Curitiba, 1903 — O Enigma da Casa que Gritava à Noite: Os Segredos Sombríos dos Oliveira

O ano era 1903. Curitiba, envolta na neblina úmida e fria do planalto, vivia uma época de transformações febris. A cidade havia passado por um rápido desenvolvimento após a emancipação política do Paraná em 1853, e a chegada da estrada de ferro em 1885 trouxe novas influências, novos habitantes e, com eles, novas formas de escuridão. Entre os recém-chegados, instalando-se com a pompa e o silêncio que só a riqueza mal-adquirida permite, estavam Augusto Oliveira, um próspero comerciante de madeiras de 47 anos, sua esposa Eleonora, de 39, uma mulher de beleza frágil e olhos assombrados, e o irmão mais jovem de Augusto, Teodoro, de 42 anos, uma sombra taciturna que o seguia como um cão de guarda.

A mansão dos Oliveira, um casarão imponente construído no estilo eclético que caracterizava a arquitetura da elite curitibana da época, destacava-se na paisagem urbana como uma ferida aberta no tecido da cidade. Localizava-se próxima ao que hoje se conhece como o Largo da Ordem, em uma elevação que permitia uma vista privilegiada e julgadora da cidade que se curvava a seus pés. Era uma construção de dois andares, com um sótão escuro, que parecia absorver a luz, e um porão amplo, cujos segredos fariam o mármore chorar. Possuía janelas altas e severas e uma varanda que circundava toda a estrutura, criando um anel de vigilância que parecia observar quem entrava e quem tentava fugir.

Segundo os registros municipais da época, a casa foi erguida em 1898 sobre os restos carbonizados de uma antiga propriedade que havia sido consumida por um incêndio anos antes, um detalhe sinistro que Augusto Oliveira convenientemente omitia em suas conversas sociais. O que poucos sabiam era que a história da família Oliveira estava marcada por episódios obscuros, muito antes de sua chegada a Curitiba. Documentos encontrados na década de 1960 sugerem que Augusto havia deixado Porto Alegre às pressas, fugindo de acusações de práticas comerciais duvidosas, de falências fraudulentas que tinham um cheiro de sangue. Em seu diário pessoal, encontrado décadas depois no forro da casa, escondido como uma confissão, ele menciona a necessidade urgente de recomeçar onde ninguém conhece nosso passado, onde as cinzas de um lugar queimado pudessem cobrir as cinzas de sua própria alma.

A integração dos Oliveira à sociedade curitibana foi rápida e eficiente, orquestrada com a precisão de uma operação militar. Augusto logo se associou à Associação Comercial do Paraná e tornou-se figura constante nos eventos sociais da cidade, um sorriso ensaiado cobrindo a frieza de seus olhos. Eleonora, por sua vez, era conhecida por sua descrição espectral. Raramente era vista em público e, quando aparecia, mantinha-se sempre à sombra opressiva do marido, como se temesse a luz. Teodoro, o irmão mais novo, trabalhava como contador nos negócios de Augusto e vivia na mesma residência, ocupando o quarto dos fundos no segundo andar, o posto de guarda da mansão.

De acordo com o relato de Maria Campos, uma empregada que trabalhou na residência durante seis meses em 1903 e que não demoraria a fugir, a rotina da casa era marcada por uma rigidez quase militar. O Senhor Augusto controlava tudo, os horários das refeições, os horários em que as luzes deviam ser apagadas, até mesmo quando se podia falar dentro da casa, sufocando a vida com o silêncio. Maria foi uma das poucas funcionárias que permaneceu por mais de alguns dias na residência. A rotatividade de empregados era notória no bairro, um fluxo constante de rostos assustados que fugiam do horror silencioso.

Um detalhe intrigante mencionado por Maria em seu depoimento foi a existência de cômodos na mansão que permaneciam constantemente trancados, como prisões secretas. Havia pelo menos três quartos no segundo andar, aos quais nunca tive acesso. O Senhor Oliveira guardava as chaves consigo o tempo todo, presas a uma corrente de prata no colete, como talismãs de segredos. Uma vez perguntei à Senhora Eleonora o que havia naqueles quartos, e ela apenas me olhou com uma expressão que nunca esquecerei. Era medo puro, um pavor que vinha da alma e dos ossos.

Outro aspecto perturbador da rotina na casa dos Oliveira era o comportamento de Augusto durante as noites de Curitiba, longas e frias. Segundo relatos de diversos empregados, ele frequentemente desaparecia no porão após o jantar e só retornava nas primeiras horas da madrugada, carregado de um cheiro metálico e estranho. Os sons que vinham daquele local subterrâneo eram descritos como rangidos metálicos e ocasionalmente murmúrios incompreensíveis, como se algo estivesse sendo torturado ou manipulado.

Segundo o relatório do delegado Roberto Linhares, datado de janeiro de 1904, a mansão dos Oliveira, em sua quietude opulenta, tornou-se objeto de especulação e terror entre os vizinhos após o primeiro relato de gritos ocorrido em março de 1903, um som que rasgou o silêncio burguês. Antônio Bueno, proprietário de uma farmácia localizada a duas quadras da residência, foi o primeiro a registrar formalmente uma reclamação na delegacia. Em seu depoimento, afirmou:

— Era por volta das 2 horas da madrugada, quando fui despertado por gritos agudos como nunca tinha ouvido antes. Não eram gritos de dor ou medo comum, eram algo diferente, algo que não consigo explicar. Pareciam vir da direção da casa dos Oliveira, um som que vinha das profundezas da terra.

Nos meses seguintes, outros vizinhos começaram a relatar experiências semelhantes, um coro de terror que se instalava na rua. Helena Duarte, viúva que residia na casa em frente, declarou ter ouvido um coro de lamentos vindo da mansão em pelo menos três ocasiões diferentes durante o mês de abril.

— Os sons sempre começavam depois da meia-noite e duravam cerca de uma hora. Depois o silêncio voltava, mais pesado e opressor do que antes.

Um aspecto particularmente perturbador desses relatos era a consistência com que os vizinhos descreviam a natureza dos sons. Não se tratava apenas de gritos comuns, mas de algo que muitos definiam como vozes sobrepostas ou um coro desarmônico e sinistro, como se várias bocas gritassem em uníssono. Jorge Ribeiro, um professor de música que morava a três casas de distância, descreveu o fenômeno de maneira mais técnica e assustadora:

— O que ouvi não pode ser produzido por uma única pessoa. Havia modulações e variações tonais impossíveis para um único aparelho vocal humano. Era como se várias pessoas estivessem gritando ao mesmo tempo, mas em perfeita sincronia, um lamento orquestrado pelo próprio inferno.

Curiosamente, quando questionados sobre os ruídos, os membros da família Oliveira demonstravam total desconhecimento, a frieza da negação. Em uma carta enviada ao jornal A República, em maio de 1903, Augusto Oliveira escreveu, com uma indignação falsa:

— Venho, por meio desta, desmentir os rumores maliciosos que têm circulado a respeito de minha residência. Minha família e eu somos pessoas de bem, tementes a Deus, e repudiamos qualquer insinuação de atividades estranhas em nossa propriedade. Os supostos ruídos relatados por certos vizinhos são, sem dúvida, fruto de imaginações febris ou, pior ainda, de uma campanha deliberada para manchar nossa reputação.

Esta resposta pública de Augusto apenas intensificou as especulações e a paranoia. Por que um homem de negócios respeitável se daria ao trabalho de responder publicamente a rumores de vizinhança? Para muitos, isso foi interpretado como um sinal claro de que havia de fato algo a esconder.

O clima de tensão aumentou quando, em junho do mesmo ano, Carmen Vieira, uma jovem copeira que trabalhava na residência, desapareceu sem deixar rastros. Segundo sua mãe, Josefa Vieira, a filha havia comentado sobre coisas estranhas que aconteciam na casa, especialmente durante a noite.

— Ela me disse que havia quartos na casa que permaneciam sempre trancados e que o Senhor Teodoro passava horas sozinho no porão, fazendo algo que ninguém podia saber — declarou Josefa em depoimento à polícia.

Um detalhe inquietante mencionado por Josefa foi que dias antes de seu desaparecimento, Carmen havia chegado em casa extremamente perturbada após seu turno na mansão dos Oliveira. Ela estava trêmula, mal conseguia falar. Quando finalmente se acalmou, disse apenas que havia visto algo no porão que não deveria ter visto. Não quis dar detalhes, apenas disse que nunca mais seria a mesma depois daquilo, que sua alma havia sido contaminada.

As autoridades realizaram uma busca superficial na propriedade, mas nada de suspeito foi encontrado. Augusto Oliveira, indignado com a invasão de sua privacidade, ameaçou processar o delegado responsável pela investigação. O caso do desaparecimento de Carmen foi oficialmente arquivado três semanas depois, com a conclusão conveniente de que a jovem provavelmente havia fugido com um namorado desconhecido. No entanto, documentos confidenciais da polícia, descobertos apenas em 1967, revelam que o delegado Linhares nunca ficou satisfeito com essa explicação. Em uma nota pessoal anexada ao arquivo do caso, ele escreveu:

A teoria da fuga com um namorado não se sustenta. Todos os pertences de Carmen foram deixados para trás, incluindo suas economias guardadas sob o colchão, conforme relatado por sua mãe. Além disso, ninguém na vizinhança jamais viu Carmen na companhia de qualquer homem. Há algo profundamente errado nesta situação, mas minhas mãos estão atadas por forças além de minha autoridade.

Essa última frase levantou questões décadas depois. A que forças Linhares estaria se referindo? Havia pressão política para encerrar a investigação, protegendo o prestígio de Augusto. Os rumores de que Augusto Oliveira mantinha conexões com figuras importantes do governo estadual poderiam explicar a relutância das autoridades em investigar o caso mais a fundo. No entanto, os rumores sobre a Casa dos Gritos só aumentaram, espalhando-se como uma doença na cidade.

Em julho de 1903, um grupo de jovens instigados pela curiosidade e pela bravata tentou espiar o interior da residência durante a noite. Foram surpreendidos por Teodoro, que os perseguiu com uma espingarda, disparando para o alto, em um claro ato de advertência. O incidente foi relatado ao delegado Linhares, que novamente questionou a família. Teodoro justificou sua reação como legítima defesa da propriedade.

Um dos jovens envolvidos nesse incidente, Mário Fontes, posteriormente relatou algo que não foi incluído no relatório oficial. Segundo ele, antes de serem descobertos por Teodoro, conseguiram olhar brevemente através de uma janela do porão, no nível da rua.

— O que vimos lá dentro não fazia sentido — declarou anos depois, com a voz falhando. — Havia círculos desenhados no chão com símbolos estranhos que nunca tinha visto antes. E nas paredes, nas paredes havia o que pareciam ser manchas escuras, como se alguém tivesse espirrado algo nelas. Não posso afirmar com certeza o que era, mas tinha uma cor que me lembrou sangue seco.

Segundo consta nos relatórios policiais, em agosto do mesmo ano, os gritos se intensificaram, tornando-se mais frequentes e mais altos. Agora não se limitavam às madrugadas; vizinhos relatavam ouvi-los também durante o dia, geralmente quando Augusto não estava em casa. Mariana Costa, que morava na esquina da rua, descreveu:

— Não eram apenas gritos de uma pessoa, eram vários, como se houvesse um grupo inteiro dentro daquela casa. Às vezes pareciam rir, outras vezes era como se estivessem chorando ou implorando.

Foi nessa época que começaram a circular as primeiras teorias sobre o que realmente acontecia na mansão dos Oliveira. Alguns diziam que Augusto realizava reuniões secretas de uma seita proibida. Outros sugeriam que a família mantinha pessoas presas no porão, para algum tipo de trabalho forçado. As versões mais extremas falavam até mesmo em rituais macabros e sacrifícios, embora não houvesse qualquer evidência concreta que sustentasse tais acusações, apenas a certeza do horror que emanava da casa.

Em setembro de 1903, um fato curioso foi registrado pelo delegado Linhares em seu diário pessoal, encontrado décadas depois em um baú no sótão de sua antiga residência. Ele escreveu:

Visitei novamente a propriedade dos Oliveira hoje. Fui recebido por Eleonora, que parecia mais abatida que de costume. Notei marcas em seu pescoço, como se alguém a tivesse agarrado com força. Quando perguntei sobre isso, ela desviou o olhar e disse que havia caído da escada. Augusto chegou logo depois e encerrou nossa conversa abruptamente.

Ainda segundo o diário de Linhares, ele começou a suspeitar que Eleonora estava sendo mantida sob algum tipo de coerção ou tortura. A mulher não fala a menos que o marido ou o cunhado estejam presentes, e mesmo assim limita-se a frases curtas, quase ensaiadas. Seus olhos, porém, dizem muito mais do que suas palavras. Uma entrada particularmente intrigante no diário de Linhares, datada de 28 de setembro, mencionava:

Recebi hoje a visita de um homem que se identificou apenas como um antigo conhecimento dos Oliveira de Porto Alegre. Recusou-se a dar seu nome, temendo represálias. O que ele me contou sobre o passado de Augusto é tão perturbador que hesito em registrá-lo mesmo nestas páginas privadas. Se for verdade apenas uma fração do que ouvi, então o que está acontecendo naquela casa é muito mais sombrio do que qualquer um poderia imaginar.

Infelizmente, Linhares nunca detalhou o conteúdo exato dessa conversa em seu diário. No entanto, as entradas subsequentes mostram uma crescente obsessão com o caso, sugerindo que o que quer que tenha ouvido o afetou profundamente, plantando uma semente de medo em sua alma.

Outubro trouxe uma nova onda de incidentes, o ápice da loucura. Três moradores da região relataram ter visto luzes estranhas movendo-se no interior da casa durante a madrugada, mesmo quando supostamente todos os habitantes estavam dormindo. Paulo Mendes, um cocheiro que passava frequentemente pela rua durante a noite, afirmou:

— Vi sombras nas janelas do sótão. Não eram sombras normais. Moviam-se de forma estranha, como se estivessem dançando ou contorcendo-se em agonia.

João Pereira, um outro vizinho que vivia duas casas adiante, relatou um fenômeno ainda mais perturbador.

— Durante uma noite particularmente silenciosa, ouvi algo que parecia ser uma conversa vinda da mansão. Não conseguia distinguir as palavras exatas, mas o ritmo e a cadência não pareciam de uma conversa normal. Era como se alguém estivesse recitando algo repetidamente em uma língua que eu não reconheci. E o mais estranho é que, mesmo estando a certa distância, eu podia sentir a vibração daquelas palavras no meu peito, como se fossem físicas de alguma forma, um som que penetrava a carne.

Foi nesse mesmo mês que ocorreu o primeiro relato de alguém que afirmava ter estado dentro da casa durante um dos episódios de gritos. Henrique Sanchez, um jovem entregador, declarou que havia sido contratado para levar um pacote à residência dos Oliveira no final da tarde. Como ninguém atendeu a porta principal, ele contornou a casa e entrou por uma porta lateral que estava entreaberta, um erro fatal.

— Chamei várias vezes, mas ninguém respondeu — relatou. — A casa parecia vazia, mas eu tinha certeza de que havia alguém lá. Podia sentir a presença. Deixei o pacote sobre uma mesa no hall. Quando estava prestes a sair, ouvi. Começou como um sussurro vindo de algum lugar abaixo de mim, do porão. Depois transformou-se em algo que não consigo descrever. Não era um grito humano. Era como se várias vozes falassem ao mesmo tempo, em uma língua que eu não conhecia.

Henrique afirmou ter fugido correndo da casa, deixando até mesmo seu chapéu para trás, o objeto que comprovaria sua presença. Quando retornou no dia seguinte para recuperá-lo, foi recebido por Augusto, que negou categoricamente que houvesse algo de errado.

— Ele me olhou nos olhos e disse que eu devia ter imaginado tudo, que ninguém além dele e da esposa estavam na casa naquele momento. Mas eu sei o que ouvi.

O que Henrique não mencionou em seu depoimento oficial, mas confidenciou anos depois a um amigo próximo, foi um detalhe adicional sobre seu encontro com Augusto no dia seguinte.

— Quando ele me devolveu o chapéu, notei algo estranho em suas mãos. Havia manchas escuras sobre suas unhas, como se tivesse estado mexendo com terra ou algo pior, com carne crua. E seus olhos? Havia algo em seus olhos que não era normal. Pupilas dilatadas demais, mesmo sob a luz intensa da manhã. E quando sorriu para mim, foi como se estivesse usando uma máscara, como se o sorriso fosse apenas um movimento mecânico, sem qualquer sentimento por trás, o sorriso de um boneco.

O relato de Henrique circulou rapidamente pela cidade, alimentando ainda mais as especulações sobre a Casa dos Gritos. No início de novembro, um grupo de moradores enviou uma petição formal ao prefeito, solicitando que uma investigação mais rigorosa fosse conduzida na propriedade. O documento, assinado por 23 pessoas, expressava preocupação não apenas com os ruídos, mas também com o cheiro que ocasionalmente emanava da casa, descrito como “pútrido e nauseabundo”, um cheiro de matadouro. Um trecho da petição preservado nos arquivos municipais destacava:

— Não se trata apenas de um incômodo sonoro, Excelência. Há algo fundamentalmente errado naquela residência. O odor que por vezes se espalha pela vizinhança é semelhante ao de carne em decomposição. Tememos que crimes hediondos estejam sendo cometidos sob aquele teto, longe dos olhos da lei e da decência.

As autoridades, no entanto, mostravam-se relutantes em confrontar diretamente Augusto Oliveira, que havia conquistado considerável influência política. Segundo consta em uma carta confidencial enviada pelo delegado Linhares ao prefeito, encontrada nos arquivos municipais em 1967, o Senhor Oliveira mantém relações próximas com figuras importantes do governo estadual. Qualquer ação contra ele deve ser baseada em evidências irrefutáveis que, infelizmente, ainda não possuímos. Essa relutância das autoridades apenas reforçou a crescente paranoia entre os moradores locais. Alguns começaram a evitar completamente a rua onde ficava a mansão, preferindo fazer desvios consideráveis em seus percursos diários. Outros mantinham as janelas fechadas durante a noite, independentemente do calor, na esperança de bloquear tanto os sons quanto os odores ocasionais.

Um fato curioso registrado nas páginas do Diário da Tarde em 10 de novembro de 1903 foi o súbito aumento no número de animais domésticos desaparecidos na região. Gatos e cães pequenos simplesmente sumiam sem deixar qualquer rastro, alimentando a teoria de que o horror na mansão dos Oliveira tinha um apetite crescente.

A situação atingiu um ponto crítico em 16 de novembro de 1903, quando uma tempestade violenta atingiu Curitiba. Segundo relatos da época, os trovões e relâmpagos eram tão intensos que muitos acreditaram ser o prenúncio do fim dos tempos. Foi durante essa noite que os gritos da Mansão Oliveira atingiram um volume insuportável, audíveis mesmo sobre o rugido da tempestade e o som das vidraças a estilhaçar. Ana Mendonça, uma professora aposentada que morava na casa ao lado, registrou em seu diário pessoal:

Os gritos começaram por volta das 11 horas e não cessaram até o amanhecer. Não eram gritos normais de pavor ou dor. Havia algo neles que gelava o sangue. Em certo momento, ouvi claramente uma voz feminina suplicando: “Por favor, deixe-me sair.” Depois, ouvi uma risada masculina que me fez cobrir os ouvidos e rezar até adormecer.

No mesmo diário, Ana acrescentou um detalhe perturbador que só veio à luz quando o documento foi descoberto após sua morte em 1922:

Por volta das 3 da manhã, quando a tempestade estava no auge, olhei pela janela e vi algo que não consigo explicar. A Mansão dos Oliveira parecia pulsar, como se as próprias paredes estivessem respirando. Pensei que fosse um efeito dos relâmpagos ou talvez da chuva escorrendo pelas paredes, mas não era. A casa se movia. Estou certa disso, por mais impossível que pareça.

Outro vizinho, Sebastião Martins, relatou ter visto luzes de cores impossíveis emanando das janelas do sótão durante a tempestade.

— Não eram luzes normais como de velas ou lampiões. Eram cores que não sei nem como descrever, cores que não deveriam existir.

Na manhã seguinte, a tempestade havia cessado, deixando para trás um rastro de destruição e um mistério insolúvel. Segundo consta no relatório policial datado de 17 de novembro, por volta das 6 horas da manhã, Teodoro Oliveira irrompeu na delegacia, encharcado e com as roupas em desalinho. Estava claramente perturbado e exigia falar com o delegado Linhares imediatamente. O conteúdo exato da conversa entre os dois homens nunca foi revelado oficialmente. No entanto, o assistente do delegado, Jorge Almeida, que estava presente na delegacia naquele momento, anos mais tarde, revelou parte do que ouviu.

Segundo ele, Teodoro afirmava que algo terrível havia acontecido na casa e que seu irmão não era mais ele mesmo. Almeida acrescentou um detalhe que não constava nos registros oficiais.

— O Senhor Teodoro estava em um estado que nunca vi em um homem adulto. Tremia incontrolavelmente e em determinado momento, agarrou o delegado pelos ombros e disse: “Ele trouxe algo através das paredes, algo que não deveria estar aqui, algo que não tem nome em nossa língua”.

O delegado Linhares tentou acalmá-lo, pedindo detalhes mais concretos, mas o Senhor Teodoro apenas repetia:

As paredes estão vivas agora.

Linhares, acompanhado de dois oficiais, dirigiu-se imediatamente à mansão dos Oliveira. Encontraram a porta principal aberta, um convite para o horror. O interior da casa estava em completa desordem, com móveis quebrados e objetos espalhados por toda parte, como se uma luta violenta tivesse ocorrido. Havia marcas de sangue no assoalho da sala e nas paredes da escada que levava ao segundo andar. Um dos oficiais, Sargento Mendes, posteriormente relatou um detalhe inquietante que não foi incluído no relatório oficial.

— As marcas nas paredes não eram apenas de sangue. Havia algo mais, algo que se movia sutilmente, como se estivesse vivo. Pensei que fosse um efeito da luz ou talvez da humidade após a tempestade, mas quando tentei tocá-las, o delegado Linhares me impediu bruscamente, dizendo para não tocar em nada nas paredes sob hipótese alguma.

No quarto principal encontraram Eleonora Oliveira. Estava sentada em uma cadeira junto à janela, olhando fixamente para o exterior, em um estado de choque catatônico. Segundo o relatório, ela não respondeu a nenhuma pergunta e parecia estar em estado de choque. Seus cabelos, antes escuros, haviam embranquecido completamente. Em seus braços e pescoço havia marcas profundas, como se alguém a tivesse agarrado com força sobre-humana. O sargento Mendes observou que as marcas nos braços de Eleonora não pareciam ter sido feitas por mãos humanas.

— Eram mais como tentáculos ou cipós que haviam se enrolado em torno de seus membros. Havia um padrão estranho, quase geométrico, como se fosse intencional.

De Augusto Oliveira não havia sinal. Uma busca minuciosa foi realizada em toda a propriedade, incluindo o porão e o sótão, mas ele não foi encontrado. O que os policiais descobriram no porão, no entanto, foi descrito por Linhares como “algo que nenhum homem deveria ver”. O relatório oficial menciona apenas “evidências de atividades perturbadoras”, sem entrar em detalhes específicos. No entanto, o diário pessoal de Linhares, recuperado décadas depois, contém uma descrição mais detalhada.

— O porão havia sido transformado em uma espécie de laboratório. Havia instrumentos cirúrgicos, frascos, contendo substâncias não identificadas e cadernos repletos de anotações. Em uma caligrafia minúscula e frenética. Em uma mesa central encontramos o que parecia ser um diário escrito por Augusto. As páginas que consegui ler falavam de experimentos e vozes que só ele podia ouvir. — Linhares continuava, mas o mais perturbador era o círculo desenhado no centro do porão. Não era pintura ou giz. Parecia ter sido queimado no próprio chão, como se por um calor intenso. E os símbolos ao redor dele não se pareciam com nada que eu já tenha visto. Não eram letras de qualquer alfabeto conhecido, nem hieróglifos ou ideogramas orientais. Eram algo outro, algo alienígena.

O sargento Mendes, em uma entrevista concedida pouco antes de sua morte em 1948, acrescentou detalhes nunca antes revelados:

— Havia um cheiro no porão que não consigo esquecer até hoje. Não era apenas o odor de decomposição que encontramos em cenas de crime, era algo mais profundo, mais antigo, como se o próprio ar estivesse apodrecendo. E as paredes, as paredes pareciam diferentes do resto da casa. A textura era outra, quase orgânica. Em certo momento, tive a impressão de que se moviam sutilmente, como se respirassem. O delegado Linhares notou meu desconforto e ordenou que saíssemos imediatamente.

Eleonora foi levada para o Hospital de Caridade de Curitiba, onde permaneceu internada por várias semanas. Durante todo esse período, não pronunciou uma única palavra. Os médicos diagnosticaram um profundo trauma psicológico, possivelmente irreversível. Teodoro, por sua vez, foi mantido sob custódia para interrogatório. Um relatório médico confidencial assinado pelo Dr. Carlos Andrade em 20 de novembro de 1903, revelava detalhes inquietantes sobre o estado físico de Eleonora.

A paciente apresenta anomalias fisiológicas que não consigo explicar com base em meu conhecimento médico. Sua temperatura corporal está consistentemente abaixo do normal. Seus batimentos cardíacos são irregulares, seguindo um padrão que não corresponde a qualquer condição conhecida. Mas o mais perturbador são as marcas em sua pele, além dos hematomas evidentes, ao que parecem ser pequenas protuberâncias sob a epiderme, que se movem quando não estão sendo observadas diretamente. Solicito a presença de especialistas de Curitiba e São Paulo para uma avaliação mais aprofundada.

Não há registros de que tais especialistas tenham de fato examinado Eleonora. O Dr. Andrade faleceu inesperadamente três dias após escrever esse relatório, vítima do que foi oficialmente registrado como falha cardíaca súbita, uma morte conveniente. Seu substituto, Dr. Mendonça, não fez menção a quaisquer anomalias físicas em Eleonora, limitando-se a documentar seu estado catatônico.

Nos dias que se seguiram, uma busca extensiva foi organizada para encontrar Augusto Oliveira. Patrulhas percorreram as florestas nos arredores da cidade e todas as estações de trem foram alertadas. Sua fotografia foi distribuída em cidades vizinhas. No entanto, ele parecia ter desaparecido completamente. Durante o interrogatório, Teodoro apresentou uma versão dos fatos que muitos consideraram fantasiosa demais para ser verdadeira.

— Meu irmão havia mudado drasticamente nos últimos meses. Começou quando ele encontrou aquele livro, no sótão da casa antiga, antes mesmo de construirmos a nova residência — declarou. — Era um livro muito antigo, escrito em uma língua que ninguém conhecia. Augusto ficou obcecado por ele. Passava noites inteiras decifrando os símbolos estranhos. Dizia que o livro continha segredos que poderiam mudar o mundo.

De acordo com Teodoro, Augusto começou a realizar experimentos no porão da casa, inicialmente com animais pequenos. Ele dizia que estava tentando entender a natureza da consciência. Com o tempo, seu comportamento tornou-se cada vez mais errático. Falava sozinho, afirmava ouvir vozes. E, segundo Teodoro, em várias ocasiões, afirmou que as paredes da casa estavam vivas.

Teodoro descreveu como gradualmente a obsessão de seu irmão passou dos experimentos com animais para algo muito mais sinistro. Ele começou a trazer pessoas para a casa. Pessoas que ninguém conhecia, que ninguém sentiria falta, mendigos, andarilhos, prostitutas. Dizia que precisava de sujeitos mais complexos para seus experimentos.

— Nunca me disse o que fazia com eles no porão, mas os gritos, os gritos contavam sua própria história.

A parte mais perturbadora do relato de Teodoro referia-se aos últimos dias antes do desaparecimento de Augusto.

— Ele parou de dormir completamente. Andava pela casa durante a noite, murmurando coisas que ninguém entendia. Às vezes ria sem motivo aparente, outras vezes gritava como se estivesse sendo torturado. Eleonora estava apavorada. Tentou fugir uma vez, mas ele a trouxe de volta. E depois disso, ela nunca mais foi a mesma.

Teodoro relatou que dias antes da tempestade, Augusto havia confidenciado que estava prestes a realizar o experimento definitivo. Ele disse que havia entendido finalmente como abrir a porta. Não explicou que porta era essa, mas seus olhos, seus olhos estavam diferentes, como se algo mais estivesse olhando através deles. Ele disse que precisava de uma última coisa para completar o ritual. Precisava de sangue familiar. Meu sangue. Foi quando percebi que meu irmão já não existia mais. O que quer que estivesse naquele livro, o havia consumido completamente.

Questionado sobre os gritos que os vizinhos ouviam, Teodoro respondeu:

— Não eram só os gritos de Augusto ou de Eleonora. Havia algo mais naquela casa. Algo que ele trouxe com seus experimentos, algo que vivia nas paredes, no ar, algo que não deveria estar neste mundo.

Teodoro descreveu o porão como um local que havia sido transformado em uma espécie de laboratório ou templo. As paredes estavam cobertas com símbolos desenhados com substâncias que prefiro não identificar. Havia mesas cheias de equipamentos estranhos, parte médicos, parte outra coisa. E no centro um círculo grande, permanentemente marcado no chão. Augusto dizia que era uma porta ou um portal. Ele ficava horas parado dentro daquele círculo, falando em uma língua que não parecia humana.

Na noite da tempestade, segundo Teodoro, tudo chegou ao ápice. Augusto estava completamente fora de si. Quebrou todos os móveis, rasgou suas próprias roupas. Seus olhos, seus olhos não eram mais humanos. Tentei contê-lo, mas ele tinha uma força incrível. Então, no meio da confusão, ele simplesmente desapareceu.

— Ele estava lá, bem na minha frente, e no instante seguinte não estava mais, como se tivesse sido absorvido pelas próprias paredes da casa.

Teodoro afirmou que após o desaparecimento do irmão, as coisas na casa pioraram drasticamente.

— As paredes começaram a pulsar como se respirassem. Ouvi vozes vindo de todos os lugares, algumas implorando por ajuda, outras rindo. E vi coisas se movendo dentro das paredes, como se a própria casa tivesse se tornado uma membrana fina entre nosso mundo e algo mais.

De acordo com seu relato, ele tentou levar Eleonora para fora da casa, mas ela se recusou a sair. Ela ficava olhando para as paredes, como se pudesse ver algo que eu não podia. Em certo momento, ela sorriu de uma forma que nunca havia feito antes e disse: “Ele está em toda parte agora. Ele é a casa.” Foi quando decidi fugir e buscar ajuda.

O depoimento de Teodoro foi considerado resultado de um colapso nervoso. Ele foi transferido para o hospital psiquiátrico Nossa Senhora da Luz, onde permaneceu internado por quase dois anos. Os médicos diagnosticaram um quadro de demência precoce agravado pelo trauma recente. Nos relatórios médicos do hospital, há referências frequentes ao comportamento errático de Teodoro durante sua internação.

— O paciente recusa-se a dormir com as luzes apagadas e reage com terror extremo quando colocado em quartos com muitas paredes — escreveu o Dr. Silveira em fevereiro de 1904. — Frequentemente o encontramos pressionando o ouvido contra a parede, como se escutasse algo. Quando questionado sobre isso, afirma estar monitorando seu irmão.

Um incidente particularmente perturbador ocorreu em maio de 1904, quando um enfermeiro encontrou Teodoro arranhando furiosamente uma das paredes de seu quarto. Seus dedos estavam em carne viva e ele havia usado o próprio sangue para desenhar símbolos estranhos na superfície. Quando contido, gritava repetidamente: “Ele está vindo através das paredes! Ele está vindo através das paredes!”

A investigação oficial sobre o caso concluiu que Augusto Oliveira provavelmente havia fugido após um surto psicótico, durante o qual agrediu sua esposa e destruiu a própria casa. As buscas por ele continuaram por alguns meses, mas gradualmente foram perdendo intensidade. Em abril de 1904, o caso foi oficialmente arquivado.

No entanto, um memorando confidencial enviado pelo delegado Linhares ao chefe de polícia estadual, encontrado nos arquivos apenas em 1967, sugere que as autoridades nunca acreditaram realmente nessa explicação. “Estou convencido de que Augusto Oliveira não deixou aquela casa vivo”, escreveu Linhares. “O que aconteceu naquela noite vai além de minha capacidade de compreensão ou explicação. Recomendo fortemente que a propriedade seja demolida o mais rapidamente possível, antes que o que quer que esteja lá possa se espalhar.”

Curiosamente, apesar dessa recomendação, a mansão dos Oliveira permaneceu de pé vários anos. Ninguém se interessava em comprá-la, apesar do preço cada vez mais reduzido. Os moradores locais evitavam passar perto dela, especialmente à noite. Surgiram histórias de que ainda se podiam ouvir gritos vindos do interior, mesmo quando o lugar estava comprovadamente desabitado. Eduardo Costa, um jovem que aceitou o desafio de passar uma noite na propriedade abandonada em 1907, foi encontrado na manhã seguinte em estado catatônico, semelhante ao de Eleonora anos antes. Ele nunca se recuperou completamente e nos raros momentos de lucidez durante sua internação, no mesmo hospital psiquiátrico, murmurava apenas: “As paredes, as paredes têm rostos”.

Em 1912, a propriedade foi finalmente vendida a um empresário de São Paulo, que a demoliu completamente com a intenção de construir um pequeno hotel no local. Durante a demolição, os trabalhadores fizeram uma descoberta macabra. Embutido em uma das paredes do porão, estava um caderno de couro, cujas páginas estavam cobertas com uma caligrafia minúscula e frenética, que mais tarde foi identificada como sendo de Augusto Oliveira. O mestre de obras, Antônio Ferreira, relatou outro detalhe perturbador que não constou nos registros oficiais.

— Quando começamos a derrubar as paredes do porão, encontramos irregularidades na estrutura, cavidades que não deveriam estar ali, e dentro delas, objetos estranhos, pequenos ossos que não pareciam ser de animais conhecidos, pedaços de metal torcidos em formas impossíveis. E o mais estranho, o que parecia ser um pedaço de pele humana, mas com uma textura e cor que nunca vi antes.

Ferreira também mencionou que vários trabalhadores abandonaram a obra após relatarem ouvir sussurros vindos das paredes durante a demolição. Um dos homens jurou que quando estava sozinho no porão, ouviu claramente uma voz chamando seu nome, implorando para que não destruísse as paredes.

O caderno foi entregue às autoridades e permaneceu guardado nos arquivos policiais até 1967, quando foi descoberto durante a reorganização do acervo. Seu conteúdo revelou-se perturbador. As primeiras páginas continham notas e questões familiares. No entanto, a partir de certo ponto, o texto mudava drasticamente. Augusto escrevia sobre entidades que haviam estabelecido contato com ele através de um antigo livro encontrado no terreno onde sua casa foi construída. Descrevia rituais complexos que realizava no porão, supostamente para abrir portas entre mundos. Nas últimas páginas, sua escrita tornava-se cada vez mais incoerente, com frases desconexas e desenhos estranhos nas margens. Uma página particularmente inquietante continha o que parecia ser uma fórmula ou encantamento, escrito em uma mistura de português e uma língua desconhecida. Abaixo, Augusto havia anotado:

A barreira entre os mundos é mais fina do que imaginamos. Não são necessárias máquinas complexas ou grandes quantidades de energia para atravessá-la. Apenas a chave certa. E a chave é o sangue combinado com as palavras certas, pronunciadas no momento exato.

Em outra passagem, ele escreveu:

Eles me prometeram conhecimento e poder. Mostraram-me maravilhas que nenhum olho humano jamais contemplou. Mas agora percebo que o preço é maior do que eu imaginava. Eles querem atravessar, querem usar nossa realidade, nossos corpos, e uma vez que a porta esteja aberta, não poderá mais ser fechada.

A última entrada, datada de 16 de novembro de 1903, o dia de seu desaparecimento, continha apenas uma frase: “Eles finalmente vieram. Estão nas paredes, estão em todos os lugares, e agora estão em mim”.

O historiador e ocultista Aloísio Cardoso, que teve acesso ao caderno em 1968, durante sua pesquisa sobre fenômenos paranormais no Paraná, observou que os símbolos desenhados por Augusto nas margens das últimas páginas tinham semelhanças inquietantes com escritos esotéricos muito mais antigos. Alguns desses símbolos aparecem em grimórios medievais europeus, enquanto outros lembram ideogramas de civilizações pré-colombianas da América do Sul. Cardoso foi um dos poucos estudiosos que levou a sério a possibilidade de que algo genuinamente sobrenatural tivesse ocorrido na mansão dos Oliveira. Em seu livro, ele propôs a teoria de que o terreno onde a casa foi construída poderia ser um ponto fraco no tecido da realidade, um local onde a barreira entre diferentes dimensões seria naturalmente mais tênue.

— Há registros de fenômenos estranhos naquela região que remontam ao período colonial — afirmou. — Os indígenas que habitavam o planalto curitibano antes da chegada dos europeus evitavam especificamente aquela área, considerando-a um lugar de sombras.

Quanto a Eleonora e Teodoro, seus destinos foram igualmente sombrios. Eleonora nunca se recuperou completamente do trauma. Após ser liberada do hospital, foi morar com uma prima distante em Morretes, onde viveu em reclusão até sua morte em 1921. Segundo relatos locais, nunca mais pronunciou uma palavra e passava horas olhando fixamente para as paredes, como se esperasse ver algo emergir delas. A enfermeira que cuidou de Eleonora em seus últimos dias, Maria Gonçalves, deixou um relato perturbador sobre as circunstâncias de sua morte.

— Ela estava em seu quarto, como sempre, sentada em sua cadeira perto da janela. De repente, começou a gritar. Foi a primeira vez que a ouvi fazer qualquer som em todos aqueles anos. Corri para o quarto e a encontrei de pé, apontando para a parede. Ele voltou, ela disse. Augusto está nas paredes. Ele finalmente me encontrou. Então, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ela simplesmente desabou. Quando cheguei até ela, já estava morta, mas a expressão em seu rosto não era de medo, era de alívio.

Teodoro foi liberado do hospital psiquiátrico em 1905, aparentemente recuperado. Mudou-se para o Rio Grande do Sul, onde trabalhou como guarda-livros em uma pequena empresa. Em 1916, foi encontrado morto em seu quarto de pensão, enforcado com o próprio cinto. Não deixou bilhete de suicídio, mas seu senhorio relatou que nas semanas anteriores à sua morte, Teodoro parecia constantemente aterrorizado, afirmando que “ele havia retornado e o estava seguindo”. O relatório policial sobre a morte de Teodoro contém um detalhe intrigante. As paredes de seu quarto estavam cobertas com os mesmos símbolos estranhos encontrados no caderno de Augusto, desenhados aparentemente com carvão. Em um pequeno pedaço de papel encontrado em seu bolso, Teodoro havia escrito: “Ele está nas paredes. Está em todas as paredes. Não importa para onde eu vá.”

O terreno onde antes ficava a casa dos gritos permaneceu vazio por décadas. O projeto do hotel nunca foi adiante, pois o empresário paulista morreu subitamente poucos meses após a demolição da mansão. Vários outros proprietários tentaram construir no local ao longo dos anos, mas todos os projetos foram abandonados por um motivo ou outro. Um engenheiro envolvido em uma dessas tentativas malsucedidas, Raul Martins, comentou em 1932: “Há algo fundamentalmente errado com aquele terreno. As fundações simplesmente não assentam corretamente. É como se o próprio solo rejeitasse qualquer estrutura que tentamos erigir.”

Em 1953, a prefeitura de Curitiba decidiu transformar o terreno em uma pequena praça pública. Durante a preparação do solo para o plantio de árvores, os trabalhadores encontraram os restos de uma antiga fundação que não correspondia à planta da mansão dos Oliveira. Tratava-se de uma estrutura muito mais antiga, possivelmente datando do período colonial. Junto a essa fundação, foi descoberta uma caixa metálica contendo documentos em estado avançado de deterioração. Entre eles, havia um manuscrito parcialmente legível, escrito em uma mistura de português arcaico e uma língua não identificada. Os fragmentos que puderam ser traduzidos falavam de vozes nas paredes e entidades que não devem ser nomeadas. Um trecho particularmente perturbador desse manuscrito transcrito pelo historiador Paulo Almeida em sua monografia Curitiba Oculta, 1960, dizia: “O local deve permanecer desocupado. O que está abaixo não deve ser perturbado. As vozes mentem, prometem conhecimento, mas trazem apenas ruína. Selamos a entrada em 1782, mas o selo enfraquece a cada ano. Que Deus tenha misericórdia de quem construir sobre este solo amaldiçoado.”

A praça foi finalmente inaugurada em 1954, mas nunca se tornou um local popular entre os moradores. Muitos relatavam sentir uma inexplicável sensação de mal-estar ao permanecer ali por muito tempo. Em noites particularmente silenciosas, alguns juravam ainda ouvir sons estranhos vindos do subsolo. Um fenômeno curioso observado ao longo dos anos foi que as árvores plantadas na praça nunca cresciam adequadamente, permaneciam atrofiadas, com troncos retorcidos e folhagem esparsa, como se a vida lhes fosse sugada.

Em 1968, um professor de história da Universidade Federal do Paraná, interessado em lendas urbanas de Curitiba, começou a pesquisar o caso da Casa dos Gritos. Durante sua investigação, entrevistou alguns idosos que haviam morado na região na época dos incidentes. Um deles, José Martins, então com 88 anos, revelou algo que nunca havia sido registrado oficialmente.

— Na manhã seguinte ao desaparecimento de Augusto, eu estava passando em frente à mansão quando vi algo que o deixou atordoado. Era bem cedo, o sol mal havia nascido. Vi um homem sair pelos fundos da casa, tenho certeza de que era o Sr. Oliveira, mas havia algo errado com ele. Caminhava de forma estranha, como se não estivesse acostumado com o próprio corpo. E seu rosto? Seu rosto parecia estar se movendo, como cera derretendo. Quando ele me viu, sorriu. Foi o sorriso mais terrível que já vi na minha vida. Então, simplesmente virou-se e caminhou em direção à floresta.

Martins acrescentou um detalhe que o perturbava até aquele momento, mais de seis décadas depois.

— O que mais me assombra até hoje é que enquanto ele se afastava, eu podia jurar que via algo mais dentro dele, como se sua pele fosse apenas uma roupa mal ajustada sobre outra coisa completamente diferente. E seus olhos não eram mais os olhos de um ser humano.

A praça existe até hoje, embora tenha sido remodelada várias vezes ao longo das décadas. É um local tranquilo durante o dia, frequentado principalmente por idosos que jogam dominó à sombra das árvores. A noite, no entanto, permanece estranhamente vazia, mesmo nas épocas mais quentes do ano. Um segurança municipal que trabalhou na área durante a década de 1990, Pedro Alves, relatou em uma entrevista a um jornal local: “Aquela praça tem algo estranho. Já fiz rondas em muitos lugares de Curitiba, mas só ali eu sentia aquela sensação, como se estivesse sendo observado por todos os lados. E o silêncio. Mesmo sendo no centro da cidade, quando você está lá à noite, parece que todos os sons externos são abafados, e às vezes, só às vezes, dá para ouvir algo, como sussurros vindos do chão.”

Em 2002, durante obras de reforma no sistema de drenagem da praça, os trabalhadores encontraram algo incomum no subsolo, uma pequena caixa de metal, semelhante a um relicário. Dentro dela havia um pedaço de papel amarelado com uma única frase escrita em português antigo: “Ele ainda vive nas paredes.”

O caso da casa dos gritos da família Oliveira permanece como um dos mistérios não resolvidos da história de Curitiba. O que realmente aconteceu naquela mansão em 1903? Que experimentos Augusto Oliveira conduzia em seu porão? E mais importante, para onde ele foi após aquela noite tempestuosa de novembro?

Há ainda aqueles que, conhecendo os detalhes mais obscuros do caso, sugerem algo muito mais perturbador: que Augusto Oliveira conseguiu de alguma forma abrir uma porta que deveria permanecer fechada, e que o que saiu daquela casa na manhã seguinte à tempestade não era mais inteiramente humano. Em 1958, uma senhora idosa que vivia em Porto Alegre relatou à polícia que havia visto um homem que se parecia extraordinariamente com Augusto Oliveira, aparentando ainda a mesma idade que tinha em 1903. A senhora em questão era Carmen Vieira, a jovem copeira que havia desaparecido da mansão dos Oliveira 55 anos antes.

Talvez algumas portas, uma vez abertas, jamais possam ser completamente fechadas. E talvez os gritos que ainda hoje alguns juram ouvir em noites particularmente silenciosas em Curitiba não sejam apenas ecos do passado, mas advertências sobre o que ainda permanece, paciente e faminto, do outro lado do limiar. Se algum dia você passar pela pequena praça que existe hoje, onde antes ficava a mansão dos Oliveira, e sentir um súbito arrepio sem motivo aparente, não ignore essa sensação. Pode ser apenas o vento frio tão comum em Curitiba. Ou pode ser algo mais, algo que tem observado nossa cidade há mais de um século, através de olhos que um dia pertenceram a Augusto Oliveira. E se por acaso você ouvir um sussurro vindo de uma parede próxima, não responda.

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