Atenção, bem-vindo a este percurso por um dos casos mais inquietantes registrados na história de Niterói. Antes de iniciar, convido-o a deixar nos comentários de onde está nos assistindo e a hora exata em que escuta esta narração. Interessa-nos saber até que lugares e em que momentos do dia ou da noite chegam estes relatos documentados.
Niterói, 1900. O século XIX se encerrava com as promessas de progresso e modernidade que a recém-proclamada república trazia consigo. As ruas de paralelepípedos da antiga capital fluminense, outrora iluminadas por lampiões a gás, começavam a receber os primeiros postes de energia elétrica.
As carruagens ainda dominavam as vias, mas já se ouvia falar dos primeiros automóveis que chegariam em breve ao Brasil. Era uma época de transformações e contrastes, onde o antigo e o novo conviviam em permanente tensão. Foi neste cenário de mudanças que ocorreu o caso, que se tornaria um dos episódios mais perturbadores da história niteroiense.
Um caso que permaneceu enterrado nos arquivos da antiga delegacia de polícia por mais de 60 anos, até ser acidentalmente descoberto durante a reforma do prédio em 1965. A história que vamos narrar começa na Praia das Flechas, uma região que na época era ocupada por elegantes casarões pertencentes às famílias mais abastadas, que haviam deixado o centro da cidade em busca da tranquilidade à beira.
Entre essas construções destacava-se a residência do Sampaio, uma imponente edificação de dois andares com uma varanda que se projetava sobre a praia. proporcionando uma vista privilegiada da baía de Guanabara e do Rio de Janeiro ao fundo. O Sampaio eram uma família tradicional, cuja fortuna provinha de negócios de importação e exportação.

O patriarca Eduardo Sampaio era conhecido por sua severidade nos negócios e por manter uma disciplina rigorosa em casa. Sua esposa, Helena Sampaio, uma mulher de saúde frágil e temperamento melancólico, raramente era vista fora de casa.
O casal tinha uma única filha, Laura, que no ano de 1900 completava 22 anos de idade. Laura Sampaio era descrita pelos poucos que conviviam com ela como uma jovem de extraordinária beleza, olhos expressivos e um semblante que alternava entre momentos de vivacidade e períodos de profunda introspecção. Consta nos registros paroquiais que Laura era a assídua, frequentadora da igreja de São Lourenço dos Índios, onde costumava passar longas horas em oração.
O que tornava a situação de Laura peculiar era o fato de que, ao contrário das outras moças de sua posição social, ela ainda não havia se casado. Em uma época em que o matrimônio era considerado o destino natural de toda mulher de boa família, especialmente antes dos 20 anos, a condição de solteira de Laura gerava inevitáveis comentários na sociedade niteroiense.
Segundo relatos coletados anos depois pelo delegado Arnaldo Carvalho, responsável pela redescoberta do caso, o Senr. Eduardo mantinha a filha sob vigilância constante, raramente permitindo que ela participasse de eventos sociais sem sua presença. Os poucos pretendentes que se aproximavam eram invariavelmente afastados pelo patriarca que alegava não encontrar entre eles alguém à altura da filha.
Foi em uma manhã de março de 1900 que a governanta da casa do Sampaio, Maria das Dores, notou algo estranho. Laura, que normalmente descia para o desjejum pontualmente às 8 horas, não havia aparecido. Após esperar por quase uma hora, Maria das Dores decidiu verificar se a jovem estava indisposta.
Ao bater a porta do quarto de Laura e não obter resposta, a governanta sentiu um calafrio percorrer sua espinha. De acordo com o depoimento de Maria das Dores, transcrito no relatório policial de 1901, ela chamou pelo nome de Laura três vezes antes de abrir a porta. O quarto estava impecavelmente arrumado, a cama feita e nenhum sinal da jovem.
O que chamou a atenção da governanta, porém, foi um detalhe. Sobre o criado mudo, um pequeno frasco de perfume estava tombado, seu conteúdo derramado sobre um lenço de renda. Maria das Dores imediatamente comunicou o fato ao Sr. Eduardo, que na ocasião estava em seu escritório tratando de negócios. A reação dele, segundo consta no mesmo depoimento, foi de uma calma desconcertante.
“Ela deve ter saído para a igreja mais cedo hoje”, teria dito o patriarca, sem demonstrar qualquer preocupação. Helena Sampaio, por sua vez, manteve-se em seu quarto, como era seu costume nas primeiras horas da manhã. A governanta, no entanto, estava inquieta. Laura nunca saía sem avisar e seus pertences pessoais, incluindo seu livro de orações e sua sombrinha, permaneciam intactos em seus lugares habituais.
Além disso, a jovem jamais deixaria seu quarto em desordem, mesmo que fosse apenas um frasco de perfume tombado. As horas se passaram e Laura não retornou. Foi somente ao cair da tarde que Eduardo Sampaio, finalmente demonstrando alguma preocupação, dirigiu-se à delegacia de polícia para comunicar o desaparecimento da filha.
O registro dessa visita feito pelo escrivão Joaquim Mendes indica que o Sr. Sampaio parecia mais irritado do que angustiado, como se estivesse lidando com um contratempo nos negócios e não com o sumisso de sua única filha. A investigação que se seguiu foi conduzida de maneira superficial, como era comum em casos envolvendo famílias influentes da época.
O delegado Horácio Silva, designado para o caso, limitou-se a enviar alguns agentes para interrogar os vizinhos e verificar se Laura havia sido vista nas redondezas. Nenhuma busca mais rigorosa foi realizada na residência do Sampaio. Os dias se transformaram em semanas e as semanas em meses. Laura Sampaio havia simplesmente desaparecido, como se tivesse sido engolida pela bruma matinal, que frequentemente cobria a baía de Guanabara.
A vida na casa do Sampaio, no entanto, seguia com uma normalidade perturbadora. Eduardo mantinha sua rotina de negócios. Helena continuava reclusa em seus aposentos, e Maria das Dores cuidava da casa como sempre fizera. O caso teria sido completamente esquecido se não fosse por um acontecimento ocorrido seis meses após o desaparecimento de Laura.
Teresa Oliveira, uma jovem empregada que havia sido recentemente contratada pelo Sampaio, encontrou, enquanto limpava o sótam da casa, uma pequena caixa de madeira escondida atrás de uma pilha de baús antigos. Movida pela curiosidade, Teresa abriu a caixa e descobriu em seu interior um diário com capa de couro vermelho.
Nas primeiras páginas, reconheceu a caligrafia delicada que, segundo Maria das Dores, pertencia a Laura Sampaio. Teresa não sabia ler, mas percebeu a importância daquele objeto e, contrariando as rígidas regras da casa, escondeu o diário sob suas vestes e o entregou a seu irmão, Antônio Oliveira, que trabalhava como auxiliar na tipografia do jornal de Niterói.
Antônio, ao contrário da irmã, sabia ler e, ao foliar o diário de Laura, deparou-se com revelações que o deixaram profundamente perturbado. anotações que cobriam um período de aproximadamente 2 anos antes do desaparecimento da jovem, revelavam uma realidade muito diferente daquela que a família Sampaio apresentava à sociedade.
Nas páginas amareladas pelo tempo, Laura descrevia uma vida de isolamento forçado e vigilância constante. Seus relatos mencionavam episódios em que seu pai a trancava em casa por dias a fio, quando ela demonstrava qualquer sinal de independência. Mas o mais inquietante eram as referências a visitas noturnas que Eduardo fazia ao quarto da filha, descritas por Laura de maneira vaga, porém suficientemente clara para sugerir uma relação imprópria.
Havia também menções ao estado de saúde de Helena Sampaio. De acordo com o diário, a mãe de Laura não sofria de nenhuma enfermidade física, mas era mantida permanentemente sedada com láudano, um poderoso opiácio de uso comum. Na época, Laura sugeria que o pai administrava a droga à mãe para mantê-la em estado de constante apatia, incapaz de interferir em suas ações.
As últimas entradas do diário, datadas dos dias imediatamente anteriores ao desaparecimento de Laura, revelavam um crescente estado de desespero. A jovem mencionava ter ouvido seu pai conversando com um médico chamado Augusto Mendonça, sobre a possibilidade de interná-la em um sanatório por supostos distúrbios nervosos.
Laura expressava o temor de que uma vez internada jamais sairia de lá. A entrada final escrita na noite anterior ao seu desaparecimento continha apenas uma frase: “Amanhã, antes do amanhecer, tentarei fugir. É minha única chance”. Antônio Oliveira, ciente da gravidade daquelas revelações, hesitou sobre o que fazer.
Confrontar diretamente Eduardo Sampaio seria arriscado, dada sua influência na cidade. Por outro lado, levar o diário às autoridades poderia não surtir efeito, já que o delegado Horácio Silva era conhecido por sua proximidade com as famílias tradicionais de Niterói. Após refletir por alguns dias, Antônio decidiu procurar o padre Mateus da igreja de São Lourenço dos Índios.
A mesma frequentada por Laura, o religioso conhecido por sua integridade, ouviu atentamente, enquanto o jovem tipógrafo lia trechos selecionados do diário. Ao final da leitura, o padre permaneceu em silêncio por longos momentos antes de falar. “Meu filho”, teria dito o padre Mateus, segundo o relato posteriormente feito por Antônio. Algumas verdades são como serpentes venenosas.
Uma vez liberadas, podem causar mais danos do que permanecerem ocultas. Entregue-me esse diário e deixe que eu lide com esse assunto da maneira apropriada. Relutante, mas respeitando a autoridade do sacerdote, Antônio entregou o diário ao padre Mateus. O que o jovem não poderia prever é que dois dias depois o religioso seria encontrado morto em sua cela na casa paroquial.
vítima do que foi oficialmente registrado como ataque cardíaco. O diário de Laura Sampaio desapareceu junto com a vida do padre Mateus. Quanto a Antônio Oliveira, foi demitido da tipografia uma semana depois, sob a acusação de ter subtraído tipos de metal, um crime grave para a época. Sem conseguir outro emprego em Niterói, viu-se forçado a mudar-se para o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar como estivador no porto.
Teresa Oliveira continuou empregada na casa dos Sampaio por mais algum tempo, mas notou mudanças sutis no comportamento do patrão. Eduardo passou a observá-la com desconfiança, como se suspeitasse de algo. A jovem empregada começou a notar outros detalhes perturbadores. A senora Helena, que antes raramente saía de seus aposentos, agora não era mais vista nem mesmo pelos empregados da casa.
Os medicamentos que Maria das Dores levava até ela três vezes ao dia eram agora administrados pelo próprio Eduardo. Um mês após a morte do padre Mateus, Teresa acordou no meio da noite com o som de passos no corredor que levava aos quartos dos empregados. Ao abrir ligeiramente a porta, vislumbrou a silhueta de Eduardo Sampaio, se afastando na penumbra.
Na manhã seguinte, Joaquina, outra jovem empregada que dormia no quarto ao lado, não apareceu para o trabalho. Maria das Dores informou que Joaquina havia partido durante a madrugada sem dar explicações. Teresa, assustada com os acontecimentos e temendo ser a próxima a desaparecer, fugiu da casa do Sampaio na noite seguinte, levando consigo apenas suas poucas roupas.
Dirigiu-se à casa de uma tia em São Gonçalo e nunca mais retornou a Niterói. Os anos se passaram. Eduardo Sampaio manteve seus negócios prósperos até 1908, quando faleceu durante uma viagem de negócios a São Paulo. A causa oficial da morte foi registrada como complicações de pneumonia. Helena Sampaio, que segundo os registros paroquiais não comparecia à igreja havia anos, faleceu dois meses depois do marido, sem deixar testamento.
A casa na praia das flechas permaneceu fechada por quase uma década até ser adquirida por um comerciante português que pretendia transformá-la em uma pensão para famílias. Durante as obras de reforma, os operários encontraram algo perturbador no porão. Uma parede falsa que, ao ser derrubada, revelou um pequeno cômodo sem janelas. No interior deste espaço havia apenas uma cadeira de balanço e pendurado na parede um retrato de Laura Sampaio.
O caso poderia ter sido definitivamente esquecido se não fosse pela persistência de um jovem repórter chamado Carlos Drumon do jornal de Niterói. Em 1932, Drumold estava pesquisando antigas histórias da cidade para uma série de reportagens sobre o Niterói de antigamente.
Ao visitar o Arquivo Morto da Delegacia Central, deparou-se com o registro do desaparecimento de Laura Sampaio. Intrigado pela ausência de conclusão no caso, Drumond começou a investigar por conta própria. conseguiu localizar Antônio Oliveira, então um homem de meia idade que trabalhava como capataz no porto do Rio de Janeiro. O encontro entre os dois, registrado em notas manuscritas do repórter revelou detalhes que haviam permanecido ocultos por mais de três décadas. Antônio confirmou a existência do diário de Laura e seu conteúdo perturbador.
Relatou também um detalhe que nunca havia mencionado antes. Na última vez que esteve na igreja de São Lourenço dos Índios, pouco antes da morte do padre Mateus, notou que o religioso parecia profundamente perturbado. Ao ser questionado, o padre teria revelado que, após ler o diário de Laura por completo, decidira confrontar Eduardo Sampaio.
O padre me disse que foi à casa do Sampaio na noite anterior e exigiu saber o paradeiro de Laura, relatou Antônio ao repórter. Ele não entrou em detalhe sobre a conversa, mas mencionou que Eduardo havia feito uma proposta para silenciá-lo e que ele a recusara veemente.
Quando me despedi do padre Mateus naquele dia, suas últimas palavras foram: “Reze por mim, meu filho, pois temo que o mal que encontrei seja mais poderoso do que imaginei.” O repórter Carlos Drumon continuou sua investigação tentando localizar outros empregados que haviam trabalhado na casa do Sampaio. Conseguiu encontrar Maria das Dores, então uma senhora idosa que vivia com a filha em um modesto sobrado em Icaraí.
A antiga governanta, inicialmente relutante em falar, acabou revelando informações surpreendentes após ser assegurada de que Eduardo e Helena Sampaio estavam mortos há muitos anos. Segundo Maria das Dores, na noite anterior ao desaparecimento de Laura, ela ouviu uma acalorada discussão vinda do escritório de Eduardo.
Embora não conseguisse distinguir as palavras exatas, reconheceu as vozes de Eduardo e do Dr. Augusto Mendonça, o mesmo médico mencionado no diário de Laura. A discussão terminou abruptamente com o som de algo pesado caindo no chão. Na manhã seguinte, quando Laura desapareceu, Maria das Dores notou que Eduardo tinha um corte recente na mão direita, que ele explicou como resultado de um acidente com um abridor de cartas.
Egovernanta também revelou que nas semanas que se seguiram ao desaparecimento da jovem, Eduardo ordenou que o quarto de Laura fosse completamente esvaziado, seus pertences queimados e o cômodo transformado em uma sala de leitura que nunca foi utilizada. O mais perturbador no relato de Maria das Dores, porém, foi sua descrição do comportamento de Helena Sampaio após o sumisso da filha.
A senora Helena, que antes passava os dias em silêncio, olhando pela janela, começou a terríveis pesadelos. Eu a ouvia gritar durante a noite, chamando por Laura. Numa dessas ocasiões, entrei em seu quarto para acalmá-la e a encontrei sentada na cama com o olhar fixo na parede, repetindo: “Ela está no porão.
Eu a ouço andar à noite.” Maria das Dores confessou ao repórter que, movida por essas palavras, chegou a verificar o porão da casa algumas vezes, mas nunca encontrou nada além das usuais caixas e baús de uma residência abastada. Atribuí tudo ao estado mental perturbado da senhora Helena, que piorou consideravelmente após o sumisso da filha”, concluiu a governanta.
O repórter Carlos Drumon estava prestes a publicar sua matéria sobre o caso quando foi chamado ao gabinete do proprietário do jornal de Niterói, Eugênio Brandão. O encontro descrito em uma carta que Drumon enviou anos depois a um colega foi breve e direto. Brandão informou ao jovem repórter que a matéria sobre o Sampaio não seria publicada.
Quando Drumon questionou o motivo, o proprietário do jornal simplesmente respondeu: “Há famílias nesta cidade cujos nomes não devem ser manchados, mesmo décadas após os fatos. Tenha isso em mente se deseja continuar trabalhando aqui. Drumon, necessitando do emprego, acatou a ordem e arquivou todo o material que havia coletado sobre o caso.
No entanto, manteve cópias das entrevistas e anotações em seu arquivo pessoal. Em 1939, Carlos Drumon deixou o jornalismo e mudou-se para São Paulo, onde passou a trabalhar como professor de história em uma escola secundária. O caso de Laura Sampaio permaneceu adormecido até 1965, quando o antigo prédio da delegacia central de Niterói passou por uma reforma completa.
Durante os trabalhos, um operário encontrou, atrás de um armário embutido que estava sendo removido, uma caixa de metal enferrujada, contendo diversos documentos policiais do início do século. Entre eles estava o arquivo completo do desaparecimento de Laura, incluindo depoimentos que nunca haviam sido anexados ao processo oficial.
O delegado Arnaldo Carvalho, recém empossado no cargo e sem conexões com as antigas famílias niteroienses, interessou-se pelo caso e decidiu revisitá-lo, mesmo sabendo que, após mais de 60 anos, as chances de esclarecimento eram mínimas. O que ele não esperava era encontrar entre os papéis um documento que nunca havia sido mencionado antes, uma carta anônima enviada à delegacia três meses após o desaparecimento de Laura.
A carta escrita em uma caligrafia tremida que sugeria idade avançada ou doença, relatava algo perturbador. O autor, que se identificava apenas como alguém que conhece a verdade, afirmava que na noite em que Laura desapareceu, viu três homens carregando o que parecia ser um corpo envolto em lençóis para fora da casa do Sampaio.
Os homens colocaram o volume em uma carruagem sem identificação e partiram em direção a São Gonçalo. O autor da carta afirmava ainda que um dos homens era Eduardo Sampaio, outro era o Dr. Augusto Mendonça e o terceiro era o delegado Horácio Silva, o mesmo designado para investigar o desaparecimento.
Esta última informação explicaria a investigação superficial e rapidamente arquivada. Arnaldo Carvalho, movido pela curiosidade profissional e por um senso de justiça tardia, decidiu verificar se ainda existiam registros do Dr. Augusto Mendonça. Após algumas buscas nos arquivos do antigo Conselho de Medicina da província do Rio de Janeiro, descobriu que Mendonça havia sido um médico especializado em doenças nervosas e diretor de um sanatório particularizado na área rural de São Gonçalo, chamado Retiro da Paz.
O sanatório havia fechado suas portas em 1915 após uma investigação que revelou tratamentos desumanos aplicados aos pacientes. O Dr. Mendonça, no entanto, nunca chegou a ser julgado. Segundo os registros, ele faleceu em um incêndio que destruiu sua residência em 1913, 2 anos antes do fechamento definitivo do estabelecimento.
O delegado Carvalho conseguiu localizar os registros de internação do retiro da paz, que haviam sido preservados nos arquivos da Secretaria de Saúde do Estado. Entre os pacientes admitidos em março de 1900, encontrou um nome que o deixou paralisado, Luciana Santos, descrita como jovem de 22 anos, sofrendo de histeria e tendências suicidas. O médico responsável pela internação era o Dr.
Augusto Mendonça, e quem assinava como responsável legal era Eduardo Santos, identificado como pai da paciente. Os nomes eram diferentes, mas as coincidências eram muitas para serem ignoradas. Laura Sampaio e Luciana Santos tinham a mesma idade e foram admitidas, desapareceram na mesma época. Eduardo Sampaio e Eduardo Santos compartilhavam o mesmo primeiro nome e a mesma relação com a paciente desaparecida. E o Dr.
Mendonça estava envolvido em ambos os casos. O registro de Luciana Santos continha poucas informações adicionais. Ela permaneceu internada no Retiro da Paz por aproximadamente 2 anos. Em janeiro de 1902, uma breve anotação indicava paciente transferida para tratamento intensivo na sessão reservada. Não havia mais entradas após essa data, nem qualquer indicação de alta ou óbito.
Arnaldo Carvalho estava cada vez mais convencido de que Laura Sampaio e Luciana Santos eram a mesma pessoa. A teoria que começava a formar em sua mente era perturbadora. Eduardo Sampaio, possivelmente para encobrir uma relação incestuosa com a filha e temendo que ela pudesse revelar seus segredos, teria arranjado sua internação no sanatório do Dr. Mendonça, sob falsa identidade.
O delegado Horácio Silva, por razões que só poderiam ser especuladas, talvez suborno, talvez chantagem, colaborou com o esquema. Restava uma questão fundamental. O que aconteceu com Laura Luciana após sua transferência para a sessão reservada do Retiro da Paz? Para responder a essa pergunta, o delegado Carvalho precisava encontrar alguém que tivesse trabalhado no sanatório durante aquele período.
Após semanas de busca, Carvalho conseguiu localizar Sebastião Pereira, um homem de 86 anos que havia trabalhado como enfermeiro no Retiro da Paz. entre 18 e 9810. Sebastião vivia em uma casa de repouso em Niterói e, apesar da idade avançada, mantinha a mente lúcida. O encontro entre o delegado e o antigo enfermeiro, documentado em um relatório oficial, revelou detalhes sombrios sobre o funcionamento do sanatório.

Sebastião confirmou a existência da sessão reservada, um prédio separado nos fundos da propriedade, onde eram mantidos pacientes considerados irrecuperáveis, ou aqueles cujas famílias pagavam valores extraordinários para garantir absoluta descrição. “A sessão reservada tinha suas próprias regras”, relatou Sebastião. Os pacientes de lá não tinham contato com o restante do sanatório. Apenas o Dr.
Mendonça e dois enfermeiros de sua extrema confiança tinham acesso àelei lá, mas ouvia histórias. Histórias que me faziam agradecer por isso. Quando questionado especificamente sobre Luciana Santos, o idoso demonstrou visível desconforto. Após alguma hesitação, revelou que se lembrava vagamente da jovem.
Ela chegou em estado de agitação, gritando que não era Luciana, que seu nome era outro. O Dr. Mendonça a manteve sedada por semanas. Quando finalmente a vi novamente, ela estava diferente, calada, o olhar vazio. Sebastião recordava-se que aproximadamente do anos após a chegada de Luciana, houve um intenso movimento noturno envolvendo a sessão reservada. Era janeiro, fazia muito calor.
Eu estava de plantão e vi o Dr. Mendonça e um homem bem vestido entrando no prédio. Horas depois, saíram carregando o que parecia ser um corpo. Colocaram em uma carruagem e partiram. No dia seguinte, o Dr. Mendonça anunciou que Luciana Santos havia sido transferida para um sanatório na Europa a pedido da família.
O relato do antigo enfermeiro levantava mais perguntas do que respostas. Se Laura Luciana havia sido removida do sanatório, possivelmente já sem vida, onde estaria seu corpo? E quem era o homem bem vestido que acompanhava o Dr. Mendonça naquela noite? Eduardo Sampaio ou o delegado Horácio Silva? Arnaldo Carvalho decidiu visitar o local onde funcionara o retiro da paz.
A propriedade abandonada há décadas estava em ruínas. O prédio principal havia desabado parcialmente e a vegetação tomava conta de tudo. Nos fundos, porém, ainda era possível distinguir os alicerces do que teria sido a sessão reservada. Durante a inspeção, o delegado notou algo curioso. Próximo aos fundos da antiga sessão reservada, havia um pequeno cemitério com cerca de 15 sepulturas simples, marcadas apenas com cruzes de madeira já apodrecidas. Não havia nomes, apenas números.
Carvalho solicitou autorização para esumar os restos mortais ali enterrados, mas seu pedido foi negado pelo juiz responsável, que alegou falta de evidências concretas que justificassem tal procedimento, além do longo tempo decorrido desde os fatos. Frustrado, mas não derrotado, o delegado continuou sua investigação por vias alternativas.
conseguiu acesso aos registros da paróquia local, que ocasionalmente era chamada para ministrar os últimos sacramentos a pacientes terminais do sanatório. Entre esses registros, encontrou uma anotação feita pelo padre José Maria em fevereiro de 1902, chamado ao retiro para atender jovem moribunda. Doutor recusou acesso.
Ouvi gritos de mulher inquietante. A data coincidia com o período em que Luciana Santos teria sido transferida. Seria possível que a jovem não tivesse sido removida do sanatório, mas sim enterrada ali mesmo em uma daquelas sepulturas anônimas? Carvalho estava cada vez mais convencido de que Laura Sampaio havia sido vítima de um esquema macabro, envolvendo seu próprio pai, um médico inescrupuloso e autoridades corruptas, mas sem provas concretas, o caso permanecia no campo da especulação. Em setembro de 1965,
quando o delegado estava prestes a arquivar definitivamente o caso, devido à falta de novas pistas, recebeu uma visita inesperada em seu gabinete. Uma senhora idosa apoiada em uma bengala apresentou-se como Cecília Rodrigues, sobrinha de Maria das Dores, a antiga governanta do Sampaio. Cecília trazia consigo um pequeno embrulho.
Minha tia faleceu há três semanas”, explicou ela. Entre seus pertences, encontrei isto junto com uma carta onde ela pedia que fosse entregue às autoridades, caso o caso de Laura Sampaio fosse reaberto algum dia. Não sei como ela soube que o senhor estava investigando isso, mas algo me diz que devo cumprir seu último desejo.
O embrulho continha um objeto que fez o coração de Arnaldo Carvalho acelerar, um pequeno frasco de perfume, idêntico ao que Maria das Dores havia mencionado em seu depoimento como estando tombado no quarto de Laura na manhã de seu desaparecimento. Junto ao frasco, havia um pedaço de papel amarelado pelo tempo. Era uma página arrancada de um livro com algumas palavras escritas à margem em uma caligrafia delicada.
Se algo me acontecer, procurem no porão, atrás da terceira prateleira de vinhos. Eduardo não sabe que o vi escondendo algo lá ontem à noite. Temo pelo que possa ser. Laura, 2 de março de 1900. A data era do dia anterior ao desaparecimento da jovem. Carvalho questionou Cecília sobre a origem daquele papel, mas a senhora sabia apenas o que a tia havia escrito na carta.
Maria das Dores encontrou a página escondida sob o colchão de Laura quando Eduardo ordenou que o quarto fosse esvaziado. A governanta a manteve consigo todos aqueles anos, temendo as consequências de revelá-la enquanto Eduardo e Helena ainda viviam. Armado com essa nova evidência, Arnaldo Carvalho conseguiu finalmente obter um mandado para investigar a antiga residência do Sampaio na Praia das Flechas.
A casa havia mudado de mãos várias vezes ao longo das décadas e naquele momento funcionava como um pequeno hotel. O proprietário, compreendendo a importância histórica da investigação, permitiu que o delegado e sua equipe examinassem o porão, que havia sido transformado em uma adega para o restaurante do estabelecimento.
O porão era um ambiente amplo e úmido, com paredes de pedra que remetiam à construção original. As prateleiras de vinhos mencionadas no bilhete de Laura haviam sido substituídas por estantes metálicas modernas. Mas a estrutura básica do ambiente permanecia a mesma. Carvalho examinou cuidadosamente a parede, onde, segundo suas estimativas, estaria a terceira prateleira original.
Após uma inspeção minuciosa, a equipe notou uma pequena diferença na coloração da argamassa em um trecho da parede. Utilizando ferramentas adequadas, começaram a remover cuidadosamente o revestimento. Por trás da camada de reboco, encontraram uma cavidade que havia sido selada com tijolos mais recentes que os da construção original. Quando finalmente abriram a cavidade, o que encontraram deixou todos em silêncio.
No interior do espaço oculto, havia uma caixa de metal do tipo usado para guardar documentos importantes. Carvalho, usando luvas para preservar possíveis evidências, abriu a caixa com cuidado. Em seu interior havia um maço de cartas amareladas amarradas com uma fita de seda desbotada e um objeto embrulhado em um pedaço de veludo negro.
As cartas, como logo se verificou, eram correspondências trocadas entre Eduardo Sampaio e o Dr. Augusto Mendonça. A mais antiga datava de dezembro de 1899, três meses antes do desaparecimento de Laura. Nela, Eduardo manifestava preocupação com o estado mental instável da filha e sua crescente tendência a fantasiar situações inapropriadas. A resposta de Mendonça, anexada à carta original sugeria uma abordagem discreta e definitiva para o problema.
Casos como o que o senhor descreve, escrevia o médico, requerem intervenção imediata antes que rumores possam surgir e manchar o bom nome da família. Nossa instituição oferece soluções permanentes para situações delicadas, garantindo absoluta descrição. As cartas seguintes detalhavam os arranjos para a internação de Laura no Retiro da Paz, sob o nome falso de Luciana Santos.
Uma delas, escrita por Eduardo duas semanas após o desaparecimento da filha, mencionava que a paciente continua resistente ao tratamento, insistindo em suas histórias perturbadoras. A resposta de Mendonça assegurava que métodos mais intensivos de terapia serão aplicados para eliminar tais fantasias. A última carta do conjunto, datada de janeiro de 1902, era breve e direta.
Eduardo escrevia: “Doutor, a situação tornou-se insustentável. As visitas do delegado Silva têm se tornado cada vez mais frequentes e seus pedidos mais exorbitantes. Sugiro que procedamos, conforme discutido em nosso último encontro. O paciente terminal de febre Tifoide oferece a oportunidade perfeita. Aguardo sua confirmação. Não havia resposta anexada a esta última carta, mas seu conteúdo sugeria claramente que Eduardo e Mendonça planejavam algo definitivo em relação à Laura. Quanto ao objeto embrulhado em veludo, revelou-se ser um medalhão de
prata com as iniciais LS gravadas na parte externa. Ao ser aberto, o medalhão continha uma mecha de cabelo castanho claro e uma pequena fotografia de uma jovem mulher de olhos grandes e expressivos, que Carvalho imediatamente reconheceu como sendo Laura Sampaio, a partir das descrições que havia coletado.
Unido destas novas e perturbadoras evidências, o delegado retornou ao local do antigo retiro da paz, desta vez com um mandado judicial que autorizava a esumação dos restos mortais encontrados no pequeno cemitério dos fundos da propriedade. Das 15 sepulturas, apenas 12 conham restos humanos identificáveis.
Os exames forenses, limitados pela tecnologia disponível na época e pelo estado de decomposição avançada, conseguiram determinar que um dos esqueletos pertencia a uma mulher jovem entre 20 e 25 anos, que havia falecido há aproximadamente 60 anos. Mais significativo ainda, o crânio apresentava uma fratura contundente na região occipital, sugerindo um golpe forte que poderia ter sido a causa da morte.
Junto aos restos mortais, foram encontrados fragmentos de um tecido fino, que, segundo os peritos, poderia ter sido parte de uma camisola ou vestido. Também havia um pequeno objeto metálico, severamente corroído, que foi identificado como sendo possivelmente um grampo de cabelo. Embora não fosse possível estabelecer com certeza absoluta que aqueles eram os restos mortais de Laura Sampaio, todas as evidências circunstanciais apontavam nessa direção.
O relatório final do delegado Arnaldo Carvalho, submetido em dezembro de 1965, concluía que Laura havia sido internada contra a sua vontade no retiro da paz, onde permaneceu por aproximadamente 2 anos até seu falecimento em circunstâncias suspeitas, provavelmente um homicídio encoberto como transferência.
O relatório apontava Eduardo Sampaio, né? Dr. Augusto Mendonça e o delegado Horácio Silva como os prováveis responsáveis pelo desaparecimento, confinamento ilegal e eventual morte da jovem. No entanto, como todos os envolvidos já haviam falecido há décadas, não houve indiciamento formal. O caso foi oficialmente encerrado com a recomendação de que os restos mortais encontrados fossem enterrados com dignidade sob o nome de Laura Sampaio.
Em maio de 1966, uma pequena cerimônia foi realizada no cemitério do Marui, onde os restos mortais foram sepultados. Apenas o delegado Carvalho, alguns oficiais da polícia e, surpreendentemente, Teresa Oliveira, a antiga empregada do Sampaio, agora uma senhora de 84 anos, estiveram presentes.
Teresa, que havia retornado a Niterói, após tomar conhecimento da reabertura do caso pelos jornais, compartilhou com Carvalho uma última revelação. Na noite em que fugiu da casa do Sampaio, ela havia escutado uma conversa entre Eduardo e o Dr. Mendonça no escritório. O médico mencionara que Laura estava cada vez mais lúcida e havia começado a fazer acusações específicas que poderiam comprometer ambos.
Eduardo respondera simplesmente: “Então não há escolha. Proceda como achar melhor”. O que Teresa não teve coragem de fazer na época, por medo e por sua condição vulnerável, foi denunciar o que havia ouvido. Este silêncio a atormentou por décadas e ela considerava sua presença no funeral de Laura como uma forma tardia de redenção. O delegado Arnaldo Carvalho, profundamente afetado pelo caso, solicitou transferência para outra divisão da polícia pouco depois.
Em suas anotações pessoais encontradas após sua morte em 1981, havia uma reflexão sobre o caso Sampaio. O verdadeiro horror não está nos monstros imaginários que povoam nossas histórias de terror, mas na capacidade humana de infligir sofrimento aqueles que deveriam proteger. Laura não foi vítima de um fantasma ou entidade sobrenatural.
foi traída por seu próprio sangue, por instituições que deveriam amparar os vulneráveis e por uma sociedade que preferia o silêncio, a verdade inconveniente. O caso de Laura Sampaio permaneceria como um dos episódios mais sombrios da história de Niterói. A imponente casa na praia das flechas, onde tudo começou, continuou mudando de proprietários ao longo das décadas.
Curiosamente, nenhum dos estabelecimentos comerciais que ali se instalaram prosperou por muito tempo. Os funcionários frequentemente relatavam uma sensação de peso no ambiente, especialmente no porão e no quarto, que um dia pertenceu à Laura. Em 1998, quase um século após o desaparecimento da jovem, a casa foi finalmente demolida para dar lugar a um edifício residencial. moderno.
Durante as escavações para as fundações, os operários encontraram, enterrado a cerca de 2 m de profundidade no Jardim dos fundos, um pequeno baú de madeira contendo um vestido branco de estilo típico do final do século XIX, cuidadosamente dobrado. Junto ao vestido havia um pequeno caderno cujas páginas estavam quase completamente deterioradas pela humidade.
Nas poucas linhas ainda legíveis, reconhecia-se uma caligrafia delicada, uma frase em particular permaneceu preservada o suficiente para ser lida. Sei que ele está ouvindo atrás da porta novamente esta noite. Deus me proteja, pois não tenho mais para onde fugir nesta casa que se tornou minha prisão. O baú e seu conteúdo foram doados ao museu de história de Niterói, onde permanecem em exposição até hoje.
Silenciosas testemunhas de uma tragédia que o tempo não conseguiu apagar completamente. Periodicamente, visitantes do museu relatam sentir uma presença melancólica ao se aproximarem da vitrine, onde o vestido está exposto, como se algo da essência de Laura Sampaio ainda estivesse ligado àquele objeto, num último e desesperado esforço para que sua história não seja esquecida.
Em 2010, durante uma reforma no prédio que um dia abrigou o jornal de Niterói, foram encontrados dentro de uma parede falsa os originais completos da investigação que Carlos Drumon realizou sobre o caso. Entre os documentos havia um envelope lacrado com os dizeres, a ser aberto apenas quando todos os envolvidos estiverem mortos.
Em seu interior, uma carta escrita pelo próprio Drumon revelava que ele havia descoberto evidências, sugerindo que o relacionamento entre Eduardo e Laura ia além do controle paterno abusivo. Tratava-se de um caso de incesto continuado que provavelmente começou quando Laura era ainda adolescente. Mais perturbador ainda, a carta mencionava a existência de um diário médico do Dr.
Onça, que Drumund conseguiu examinar brevemente antes de ser obrigado a interromper sua investigação. Neste diário, o médico registrava que Laura havia engravidado pouco antes de seu desaparecimento e que sua internação no retiro da paz tinha como objetivo real ocultar essa gravidez indesejada e potencialmente escandalosa.
O que aconteceu com a criança, se é que ela chegou a nascer, permanece um mistério até hoje. O Diário Médico mencionado por Drumon nunca foi encontrado, tendo provavelmente sido destruído no incêndio que vitimou o Dr. Mendonça em 1913. Em 2015, uma historiadora especializada em crimes históricos do Rio de Janeiro, Dra.
Luciana Campos revisitou o caso para um livro sobre crimes não resolvidos da Belle Epoque brasileira. Durante sua pesquisa, ela descobriu nos arquivos da Santa Casa de Misericórdia de São Gonçalo o registro de uma criança abandonada em fevereiro de 1902, coincidentemente o mês em que Laura teria sido transferida ou, como as evidências sugerem, assassinada.
A criança, uma menina, foi registrada apenas como Maria Orfan, sem sobrenome ou filiação conhecida. O registro indicava que ela havia sido deixada na porta da instituição durante a madrugada, embrulhada em um chale fino com as iniciais LS bordadas em um dos cantos. A coincidência das iniciais com as de Laura Sampaio e a proximidade temporal dos eventos levantou a possibilidade de que aquela criança pudesse ser filha de Laura e, possivelmente de seu próprio pai.
Tur Campus conseguiu rastrear o destino de Maria Orfan. Ela foi adotada por um casal de comerciantes portugueses que se mudou para Portugal em 1904. Os registros indicam que a menina cresceu, casou-se e teve três filhos, vivendo até 1987, sem jamais saber de sua possível conexão com a trágica história de Laura Sampaio.
Seus descendentes espalhados entre Portugal e Brasil, desconhecem até hoje o sombrio legado que podem carregar em seu sangue. O caso de Laura Sampaio exemplifica como os horrores mais profundos. Muitas vezes não vem de entidades sobrenaturais ou monstros imaginários, mas de pessoas comuns protegidas por posição social, dinheiro e influência.
Em uma época em que as mulheres tinham poucos direitos e pouca voz, Laura foi silenciada por um sistema desenhado para proteger não os vulneráveis, mas os poderosos. Sua história é um lembrete de como as estruturas sociais podem ser cúmplices na perpetração de horrores, que, embora perfeitamente reais, permanecem invisíveis aos olhos da sociedade por décadas ou mesmo séculos.
À medida que Niterói se transformava ao longo das décadas, modernizando-se e deixando para trás seu passado imperial e da primeira república, a memória de Laura Sampaio foi gradualmente se desvanecendo na consciência coletiva da cidade. Hoje, poucos niteroienses conhecem sua história e, menos ainda sabem apontar onde ficava a casa que um dia foi sua prisão e, possivelmente, seu túmulo inicial.
No entanto, aqueles que estudam a história sombria da cidade às vezes relatam sensação estranha ao passar pela praia das flechas ao anoitecer, especialmente em noites de março, quando o calor do verão carioca começa a dar lugar às primeiras brisas mais frescas do outono. Dizem que se prestar atenção é possível ouvir o som suave de Passos sobre a areia da praia.
Passos de alguém que parece procurar algo ou alguém perdido há muito tempo. Talvez seja apenas o vento nas palmeiras. Talvez sejam apenas histórias contadas para assustar visitantes, mas aqueles que conhecem o caso em profundidade preferem não caminhar sozinhos por aquela praia após o pô do sol, especialmente na data que marca o desaparecimento de Laura.
Pois mesmo após mais de um século, há ecos de dor que o tempo não consegue apagar completamente e memórias que se recusam a ficar enterradas como se clamassem por uma justiça que chegou tarde demais. Quem sabe em algum lugar, entre os arquivos empoirados de instituições centenárias ou nas memórias não registradas passadas de geração em geração, ainda existam peças perdidas deste quebra-cabeça macabro.
Talvez algum dia a história completa de Laura Sampaio venha à tona, revelando detalhes ainda mais perturbadores do que aqueles que já conhecemos. Ou talvez seja melhor que algumas portas permaneçam fechadas, alguns segredos enterrados junto com aqueles que os criaram.
O que fica é o eco distante de uma vida interrompida pela crueldade humana, uma lembrança sombria de como o verdadeiro mal não precisa de elementos sobrenaturais para manifestar-se. Ele já existe no coração daqueles que deveriam proteger, mas escolhem destruir. Daqueles que deveriam amar, mas escolhem possuir.
E enquanto a moderna Niterói continua sua vida agitada, com seus arranhacéus, refletindo o sol na baía de Guanabara, o fantasma metafórico de Laura Sampaio, não uma presença sobrenatural, mas a memória de uma injustiça histórica, continua a vagar silenciosamente por suas ruas um lembrete de que o passado nunca está completamente morto e de que as histórias mais perturbadoras tão frequentemente aquelas baseadas na cruel realidade.