Atenção, bem-vindos a este percurso por um dos casos mais inquietantes registrados na história de Pernambuco. Antes de iniciar, convido-vos a deixar nos comentários de onde estão nos assistindo e a hora exata em que escutam esta narração. Interessa-nos saber até que lugares e em quais momentos do dia ou da noite chegam estes relatos documentados.
A vila de Água Preta, situada a cerca de 120 km do Recife, capital da província de Pernambuco, era um local conhecido pelos seus grandes engenhos de açúcar. No ano de 1843, quando o Brasil ainda era um império e a escravidão uma realidade cotidiana, um dos engenhos mais prósperos da região, pertencia à família Albuquerque Melo. O engenho Santa Cruz, como era chamado, produzia um dos açúcares mais requisitados da região, conhecido pela sua qualidade superior e pelo seu peculiar tom levemente avermelhado que os compradores atribuíam ao tipo de solo da região. O patriarca da família,
Antônio Albuquerque Melo, havia falecido no inverno de 1842, deixando o engenho e todas as suas propriedades para seu único filho homem, José Carlos Albuquerque Melo, um jovem de 26 anos, educado em Portugal e recém retornado ao Brasil após a morte do pai. José Carlos era conhecido por seu temperamento reservado e por suas maneiras refinadas adquiridas durante os anos de estudo em Coimbra.

Ao retornar, José Carlos encontrou o engenho situação de aparente prosperidade, mas com uma administração frágil, desde a doença que consumira seu pai nos últimos do anos de vida. Os trabalhadores escravizados, mais de 80 pessoas, mantinham a produção em funcionamento, mas sem a supervisão adequada, o que resultava em perdas constantes e em uma disciplina que, segundo os padrões da época, era considerada frouxa.
Nas primeiras semanas, após assumir o controle do engenho, José Carlos reorganizou a administração, demitiu funcionários considerados ineficientes e estabeleceu novos regimes de trabalho para os escravizados. Foi nesse período que ele conheceu Maria das Dores Cavalcante, filha de um proprietário de terras vizinho, durante uma missa dominical na pequena igreja de São Sebastião em Água Preta.
Maria das Dores, uma jovem de 22 anos, era conhecida por sua beleza austera e por seu porte altivo. Diferente de muitas moças da região que recebiam apenas educação básica em casa, Maria das Dores havia estudado por alguns anos em um colégio para moças no Recife, onde aprendeu francês e piano, além das prendas domésticas consideradas essenciais para uma dama da sociedade.
O casamento entre José Carlos e Maria das Dores foi arranjado rapidamente com a aprovação entusiasmada do pai da noiva Joaquim Cavalcante, que via na União uma oportunidade de expandir suas próprias terras e influência. A cerimônia ocorreu na igreja de São Sebastião em janeiro de 1843 e foi seguida por uma recepção no Engenho Santa Cruz, para a qual foram convidadas as famílias mais influentes da região. Os primeiros meses do casamento transcorreram com aparente normalidade.
Maria das Dores assumiu o papel de senhora do Engenho, supervisionando a Casa Grande e os serviços domésticos realizados pelos escravizados da casa. José Carlos, por sua vez, dedicava-se à administração do engenho e aos negócios relacionados ao comércio do açúcar. Foi em abril daquele mesmo ano que os primeiros acontecimentos estranhos começaram a ser notados pelos trabalhadores do engenho.
Segundo relatos registrados posteriormente pelo pároco local, padre Francisco Xavier, em seu diário pessoal encontrado décadas depois em um arquivo da igreja, os escravizados começaram a apresentar sinais de enfraquecimento progressivo, mesmo aqueles que trabalhavam em funções menos exigentes fisicamente.
De acordo com o Diário do Padre Xavier, datado de 12 de maio de 1843, ele foi chamado ao engenho para administrar os últimos sacramentos a três escravizados que haviam falecido na mesma semana. Em sua anotação, ele escreveu: “Chamou-me a atenção o aspecto dos defuntos, todos com uma palidez extrema e uma magreza que não condiz com o que se espera de trabalhadores de um engenho próspero como o Santa Cruz.
” Ao indagar sobre a causa das mortes, o Senhor José Carlos informou-me que uma febre havia se instalado entre os negros, mas não observei sinais de febre nos corpos. Rezei pelos seus espíritos e os encomendei a Deus, mas saí do engenho com uma inquietação que não consigo explicar. Nas semanas seguintes, mais mortes foram registradas entre os escravizados do Engenho Santa Cruz. O médico da vila, Dr.
Manuel Pereira da Silva, foi chamado ao local após a sétima morte em menos de meses. Em um relatório enviado ao presidente da província, documento este encontrado no Arquivo Público de Pernambuco, durante uma pesquisa realizada em 1962, o Dr. Manuel relatou que os escravizados apresentavam sintomas de desnutrição severa, apesar das afirmações de José Carlos de que eram bem alimentados.
No mesmo relatório, o Dr. Manuel mencionou um detalhe que posteriormente seria considerado significativo. Notei que, apesar das mortes constantes entre os escravizados, o depósito de alimentos do engenho estava bem abastecido, com feijão, farinha e carne seca, em quantidade suficiente para alimentar todos os trabalhadores. Quando questionei o Senr. José Carlos sobre isso.
Ele afirmou que os alimentos eram distribuídos diariamente sob a supervisão de sua esposa, a senhora Maria das Dores, que havia assumido essa responsabilidade como parte de suas funções, como senhora do engenho. Em junho de 1843, um incidente alterou o curso dos acontecimentos no Engenho Santa Cruz.
Uma das escravizadas domésticas, Josefa, de aproximadamente 30 anos, fugiu do engenho e buscou refúgio na casa do padre Xavier. Segundo o relato do padre em seu diário, Josefa estava em estado de extrema agitação e temia por sua vida. Foi nesse momento que as primeiras suspeitas sobre o que realmente ocorria no engenho vieram à tona.
Conforme o diário do padre Xavier, Josefa relatou que desde a chegada de Maria das Dores como senhora do engenho, a alimentação dos escravizados havia mudado drasticamente. Segundo ela, Maria das Dores supervisionava pessoalmente o preparo das refeições destinadas aos trabalhadores e adicionava algo às panelas, uma substância que ela mantinha guardada em um pequeno armário em seus aposentos privados, ao qual apenas ela tinha acesso.
Josefa contou que havia conseguido observar Maria das Dores em uma ocasião através de uma fresta na porta da cozinha, quando esta acreditava estar sozinha. Segundo seu relato, a senhora do engenho adicionava um pós branquiçado às panelas, mexendo cuidadosamente para que se dissolvesse por completo. Após consumirem as refeições, os escravizados começavam a apresentar sintomas como fraqueza, tontura e com o passar do tempo, perda de peso e deterioração física.
O padre, inicialmente cético quanto às acusações, ofereceu abrigo a Josefa e prometeu investigar o assunto. No entanto, na manhã seguinte, quando se preparava para visitar o engenho, foi informado que Josefa havia desaparecido durante a noite. Em seu diário, ele registrou: “A negra Josefa não se encontra mais em minha casa.
Temo que tenha sido encontrada e levada de volta ao engenho. Ou pior, devo proceder com cautela em minhas investigações, pois se suas acusações têm fundamento, estamos diante de algo verdadeiramente perturbador. Na segunda quinzena de junho, o padre Xavier fez uma visita ao Engenho Santa Cruz sob o pretexto de discutir a organização de uma festa em honra a São João.
Durante sua estada, solicitou permissão para abençoar os aposentos da Casagr, um pedido que foi aceito por José Carlos, mas que causou visível desconforto em Maria das Dores. Segundo o diário do padre, ao entrar nos aposentos privados do casal, ele notou um pequeno armário entalhado, com fechadura, posicionado próximo à penteadeira de Maria das Dores.
Quando questionada sobre o objeto, a senhora respondeu prontamente que ali guardava seus perfumes e cosméticos trazidos da França e que mantinha o armário fechado para que as escravizadas domésticas não tivessem acesso a itens tão valiosos. O padre não insistiu no assunto, mas em seu diário escreveu: “A reação da Senora Maria das Dores, ao meu interesse pelo armário, foi desproporcional à natureza da pergunta.
Seus olhos, usualmente frios e distantes, apresentaram um brilho febril, e suas mãos tremiam levemente ao segurar o terço durante minha bênção. Há algo naquela casa que não se revela à primeira vista. Durante o mês de julho, mais três escravizados faleceram no Engenho Santa Cruz. O Dr. Manuel, cada vez mais intrigado com os casos, solicitou permissão a José Carlos para realizar uma autópsia em um dos corpos, pedido este que foi veementemente negado, sob a alegação de que tal procedimento seria desrespeitoso e poderia causar agitação entre os
demais escravizados. Em agosto de 1843, um acontecimento inesperado trouxe novas informações sobre o caso. Claudina, uma senhora idosa que havia sido ama de leite de Maria das Dores e que ainda vivia na propriedade dos Cavalcante, procurou o padre Xavier com informações que considerava perturbadoras. Segundo o relato do padre em seu diário, Claudina revelou que Maria das Dores desde a adolescência demonstrava um fascínio incomum por substâncias e seus efeitos no corpo humano. A idosa contou que aos 15 anos Maria das Dores havia
sido encontrada em um dos galpões da propriedade, experimentando misturas de ervas em pequenos animais para observar suas reações. Claudina relatou ainda que após o incidente o pai de Maria das Dores havia proibido que ela se aproximasse dos galpões, mas que a jovem continuara seus experimentos em segredo, auxiliada por um antigo escravo conhecido por seus conhecimentos em ervas medicinais e venenos, chamado pai Jeremias.
De acordo com Claudina, pai Jeremias havia ensinado a Maria das Dores os segredos de diversas plantas e substâncias, algumas com propriedades curativas, outras com efeitos nocivos ao organismo. Entre estas últimas estava uma raiz conhecida na região como flor do sono, uma planta que quando processada adequadamente e consumida em pequenas doses por um longo período, causava enfraquecimento progressivo e, eventualmente a morte.
O padre Xavier registrou em seu diário: “As revelações de Claudina lançam uma luz sinistra sobre os acontecimentos no Engenho Santa Cruz. Se suas palavras são verdadeiras, estamos diante não apenas de um crime, mas de uma mente perturbada que encontrou no poder sobre a vida e a morte uma forma de satisfação pessoal. Em setembro de 1843, novos elementos foram adicionados ao mistério.
José Carlos, que inicialmente havia defendido sua esposa das suspeitas crescentes, começou a demonstrar sinais de desconfiança. Segundo relatos de comerciantes da região registrados posteriormente em depoimentos ao delegado de água preta, o senhor do engenho havia emagrecido consideravelmente e apresentava um aspecto doentio.
Em uma visita ao padre Xavier, registrada em seu diário em 15 de setembro, José Carlos confidenciou que havia começado a suspeitar que algo estranho ocorria em sua própria casa. Segundo ele, Maria das Dores insistia em servir pessoalmente seu prato durante as refeições. E em mais de uma ocasião ele havia notado um sabor ligeiramente amargo em sua comida, diferente do que era servido aos convidados.
José Carlos relatou ainda que após recusar uma sopa preparada especialmente por Maria das Dores, alegando indisposição, ele havia melhorado temporariamente, o que aumentou suas suspeitas. Ele contou ao padre que planejava confrontar sua esposa, mas temia por sua própria segurança. O padre Xavier aconselhou cautela e sugeriu que José Carlos procurasse provas concretas antes de qualquer confronto. No entanto, o conselho chegou tarde demais.
Três dias após essa conversa, em 18 de setembro de 1843, José Carlos Albuquerque Melo foi encontrado morto em seus aposentos. aparentemente vítima de um ataque cardíaco durante o sono. Maria das Dores, agora viúva aos 22 anos, assumiu o controle total do engenho Santa Cruz, com o apoio de seu pai, Joaquim Cavalcante.
O enterro de José Carlos foi realizado com todas as honras na Igreja de São Sebastião, e Maria das Dores demonstrou o luto apropriado, vestindo-se de preto e mantendo uma expressão de tristeza serena durante toda a cerimônia. O padre Xavier, cada vez mais convencido de que algo sinistro ocorria no engenho, decidiu compartilhar suas suspeitas com o delegado de água preta, tenente Augusto Viana.
Em seu diário, ele registrou: “Visitei o tenente Viana e expus minhas preocupações quanto aos acontecimentos no Santa Cruz. Relatei as mortes suspeitas, as confidências de José Carlos e as revelações de Claudina. O tenente mostrou-se cético, lembrando-me que a família cavalcante possui grande influência na região e que acusações sem provas concretas poderiam trazer consequências graves.
No entanto, prometeu investigar discretamente o caso. Durante os meses seguintes, as mortes entre os escravizados do Engenho Santa Cruz continuaram, embora em um ritmo menos acelerado. Maria das Dores, aparentemente consciente das suspeitas que acercavam, tornou-se mais cautelosa em suas ações. Segundo relatos de escravizados domésticos que posteriormente foram registrados pelo tenente Viana, ela havia transferido o misterioso armário para um cômodo nos fundos da Casagrande, um pequeno quarto que mantinha constantemente fechado.
Em dezembro de 1843, um novo elemento foi adicionado ao caso. Joaquim Cavalcante, pai de Maria das Dores, foi encontrado morto em sua propriedade, aparentemente após consumir uma refeição preparada durante uma visita de sua filha. A morte atribuída oficialmente a causas naturais devido à idade avançada do fazendeiro, levantou novas suspeitas entre aqueles que acompanhavam os acontecimentos no Engenho Santa Cruz.
Com a morte do pai, Maria das Dores herdou também as propriedades dos Cavalcante, tornando-se uma das pessoas mais ricas da região. Sua influência crescente dificultava qualquer investigação oficial sobre as mortes suspeitas associadas a ela. No início de 1844, o tenente Viana, apesar da resistência que enfrentava, conseguiu obter uma ordem judicial para esumar o corpo de José Carlos Albuquerqu Melo.
A autópsia realizada pelo Dr. Manuel Pereira da Silva revelou traços de uma substância desconhecida nos restos mortais. Em seu relatório, o médico afirmou que os sintomas descritos e os achados na autópsia eram consistentes com envenenamento pursênico, uma substância que, em dos pequenas e constantes, poderia causar os sintomas observados, tanto em José Carlos quanto nos escravizados falecidos.
Armado com essa evidência, o tenente Viana planejava confrontar Maria das Dores e realizar uma busca minuciosa no Engenho Santa Cruz. No entanto, na noite anterior à ação planejada, o quartel da polícia em água preta foi misteriosamente incendiado, destruindo todas as evidências coletadas, incluindo o relatório da autópsia e os depoimentos dos escravizados.
O incêndio foi oficialmente atribuído a um acidente causado por uma lamparina deixada acesa durante a noite. Mas o tenente Viana, em uma carta pessoal enviada ao presidente da província, documento este encontrado no Arquivo Público de Pernambuco, em 1966, expressou sua convicção de que o fogo havia sido proposital e que Maria das Dores estava de alguma forma envolvida.
Nos meses seguintes, uma série de eventos inesperados ocorreu em Água Preta. O tenente Viana foi transferido para uma localidade distante no sertão pernambucano após acusações de conduta imprópria feitas por testemunhas que posteriormente foram identificadas como pessoas ligadas à família cavalcante. O Dr.
Manuel Pereira da Silva faleceu repentinamente após uma refeição na casa de um amigo comum, seu e de Maria das Dores, com sintomas similares aos descritos nas vítimas anteriores. O padre Xavier, que havia mantido registros detalhados de todos os acontecimentos, começou a temer por sua própria vida. Em abril de 1844, ele escreveu em seu diário: “Sinto que estou sendo observado constantemente.
Ontem, ao retornar da visita a um enfermo, encontrei meus aposentos revirados. Embora nada de valor tenha sido levado, tenho certeza de que procurava o meu diário, que mantenho sempre comigo. Esta manhã, uma cesta com frutas foi deixada em minha porta, sem identificação do remetente. Não toquei nelas, lembrando-me do destino do Dr. Manuel.
Devo tomar precauções adicionais. No final de abril, o padre entregou seu diário a um jovem seminarista que partia para o Recife com instruções para que o documento fosse guardado em segurança no arquivo da diocese. Uma semana depois, em 2 de maio de 1844, o padre Xavier foi encontrado morto em seus aposentos, aparentemente vítima de um ataque cardíaco.
Maria das Dores, agora controlando tanto o engenho Santa Cruz quanto as propriedades de seu pai, continuou a expandir seus domínios, adquirindo terras vizinhas e aumentando sua produção de açúcar. O açúcar do Santa Cruz, com seu característico tom avermelhado, continuava a ser um dos mais requisitados da região, apesar dos rumores que começavam a circular sobre as estranhas mortes associadas ao engenho.
Em agosto de 1844, Maria das Dores anunciou que se casaria novamente, desta vez com um comerciante português recém-chegado ao Recife, Fernando Gomes da Costa. O casamento foi celebrado na igreja de São Sebastião, a mesma onde seu primeiro matrimônio havia sido realizado menos de dois anos antes.
Fernando Gomes da Costa, um homem de negócios ambicioso e sem conhecimento dos eventos passados em Água Preta, viu na união com Maria das Dores uma oportunidade de estabelecer-se como produtor de açúcar e expandir seus negócios. Segundo relatos da época, ele ficou impressionado não apenas com a riqueza de sua noiva, mas também com sua aparente competência na administração dos negócios.
Nos meses seguintes ao casamento, Fernando começou a apresentar os mesmos sintomas que haviam acometido José Carlos. Perda de peso, fraqueza progressiva, palidez extrema. Em dezembro de 1844, apenas quatro meses após o casamento, Fernando Gomes da Costa faleceu durante o sono, oficialmente vítima de febre tísica, conforme registrado pelo novo médico da vila, um jovem recém formado que havia substituído o Dr. Manuel.
Maria das Dores, agora duas vezes viúva antes dos 24 anos, assumiu novamente o papel de mulher em luto, vestindo-se de preto e mantendo o recato esperado de uma viúva respeitável. No entanto, os rumores sobre sua possível participação nas mortes de seus maridos e dos escravizados do engenho começaram a se intensificar.
Em março de 1845, um acontecimento inesperado trouxe novos elementos ao caso. Um dos antigos escravizados do engenho Santa Cruz, que havia conseguido fugir meses antes, foi capturado em Recife e devolvido à sua proprietária, Maria das Dores. O homem chamado Benedito havia relatado a um abolicionista na capital da província que a senhora do engenho envenenava sistematicamente os escravizados para manter o controle sobre eles e observar os efeitos de diferentes substâncias em seus corpos.
O abolicionista Antônio Borges conseguiu registrar o depoimento de Benedito e enviá-lo ao chefe de polícia do Recife antes que o escravizado fosse recapturado. O documento encontrado no Arquivo Público de Pernambuco em 1964, Benedito relatava que Maria das Dores mantinha um diário onde registrava meticulosamente as doses administradas e os efeitos observados em cada uma de suas vítimas.
Segundo Benedito, a senhora do Engenho havia desenvolvido diferentes misturas. Algumas causavam morte rápida, outras levavam a um definhamento lento e algumas apenas debilitavam sem matar, permitindo que ela mantivesse os escravizados em um estado constante de fraqueza, o que facilitava o controle sobre eles. O chefe de polícia do Recife, mais distante da influência da família Cavalcante, decidiu iniciar uma investigação discreta sobre as acusações.
Em maio de 1845, ele enviou um oficial disfarçado como comerciante de açúcar para visitar o engenho Santa Cruz e avaliar a situação. O oficial Alferes João Mendes permaneceu na região por duas semanas, hospedando-se em uma pequena pousada em água preta e visitando diversos engenhos, incluindo o Santa Cruz.
Em seu relatório, encontrado no Arquivo Público de Pernambuco em 1965, ele descreveu suas observações. Visitei o Engenho Santa Cruz como parte de minha ronda pelos produtores da região. Fui recebido pela proprietária Senora Maria das Dores Cavalcante, uma mulher de aparência refinada e maneiras educadas.
Ela me convidou para conhecer as instalações e ofereceu-me uma degustação do açúcar produzido no engenho. Durante minha visita, observei que os escravizados do Santa Cruz apresentavam um aspecto notavelmente diferente dos que via em outros engenhos da região. Estavam todos extremamente magros, com olhares apáticos e movimentos lentos. Quando questionei a senhora Maria das Dores sobre isso, ela respondeu com naturalidade que seguia um regime alimentar específico para seus escravizados, baseado em princípios que havia estudado, que, segundo ela, mantinha os mais dóceis e menos propensos a revoltas. A senhora me
mostrou os depósitos de alimentos bem abastecidos, o que contradiz a aparência famélica dos trabalhadores. Pude observar que ela supervisionava pessoalmente o preparo das refeições destinadas aos escravizados, algo incomum para uma senhora de sua posição.
Em uma ocasião, enquanto ela se ausentou para dar instruções a um capataz, consegui conversar brevemente com uma das escravizadas domésticas. A mulher, tremendo de medo, confirmou em sussurros que a senhora coloca algo na comida que faz o corpo ficar fraco e a mente confusa. Quando perguntei por não se recusavam a comer, ela respondeu que aqueles que tentavam eram severamente punidos.
e forçados a ingerir doses maiores da substância, o que geralmente resultava em morte rápida. Na casa grande, notei um pequeno cômodo nos fundos, mantido constantemente fechado. Segundo comentários dos serviçais, apenas a Senora Maria das Dores tinha acesso ao local onde supostamente guardava remédios e poções. Baseado em minhas observações e nos relatos coletados, acredito que há fundamento nas acusações feitas contra a Senra Maria das Dores Cavalcante.
Recomendo uma ação oficial para investigar o conteúdo do cômodo fechado e examinar amostras dos alimentos fornecidos aos escravizados. O relatório do Alferes João Mendes resultou em uma ordem de busca emitida pelo juiz de direito da comarca para ser executada em junho de 1845. No entanto, um dia antes da data prevista para a ação, o engenho Santa Cruz foi consumido por um incêndio de grandes proporções.
O fogo, que começou durante a noite, destruiu completamente a Casa Grande e parte das instalações de produção. Maria das Dores, que segundo testemunhas, havia saído do engenho na tarde anterior com destino ao Recife, não estava presente no momento do incêndio.
Vários escravizados pereceram nas chamas, incluindo todos aqueles que trabalhavam na casa grande e poderiam ter testemunhado contra sua senhora. As autoridades oficialmente atribuíram o incêndio a um acidente na Casa de Caldeiras, onde o fogo utilizado no processo de produção do açúcar teria se propagado de forma descontrolada. No entanto, o alferis João Mendes, em um relatório confidencial ao chefe de polícia, expressou sua convicção de que o fogo havia sido deliberadamente provocado para destruir evidências.
Maria das Dores, após o incêndio, nunca retornou à água preta. Com o dinheiro obtido do seguro e da venda das terras que ainda possuía na região, ela embarcou em um navio com destino a Portugal, onde, segundo registros portuários encontrados no Arquivo Nacional em 1968, ela desembarcou em Lisboa em agosto de 1845. Os registros sobre o destino de Maria das Dores após sua chegada a Portugal são escassos e contraditórios.
Alguns documentos sugerem que ela se estabeleceu na região do porto, onde possivelmente se casou novamente e viveu com descrição. Outros indicam que ela pode ter seguido para a França, onde seu rastro se perde completamente. O caso do Engenho Santa Cruz e das mortes suspeitas associadas à Maria das Dores Cavalcante gradualmente caiu no esquecimento oficial. As propriedades devastadas pelo incêndio foram eventualmente vendidas e divididas entre novos proprietários que reconstruíram as instalações e reiniciaram a produção de açúcar. No entanto, a memória dos acontecimentos permaneceu viva entre a
população local, transformando-se gradualmente em uma lenda sombria que era contada em sussurros. Dizia-se que em noites de lua cheia era possível ouvir os gemidos dos escravizados mortos nas ruínas do antigo engenho e que o espírito de Maria das Dores ainda vagava pelos canaviais, buscando novas vítimas para seus experimentos macabros.
Em 1960, quase 120 anos após os eventos, um historiador da Universidade Federal de Pernambuco, professor Carlos Eduardo Menezes, iniciou uma pesquisa sobre os engenhos de açúcar da região de Água Preta no século XIX. Durante suas investigações nos arquivos da antiga diocese do Recife, ele encontrou o diário do padre Francisco Xavier, preservado conforme as instruções do religioso.
O diário, juntamente com os relatórios policiais e médicos encontrados nos anos seguintes em diversos arquivos permitiu a reconstrução parcial dos eventos ocorridos no Engenho Santa Cruz. Em seu livro Açúcar Amargo, Crimes e Poder na Sociedade escravocrata pernambucana, publicado em 1969, o professor Menezes apresentou evidências convincentes de que Maria das Dores Cavalcante havia sido responsável por dezenas de mortes através de envenenamento sistemático.
Segundo a análise do historiador, Maria das Dores representava um caso raro de assassina. em série do século XIX, cuja posição social e o contexto escravocrata permitiram que ela conduzisse seus crimes por um longo período sem enfrentar consequências legais. Ele sugeriu que o verdadeiro número de vítimas jamais será conhecido, mas estimou que poderia chegar a mais de 100 pessoas, incluindo seus dois maridos, seu pai, diversos escravizados e, possivelmente, outras pessoas que cruzaram seu caminho após sua fuga para a Europa. Em um epílogo perturbador, o
professor Menezes mencionou um detalhe intrigante descoberto durante sua pesquisa. O açúcar produzido no engenho Santa Cruz, famoso por seu tom avermelhado, era processado em Caldeiras, onde, segundo os relatos dos escravizados sobreviventes, Maria das Dores ocasionalmente adicionava uma substância desconhecida.
Alguns desses relatos sugeriam que essa substância continha sangue humano, possivelmente das vítimas que não sobreviviam aos seus experimentos, embora essa alegação nunca tenha sido comprovada. No local onde antes se erguia o engenho Santa Cruz, hoje existe uma pequena vila agrícola.
Os moradores mais antigos ainda se recusam a falar abertamente sobre a história do local, e muitos fazem o sinal da cruz ao passar pelas ruínas das antigas fundações da Casagrande, que ainda podem ser vistas parcialmente entre a vegetação que cresceu sobre elas.
Em 2015, durante obras de expansão da rodovia estadual, que passa próxima à antiga localização do Engenho Santa Cruz, trabalhadores descobriram uma série de ossadas humanas enterradas em uma área que, segundo mapas antigos, correspondia aos fundos da Casagre. As autoridades foram notificadas e uma equipe de arqueólogos da Universidade Federal de Pernambuco foi chamada para analisar os achados. A professora Dra.

Mariana Almeida, que liderou a equipe, relatou em entrevista ao jornal local que os ossos apresentavam características consistentes com um estado de desnutrição severa e, em alguns casos, mostravam traços de substâncias que poderiam indicar envenenamento. Encontramos cerca de 26 esqueletos, todos enterrados de forma improvisada, sem qualquer preparação ritual ou cuidado comum nos enterramentos da época.
Alguns apresentavam marcas nos pulsos e tornozelos, sugerindo que haviam sido mantidos amarrados, afirmou a arqueóloga. Entre os objetos encontrados junto aos restos mortais estava um pequeno frasco de vidro parcialmente derretido pelo incêndio que destruiu o engenho, mas ainda preservando traços de uma substância que, após análises laboratoriais, foi identificada como uma mistura contendo arsênico, beladona e outras ervas com propriedades tóxicas.
Mais perturbador ainda foi a descoberta em meio aos escombros do que teria sido o cômodo reservado de Maria das Dores, de fragmentos de um caderno com páginas parcialmente legíveis, onde uma caligrafia feminina e educada registrava metodicamente doses, sintomas observados e tempo de sobrevivência. Os fragmentos foram cuidadosamente preservados e encontram-se atualmente no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade, embora não estejam em exibição pública.
De acordo com o professor Luís Henrique Gomes, especialista em história da escravidão no Brasil, que examinou os documentos, os registros de Maria das Dores revelam uma mentalidade metódica e completamente desapegada de considerações morais. Ela se referia aos escravizados por números, não por nomes, e descrevia suas mortes com a frieza de quem observa um experimento científico.
Em um dos fragmentos mais perturbadores, ela escreve sobre como alterou a composição de uma de suas misturas para prolongar o sofrimento do sujeito 17, aparentemente para testar os limites da resistência humana”, explicou o historiador. Os registros também fazem referências enigmáticas a um projeto maior que Maria das Dores estaria desenvolvendo relacionado ao processamento do açúcar produzido no engenho.
Em um dos fragmentos mais intrigantes, parcialmente danificado pelo fogo, ela escreveu: “Mistura-se perfeitamente ao melaço durante o cozimento, tornando-se indistinguível. O tom avermelhado resultante é apreciado pelos compradores que o consideram indicativo de qualidade superior. Ninguém suspeita que estão consumindo. O restante da página foi destruído pelo incêndio.
Essa passagem levantou questões inquietantes sobre a possibilidade de que Maria das Dores estivesse não apenas envenenando os escravizados e familiares, mas também adicionando substâncias desconhecidas ao açúcar produzido no engenho, que era amplamente comercializado na região e exportado para a Europa. A Dra.
Cláudia Ribeiro, toxicologista que participou das análises dos restos encontrados no local, afirmou em seu relatório: “Algumas das substâncias identificadas nos fragmentos do diário e nos resíduos do frasco tem propriedades que poderiam, em doses muito pequenas, ser adicionadas a alimentos sem causar morte imediata, mas produzindo dependência e estados alterados de consciência.
É perturbador considerar as implicações disso em um produto amplamente consumido como o açúcar. Em 2016, um descendente de um dos comerciantes que adquiriam açúcar do Engenho Santa Cruz, o empresário português Antônio Ferreira, encontrou entre os papéis de família documentos que mencionavam o açúcar vermelho de Pernambuco e seus efeitos peculiares. Segundo uma carta datada de 1844, escrita por seu trisavô a um sócio, o açúcar do engenho Santa Cruz era apreciado não apenas por seu sabor, mas por propriedades que o comerciante descrevia como revigorantes e produtoras
de sensações agradáveis. Na mesma carta, o comerciante mencionava que alguns clientes em Lisboa desenvolviam uma preferência tão forte por esse açúcar específico que se recusavam a consumir qualquer outro e estavam dispostos a pagar preços muito acima do mercado para obtê-lo. Ele relatava ainda que após o consumo regular desse açúcar, alguns clientes relatavam sonhos vívidos e uma sensação de bem-estar que se transformava em inquietação quando o produto não estava disponível. Essas descrições levantaram a hipótese entre os pesquisadores
contemporâneos de que Maria das Dores poderia estar adicionando ao açúcar substâncias com propriedades aditivas. possivelmente derivadas das mesmas plantas que ela utilizava em seus experimentos com os escravizados, mas em doses controladas para não causar danos evidentes aos consumidores. A professora de história da ciência, Dra.
Helena Campos, da Universidade de Coimbra, que estudou o caso após a divulgação dos achados arqueológicos, propôs uma teoria intrigante. Maria das Dores parece ter sido uma espécie de cientista amadora com conhecimentos avançados de botânica e química para sua época. Ela pode ter descoberto, através de seus experimentos macabros, substâncias que afetavam o sistema nervoso de maneiras específicas.
O açúcar seria um veículo perfeito para essas substâncias, já que era consumido regularmente e seu sabor doce poderia mascarar outros componentes. A professora sugeriu ainda que o interesse de Maria das Dores não seria apenas financeiro, mas refletiria uma busca por poder e controle que transcendia o âmbito do engenho.
Ao criar consumidores dependentes de seu produto, ela estabelecia uma forma de controle muito mais ampla e sutil do que aquela exercida sobre os escravizados. É uma perspectiva assustadora sobre como uma mente perturbada, mas brilhante, poderia explorar as vulnerabilidades humanas em múltiplos níveis. Em 2017, durante a restauração de uma antiga residência na região do porto em Portugal, foram encontrados documentos que lançaram nova luz sobre o destino de Maria das Dores após sua fuga do Brasil.
Entre os papéis descobertos em um compartimento secreto na parede, havia cartas e um pequeno diário que, após análise caligráfica comparativa com os fragmentos encontrados no Engenho Santa Cruz, foram atribuídos a Maria das Dores Cavalcante. Os documentos revelaram que ela havia adotado uma nova identidade em Portugal, passando a chamar-se Maria Helena Teixeira, supostamente viúva de um comerciante brasileiro.
Compartuir antes de sua fuga, ela estabeleceu-se inicialmente no porto, onde viveu discretamente por alguns anos. O mais perturbador, porém, foi a descoberta de que Maria das Dores não havia abandonado suas práticas após deixar o Brasil. O diário encontrado continha registros similares aos fragmentos descobertos no engenho, detalhando experimentos realizados com serviçais e, posteriormente, com pacientes de um pequeno hospício nos arredores de Braga, onde ela teria trabalhado como voluntária sob sua nova identidade.
Uma entrada datada de 1851 mencionava: “O sujeito oito respondeu excepcionalmente bem à nova formulação. A dose administrada durante três semanas consecutivas produziu um estado de completa docilidade e dependência, sem os efeitos colaterais observados nas versões anteriores. Ele agora realiza qualquer tarefa solicitada sem questionamentos.
mesmo aquelas que anteriormente recusava com veemência. Sua vontade própria parece ter sido completamente suprimida, embora as funções intelectuais básicas permaneçam intactas. Este é o avanço que eu buscava desde os tempos do engenho. Outras entradas sugeriam que Maria das Dores havia estabelecido contato com comerciantes de especiarias e substâncias exóticas, expandindo seu conhecimento sobre compostos com propriedades psicoativas.
Ela mencionava experimentos com extratos de plantas da Ásia e África combinados com técnicas que havia desenvolvido no Brasil. Particularmente inquietante era uma série de entradas iniciada em 1853, que descrevia sua aproximação com a alta sociedade portuguesa através de um salão literário que passou a frequentar.
O diário sugeria que ela havia começado a adicionar pequenas doses de suas substâncias a chás e doces que oferecia durante reuniões sociais, observando e registrando as reações de pessoas influentes da sociedade portuense. uma entrada de 1854 mencionava: “O Condde Mostrou-se particularmente suscetível após apenas três encontros nos quais consumiu o meu chá especial, já demonstra sinais claros de dependência, buscando minha companhia com frequência crescente e mostrando-se cada vez mais aberto à sugestões.
Através dele, tenho agora acesso a círculos ainda mais elevados da sociedade. O poder que um homem acredita possuir é irrisório comparado àquele exercido por quem controla sua mente sem que ele perceba. Os registros tornavam-se mais esparços após 1860, com a última entrada datada de dezembro de 1867, quando Maria das Dores teria aproximadamente 46 anos.
Nesta entrada final, ela escreveu: “Cletei hoje o manuscrito que contém todas as minhas descobertas e formulações. Não é um trabalho para mentes comuns ou fracas. Nas mãos certas, porém, oferece o poder definitivo sobre a vontade humana. Sei que meu tempo se aproxima do fim. Os sintomas que observei em tantos outros agora se manifestam em mim mesma. O preço pelo conhecimento sempre foi alto.
Celei o manuscrito e o confiei a J, o único que demonstrou compreender verdadeiramente a magnitude de minha obra. Ele saberá quando e com quem compartilhar este legado. Não há registros oficiais sobre a morte de Maria das Dores ou Maria Helena, como era então conhecida.
Seu nome simplesmente desaparece dos documentos após 1868. A residência onde os documentos foram encontrados havia pertencido a um certo Joaquim Teixeira, um médico que trabalhava no mesmo hospício onde ela atuava como voluntária. Não se sabe se este seria o J mencionado na entrada final de seu diário. O manuscrito ao qual Maria das Dores se referia em sua última anotação nunca foi encontrado.
Historiadores e pesquisadores divergem sobre seu destino. Alguns acreditam que foi destruído pelo próprio Joaquim Teixeira, talvez horrorizado com seu conteúdo. Outros sugerem que pode ter sido preservado e passado adiante em segredo, possivelmente chegando às mãos de pessoas envolvidas com estudos sobre controle mental e manipulação psicológica no início do século XX.
A Dra. Isabel Monteiro, pesquisadora da história da medicina na Universidade do Porto, que estudou os documentos encontrados, expressou uma preocupação perturbadora. Se considerarmos a possibilidade de que o manuscrito de Maria das Dores tenha sobrevivido e circulado em certos círculos, é inquietante pensar que suas técnicas de manipulação psicológica e química poderiam ter influenciado experimentos posteriores em controle mental, talvez até mesmo alguns dos programas controversos desenvolvidos por agências governamentais durante o século
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Em 2019, durante a catalogação de documentos no arquivo da antiga polícia de vigilância e defesa do Estado, PvDE portuguesa, foram encontradas referências a um manuscrito apreendido em 1938, durante uma operação contra uma sociedade secreta em Lisboa. O documento era descrito como um tratado sobre manipulação da vontade humana através de meios químicos atribuído a uma mulher brasileira do século XIX.
Segundo a ficha de catalogação, o manuscrito foi enviado a um laboratório mantido pelo governo, mas não há registros posteriores sobre seu destino. Este achado alimentou especulações sobre a possibilidade de que o trabalho de Maria das Dores tenha sobrevivido e potencialmente influenciado pesquisas clandestinas sobre controle mental.
No entanto, na ausência de evidências concretas, tais teorias permanecem no campo da especulação. O que resta como fato histórico documentado é que Maria das Dores Cavalcante foi responsável pela morte de dezenas de pessoas no engenho Santa Cruz, utilizando seus conhecimentos de botânica e química para conduzir experimentos macabros sobre o controle da mente e do corpo humanos.
Sua história representa um capítulo sombrio na história de Pernambuco, um lembrete dos horrores que podem ser perpetrados quando o poder absoluto sobre outras vidas humanas se combina com uma mente brilhante, mas desprovida de empatia ou restrições morais. Até hoje, nas proximidades do antigo Engenho Santa Cruz, os moradores mais antigos relatam sensações inexplicáveis de malestar e angústia ao passar perto das ruínas.
Alguns afirmam ouvir em noites particularmente silenciosas sons que lembram gemidos vindos da direção onde ficava a casa grande. Outros dizem que ocasionalmente um odor adocicado e levemente metálico pode ser sentido no ar, mesmo quando não há canaviais sendo queimados na região. A figura de Maria das Dores transformou-se em uma espécie de lenda local, uma presença sombria que ainda assombra a memória coletiva.
Crianças da região são advertidas por seus pais a não brincar próximo às ruínas do antigo engenho. Histórias sobre a Senhora do Açúcar Vermelho são contadas em reuniões familiares, sempre em tom de alerta sobre os perigos que podem se esconder sob aparências respeitáveis. Em 2020, uma cineasta pernambucana iniciou a produção de um documentário sobre o caso entrevistando historiadores, arqueólogos e descendentes de pessoas que viveram na região durante o período em que o engenho Santa Cruz operava.
Durante as filmagens, um incidente inexplicado ocorreu quando a equipe tentava captar imagens noturnas das ruínas. Todo o equipamento eletrônico falhou simultaneamente, incluindo câmeras, microfones e luzes, retornando ao funcionamento normal apenas quando foram removidos do local.
A diretora, que prefere não ser identificada, relatou em uma entrevista: “Sou uma pessoa cética por natureza, mas o que experimentei naquelas ruínas desafia explicações racionais. Não foi apenas o equipamento, foi uma sensação opressiva, como se algo ou alguém não quisesse que continuássemos nosso trabalho ali.
Vários membros da equipe relataram pesadelos nas noites seguintes, todos envolvendo uma mulher de vestido escuro que os observava silenciosamente com um pequeno frasco nas mãos. O documentário foi eventualmente concluído, utilizando imagens captadas durante o dia e ilustrações para cenas noturnas, e exibido em festivais de cinema com foco em histórias reais de crime.
Críticos elogiaram a abordagem que equilibrava o rigor histórico com a atmosfera inquietante do caso, chamando atenção para aspectos frequentemente ignorados da história brasileira, como a vulnerabilidade extrema dos escravizados, não apenas a violência física, mas também a formas mais insidiosas de abuso e experimentação.
Em suas considerações finais, a narradora do documentário observa: “A história de Maria das Dores Cavalcante e do Engenho Santa Cruz, nos lembra que os maiores horrores não são aqueles que envolvem violência explícita, mas os que se escondem sob o manto da normalidade e da respeitabilidade social.
Em uma sociedade que já normalizava o controle absoluto sobre vidas humanas através da escravidão, Maria das Dores encontrou espaço para levar esse controle a extremos ainda mais perturbadores, explorando não apenas os corpos, mas as mentes de suas vítimas. Talvez o legado mais assustador dessa história seja a sugestão de que as técnicas desenvolvidas por ela podem não ter morrido junto com sua criadora, mas sobrevivido através de seu manuscrito, influenciando posteriormente outros experimentos em controle mental.
Quantas outras Marias das Dores existiram ao longo da história, aproveitando-se de posições de poder para satisfazer impulsos sombrios. E quantas existem hoje, escondidas sobras de normalidade, continuando seu trabalho macabro nas sombras? O mistério do engenho Santa Cruz e de sua sinistra proprietária permanece parcialmente irresolvido.
Enquanto os fatos básicos foram estabelecidos através de documentos históricos e evidências arqueológicas, muitas questões continuam sem resposta definitiva. Qual era exatamente a substância que Maria das Dores adicionava ao açúcar produzido no engenho? Quem era o misterioso J mencionado em seu diário final? O manuscrito, contendo suas fórmulas e técnicas, realmente sobreviveu? E se sim, onde está agora? Estas perguntas talvez nunca sejam respondidas completamente.
O que resta é a memória de um capítulo sombrio na história de Pernambuco. Uma história que nos lembra que os verdadeiros monstros não são criaturas sobrenaturais, mas seres humanos, cujas mentes brilhantes, quando desprovidas de empatia e restrições morais, podem conceber horrores além da imaginação.
Nas palavras finais do professor Carlos Eduardo Menezes, autor do livro sobre o caso A história de Maria das Dores é um lembrete perturbador de que o mal mais profundo não surge de forças sobrenaturais, mas da capacidade humana para a crueldade calculada e sistemática. Em cada época, em cada sociedade, existem indivíduos que, dado o poder suficiente e a ausência de restrições, são capazes de transformar outros seres humanos em meros objetos para satisfazer sua curiosidade mórbida ou sede de controle.
O verdadeiro horror não está nas trevas além de nossa compreensão, mas na luz fria e racional que guiou a mão de Maria das Dores, enquanto ela meticulosamente registrava o sofrimento de suas vítimas. M.