
Na região oeste do Recife, sob o sol tropical que queimava a terra com uma fúria enganosa, próximo à divisa com o município de Camaragibe, existiu uma propriedade que, por quase três décadas, foi palco de eventos que os moradores locais preferiam não comentar em voz alta. A Fazenda dos Souza, um nome que se tornou um sussurro de advertência entre os mais velhos, ocupava uma área de aproximadamente 200 hectares, distribuídos entre plantações de cana-de-açúcar que balançavam como fantasmas brancos ao vento, raras áreas de mata preservada que guardavam segredos ancestrais e um imponente casarão colonial construído no século XIX, uma muralha de pedra e silêncio.
Os registros históricos dão conta de que a propriedade foi adquirida em 1922 por Abelardo Souza, um comerciante bem-sucedido que, após acumular considerável fortuna com o comércio de tecidos importados, decidiu investir em terras na zona rural da capital pernambucana. Embora hoje seja considerada parte da região metropolitana do Recife, naquela época a área onde ficava a fazenda era consideravelmente isolada, ligada à cidade apenas por uma estrada de terra que se tornava praticamente intransitável, um pântano de lama e medo, durante a estação chuvosa, isolando-a do mundo por semanas. A localização geográfica da propriedade parece ter sido cuidadosamente escolhida por Abelardo, distante o suficiente para garantir uma privacidade sombria, mas não tão remota, a ponto de dificultar o escoamento da produção agrícola.
Os mapas da época mostram que a fazenda era limitada ao norte pelo Rio Capibaribe, cujas margens sinuosas e densamente arborizadas criavam uma barreira natural de sombra. A leste, era cercada por terras pertencentes ao governo estadual, a sul por propriedades menores dedicadas à agricultura familiar, e a oeste por uma extensa área de mata atlântica ainda preservada, um poço de escuridão verde que na época era considerada impenetrável. Abelardo, um homem discreto, metódico e extremamente reservado, raramente participava de eventos sociais. Quando o fazia, limitava-se a breves aparições, sempre acompanhado de sua esposa Eulália, uma mulher 15 anos mais jovem, descrita em relatos como possuidora de beleza singular, porém de um olhar ausente, como se seu espírito já tivesse fugido daquele corpo. O casal não tinha filhos, e segundo consta em registros eclesiásticos da igreja local, Eulália havia sofrido três abortos espontâneos nos primeiros anos de casamento, uma dor que Abelardo tratava com a mesma frieza calculista que dedicava aos negócios.
A trajetória profissional de Abelardo antes da compra da fazenda era marcada por uma ascensão meteórica e notavelmente rápida, que, segundo comentários registrados em colunas sociais da época, gerou certa desconfiança nos círculos comerciais mais tradicionais da cidade. Um artigo publicado em 1918 em um jornal local mencionava sutilmente que o “Senhor A. S., cujo patrimônio parece multiplicar-se com velocidade que desafia as leis naturais do comércio, tem se mostrado particularmente interessado em propriedades rurais afastadas”, insinuando algo ilícito ou, pior, profano.
Seu casamento com Eulália ocorreu em 1916, em uma cerimônia discreta, porém elegante. Sobre Eulália, as informações eram consideravelmente mais escassas. Filha de um médico de Olinda que morreu quando ela tinha apenas 17 anos, ela se casou por segurança econômica, mas relatos de pessoas que conviveram com o casal sugerem que a relação era marcada por uma formalidade incomum, mesmo para os padrões da época, como se fossem dois estranhos unidos por um contrato sombrio.
Em 1927, algo incomum e decisivo aconteceu. Abelardo, então com 45 anos, realizou uma viagem repentina para o interior da Bahia, de onde retornou três meses depois com um sobrinho, Juvenal Souza, jovem de aproximadamente 20 anos, que, segundo explicações fornecidas à comunidade local, havia perdido os pais em um surto de febre amarela e agora ficaria sob a tutela do tio. A chegada de Juvenal coincidiu com o início da contratação de um número maior de trabalhadores para a fazenda e com o fechamento de diversas áreas da propriedade que passaram a ter acesso restrito, inclusive para os funcionários mais antigos. Esta mudança abrupta na configuração da propriedade e na dinâmica familiar intrigou a comunidade. Conversas registradas em depoimentos posteriores revelam que muitos questionaram o súbito aparecimento de um sobrinho nunca antes mencionado por Abelardo, que sempre se declarara filho único.
Particularmente interessante é um registro encontrado nos arquivos do cartório local: três semanas após o retorno da Bahia, Abelardo formalizou um documento designando Juvenal como seu herdeiro universal, caso falecesse sem deixar filhos. Este documento estabelecia também uma generosa mesada para o jovem e o nomeava administrador auxiliar da propriedade, com amplos poderes. Quanto ao próprio Juvenal, os relatos da época o descrevem como um jovem de aparência comum, ligeiramente franzino, com uma característica marcante: raramente estabelecia contato visual durante conversas, mantendo o olhar fixo em um ponto indefinido, como se estivesse ouvindo vozes ou vendo algo que mais ninguém podia. Sua educação formal parecia limitada, mas demonstrava conhecimentos surpreendentes em áreas específicas, particularmente medicina e química, o que gerou especulações sobre possível formação acadêmica incompleta, ou um conhecimento adquirido por meios mais obscuros.
Nos primeiros meses após sua chegada, Juvenal raramente deixava a propriedade e, quando o fazia, limitava-se a breves visitas à cidade para compras de suprimentos específicos, sempre retornando antes do anoitecer, como se o sol o queimasse. De acordo com depoimentos recolhidos décadas depois, foi a partir deste período que começaram a surgir os primeiros relatos sobre a dificuldade em manter trabalhadores na Fazenda Souza. Pessoas que aceitavam emprego lá raramente permaneciam por mais de seis meses e, quando questionadas sobre os motivos da saída, limitavam-se a respostas evasivas ou simplesmente mudavam-se para outras cidades, cortando qualquer vínculo com a região, fugindo de algo que não podiam nomear.
Um registro interessante encontrado no arquivo do antigo jornal local, datado de fevereiro de 1929, menciona brevemente o desaparecimento de dois funcionários da fazenda, caso que foi arquivado pela autoridade policial por falta de elementos que caracterizassem crime. Os desaparecidos em questão eram Joaquim Ferreira e Antônio Gomes, ambos trabalhadores contratados para a colheita sazonal da cana. O curioso é que, conforme registros trabalhistas posteriormente encontrados, ambos haviam recebido, na semana anterior ao desaparecimento, uma promoção para trabalhar na “área especial de pesquisa agrícola” da fazenda, com salário significativamente maior. Nenhum outro documento explica o que seria esta área especial.
Uma carta encontrada entre os pertences deixados por Joaquim, endereçada a sua irmã em Caruaru, continha um trecho perturbador: “Fui designado para novo setor, trabalho mais leve e melhor pago. O patrão jovem diz que precisa de homens fortes para experimentos com nova variedade de cana. Algo me incomoda. Talvez seja aquele barracão sempre fechado ou os sons que vêm dele à noite. Estou pensando em deixar este lugar.” A carta nunca foi enviada.
A década de 1930 marcou o apogeu econômico da Fazenda Souza, mas junto com a prosperidade material, cresceu também o isolamento e a sombra que pairava sobre a família. O casarão principal, originalmente próximo à estrada, foi abandonado, e uma nova residência foi construída a quase 2 km de distância da entrada da fazenda, em uma área mais elevada, cercada por densa vegetação e protegida por um muro de pedra com mais de 2 metros de altura, uma verdadeira fortaleza de segredos.
O engenheiro contratado para a construção, Elias Pontes, deixou um relato detalhado sobre o projeto em suas memórias, publicadas postumamente em 1965: “Jamais trabalhei em uma edificação tão peculiar. As especificações do Sr. Souza eram extremamente detalhadas. A espessura das paredes, que deveria ser o dobro do convencional, o isolamento acústico completo entre os andares, conseguido através de uma camada de cortiça comprimida entre os pisos, e, principalmente, o sistema de portas e corredores do segundo andar, que criava um verdadeiro labirinto de acessos restritos. Mais estranho ainda era o porão. Ao invés do espaço aberto típico das construções coloniais, ele foi dividido em doze compartimentos separados, cada um com sua própria entrada independente, todas convergindo para uma sala central desprovida de janelas. Juvenal, que supervisionava esta parte da obra, explicou-me vagamente que se tratava de áreas de armazenamento especializado. Hoje me pergunto que tipo de produto agrícola necessitaria de paredes com 1 metro de espessura e portas reforçadas com três fechaduras independentes.”
Nos arquivos históricos, existe uma única fotografia da nova residência, feita clandestinamente por um entregador de correspondências em 1935. A imagem mostra uma construção imponente, mas com as diversas janelas do segundo andar todas cobertas por venezianas ou tábuas pregadas, dando a impressão de que a parte superior da casa estava permanentemente fechada, selada do sol. O entregador, Francisco Mendonça, escreveu no verso da fotografia: “A casa que engole a luz do sol”. Francisco, entrevistado décadas depois, recordou claramente: “Naquele dia, enquanto esperava que alguém viesse buscar as encomendas, ouvi um som que nunca mais esqueci. Como se alguém estivesse arranhando a madeira de dentro para fora, bem atrás de uma daquelas janelas pregadas. Eu sabia que não era o vento, mas também sabia que não deveria insistir.”
Em 1938, Abelardo e Eulália, que nunca haviam demonstrado particular interesse religioso, doaram uma quantia significativa para a reforma da igreja local, com a condição específica de que fossem realizadas missas semanais em intenção de almas aprisionadas. O vigário, Padre Anselmo Coelho, registrou em suas anotações pessoais: “O Senhor Abelardo Souza repetiu a expressão ‘almas aprisionadas’ várias vezes. Quando indaguei se havia alguém específico em sua intenção, ele fixou o olhar no chão e murmurou algo sobre erros que não podem ser desfeitos. Sua esposa, Eulália, permaneceu em silêncio absoluto, com os olhos vidrados e distantes, como se seu espírito estivesse em outro lugar.” O vigário notou ainda que as mãos de Eulália apresentavam escoriações recentes nos pulsos, como se tivesse sido amarrada, um detalhe que Abelardo apressadamente atribuiu a uma queda no jardim.
Entre 1940 e 1945, período coincidente com a Segunda Guerra Mundial, o isolamento da fazenda intensificou-se. A produção continuou, mas Juvenal, agora um homem na casa dos 30 anos, havia se tornado o administrador visível, conhecido por sua personalidade introvertida e temperamento instável. Comerciantes descreveram em depoimentos súbitos acessos de irritação de Juvenal, seguidos por períodos de calma inquietante. Um deles notou em Juvenal: “Embora estivesse impecavelmente vestido, notei que a manga de seu paletó tinha uma mancha escura que ele tentava esconder. Quando se inclinou, pude ver que a mancha continuava em seu punho e antebraço. Tinha a aparência de sangue seco. Mais perturbador ainda foi o cheiro que emanava dele: uma mistura de formol e decomposição, mas diferente, mais doce de alguma forma.”
A rotatividade de trabalhadores na fazenda intensificou-se. Apesar de pagar salários acima da média, raramente um funcionário completava seis meses de serviço. Mais desconcertante ainda era o fato de que muitos ex-empregados mudavam-se para outras cidades sem deixar endereço. Os registros de pagamento da fazenda revelam um padrão curioso: existia uma categoria de pagamento denominada apenas como “serviço especial”, com valores significativamente maiores, frequentemente distribuídos a trabalhadores que pouco depois deixavam o emprego ou desapareciam.
Um ex-capataz, Manuel Rodrigues Silva (MRS), deixou uma carta na delegacia em 1942, que foi ignorada: “Segundo, são perturbadores os sons noturnos que emanam dessas áreas restritas. Não me refiro a ruídos comuns, mas há um tipo específico de som rítmico, semelhante a batidas cadenciadas, sempre nas noites de Lua Nova. Terceiro, e talvez mais inquietante, são as manchas escuras que periodicamente aparecem no solo próximo ao galpão, sempre cobertas rapidamente com cal virgem, sob ordens expressas do senhor Juvenal. Por fim, vislumbrei a senhora Eulália, com o olhar fixo na parede, murmurando repetidamente algo que soava como: ‘Eles ainda respiram lá embaixo‘.” Silva fugiu para o Rio Grande do Sul e, quando localizado em 1952, recusou-se a falar, alegando temer por sua segurança, dizendo: “O que quer que esteja enterrado naquela propriedade, deve permanecer enterrado. Mexer nisso só trará mais sofrimento.”
Um estudo posterior das fases lunares revelou uma correlação inquietante: dos 23 desaparecimentos registrados na região entre 1942 e 1949, 17 ocorreram exatamente em noites de Lua Nova, o período de pico da atividade na fazenda.
O período entre 1946 e 1948 registrou uma mudança no padrão de comportamento de Abelardo. Após anos de isolamento, ele começou a fazer aparições mais frequentes na cidade, envelhecido e atormentado, sempre visitando um escritório de direito sucessório. Documentos encontrados no cartório revelam que Abelardo alterou seu testamento pelo menos três vezes, cada nova versão transferindo mais responsabilidade para Juvenal, mas impondo condições mais rígidas sobre a manutenção de certas áreas seladas da propriedade, sob pena de anulação da herança. Abelardo chegou a dizer ao advogado: “Algumas portas, uma vez abertas, não podem mais ser fechadas.”
Em 1949, um evento extraordinário abalou a rotina da região. Em uma madrugada de março, trabalhadores avistaram um clarão intenso vindo da direção da propriedade. O galpão isolado, a “área especial de pesquisa agrícola”, havia sido completamente destruído por um incêndio. Embora o laudo pericial oficial tenha acatado a tese de um acidente, um policial relatou o forte odor de carne queimada que emanava dos escombros, “intenso demais para ser explicado pela simples presença de ratos”. O sargento Cloves Bezerra também relatou ter encontrado instrumentos cirúrgicos deformados pelo calor nos escombros. E o mais perturbador, o galpão tinha um porão, com argolas de metal fixadas nas paredes e marcas de arranhões ao redor, um sistema de contenção para algo que lutava violentamente.
Meses depois, Abelardo foi encontrado morto em seu escritório, vítima de parada cardíaca, mas seu rosto estava congelado em uma expressão de horror absoluto, e ele havia tentado bloquear a porta do escritório com uma estante de livros, como se tentasse impedir a entrada de alguém ou algo. O médico legista notou uma marca circular perfeita no pescoço do falecido, sugerindo que foi feita após a morte.
A administração da fazenda passou para Juvenal, que implementou mudanças radicais: muros mais altos, guardas armados, e compras exponenciais de formol, clorofórmio e éter, e equipamentos cirúrgicos. Em correspondência com um professor argentino, Juvenal discutia a “persistência da consciência em sistemas isolados” e a “metodologia de estímulo para resposta autônoma em tecidos separados”. Uma carta de 1950 mencionava: “Se realmente conseguiu documentar padrões coordenados de resposta entre sujeitos que não têm contato físico ou visual entre si, isso sugere um canal de comunicação que a ciência tradicional não reconhece.”
Em 1950, o terror atingiu o ápice. Seis pessoas desapareceram na área rural, todas sem laços familiares fortes. A única exceção foi o jovem Carlos Mendes, filho único de um dos comerciantes mais influentes do Recife, cujo desaparecimento forçou uma investigação rigorosa. Durante uma busca nos limites da Fazenda Souza, uma descoberta perturbadora ocorreu: uma fossa clandestina, onde foram encontrados restos humanos de pelo menos cinco pessoas diferentes.
O tenente Raul Cardoso descreveu o achado: “Os corpos ou o que restava deles estavam dispostos de uma forma que nunca tinha visto antes. Não simplesmente empilhados, mas cuidadosamente arranjados em um padrão radial, com as cabeças ao centro e os membros apontando para fora, como os raios de uma roda. Mais estranho ainda era o estado dos corpos. Alguns pareciam estranhamente preservados, como se tivessem sido submetidos a algum processo de embalsamamento rudimentar. Mas o detalhe mais perturbador eram as incisões cirúrgicas precisas que todos apresentavam, cortes limpos que abriam o crânio, tórax e abdômen, com certos órgãos aparentemente removidos com precisão quase profissional.”
A descoberta levou à prisão imediata de Juvenal Souza, encontrado na casa principal em estado de aparente desequilíbrio mental, repetindo incessantemente que “era apenas o que precisava ser feito”. No porão da casa, acessado por uma porta oculta sob um tapete na biblioteca, os policiais fizeram outra descoberta macabra. Um cômodo de aproximadamente 20 metros quadrados, com paredes revestidas de material isolante acústico. No centro do cômodo havia uma mesa de madeira maciça equipada com correias de couro e diversos instrumentos metálicos, uma “combinação bizarra de sala cirúrgica e câmara de tortura medieval”.
Em uma bancada lateral, estavam bisturis, forceps, serras cirúrgicas, trepanadores, todos arrumados com uma precisão aterrorizante. Nas prateleiras, dezenas de frascos de vidro, contendo o que pareciam ser espécimes, principalmente fragmentos de tecido cerebral humano, meticulosamente etiquetados com datas e códigos. E, no ponto mais sombrio do porão, um conjunto de seis grandes tanques de vidro dispostos ao longo da parede, cada um contendo o que parecia ser um cérebro humano completo, suspenso em líquido transparente e conectado a um complexo sistema de tubos e fios elétricos ligados a um aparelho que emitia pulsos regulares, como um coração mecânico. Ao lado de cada tanque, havia um caderno com anotações detalhadas sobre o que Juvenal chamava de “respostas a estímulos” e “padrões de comunicação”.
Ainda mais perturbador foi o encontro com Eulália, viúva de Abelardo, no segundo andar da casa. Encontrada em um quarto totalmente desprovido de móveis, exceto por uma cadeira de balanço posicionada de frente para a parede. Ela não demonstrou qualquer reação à entrada dos agentes, mantendo-se em um estado catatônico, balançando-se ritmicamente enquanto murmurava palavras ininteligíveis. Quando questionada sobre os eventos na fazenda, sua única resposta coerente, repetida várias vezes, foi: “Os sons nunca param. Eles continuam batendo nas paredes, mesmo quando já não deveriam ter forças para isso.” Seu diário, com a caligrafia progressivamente incoerente, documentava as “vozes sob o assoalho”: “Eles sabem que posso ouvi-los, e batem em código para que eu os liberte.”
O psiquiatra que acompanhou Juvenal durante seu internamento, Dr. Ricardo Guimarães, registrou: “O paciente apresenta um quadro fascinante de delírio estruturado, centrado na crença de que a consciência humana pode existir independentemente do corpo físico, se adequadamente isolada e preservada. Afirma ter documentado comunicação coordenada entre seus sujeitos, descrevendo como começaram a bater em padrões rítmicos idênticos, apesar de não terem qualquer meio físico ou sensorial para coordenar suas ações. Segundo sua elaboração delirante, isto seria a evidência de que libertou algo que agora existe em um plano diferente, mas ainda pode interagir com o nosso mundo.” Guimarães confessou que, em três ocasiões, observou Juvenal paralisar-se, inclinar a cabeça como se estivesse ouvindo, e então murmurar: “Sim, eu sei que você está aí. Não, não posso ajudá-lo a voltar.”
As análises forenses dos restos encontrados revelaram trepanações cirúrgicas nos crânios com sinais de cicatrização, indicando que as vítimas permaneceram vivas por semanas ou meses após estas intervenções. Um exame microscópico dos fragmentos de tecido cerebral encontrou finos filamentos metálicos introduzidos em padrões específicos pelo tecido neural, sugerindo que Juvenal não apenas isolava, mas também estimulava eletricamente as consciências preservadas. Seu diário final continha a anotação: “O sujeito 17 demonstra a capacidade notável de influenciar seu ambiente mesmo após separação completa… As luzes do laboratório piscaram em sincronia perfeita com seu padrão de resposta elétrica.”
A Fazenda Souza foi demolida por um incêndio misterioso em 1963. Hoje, o local é ocupado por um conjunto habitacional de classe média. Mas os moradores mais antigos e os atuais relatam fenômenos inexplicáveis que ocorrem periodicamente na região: sons de batidas rítmicas que parecem vir do subsolo, principalmente nas noites de Lua Nova; odores súbitos de formol e decomposição; e a sensação descrita por diversos residentes de presença observadora dentro de suas próprias casas, um terror que persiste mais de um século depois. O que Juvenal libertou naquela fazenda, sob o pretexto de pesquisa agrícola, ainda bate nas paredes das casas, paciente, faminto e esperando.