Era uma manhã tranquila na praça. Camilo Morgan, um homem de negócios rico e de aparência cansada, empurrava lentamente a cadeira de rodas de seu filho Juan, em meio àquele cenário de paz. O céu limpo refletia a luz suave do sol, e o som da fonte distante parecia trazer uma calma quase ensaiada. Mas, para Camilo, aquela manhã representava algo muito diferente.
Ele tinha tudo — empresas, carros, status. No entanto, nada disso parecia importar mais. Seu mundo tinha desmoronado há um ano, quando um acidente de carro tirou a vida de sua esposa e deixou seu filho, Juan, paraplégico. Desde então, o garoto se fechou no silêncio. Sua risada desapareceu, e seus olhos, antes cheios de vida, estavam apagados.
Camilo fazia de tudo para trazer de volta aquele brilho no olhar do filho. Passeios, brinquedos, histórias. Ele tentava ser o pai mais presente, mas ainda assim, parecia lutar contra um vazio que não cedia. Juan passava o tempo observando as pombas no chão, sem dizer uma palavra. O silêncio de Juan era mais doloroso do que qualquer palavra que ele pudesse dizer.
— Olha, filho, aquele homem com os balões! — Camilo tentou, tentando trazer um pouco de leveza ao dia.
Juan levantou os olhos, um sorriso leve e tímido surgiu em seu rosto. Camilo sentiu seu coração apertar.
— Eu me lembro… mas agora não consigo correr atrás deles.
— Nós vamos encontrar um jeito, Juan. Nem sempre precisamos correr para alcançar as coisas que queremos.
Mas dentro de Camilo, um medo profundo crescia. O medo de nunca mais ver aquele sorriso completo no rosto do filho. Eles continuaram andando pela praça, rodeados por crianças correndo e brincando. Era como se a vida ali fosse outra, diferente da vida silenciosa e dolorosa que eles levavam.
O celular de Camilo vibrou, e ele viu o nome Dr. Navarro na tela.
— É importante, filho. Vou ali rapidinho. Não saia daqui, tá?
Juan assentiu distraído, olhando para os balões que dançavam ao vento.
Camilo se afastou alguns metros, confiando que seu filho estava seguro, mas na sombra perto da fonte, algo estava prestes a acontecer. Héctor, um homem de aparência rude, com barba descuidada e olhar ameaçador, observava o movimento da praça. Ao lado dele estava sua filha, Ariana, uma menina de 10 anos, com a roupa rasgada e o cabelo bagunçado, claramente amedrontada.
Héctor sussurrava para a filha, explicando o plano para sequestrar o menino na cadeira de rodas. Ariana, com medo, relutava, mas a ameaça do pai a fazia seguir em frente.
— Você vai falar com ele, vai ganhar a confiança dele. Quando ele te der sinal, você pega a mão dele, e eu aplico o sedativo.
Ariana hesitou, mas a pressão do pai era imensa.
— Mas ele é só um menino…
Héctor apertou o braço da filha com força, olhando-a com raiva.
— E você também é. Agora vá, antes que eu te faça dormir sem comida.
Ariana engoliu seco e foi em direção a Juan. Cada passo que ela dava parecia mais pesado. Quando chegou perto dele, ela hesitou por um momento, mas tentou sorrir, tentando esconder o nervosismo.
— Oi, você gosta de balões? — perguntou ela, apontando para o céu.
Juan, com um leve sorriso, respondeu.
— Sim, mas eles sempre escapam.
Eles trocaram um breve olhar, e então Juan falou, a voz um pouco triste.
— Às vezes, eu também queria escapar, mas minhas pernas não deixam.
As palavras de Juan tocavam o coração de Ariana de uma maneira que ela não esperava. Ela abaixou a cabeça, sentindo um peso no peito.
— O que aconteceu? — perguntou ela, com a voz quase inaudível.
— Um acidente. Há um ano… Eu estava com minha mãe, e ela não sobreviveu. Eu… fiquei assim.
Ariana sentiu uma dor no peito.
— Sinto muito.
Ele sorriu fraco.
— Meu pai diz que temos que ser fortes, mas às vezes, eu só queria ser um menino normal.
Ariana olhou para o pai, distante, dando-lhe um sinal para que fosse o momento. Ela olhou para Juan, com um aperto no coração, mas algo dentro dela não conseguia seguir o plano do pai.
Fingindo tropeçar, ela correu até a fonte e pegou um pedaço de pano sujo, mergulhando-o na água suja da fonte. Voltou até Juan e, sem hesitar, torceu o pano sobre a cabeça dele. A água suja escorreu pelo rosto de Juan, cobrindo-o de lama.
— Por que você fez isso? — Juan perguntou, chocado, com a voz tremendo.
Ariana, com os olhos cheios de lágrimas, não sabia o que responder. O que havia feito não era o que ela planejava, mas, por algum motivo, sabia que tinha feito o certo. Ela olhou para o pai, e em seus olhos viu que havia falhado.
A multidão ao redor começava a se aglomerar, e logo Camilo voltou, ouvindo os gritos da praça. Quando ele olhou para o filho, sentado na cadeira de rodas, coberto de lama, seu coração se acelerou. Então, ele viu a menina de rua, com os olhos cheios de medo e tremendo, segurando o pano sujo.
Sem pensar, Camilo correu em direção a eles, gritando o nome de seu filho.
— Juan!
Ele empurrou a menina de lado, com raiva e medo.
— O que você fez com meu filho? — bradou, a voz cortante.
Ariana caiu no chão com o impacto, a blusa ainda suja de água suja.
— Como você ousa tocar no meu filho? Você é uma imunda! — gritou, sua raiva tomando conta dele.
Juan, ainda surpreso, tentou intervir.
— Papá, espera! Ela não queria fazer isso!
Mas Camilo não ouviu. Ele estava cego pela raiva.
Ariana se levantou lentamente, com os olhos cheios de lágrimas, e murmurou.
— Eu só queria ajudar…
Camilo olhou para ela com desprezo, sua raiva intensificando.
— Ajuda? Jogando lama em um menino paraplégico? O que você pensou que estava fazendo?
Ariana abaixou a cabeça, sentindo a vergonha tomá-la por completo. Cada palavra de Camilo parecia um golpe em seu coração.
— Largue isso. Vá embora antes que eu chame a polícia.
A multidão olhava, os murmúrios preenchendo o ar, e Juan, com os olhos cheios de dor, tentou mais uma vez.
— Ela não fez nada de mal, papá.
Mas Camilo já tinha se virado. Ele estava cego pela raiva, e nada mais importava. A menina, com o olhar triste, deu alguns passos para trás, até desaparecer entre as pessoas.
Juan estendeu a mão, inutilmente.
— Por que você fez isso, papá? — perguntou ele, a voz trêmula.
Camilo não respondeu, apenas ficou ali, olhando para o chão onde o pano sujo ainda estava. O silêncio que se seguiu foi pesado, quase ensurdecedor.
Dentro de Camilo, algo estava se despedaçando. Ele se agachou ao lado de seu filho, tentando limpar a lama do rosto de Juan, mas a dor era imensa.
— Hijo, não entende…
Mas Juan, com os olhos tristes, olhou para ele.
— Ela não era perigosa, papá. Ela parecia triste.
Naquele momento, o mundo de Camilo começou a ruir. Ele olhou para o pano sujo no chão e, de alguma forma, viu ali tudo o que ele mais temia: o fracasso em proteger seu filho, o medo de não conseguir fazer a coisa certa. Algo dentro dele começou a mudar, mas ele ainda não sabia o que fazer com isso.
Mas uma coisa ele sabia: a menina não estava errada. Ela tinha agido com coragem, e ele tinha agido com raiva. E isso, no fundo, estava quebrando seu coração.
