio Medina e os seus dois oficiais. De acordo com o testemunho posterior do oficial Evaristo Camarena, registado em 1895, as modificações incluíam o tapamento completo da janela que dava para o pátio central, o reforço da porta com barras de ferro forjado e a instalação de um sistema de ventilação que consistia em pequenas aberturas perto do teto, concebidas de tal forma que era impossível ver o exterior a partir do interior do quarto.
Durante as duas semanas que duraram as modificações, os trabalhadores relataram um ambiente tenso na casa dos Vázquez. O mestre Medina anotou no seu livro de obras que Doña Remedios permanecia a maior parte do tempo na capela da família, situada no rés-do-chão, dedicada a longas sessões de oração.
Os filhos mais velhos ausentavam-se de casa durante todo o dia, e Don Aurelio supervisionava pessoalmente cada detalhe da construção. O comportamento de Esperanza durante esses dias, segundo o testemunho dos operários, era particularmente desconcertante. A jovem aparecia inesperadamente nas áreas onde as obras estavam a ser realizadas, observando em silêncio o progresso dos trabalhos.
A sua presença gerava um desconforto notável entre os trabalhadores, que descreviam o seu olhar como demasiado direto para uma jovem e a sua maneira de se mover como imprópria para a sua condição social. O oficial Camarena recordava especialmente um incidente ocorrido a 26 de abril. Enquanto instalava as barras de ferro na porta, Esperanza aproximou-se e ficou a observar durante vários minutos.
Quando o oficial lhe perguntou se precisava de alguma coisa, a jovem respondeu com um sorriso que ele descreveu como demasiado largo e disse-lhe: “Eu só queria ver como se constrói uma jaula para pessoas.” Depois, retirou-se sem dizer mais nada, deixando o trabalhador com uma sensação de profunda inquietação.
As obras foram concluídas a 1 de maio de 1872. Os documentos de pagamento preservados no arquivo notarial de Ramón Ibarra García indicam que Don Aurelio pagou o total dos trabalhos em dinheiro, algo incomum para uma obra de tal magnitude. O mestre Medina anotou como observação final que o quarto modificado carecia completamente de qualquer elemento que permitisse a saída do interior. Um detalhe que ele achou estranho, mas que não considerou apropriado questionar.
Dois dias após a conclusão das obras, a 3 de maio de 1872, Esperanza Dolores Vázquez Moreno desapareceu da vista pública. O seu último registo documentado corresponde à sua participação na procissão da Santa Cruz realizada no dia anterior. Várias testemunhas concordaram que a jovem parecia pálida e caminhava com dificuldade, como se carregasse um peso invisível.
A partir dessa data, as respostas da família Vázquez às perguntas sobre o paradeiro de Esperanza seguiram um padrão consistente. Don Aurelio informava a quem perguntasse que a filha tinha sido enviada para um convento na Cidade do México para completar a sua educação religiosa e encontrar a paz espiritual de que necessitava. Doña Remedios, quando forçada a abordar o tema, mencionava que Esperanza tinha manifestado uma vocação religiosa repentina e tinha solicitado o recolhimento do mundo para se dedicar à contemplação.
Os irmãos de Esperanza mantiveram versões semelhantes. Aurelio Júnior, quando questionado por conhecidos da família, explicava que a irmã tinha passado por uma crise espiritual profunda que exigia tratamento especializado num ambiente de recolhimento religioso. María del Carmen, por sua vez, afirmava que Esperanza tinha encontrado a sua verdadeira vocação no serviço a Deus e tinha-se despedido da família com grande serenidade e júbilo espiritual.
No entanto, as inconsistências nesses testemunhos começaram a gerar suspeitas entre os vizinhos mais observadores. Doña Soledad Guerrero notou que nenhum membro da família tinha mencionado o nome específico do convento onde Esperanza supostamente se encontrava. Além disso, a Senhora Guerrero conhecia pessoalmente várias madres superioras de conventos na capital do país, e as suas investigações discretas não trouxeram informações sobre a entrada de nenhuma jovem com as características de Esperanza Dolores.
O comerciante Giovanni Benedetti registou nas suas cartas que o comportamento da família Vázquez durante os meses seguintes ao desaparecimento de Esperanza era artificialmente normal. Ele escreveu que Don Aurelio tinha recuperado subitamente a sua jovialidade habitual, que Doña Remedios tinha retomado as suas atividades sociais com aparente tranquilidade e que os irmãos da jovem pareciam ter esquecido completamente a sua existência.
Mas foram as criadas que forneceram os testemunhos mais inquietantes. Petra Sandoval, na sua declaração posterior, descreveu mudanças subtis, mas perturbadoras, na rotina doméstica. A criada notou que Doña Remedios tinha começado a preparar pessoalmente as refeições para levar ao segundo andar, tarefa que anteriormente delegava no serviço doméstico.
Essas refeições, segundo Sandoval, consistiam invariavelmente em porções mais abundantes do que o habitual, como se fossem destinadas a mais do que uma pessoa. Jacinta Ruiz, a criada mais velha, relatou ter ouvido em múltiplas ocasiões sons vindos do segundo andar durante as horas em que supostamente a família completa se encontrava no rés-do-chão.
Ela descrevia esses sons como passos lentos e arrastar de objetos pesados, seguidos de longos períodos de silêncio. Quando perguntava a Doña Remedios sobre esses ruídos, recebia respostas evasivas sobre ratos grandes ou problemas com as velhas vigas de madeira.
Durante o verão de 1872, os vizinhos começaram a relatar um fenómeno que achavam particularmente desconcertante. Nas noites de lua cheia, segundo múltiplos testemunhos, ouvia-se da casa dos Vázquez o que descreviam como canto gregoriano feminino, mas executado em horários impróprios para a oração tradicional. O canto, segundo Doña Soledad Guerrero, parecia vir do segundo andar e tinha uma qualidade demasiado pura e demasiado triste para ser completamente humana.
Pedro Maldonado, o ferreiro, forneceu o testemunho mais específico sobre esses cânticos noturnos. De acordo com as suas anotações, os episódios ocorriam regularmente a cada duas semanas, sempre durante as primeiras horas após a meia-noite. O canto durava aproximadamente uma hora e era caracterizado por uma perfeição técnica inquietante e uma melancolia que penetrava até aos ossos.
Maldonado mencionou que em várias ocasiões tentou identificar as orações cantadas, mas não conseguiu reconhecer nenhuma das peças do repertório litúrgico tradicional. O outono de 1872 trouxe consigo o primeiro incidente que forçou a família Vázquez a dar explicações públicas.
Durante a noite de 15 de outubro, os moradores das casas vizinhas foram acordados pelo que descreveram como gritos de mulher em extrema angústia. Os sons, segundo os testemunhos, duraram aproximadamente 15 minutos e foram seguidos de um silêncio tão absoluto que vários vizinhos temeram que tivesse ocorrido uma tragédia.
Don Patricio Hernández, que residia duas casas a leste dos Vázquez, foi o primeiro a aproximar-se para oferecer ajuda. Encontrou Don Aurelio no pátio da sua casa, vestido com um roupão e aparentemente calmo. Quando Hernández perguntou pela causa dos gritos, Don Aurelio explicou que Doña Remedios tinha tido um pesadelo particularmente vívido relacionado com a preocupação pela filha ausente.
A explicação, embora plausível, não convenceu completamente os vizinhos, especialmente porque os gritos pareciam vir do segundo andar, enquanto o quarto de dormir do casal se localizava no rés-do-chão.
Os dias seguintes ao incidente de 15 de outubro foram marcados por uma mudança notável no comportamento da família Vázquez. Doña Remedios, que tinha conseguido recuperar alguma normalidade nas suas atividades sociais, voltou a mostrar sinais de tensão extrema. As vizinhas que a encontravam na igreja ou no mercado notaram que ela tinha desenvolvido um tique nervoso que a fazia virar constantemente a cabeça, como se esperasse ouvir algo específico.
As suas mãos, anteriormente firmes e hábeis para os trabalhos de costura, começaram a tremer de forma percetível. Don Aurelio, por sua vez, modificou os seus horários comerciais de forma significativa. O comerciante, que anteriormente permanecia na sua loja até às 8 da noite, começou a fechar invariavelmente às 6, regressando a casa com uma pontualidade que os seus empregados achavam obsessiva.
Giovanni Benedetti anotou que Don Aurelio parecia incapaz de se concentrar nas transações comerciais durante as últimas horas do dia, mostrando sinais de agitação crescente à medida que a hora de fecho se aproximava. Os irmãos de Esperanza também exibiram mudanças de comportamento que não passaram despercebidas.
Aurelio Júnior, que tinha demonstrado promissoras aptidões comerciais, começou a cometer erros frequentes na contabilidade do negócio da família. Os seus antigos colegas de estudo notaram que ele tinha perdido peso consideravelmente e que os seus olhos tinham adquirido uma expressão perpetuamente assustada.
María del Carmen, depois de romper o seu noivado, recusou todos os pretendentes que se aproximaram subsequentemente, alegando que tinha decidido dedicar a sua vida aos cuidados dos pais. José Refugio, o irmão mais novo, intensificou a sua devoção religiosa até atingir níveis que os seus confessores consideravam preocupantes.
O Padre Crescencio Maldonado anotou nos seus registos que o jovem ia confessar-se diariamente, mas que as suas conversas eram caracterizadas por uma agitação espiritual que parecia mais relacionada com o medo do que com a verdadeira contrição. O pároco mencionou especialmente que José Refugio tinha começado a fazer perguntas teológicas sobre a natureza do castigo divino e os limites da obediência filial.
Durante o inverno de 1872 a 1873, os testemunhos das criadas forneceram informações cada vez mais inquietantes sobre a vida quotidiana na casa dos Vázquez. Petra Sandoval descreveu uma rotina doméstica que tinha adquirido características ritualizadas. Doña Remedios, segundo a criada, tinha estabelecido horários extremamente específicos para as refeições, a limpeza e as atividades religiosas familiares.
Qualquer desvio desses horários, por mínimo que fosse, provocava episódios de ansiedade extrema na senhora da casa. A criada também relatou mudanças na distribuição dos alimentos. Doña Remedios tinha começado a calcular as porções com uma precisão obsessiva, como se cada grama de comida fosse crucial para o equilíbrio da casa.
No entanto, Sandoval notou que consistentemente sobrava uma quantidade significativa de alimento que a senhora guardava cuidadosamente em recipientes específicos. Quando a criada perguntava sobre o destino dessas sobras, Doña Remedios respondia vagamente que nunca se sabe quando alguém pode precisar de alimento adicional.
Jacinta Ruiz, a criada mais velha, forneceu testemunhos ainda mais perturbadores. De acordo com a sua declaração posterior, durante o inverno de 1872, ela começou a notar que certas áreas do segundo andar da casa mostravam sinais de uso frequente, apesar de supostamente estarem desocupadas desde a partida de Esperanza. Os pisos de madeira no corredor que conduzia ao quarto modificado mostravam marcas de desgaste recente, e os corrimões do corredor superior tinham desenvolvido um polimento que só é produzido por contacto regular com as mãos humanas.
A criada também descreveu episódios em que encontrava objetos deslocados sem explicação aparente. Cadeiras que se lembrava de ter deixado em posições específicas apareciam movidas vários centímetros. Cortinas que ela tinha puxado cuidadosamente apareciam parcialmente abertas. Livros que ela tinha arrumado nas prateleiras eram encontrados em diferentes locais. Quando relatava estas anomalias a Doña Remedios, a senhora da casa atribuía-as a correntes de ar ou a problemas de memória da própria criada.
Mas foi durante a Semana Santa de 1873 que ocorreu o incidente que marcou um ponto de viragem na situação da família Vázquez. Na noite de Quinta-feira Santa, enquanto a família participava nas cerimónias religiosas da catedral, Doña Soledad Guerrero foi acordada por sons vindos da casa vizinha que ela descreveu como soluços desesperados intercalados com orações em latim.
Os sons, segundo o testemunho da Senhora Guerrero, duraram aproximadamente duas horas e pareciam vir especificamente do segundo andar da casa dos Vázquez. O mais inquietante do episódio, segundo a vizinha, era que os soluços não soavam como os de uma pessoa adulta, mas sim como os de alguém mais jovem, talvez uma rapariga em extrema angústia.
As orações em latim, por outro lado, eram recitadas com uma perfeição que sugeria uma educação religiosa profunda, mas com uma intensidade emocional que a Senhora Guerrero achava imprópria para a verdadeira devoção.
Quando a família Vázquez regressou das cerimónias religiosas, aproximadamente às 11 da noite, os sons cessaram abruptamente. A Senhora Guerrero, preocupada com o que tinha ouvido, aproximou-se no dia seguinte para indagar discretamente sobre o bem-estar da família. Doña Remedios recebeu-a com aparente normalidade, mas quando a vizinha mencionou os sons da noite anterior, a Senhora Vázquez mostrou uma reação de alarme que tentou dissimular rapidamente.
A explicação de Doña Remedios foi que tinha passado parte da noite em oração privada, rogando pelo bem-estar da filha ausente. Segundo a sua versão, a intensidade da sua devoção tinha feito com que ela levantasse a voz sem se aperceber, e ela pediu desculpa por qualquer incómodo causado aos vizinhos.
No entanto, a Senhora Guerrero notou várias inconsistências nessa explicação. Os sons que tinha ouvido incluíam claramente mais do que uma voz, e as características dos soluços não correspondiam às de uma mulher da idade de Doña Remedios.
Durante os meses seguintes, a situação na casa dos Vázquez adquiriu um caráter cada vez mais hermético. A família começou a recusar convites sociais com maior frequência, alegando compromissos religiosos ou assuntos comerciais urgentes. As criadas relataram que os horários das refeições se tinham tornado extremamente irregulares, com a família a jantar a horas invulgarmente tardias e, por vezes, a omitir refeições por completo.
Don Aurelio modificou novamente as suas rotinas comerciais. O comerciante, que anteriormente mantinha a loja aberta seis dias por semana, começou a fechar às segundas-feiras sem aviso prévio. Os seus empregados notaram que durante esses dias ele parecia particularmente agitado e que recusava qualquer compromisso que exigisse a sua presença fora de casa.
Giovanni Benedetti observou que Don Aurelio tinha desenvolvido o hábito de olhar constantemente para a sua casa a partir da loja, como se esperasse ver algum sinal específico.
O verão de 1873 trouxe consigo uma série de incidentes que aumentaram as suspeitas dos vizinhos sobre a verdadeira situação da família Vázquez. Durante o mês de julho, vários moradores das casas vizinhas relataram ter visto luzes nas janelas do segundo andar da casa durante as primeiras horas da madrugada.
Essas luzes, segundo os testemunhos, moviam-se de forma irregular, como se alguém estivesse a caminhar pelos quartos a transportar uma vela ou lâmpada a óleo. Doña Soledad Guerrero forneceu o relato mais detalhado desses avistamentos. Segundo o seu testemunho, durante a noite de 24 de julho, ela acordou devido ao calor excessivo e decidiu abrir as janelas do seu quarto para permitir a circulação do ar.
Dessa posição, ela tinha uma vista direta do segundo andar da casa dos Vázquez. Aproximadamente às 2 da madrugada, ela observou uma luz fraca que se movia lentamente pelo corredor superior. A luz, segundo a descrição da Senhora Guerrero, parou durante vários minutos em frente à porta do quarto que tinha sido modificado meses antes.
Durante esse tempo, a vizinha pensou distinguir a silhueta de uma figura feminina, mas a distância e a pouca iluminação tornaram impossível uma identificação precisa. A luz permaneceu imóvel durante aproximadamente 10 minutos, depois moveu-se para outras áreas do segundo andar e finalmente extinguiu-se.
Pedro Maldonado, cuja oficina de ferreiro proporcionava uma perspetiva diferente da casa dos Vázquez, relatou observações semelhantes durante o mesmo período. O ferreiro, que frequentemente trabalhava durante as primeiras horas da madrugada para evitar o calor do dia, notou que as luzes noturnas na casa dos Vázquez seguiam padrões específicos.
Apareciam invariavelmente entre as 2 e as 4 da madrugada. Moviam-se por rotas previsíveis no segundo andar e extinguiam-se subitamente, sem a gradualidade típica de alguém que apaga uma lâmpada antes de dormir. O ferreiro também relatou ter ouvido durante essas mesmas noites sons que descreveu como conversas sussurradas.
As vozes, segundo Maldonado, eram demasiado ténues para distinguir palavras específicas, mas pareciam envolver mais do que uma pessoa. O tom dessas conversas variava desde o que pareciam ser discussões acaloradas até trocas que soavam como súplicas desesperadas.
Durante o mês de agosto de 1873, as criadas da casa Vázquez forneceram testemunhos que adicionaram novas dimensões inquietantes à situação. Petra Sandoval relatou ter encontrado em várias ocasiões pratos sujos no segundo andar da casa, apesar de supostamente nenhum membro da família utilizar esses quartos.
Os pratos, segundo a criada, mostravam restos de refeições recentes e estavam acompanhados de copos que continham resíduos de água ou de algum líquido claro. Quando Sandoval perguntou a Doña Remedios sobre esses pratos, recebeu explicações inconsistentes. Em algumas ocasiões, a senhora da casa afirmava que tinha subido para comer no segundo andar para se sentir mais perto da filha ausente. Noutras, explicava que os pratos tinham sido deixados lá por engano e que se tinha esquecido de os recolher.
No entanto, a criada notou que as quantidades de comida consumida eram maiores do que as que correspondiam a uma única pessoa.
Jacinta Ruiz, por sua vez, relatou ter encontrado evidências ainda mais perturbadoras. Durante a sua limpeza semanal do segundo andar, a criada descobriu no chão do corredor vários cabelos longos de cor castanho-escuro. Os cabelos, segundo a sua descrição, eram semelhantes aos de Esperanza Dolores, mas a criada achou-os estranhos porque pareciam ter sido cortados recentemente, não caídos naturalmente.
A criada também descreveu ter encontrado numa das divisões do segundo andar pequenos pedaços de tecido que pareciam ter sido arrancados de alguma peça de vestuário. O tecido, segundo Ruiz, era de cor azul-claro, semelhante ao de um dos vestidos favoritos de Esperanza. Quando mostrou essas descobertas a Doña Remedios, a senhora da casa reagiu com uma agitação que a criada achou desproporcionada, arrebatando-lhe os pedaços de tecido e ordenando-lhe que não mencionasse a descoberta a mais ninguém.
O outono de 1873 marcou o início de uma série de acontecimentos que forçariam a família Vázquez a enfrentar o escrutínio público de forma mais direta. O primeiro desses acontecimentos ocorreu durante a noite de 15 de setembro, quando as celebrações do aniversário da independência foram interrompidas por um incidente na casa dos Vázquez que alertou toda a vizinhança.
Aproximadamente às 10 da noite, enquanto a maioria das famílias do bairro se preparava para dormir após as celebrações patrióticas, os moradores das casas vizinhas ouviram o que descreveram como gritos desesperados de socorro vindos do segundo andar da casa dos Vázquez. Os gritos, segundo múltiplos testemunhos, duraram aproximadamente 20 minutos e foram seguidos de sons que os vizinhos interpretaram como batidas violentas contra as paredes.
Don Patricio Hernández, acompanhado desta vez pelo comerciante José María Sánchez e pelo artesão Miguel Torres, aproximaram-se da casa dos Vázquez para oferecer assistência. Encontraram Don Aurelio no pátio, aparentemente calmo, mas com sinais evidentes de agitação. As suas roupas estavam desarrumadas, tinha o cabelo despenteado e as suas mãos mostravam o que pareciam ser pequenos ferimentos recentes.
Quando os vizinhos perguntaram pela causa dos gritos e dos ruídos, Don Aurelio deu uma explicação que consideraram insatisfatória. Segundo a sua versão, Doña Remedios tinha sofrido um ataque de nervos provocado por preocupações relacionadas com a filha ausente. As batidas contra as paredes, explicou, deviam-se ao facto de ela ter tropeçado em alguns móveis no seu estado de agitação.
No entanto, os vizinhos notaram que os sons tinham vindo claramente do segundo andar, não do rés-do-chão onde se localizava o quarto de dormir do casal. Don Patricio Hernández, que tinha servido como oficial no exército durante as Guerras da Reforma, tinha experiência em distinguir diferentes tipos de gritos humanos.
No seu testemunho posterior, declarou que os sons ouvidos nessa noite não correspondiam aos de uma mulher mais velha em estado de agitação nervosa, mas sim aos de alguém mais jovem, possivelmente em situação de extremo perigo. As batidas contra as paredes, segundo Hernández, tinham um padrão rítmico que sugeria intencionalidade, como se alguém estivesse a tentar comunicar por código.
José María Sánchez, por sua vez, notou que Don Aurelio mostrava sinais de fadiga física que pareciam desproporcionais para alguém que simplesmente tinha assistido a sua esposa durante um episódio de nervos. O comerciante observou que Don Aurelio respirava com dificuldade. Tinha manchas de suor nas roupas, apesar do frescor da noite, e parecia ansioso para que os visitantes se retirassem o mais rapidamente possível.

Os dias seguintes ao incidente de 15 de setembro foram marcados por uma intensificação do hermetismo da família Vázquez. Os membros da família começaram a evitar o contacto visual direto com os vizinhos quando se encontravam na rua. Doña Remedios, que anteriormente cumprimentava cordialmente as senhoras da vizinhança, começou a caminhar com a cabeça baixa e a apressar o passo quando se cruzava com conhecidos.
As criadas relataram mudanças adicionais na rotina doméstica que achavam cada vez mais inquietantes. Petra Sandoval descreveu que Doña Remedios tinha começado a realizar pessoalmente tarefas que anteriormente delegava no serviço, especialmente aquelas relacionadas com o segundo andar da casa. A senhora da casa insistia em limpar pessoalmente certos quartos do andar superior e mostrava-se extremamente nervosa quando as criadas se aproximavam dessas áreas.
Jacinta Ruiz forneceu testemunhos ainda mais perturbadores. A criada mais velha relatou ter encontrado no segundo andar evidências de atividade noturna regular. Os pisos de madeira mostravam marcas de uso recente. As camas pareciam ligeiramente desarrumadas, apesar de supostamente ninguém as utilizar, e em várias ocasiões encontrou pequenos objetos pessoais que não correspondiam a nenhum dos membros visíveis da família.
Durante o inverno de 1873 a 1874, os testemunhos dos vizinhos começaram a coincidir na descrição de um fenómeno que achavam particularmente desconcertante. Nas noites de tempestade, quando os ventos e a chuva proporcionavam uma cobertura natural de som, ouviam-se da casa dos Vázquez o que descreviam como conversas prolongadas que envolviam claramente mais do que uma pessoa.
Doña Soledad Guerrero forneceu a descrição mais detalhada desses episódios. Segundo o seu testemunho, durante a tempestade de 3 de janeiro de 1874, ela ouviu do seu quarto vozes que pareciam vir do segundo andar da casa vizinha. As conversas duraram aproximadamente três horas e eram caracterizadas por uma alternância entre tons suplicantes e tons autoritários.
A vizinha conseguiu distinguir pelo menos duas vozes diferentes, uma que reconheceu como a de Doña Remedios e outra que descreveu como mais jovem e com um timbre que lhe era vagamente familiar. O conteúdo das conversas era inaudível devido à distância e ao ruído da tempestade, mas o tom emocional sugeria uma situação de conflito prolongado entre vontades opostas.
Pedro Maldonado, da sua posição na oficina de ferreiro, confirmou a maioria dos detalhes relatados pela Senhora Guerrero. O ferreiro, cuja experiência no trabalho noturno tinha desenvolvido a sua sensibilidade auditiva, descreveu as vozes como uma mais velha, firme mas tensa, e outra mais jovem, que alternava entre súplicas e o que pareciam ser expressões de desafio.
As trocas, segundo Maldonado, seguiam padrões repetitivos, como se se tratasse de discussões sobre temas recorrentes.
A primavera de 1874 trouxe consigo o primeiro contacto direto que um membro alheio à família teve com evidências físicas da situação real na casa dos Vázquez. O incidente ocorreu a 12 de abril, quando o Padre Crescencio Maldonado se dirigiu à casa para realizar a bênção pascal anual, uma tradição que a família tinha mantido nos anos anteriores.
O pároco foi recebido por Doña Remedios, que mostrava sinais evidentes de tensão nervosa. A senhora da casa guiou o sacerdote apenas pelas áreas do rés-do-chão, realizando as bênçãos rituais com uma pressa que o Padre Maldonado achou invulgar.
Quando o pároco perguntou se ela desejava que ele também abençoasse os quartos do segundo andar, Doña Remedios respondeu que não era necessário porque essas áreas não estavam a ser utilizadas atualmente. No entanto, enquanto realizava a bênção no pátio central, o Padre Maldonado ouviu o que descreveu posteriormente como batidas rítmicas vindas do segundo andar.
Os sons, segundo o pároco, seguiam um padrão específico. Três batidas curtas, uma pausa. Três batidas longas, outra pausa. E novamente três batidas curtas. O Padre Maldonado, que tinha conhecimentos básicos do código telegráfico, reconheceu o padrão como uma forma rudimentar de comunicação.
Quando o sacerdote perguntou a Doña Remedios sobre os ruídos, a senhora da casa explicou que se tratava de problemas com os canos de água que precisavam de reparação. No entanto, o Padre Maldonado notou que a casa não tinha canalização interna e que a água era obtida de um poço localizado no pátio. A inconsistência da explicação, combinada com a evidente agitação de Doña Remedios, gerou suspeitas no pároco sobre a verdadeira natureza da situação.
Durante os meses seguintes, o Padre Maldonado começou a fazer visitas mais frequentes à casa dos Vázquez, alegando preocupação pastoral pelo bem-estar espiritual da família. Nessas visitas, o pároco desenvolveu a prática de prolongar a sua estadia através de conversas sobre temas religiosos, enquanto prestava atenção cuidadosa a qualquer som ou sinal que pudesse vir do segundo andar.
O sacerdote registou nas suas notas pessoais que, durante essas visitas, ouviu em várias ocasiões sons que descreveu como passos lentos e movimento de objetos pesados no andar superior. Ele também notou que Doña Remedios mostrava sinais de tensão extrema quando esses sons ocorriam na presença de visitantes, interrompendo as conversas de forma abrupta e sugerindo que era hora de os seus convidados se retirarem.
O verão de 1874 marcou um ponto de viragem na situação quando um acontecimento fortuito forneceu a primeira evidência visual direta de que a versão oficial da família Vázquez sobre o paradeiro de Esperanza não correspondia à realidade. O incidente ocorreu durante a tarde de 25 de julho, quando um forte vento derrubou uma das árvores do pátio dos Vázquez.
A árvore, um freixo de tamanho considerável, caiu de tal forma que os seus ramos superiores atingiram o segundo andar da casa, partindo parcialmente uma das portadas de madeira que protegiam as janelas desse andar. O dano exigia reparação imediata para evitar que as chuvas da estação causassem deterioração adicional no interior da casa.
Don Aurelio viu-se forçado a contratar os serviços do carpinteiro Evaristo Camarena, o mesmo oficial que tinha participado nas modificações estruturais realizadas dois anos antes. Para aceder à portada danificada, Camarena precisava de usar uma escada que lhe permitisse alcançar o segundo andar a partir do exterior da casa.
Enquanto realizava as reparações, aproximadamente às 4 da tarde, Camarena relatou ter visto através de uma das janelas do segundo andar uma figura feminina que se movia lentamente pelo corredor interior. A figura, segundo a descrição do carpinteiro, correspondia a uma mulher jovem de cabelo castanho-escuro, vestida com o que parecia ser um roupão ou vestido de cor clara.
A visão durou apenas alguns segundos, pois a figura desapareceu rapidamente ao notar a presença do carpinteiro. No entanto, Camarena teve tempo suficiente para observar que a mulher parecia extremamente magra e que os seus movimentos sugeriam fraqueza física ou doença. O carpinteiro também notou que a figura parecia estar a tentar aproximar-se da janela, mas parou subitamente e afastou-se para o interior da casa.
Quando Camarena terminou o seu trabalho e desceu da escada, encontrou Don Aurelio à sua espera no pátio com uma expressão de extrema tensão. Don Aurelio perguntou especificamente se o carpinteiro tinha notado algo incomum durante o seu trabalho. Camarena, intuitivamente cauteloso devido à natureza estranha da situação, respondeu que tinha concentrado a sua atenção unicamente na reparação da portada.
No entanto, nessa mesma noite, Camarena dirigiu-se discretamente à casa de Doña Soledad Guerrero para relatar o que tinha visto. A vizinha, que mantinha suspeitas sobre a situação da família Vázquez há meses, recebeu o testemunho do carpinteiro como confirmação dos seus piores receios. Juntos, decidiram que era necessário encontrar uma maneira de verificar o bem-estar da pessoa que Camarena tinha visto no segundo andar.
Durante as semanas seguintes, vários vizinhos começaram a organizar uma vigilância informal da casa dos Vázquez. Doña Soledad Guerrero, Pedro Maldonado, Don Patricio Hernández e o comerciante José María Sánchez estabeleceram turnos discretos para observar qualquer atividade incomum na propriedade.
Essa vigilância comunitária forneceu evidências adicionais de que a situação na casa era significativamente mais complexa do que a família admitia publicamente. As observações sistemáticas revelaram padrões específicos de atividade no segundo andar. As luzes apareciam regularmente durante as primeiras horas da madrugada, movendo-se por rotas previsíveis que sugeriam a presença de alguém familiarizado com a distribuição dos quartos.
Os sons de passos e movimento de objetos ocorriam com maior frequência durante as horas em que a família supostamente dormia. Mais significativo ainda, os observadores relataram ter visto em múltiplas ocasiões sombras que se projetavam nas cortinas das janelas do segundo andar, indicando claramente a presença de uma pessoa nesses quartos.
As sombras, segundo as descrições, correspondiam a uma figura feminina de estatura média que se movia lentamente e que, por vezes, parecia permanecer imóvel durante longos períodos em frente às janelas.
O outono de 1874 trouxe consigo uma escalada na gravidade dos incidentes relatados pelos vizinhos. Durante a noite de 31 de outubro, data que a tradição católica associa à véspera de Todos os Santos, os moradores das casas vizinhas foram acordados por sons que descreveram como os mais perturbadores ouvidos até então.
Os sons começaram aproximadamente à meia-noite e duraram até as primeiras horas do amanhecer. Incluíam o que as testemunhas descreveram como choros prolongados e lancinantes, intercalados com períodos de silêncio absoluto. Os choros, segundo múltiplos testemunhos, não correspondiam ao padrão de luto normal, mas tinham uma qualidade desesperada e repetitiva que sugeria extrema angústia psicológica.
Doña Soledad Guerrero, que se manteve em vigília durante toda a noite do incidente, forneceu o testemunho mais detalhado. Segundo o seu relato, os choros pareciam vir especificamente do quarto que tinha sido modificado em 1872. Os sons eram caracterizados por uma alternância entre soluços sufocados e o que pareciam ser gritos de súplica dirigidos a alguém específico.
A vizinha também relatou ter ouvido durante a mesma noite o que descreveu como conversas em voz baixa que pareciam envolver pelo menos duas pessoas. Uma das vozes tinha um tom consolador, mas firme, enquanto a outra respondia com o que soavam como protestos fracos e fragmentados. As trocas seguiam padrões repetitivos, como se se tratasse de argumentos recorrentes sobre um tema específico.
Pedro Maldonado, da sua posição na oficina de ferreiro, confirmou a maioria dos detalhes relatados pela Senhora Guerrero. O ferreiro acrescentou que, durante os períodos de silêncio entre os episódios de choro, ele tinha ouvido sons que descreveu como arrastar de correntes ou elementos metálicos pesados. Esses sons metálicos, segundo Maldonado, repetiam-se a intervalos regulares e pareciam vir da área onde as modificações de segurança tinham sido instaladas no quarto do segundo andar.
No dia seguinte, os vizinhos notaram mudanças evidentes no comportamento da família Vázquez, que confirmavam que o incidente da noite anterior não lhes tinha passado despercebido. Don Aurelio não abriu a sua loja comercial até às 11 da manhã, um horário invulgarmente tardio para alguém conhecido pela sua pontualidade.
Quando finalmente apareceu em público, mostrava sinais evidentes de fadiga extrema e parecia incapaz de se concentrar nas transações comerciais habituais. Doña Remedios não foi vista em público durante vários dias após o incidente. Quando finalmente retomou as suas atividades normais, as vizinhas notaram que ela tinha perdido peso consideravelmente e que tinha desenvolvido um tremor nervoso nas mãos que a impedia de realizar tarefas delicadas como a costura.
Os seus olhos tinham adquirido uma expressão que as senhoras da vizinhança descreviam como perpetuamente assustada.
Os irmãos de Esperanza também mostraram sinais de que a situação familiar tinha atingido um ponto crítico. Aurelio Júnior cometeu erros tão graves na contabilidade do negócio da família que Don Aurelio se viu forçado a rever pessoalmente todas as transações das semanas anteriores.
María del Carmen, que anteriormente tinha conseguido manter alguma aparência de normalidade social, começou a recusar todos os convites e a evitar o contacto com as suas amigas de infância. José Refugio, o irmão mais novo, intensificou a sua devoção religiosa a ponto de o Padre Maldonado começar a preocupar-se com a sua estabilidade mental. O jovem ia à igreja várias vezes por dia, permanecendo horas em oração silenciosa em frente ao altar.
As suas confissões, segundo o pároco, tinham-se tornado obsessivamente repetitivas e centravam-se em perguntas sobre os limites do perdão divino e a natureza do sofrimento como purificação.
Durante o inverno de 1874 a 1875, a situação na vizinhança ficou consideravelmente tensa devido à frequência crescente de incidentes noturnos na casa dos Vázquez. Os vizinhos, organizados informalmente sob a liderança de Doña Soledad Guerrero e Don Patricio Hernández, começaram a considerar a necessidade de intervir de alguma forma para verificar o bem-estar de quem estivesse no segundo andar da casa.
As discussões entre os vizinhos eram complicadas pela ausência de precedentes legais ou sociais claros para uma situação desse tipo. Na sociedade Tapatía da década de 1870, a autoridade patriarcal dentro do lar era considerada praticamente absoluta, e a intervenção em assuntos familiares privados era vista como uma grave transgressão social. No entanto, a evidência acumulada durante mais de dois anos sugeria claramente que algum tipo de injustiça estava a ser cometido.
O Padre Crescencio Maldonado encontrava-se numa posição particularmente difícil. Como confessor da família e autoridade moral da comunidade, ele tinha tanto a obrigação de proteger o bem-estar dos seus paroquianos quanto a responsabilidade de respeitar a confidencialidade das confissões. As suas tentativas de abordar o tema indiretamente com os membros da família Vázquez tinham sido infrutíferas, pois todos mantinham versões consistentes sobre o suposto retiro religioso de Esperanza.
A crise final precipitou-se durante a Semana Santa de 1875, quando um incidente forneceu evidência irrefutável de que alguém estava detido contra a sua vontade na casa dos Vázquez. O acontecimento ocorreu durante a noite de Sexta-feira Santa, enquanto a família participava nas cerimónias religiosas da catedral, deixando supostamente a casa completamente vazia.
Aproximadamente às 10 da noite, enquanto as cerimónias religiosas continuavam no centro da cidade, os vizinhos que permaneceram no bairro ouviram da casa dos Vázquez sons que descreveram como batidas desesperadas contra as paredes e gritos de socorro claramente articulados.
Os sons duraram aproximadamente 30 minutos e foram intensos o suficiente para serem ouvidos claramente das casas vizinhas. Doña Soledad Guerrero, acompanhada pelo seu filho mais velho e mais dois vizinhos, dirigiu-se imediatamente à casa dos Vázquez para investigar a situação.
Eles encontraram a casa aparentemente vazia, com todas as portas e janelas do rés-do-chão fechadas pelo exterior. No entanto, os sons de batidas e gritos continuavam a vir claramente do segundo andar. Os gritos, segundo as testemunhas presenciais, incluíam palavras claramente audíveis em espanhol que não deixavam dúvidas sobre a natureza da situação.
Os observadores relataram ter ouvido frases como socorro, ajuda e por favor, deixem-me sair. A voz era inequivocamente feminina e correspondia a alguém jovem, possivelmente entre os 18 e 25 anos de idade.
Confrontados com evidências irrefutáveis de que alguém estava em perigo, os vizinhos tomaram a decisão de forçar a entrada na casa. Don Patricio Hernández, usando a sua experiência militar, dirigiu o procedimento de entrada por uma das janelas do rés-do-chão.
Uma vez lá dentro, o grupo dirigiu-se imediatamente ao segundo andar, seguindo a direção dos gritos de socorro. O que descobriram no segundo andar da casa dos Vázquez superou as piores expectativas dos vizinhos. O quarto que tinha sido modificado em 1872 continha evidências claras de ocupação prolongada por uma pessoa mantida contra a sua vontade.
O quarto, completamente isolado do exterior pelas modificações arquitetónicas, continha uma cama simples, uma pequena mesa, alguns livros religiosos e um recipiente que servia como latrina improvisada. Mais perturbador ainda, o quarto mostrava sinais de tentativas repetidas de fuga.
As paredes apresentavam marcas de batidas e arranhões que se estendiam do chão até onde uma pessoa de estatura média podia alcançar. A porta, reforçada com barras de ferro, mostrava evidência de ter sido repetidamente batida pelo interior. O chão de madeira apresentava desgaste em padrões específicos que sugeriam caminhar obsessivo em espaços limitados.
No entanto, quando os vizinhos entraram no quarto, encontraram-no vazio. Os gritos de socorro tinham cessado subitamente ao ouvirem-se os sons da entrada forçada na casa. Uma busca rápida no segundo andar revelou que quem quer que estivesse no quarto modificado tinha sido transferido para outro local em algum momento entre o início dos gritos e a chegada dos salvadores.
A busca estendeu-se ao resto da casa, incluindo áreas de armazenamento, o porão e os espaços debaixo das escadas. Os vizinhos encontraram evidências adicionais de ocupação clandestina. Roupas femininas escondidas em baús, livros com anotações nas margens que sugeriam leituras recentes e restos de refeições que indicavam consumo por parte de alguém que não fazia parte da rotina alimentar normal da casa.
Quando a família Vázquez regressou das cerimónias religiosas, aproximadamente às 11:30 da noite, encontraram a sua casa ocupada por vizinhos que exigiam explicações imediatas sobre a situação que tinham descoberto. Don Aurelio, confrontado com evidências físicas irrefutáveis, inicialmente tentou manter a versão oficial sobre o retiro religioso da filha.
No entanto, a pressão dos vizinhos e a obviedade da evidência tornaram essa posição insustentável. Foi Doña Remedios quem finalmente deu uma confissão parcial da situação real. Segundo o seu testemunho, Esperanza tinha desenvolvido em 1871 o que a mãe descrevia como comportamentos incompatíveis com a moral cristã e as expectativas sociais de uma jovem decente.
Esses comportamentos incluíam o que Doña Remedios catalogava vagamente como atração por pessoas inadequadas e ideias contrárias aos ensinamentos da Igreja. A família, segundo a versão de Doña Remedios, tinha decidido que a única maneira de proteger tanto Esperanza quanto a reputação familiar era manter a jovem em reclusão protetora até que ela recuperasse a razão e a decência.
A mãe insistia que as intenções familiares tinham sido benevolentes, destinadas a proporcionar a Esperanza a oportunidade de refletir sobre os seus erros e encontrar o caminho de volta à retidão.
No entanto, o testemunho de Doña Remedios continha inconsistências significativas que os vizinhos acharam difíceis de aceitar. A mãe não conseguiu explicar satisfatoriamente por que tinha sido necessário modificar estruturalmente um quarto para proporcionar reclusão protetora, nem por que essa reclusão tinha exigido medidas de segurança tão extremas como barras de ferro e eliminação de janelas.
Don Aurelio, pressionado pelas perguntas diretas dos vizinhos, acrescentou detalhes que complicaram ainda mais a versão familiar. Segundo o pai, Esperanza tinha mostrado resistência violenta aos esforços familiares de correção moral, o que tinha tornado necessárias as medidas de contenção física. A jovem, segundo Aurelio, tinha ameaçado difamar a família e tinha tentado em várias ocasiões fugir para continuar com os seus comportamentos escandalosos.
Mas a pergunta mais urgente para os vizinhos era o paradeiro atual de Esperanza. Os gritos de socorro que tinham ouvido claramente indicavam que a jovem tinha estado na casa durante a noite de Sexta-feira Santa, mas a sua localização no momento do confronto com a família permanecia inexplicada.
Quando os pais foram pressionados sobre este ponto, as suas respostas tornaram-se evasivas e contraditórias. Don Aurelio afirmou inicialmente que Esperanza tinha sido transferida para um lugar mais seguro algumas horas antes do regresso da família das cerimónias religiosas. Quando questionado sobre a natureza desse lugar, ele explicou que tinha combinado com uma família de confiança nos arredores de Guadalajara para dar cuidados especializados à sua filha.
No entanto, ele recusou-se a identificar essa família ou a fornecer a localização específica onde Esperanza supostamente se encontrava. Os vizinhos, insatisfeitos com essas explicações e profundamente preocupados com o bem-estar da jovem, decidiram que era necessário envolver as autoridades civis na situação.
Don Patricio Hernández, que tinha contactos na administração municipal devido ao seu serviço militar anterior, comprometeu-se a apresentar uma denúncia formal ao chefe político do distrito.
No entanto, antes que a denúncia oficial pudesse ser formalizada, ocorreu um acontecimento que mudou completamente a natureza da situação. Durante a madrugada do Domingo de Páscoa, os vizinhos foram acordados por sons de atividade intensa na casa dos Vázquez. Carroças, cavalos e vozes humanas foram ouvidos durante aproximadamente duas horas, sugerindo algum tipo de transferência ou mudança de emergência.
Ao amanhecer do Domingo de Páscoa, a casa dos Vázquez estava completamente vazia. A família tinha desaparecido durante a noite, levando apenas pertences essenciais e deixando para trás a maior parte das suas posses materiais. Uma nota colada na porta principal, escrita com a letra de Don Aurelio, informava que a família se tinha mudado para a Cidade do México para tratar de assuntos comerciais urgentes e que regressariam quando as circunstâncias o permitissem.
A investigação posterior da casa vazia revelou evidências adicionais que aprofundaram o mistério em vez de o resolverem. O quarto modificado do segundo andar tinha sido meticulosamente limpo, mas os vizinhos encontraram vários objetos que tinham sido negligenciados na limpeza apressada.
Entre esses objetos encontravam-se várias madeixas de cabelo castanho-escuro, pedaços de tecido que correspondiam a vestidos femininos e, o mais perturbador, várias páginas do que parecia ser um diário pessoal escrito com letra feminina.
As páginas do diário, datadas entre 1872 e 1875, continham entradas que proporcionavam uma perspetiva devastadora sobre a situação que tinha existido na casa nos anos anteriores. As entradas descreviam condições de isolamento extremo, episódios de desespero e súplicas repetidas para ser libertada do que a autora descrevia como prisão familiar.
Uma entrada particularmente perturbadora, datada de dezembro de 1874, descrevia o estado mental da autora da seguinte forma: “Passaram tantos meses neste quarto que às vezes me esqueço de como se sente o sol na pele ou o vento no cabelo. Mãe vem todos os dias explicar-me que isto é para o meu próprio bem, que devo aprender a controlar os impulsos que ela considera pecaminosos, mas não compreendo que pecado cometi além de rejeitar o casamento que Pai tinha arranjado com o Senhor Mercado.”
Outra entrada datada de fevereiro de 1875 fornecia detalhes específicos sobre as condições de confinamento: “A comida chega duas vezes por dia, sempre a mesma, sopa de legumes e pão duro. Quando peço livros diferentes, Mãe diz que só preciso do meu missal e da vida dos santos. Li as mesmas páginas tantas vezes que as sei de cor. As batidas na parede são o meu único método de comunicação com o mundo exterior, embora eu não saiba se alguém as ouve.”