(1853, Puebla) A bela escrava que falava três línguas que ninguém conseguia explicar

No ano de 1853, a cidade de Puebla de Los Ángeles mantinha uma aparência de ordem colonial que ocultava segredos tão profundos quanto os desabamentos que se abriam sem aviso nas suas ruas empedradas. Entre as mansões da elite poblana, a casa da família Mendoza e Villarreal erguia-se como uma fortaleza de cantaria cinzenta na calle de los herreros, a poucas quadras do zócalo.


Era uma construção típica do século XIX com muros de mais de 1 metro de espessura, pátios interiores rodeados de corredores com arcos de volta inteira e quartos que pareciam engolir a luz do dia. Dom Aurelio Mendoza e Villarreal tinha herdado não só a fortuna familiar, mas também uma coleção de trabalhadores domésticos que, segundo os registos paroquiais da época, incluía pessoas de origem africana, indígena e mestiça.


Entre eles encontrava-se uma mulher que os documentos da casa identificam unicamente como Esperanza, sem apelido, sem idade precisa, sem lugar de nascimento. Os livros de contas da família preservados no arquivo municipal de Puebla até 1968, quando foram transferidos para uma coleção privada que posteriormente se extraviou, continham anotações peculiares sobre esta mulher.


A primeira menção data de 3 de abril de 1853, escrita com a letra meticulosa de Dom Aurelio: “Nova aquisição demonstra conhecimentos linguísticos extraordinários. Fala o castelhano com perfeição, o francês como se tivesse nascido em Paris e uma terceira língua que nem o padre Sebastián pôde identificar.”


Esta anotação aparentemente inócua, converter-se-ia no primeiro indício de algo que desafiaria a compreensão dos que habitavam essa casa. Esperanza tinha chegado à mansão Mendoza em circunstâncias que os registos oficiais descrevem de maneira vaga. Um documento notarial de 2 de abril de 1853, localizado em 1952 pelo historiador local Edmundo Ríos Paredes, menciona uma transação entre Dom Aurelio e um comerciante de nome Casimiro Lechuga, quem aparentemente tinha adquirido a mulher no porto de Veracruz. No entanto, não existe constância alguma da sua origem prévia, nem dos barcos que pudessem tê-la trazido de África ou das Antilhas.


O que sim consta em múltiplos testemunhos da época é a extraordinária beleza de Esperanza. O diário de Dona Soledad Mendoza, esposa de Dom Aurelio, contém descrições detalhadas que revelam tanto admiração como uma inquietação crescente.


“O seu rosto possui uma simetria que desarma”, escreveu Dona Soledad a 8 de abril. “Os seus olhos são de uma cor que jamais vi, como se o âmbar se tivesse misturado com o mel. E quando fala nessa língua estranha é como se as palavras tivessem vida própria.” A família Mendoza estava composta por Dom Aurelio, de 42 anos, Dona Soledad, de 37 e os seus três filhos, Patricio, de 19 anos, Esperanza María, de 17 e Joaquín de 14.


A chegada da nova empregada doméstica alterou a rotina da casa de maneiras que inicialmente pareciam benéficas. Esperanza demonstrou ser extraordinariamente eficiente em todas as tarefas que lhe foram atribuídas, desde a cozinha até à costura, passando pelo cuidado dos jardins interiores.


Mas foi a sua capacidade linguística o que capturou a atenção de toda a família. Esperanza não só falava espanhol e francês com fluidez, mas demonstrava conhecimentos de literatura e filosofia que superavam os de muitos membros da alta sociedade poblana. Durante as primeiras semanas da sua estadia na casa, Dom Aurelio convocava-a com frequência à sua biblioteca para que o ajudasse a traduzir correspondência comercial em francês.


Estas sessões, que inicialmente duravam uns minutos, estenderam-se gradualmente até se converterem em longas conversas que se prolongavam até altas horas da noite. A terceira língua que falava Esperanza converteu-se em fonte de fascínio e posteriormente de inquietação para a família.


Não se parecia com nenhum idioma conhecido pelos eruditos locais. O padre Sebastián Morales, capelão da família e homem de vasta cultura, quem tinha estudado em Roma e dominava o latim, o grego e o hebraico, confessou a sua perplexidade numa carta dirigida ao bispo de Puebla, datada de 20 de abril de 1853. “A fonética desta língua desconhecida apresenta caraterísticas que não correspondem com nenhuma família linguística do meu conhecimento”, escreveu o sacerdote.


“Os sons são harmoniosos, quase musicais, mas a sua estrutura gramatical parece seguir regras que escapam à lógica das línguas europeias, africanas ou indígenas americanas.” Durante as primeiras semanas de maio de 1853, a rotina da casa Mendoza começou a alterar-se de maneiras subtis, mas inquietantes.


Os criados relataram que Esperanza falava na sua língua desconhecida enquanto realizava as suas tarefas domésticas, mas sempre em voz baixa, como se sustentasse conversações com alguém invisível. Quando se lhe perguntava diretamente sobre estas conversas, ela sorria com uma expressão que os testemunhas descreveram como distante e explicava que se tratava de orações ou canções da sua terra natal. O primeiro incidente documentado ocorreu durante a noite de 12 de maio.


Joaquín, o filho mais novo da família, acordou antes do amanhecer, assegurando ter escutado vozes no pátio principal. Ao espreitar pela janela do seu quarto que dava para o corredor do segundo andar, viu Esperanza sentada junto à fonte central falando na sua língua misteriosa.


O peculiar do sucedido não era a presença de Esperanza no pátio a essa hora, mas o facto de que parecia manter uma conversação fluida com pausas naturais, como se alguém lhe respondesse. No entanto, Joaquín assegurou não ter visto nenhuma outra pessoa no local.


Quando o rapaz relatou o ocorrido durante o pequeno-almoço, Dom Aurelio decidiu interrogar discretamente Esperanza. A sua resposta foi simples e aparentemente lógica. Tinha tido dificuldades para adormecer e tinha descido ao pátio para rezar. Explicou que na sua cultura era costume orar em voz alta para comunicar-se melhor com os ancestrais. Esta explicação satisfez Dom Aurelio, quem até elogiou a devoção religiosa da mulher.


No entanto, os incidentes noturnos repetiram-se. Em meados de maio, tanto Dona Soledad como a sua filha Esperanza María relataram ter escutado as mesmas conversas em língua desconhecida. As vozes pareciam provir de diferentes partes da casa, umas vezes do pátio principal, outras do jardim traseiro e ocasionalmente dos corredores.


O mais inquietante era que embora as conversas soassem naturais e fluentes, nunca se escutava mais do que a voz de Esperanza. O padre Sebastián, intrigado pelo fenómeno linguístico, pediu permissão a Dom Aurelio para estudar mais detidamente a língua desconhecida. Organizaram-se sessões vespertinas na biblioteca, durante as quais Esperanza recitava textos no seu idioma misterioso, enquanto o sacerdote tirava notas meticulosas.


Estas sessões documentadas no diário pessoal do Padre Sebastián revelam aspetos fascinantes e perturbadores do comportamento de Esperanza. Segundo as anotações do padre Sebastián, quando Esperanza falava na sua língua desconhecida, a sua personalidade parecia transformar-se subtilmente. A sua postura tornava-se mais ereta, os seus gestos mais deliberados e as suas expressões faciais adquiriam uma qualidade que o sacerdote descreveu como antiga.


Durante estas sessões, Esperanza afirmava estar a recitar relatos históricos da sua terra natal, genealogias de famílias importantes e descrições de cerimónias religiosas. No entanto, quando o padre Sebastián tentava que lhe traduzisse estes relatos para o espanhol, Esperanza confessava que a tradução era impossível porque muitos conceitos da sua língua não tinham equivalente em nenhum outro idioma.


Em finais de maio, os comportamentos estranhos de Esperanza intensificaram-se. Os criados relataram que a mulher tinha desenvolvido o costume de deter-se subitamente durante as suas atividades diárias, como se escutasse algo que mais ninguém podia perceber. Nestas ocasiões, os seus olhos adquiriam uma expressão distante e começava a sussurrar na sua língua desconhecida.


Estes episódios duravam entre uns poucos segundos e vários minutos, depois dos quais Esperanza retomava as suas atividades como se nada tivesse ocorrido. Dona Soledad, quem inicialmente tinha mostrado fascínio pelos conhecimentos e a elegância de Esperanza, começou a expressar inquietudes privadas no seu diário. A entrada de 26 de maio revela o seu crescente desassossego.


“Há algo na maneira em que Esperanza se move pela casa que me produz uma sensação estranha. É como se conhecesse cada recanto, cada sombra, cada ranger das madeiras, apesar de levar apenas dois meses entre nós. Ontem surpreendi-a no quarto que mantemos fechado desde a morte da avó Remedios.


E quando lhe perguntei o que fazia ali, respondeu-me que tinha escutado um ruído.” Mas esse quarto leva cinco anos sem ser aberto. O incidente a que se referia Dona Soledad ocorreu na tarde de 25 de maio. O quarto em questão tinha pertencido à matriarca da família, Dona Remedios Villarreal, quem tinha falecido em 1848.


Desde então, o quarto permanecia fechado à chave, tal como ela o tinha deixado. Os únicos que tinham acesso eram Dom Aurelio e Dona Soledad, e ambos evitavam entrar ali, salvo para limpezas muito esporádicas. Quando Dona Soledad encontrou Esperanza no limiar desse quarto, a porta estava entreaberta e a mulher olhava para o interior com uma expressão que foi descrita como de reconhecimento.


Ao ser interrogada, Esperanza explicou que tinha estado a limpar o corredor quando escutou um ruído que parecia provir desse quarto. Tinha tentado localizar a origem do som, mas ao encontrar a porta fechada tinha decidido informar Dona Soledad. No entanto, quando ambas as mulheres reviram o quarto, encontraram que vários objetos tinham sido movidos das suas posições originais.


Entre os objetos deslocados encontrava-se um cofre de madeira talhada que continha correspondência pessoal de Dona Remedios, um terço de contas de jade que sempre tinha estado sobre a mesa de cabeceira e um retrato de família que tinha sido girado de tal maneira que as figuras pareciam olhar para a porta em vez de para a janela.


O mais inquietante era que não havia indícios de que alguém tivesse forçado a fechadura ou as janelas para aceder ao quarto. Dom Aurelio, ao ser informado do incidente, decidiu interrogar todo o pessoal doméstico. Nenhum dos criados admitiu ter entrado no quarto e todos asseguraram que as chaves permaneciam em poder exclusivo dos senhores da casa. Esperanza, por sua vez, reiterou que só tinha espreitado ao escutar ruídos estranhos, mas que jamais tinha ingressado no interior.


O seu testemunho foi credível e consistente, o que fez ainda mais desconcertante a alteração do conteúdo do quarto. Durante os primeiros dias de junho, os fenómenos associados com a presença de Esperanza multiplicaram-se.


Os criados relataram que as conversas noturnas em língua desconhecida se tinham tornado mais frequentes e intensas. Além disso, começaram a observar que durante estas conversas, Esperanza parecia receber respostas. As suas pausas tornaram-se mais marcadas, como se aguardasse réplicas específicas, e em ocasiões assentia com a cabeça ou sorria como se tivesse escutado algo particularmente agradável.


O cozinheiro, um homem chamado Evaristo Campos, quem tinha servido a família durante mais de 20 anos, foi o primeiro a expressar abertamente as suas preocupações. Numa conversação com Dona Soledad, Evaristo confessou que Esperanza o inquietava profundamente.


Explicou que a mulher demonstrava conhecimentos sobre a casa e a família que resultavam impossíveis para alguém que tinha chegado recentemente. Conhecia os nomes de criados que tinham falecido anos atrás, sabia onde encontrar objetos que tinham sido guardados em lugares remotos e até parecia estar a par de segredos familiares que só conheciam os membros mais antigos do serviço doméstico.


O filho mais velho, Patricio, também começou a mostrar sinais de inquietude. Durante um jantar familiar em meados de junho, o jovem expressou a sua perplexidade pelo facto de que Esperanza parecia antecipar as necessidades de cada membro da família antes de que estas se manifestassem. Conhecia as preferências culinárias de cada um.


Sabia exatamente quando Dom Aurelio necessitaria de assistência na biblioteca e tinha uma capacidade quase sobrenatural para aparecer no momento preciso em que algum membro da família requeria algum serviço. Dona Soledad documentou no seu diário um incidente particularmente perturbador que ocorreu na noite de 18 de junho. Tinha acordado perto das 3 da madrugada com a sensação de que alguém a observava.


Ao abrir os olhos, viu Esperanza de pé junto à sua cama, imóvel, olhando-a fixamente. Quando Dona Soledad lhe perguntou o que necessitava, Esperanza respondeu que tinha vindo verificar se se encontrava bem, porque tinha escutado que estava a ter pesadelos. O inquietante do incidente era que Dona Soledad efetivamente tinha estado a ter um pesadelo, mas não lembrava ter feito ruído algum que pudesse ter alertado Esperanza, cujo quarto se encontrava no outro extremo da casa.


O padre Sebastián, quem continuava os seus estudos linguísticos com Esperanza, começou a documentar aspetos cada vez mais desconcertantes do seu comportamento. Numa entrada do seu diário datada de 20 de junho, o sacerdote escreveu: “Durante as nossas sessões comecei a notar que Esperanza não só fala na sua língua desconhecida, mas que parece escutar respostas na mesma.


As suas reações são tão naturais e apropriadas que resulta impossível acreditar que esteja a fingir uma conversação. No entanto, eu permaneço no quarto durante todo o tempo e posso assegurar que não há mais ninguém presente.” O padre Sebastián também notou que o conteúdo dos relatos de Esperanza tinha começado a mudar. Inicialmente, ela afirmava estar a recitar histórias tradicionais da sua terra natal.


No entanto, gradualmente os relatos tornaram-se mais específicos e detalhados, incluindo nomes de pessoas, lugares e eventos que pareciam corresponder à história real de Puebla e seus arredores. Esperanza começou a narrar sucessos que tinham ocorrido décadas atrás, muito antes da sua chegada à casa, com uma precisão que resultava impossível para alguém que supostamente era estrangeira à região.


Durante uma sessão particularmente inquietante realizada na noite de 24 de junho, Esperanza começou a relatar na sua língua misteriosa o que segundo a sua tradução posterior era a história de uma mulher que tinha vivido na mesma casa durante o século anterior. A descrição incluía detalhes arquitetónicos de quartos que tinham sido modificados ou fechados muito antes da chegada de Esperanza, assim como nomes de pessoas que tinham falecido décadas atrás.


Quando o padre Sebastián pediu mais detalhes sobre como Esperanza tinha obtido essa informação, ela respondeu que se tratava de memórias partilhadas que chegavam a ela através da língua ancestral que falava. Em finais de junho, Dom Aurelio tomou a decisão de investigar mais profundamente a origem de Esperanza.


Enviou cartas a contactos em Veracruz, México e Havana, solicitando informação sobre mulheres que correspondessem à descrição física de Esperanza e que tivessem sido embarcadas para o México durante os meses prévios à sua chegada a Puebla. As respostas que chegaram durante julho foram uniformemente negativas.


Nenhum comerciante de escravos lembrava ter manejado uma mulher com as caraterísticas de Esperanza e os registos portuários não continham referências a embarques que pudessem corresponder ao seu caso. Casimiro Lechuga, o comerciante que supostamente tinha vendido Esperanza a Dom Aurelio, resultou ser igualmente misterioso.


As investigações revelaram que não existia nenhum comerciante com esse nome registado em Veracruz ou em qualquer outro porto mexicano. Os documentos notariais que respaldavam a transação, quando foram examinados por especialistas, mostraram irregularidades na caligrafia e no papel que sugeriam uma possível falsificação.


Entretanto, os comportamentos estranhos de Esperanza continuaram a intensificar-se. No início de julho, os criados relataram que as conversas noturnas tinham adquirido um tom diferente. Já não soavam como orações ou relatos tradicionais, mas sim como discussões intensas, quase argumentativas.


Esperanza parecia estar a debater ou a negociar com os seus interlocutores invisíveis, e em ocasiões a sua voz elevava-se o suficiente para despertar os habitantes da casa. Joaquín, o filho mais novo, foi testemunha de um destes episódios durante a madrugada de 5 de julho. O rapaz acordou ao escutar vozes agitadas no pátio principal e ao espreitar pela janela viu Esperanza gesticulando animadamente enquanto falava na sua língua desconhecida.


O que mais impactou Joaquín foi que em determinados momentos Esperanza parecia dirigir-se a diferentes pontos do pátio, como se estivesse a falar com múltiplas pessoas localizadas em distintas posições. Os seus gestos e expressões mudavam segundo a direção para a qual se dirigia, sugerindo que mantinha conversações simultâneas com vários interlocutores. A família começou a experimentar outros fenómenos inquietantes que pareciam relacionados com a presença de Esperanza.


Objetos pessoais apareciam em lugares onde nunca tinham sido colocados. Portas que tinham sido fechadas à chave amanheciam abertas. Escutavam-se passos em quartos vazios, especialmente durante as horas em que Esperanza realizava as suas misteriosas conversações noturnas. Dona Soledad documentou no seu diário uma experiência particularmente perturbadora que ocorreu na noite de 10 de julho.


Tinha descido à cozinha para procurar água quando encontrou Esperanza sentada à mesa aparentemente a escrever. O estranho era que não havia velas nem lâmpadas acesas no quarto e no entanto, Esperanza parecia poder ver perfeitamente o que escrevia. Quando Dona Soledad acendeu uma vela para iluminar a cena, descobriu que Esperanza estava a escrever num idioma que não era espanhol nem francês, utilizando carateres que não correspondiam ao alfabeto latino.


Quando Dona Soledad perguntou o que estava a escrever, Esperanza explicou que se tratava de cartas dirigidas à sua família na sua terra natal. No entanto, quando se lhe perguntou como pensava enviar essas cartas, considerando que ninguém sabia onde se encontrava o seu lugar de origem, Esperanza respondeu com um sorriso enigmático que as cartas chegariam ao seu destino pelos meios apropriados.


O padre Sebastián, ao ser informado sobre o incidente da escrita noturna, pediu examinar as cartas que Esperanza tinha estado a redigir. A mulher acedeu a mostrar-lhe alguns dos textos e o sacerdote ficou fascinado pela complexidade do sistema de escrita.


Os carateres não se pareciam com nenhum alfabeto conhecido e pareciam combinar elementos pictográficos com sinais fonéticos de uma maneira que sugeria um desenvolvimento cultural muito sofisticado. No entanto, quando o padre Sebastián pediu a Esperanza que lhe traduzisse o conteúdo das cartas, ela respondeu que grande parte do significado se perderia na tradução devido às diferenças conceptuais entre a sua língua e o espanhol.


Durante meados de julho, a tensão na casa Mendoza atingiu um ponto crítico. Os criados começaram a expressar abertamente o seu desejo de não trabalhar durante as horas noturnas, quando os fenómenos associados com Esperanza eram mais intensos. Patricio, o filho mais velho, confessou ao seu pai que tinha começado a ter pesadelos recorrentes em que via Esperanza a conversar com figuras sombrias que não podia identificar claramente.


Esperanza María, a filha de 17 anos, desenvolveu o que a sua mãe descreveu como uma fascinação doentia por Esperanza. A jovem começou a seguir a empregada doméstica durante as suas atividades diárias, tentando aprender palavras da língua desconhecida. Dona Soledad expressou no seu diário a sua preocupação pelo facto de que a sua filha parecia estar a adotar alguns dos comportamentos estranhos de Esperanza, incluindo o costume de deter-se subitamente como se escutasse vozes invisíveis.


A 14 de julho ocorreu um incidente que mudaria definitivamente a dinâmica da casa. Esperanza María tinha estado a acompanhar Esperanza durante as suas tarefas da tarde, quando ambas se dirigiram ao quarto que tinha pertencido a Dona Remedios. Para surpresa de todos, a porta estava aberta, apesar de Dom Aurelio assegurar ter pessoalmente verificado que estivesse fechada à chave nessa mesma manhã.


Quando Dona Soledad e Dom Aurelio acudiram a investigar, encontraram ambas as mulheres no interior do quarto, aparentemente a examinar o conteúdo do cofre de correspondência de Dona Remedios. Esperanza María explicou que Esperanza lhe tinha dito que havia cartas nesse quarto que poderiam ajudá-la a entender melhor a história da casa. Esperanza, por sua vez, afirmou que tinha sentido a necessidade de mostrar à jovem certos documentos que considerava importantes para a família.


Entre as cartas que Esperanza tinha selecionado encontrava-se uma correspondência datada de 1835, dirigida a Dona Remedios por uma mulher chamada Esperanza Vázquez, quem aparentemente tinha trabalhado como empregada doméstica na casa durante a década de 1830. A carta escrita num espanhol arcaico descrevia experiências sobrenaturais que a mulher tinha tido na casa, incluindo conversações com espíritos ancestrais que lhe falavam numa língua que ela não tinha conhecido antes de chegar à mansão. A carta de Esperanza Vázquez continha detalhes inquietantemente similares aos comportamentos que a família tinha observado na Esperanza atual.


A mulher do século passado também afirmava poder comunicar-se com entidades invisíveis. Conhecia detalhes sobre a história da casa que não deveria ter sabido e demonstrava habilidades linguísticas extraordinárias. A correspondência sugeria que Dona Remedios tinha desenvolvido uma relação complexa com Esperanza Vázquez, oscilando entre a fascinação e o temor.


A carta mais reveladora, datada de dezembro de 1835, descrevia o abrupto desaparecimento de Esperanza Vázquez. Segundo o relato de Dona Remedios, a mulher tinha informado que tinha chegado o momento de regressar a casa, mas que a sua partida não seria permanente.


A carta concluía com uma frase que gelou o sangue de quem a leu: “Esperanza assegurou-me que regressaria quando a casa necessitasse dela novamente, embora fosse necessário tomar uma forma diferente.” Dom Aurelio, profundamente perturbado pelo descobrimento, decidiu confrontar diretamente Esperanza sobre as similaridades entre o seu caso e o de Esperanza Vázquez.


A mulher escutou as perguntas com uma calma que resultava inquietante e a sua resposta foi tão enigmática como todo o seu comportamento prévio. Explicou que era possível que houvesse uma conexão espiritual entre ela e a mulher do passado, mas que não podia proporcionar explicações mais específicas porque o conhecimento chegava a ela através de meios que transcendem a compreensão convencional.


Durante os últimos dias de julho, os fenómenos estranhos intensificaram-se até atingir um nível que tornou insustentável a permanência de Esperanza na casa. As conversações noturnas tornaram-se tão intensas que despertavam todos os habitantes da mansão. Os objetos moviam-se dos seus lugares com frequência alarmante.


As portas fechadas amanheciam abertas regularmente e o mais inquietante de tudo, outros membros da família começaram a escutar fragmentos de conversações na língua desconhecida que falava Esperanza, mesmo quando ela não estava presente. Patricio relatou ter escutado sussurros em língua estranha provenientes do quarto de Dona Remedios durante uma tarde em que Esperanza se encontrava a trabalhar no jardim traseiro.


Joaquín assegurou ter visto figuras sombrias a moverem-se pelos corredores durante as madrugadas. Figuras que desapareciam quando tentava focar o seu olhar diretamente sobre elas. Esperanza María começou a falar ocasionalmente em palavras que pertenciam à língua misteriosa, apesar de que assegurava não lembrar ter aprendido essas expressões.


O padre Sebastián, quem tinha estado a documentar meticulosamente todos os fenómenos, chegou a uma conclusão que expressou numa carta dirigida ao bispo de Puebla a 30 de julho de 1853. O sacerdote escreveu: “Os eventos que têm tido lugar na casa Mendoza transcendem qualquer explicação natural que possa oferecer.


A mulher conhecida como Esperanza, demonstra conhecimentos e habilidades que sugerem uma conexão com forças ou entidades que escapam à nossa compreensão. Recomendo encarecidamente que se tome alguma medida para proteger a esta família cristã de influências que poderiam ser prejudiciais para o seu bem-estar espiritual e físico.”


A resposta do bispo chegou no início de agosto, autorizando o padre Sebastián a realizar as ações que considerasse necessárias para salvaguardar a integridade espiritual da família Mendoza. No entanto, antes de que o sacerdote pudesse implementar qualquer medida, Esperanza anunciou que tinha chegado o momento da sua partida.


A manhã de 5 de agosto de 1853, Esperanza apresentou-se perante Dom Aurelio com uma calma que contrastava dramaticamente com a tensão que tinha caraterizado as semanas prévias. Explicou-lhe que tinha cumprido com o propósito que a tinha trazido a essa casa e que agora devia continuar o seu caminho para outros lugares onde a sua presença era requerida.


A sua despedida foi tão enigmática como todo o seu comportamento durante os meses prévios. Esperanza pediu permissão para se despedir de cada quarto da casa, incluindo a que tinha pertencido a Dona Remedios. Durante este percurso final que durou várias horas, a mulher falou na sua língua misteriosa com uma intensidade que não tinha mostrado anteriormente. Os criados relataram que as conversações pareciam mais animadas do que nunca, como se estivesse a coordenar planos complexos com os seus interlocutores invisíveis. Antes de abandonar a mansão, Esperanza entregou a Dona Soledad um pequeno cofre de madeira talhada que, segundo explicou, continha memórias preservadas para futuras gerações.


Pediu que o cofre fosse guardado no quarto de Dona Remedios e que não fosse aberto até que a família considerasse que tinha chegado o momento apropriado. O seu último ato antes de partir foi escrever uma carta na sua língua misteriosa que selou e entregou a Dom Aurelio com a instrução de que fosse guardada junto com a correspondência da família.


Esperanza abandonou a casa Mendoza a tarde de 5 de agosto caminhando pela calle de los herreros em direção ao centro da cidade. Várias testemunhas viram-na afastar-se, mas curiosamente nenhum pôde explicar depois em que momento exato perdeu de vista a sua figura.


Alguns asseguraram que tinha dobrado na esquina da praça de San Luis, outros juraram que tinha continuado em frente para o zócalo e uns poucos afirmaram que tinha simplesmente desaparecido entre as sombras dos portais. Os registos municipais de Puebla não contêm nenhuma referência a uma mulher chamada Esperanza que tivesse abandonado a cidade nessas datas. As investigações posteriores realizadas por Dom Aurelio não lograram localizar rasto algum do seu paradeiro.


Era como se tivesse surgido do nada para instalar-se na Casa Mendoza durante 4 meses e depois tivesse regressado a essa mesma nada sem deixar evidência da sua passagem pelo mundo. No entanto, os efeitos da sua presença na casa permaneceram durante muito tempo depois da sua partida. Os fenómenos estranhos continuaram, embora com menor intensidade.


Continuaram a escutar-se ocasionalmente conversações sussurrantes em língua desconhecida, especialmente no quarto de Dona Remedios. Os objetos continuaram a mover-se dos seus lugares, embora com menos frequência, e os membros da família seguiram a experimentar a sensação de ser observados por presenças invisíveis. Esperanza María, a filha de 17 anos, foi quem mostrou os efeitos mais duradouros da presença de Esperanza.


A jovem desenvolveu a capacidade de falar fragmentos da língua misteriosa, especialmente durante os seus sonhos. Dona Soledad documentou no seu diário que a sua filha frequentemente acordava a falar nessa língua estranha, relatando conversações que tinha mantido com a outra Esperanza durante os seus sonhos. Estes episódios continuaram durante vários meses depois da partida da empregada doméstica.


O padre Sebastián continuou a estudar os fenómenos linguísticos que tinha documentado durante a sua convivência com Esperanza. As suas notas preservadas nos arquivos da paróquia até 1958, quando foram transferidas para uma coleção privada que posteriormente se extraviou, continham análises detalhadas da estrutura gramatical e fonética da língua misteriosa.


O sacerdote tinha chegado à conclusão de que se tratava de um idioma completamente desenvolvido, com regras gramaticais consistentes e um vocabulário extenso, o que tornava ainda mais inexplicável a sua origem. Seis meses depois da partida de Esperanza, Dom Aurelio decidiu abrir o cofre que ela tinha deixado como legado para a família.


O conteúdo resultou ser tão misterioso como tudo o relacionado com a mulher. O cofre continha cartas escritas na língua desconhecida, pequenos objetos talhados em materiais não identificados e o mais inquietante de tudo, retratos desenhados a carvão de todos os membros da família Mendoza, incluindo detalhes dos seus rostos e expressões que demonstravam um conhecimento íntimo das suas personalidades.


Entre os objetos mais perturbadores encontrava-se um mapa desenhado à mão que mostrava a casa Mendoza com um detalhe arquitetónico extraordinário. O mapa incluía quartos e passagens que a família desconhecia por completo, assim como anotações na língua misteriosa que pareciam indicar localizações específicas dentro da construção.


Quando Dom Aurelio comparou o mapa com a estrutura real da casa, descobriu que efetivamente existiam espaços não utilizados entre as paredes que correspondiam exatamente com o indicado no desenho de Esperanza. A exploração destes espaços ocultos revelou quartos pequenos que aparentemente tinham sido utilizados como esconderijos ou armazéns durante épocas anteriores.


Num destes quartos encontraram-se objetos que pareciam ter pertencido a Esperanza Vázquez, a empregada doméstica do século anterior, roupa antiga, livros de orações em latim e mais cartas escritas na mesma língua misteriosa que falava a Esperanza recente. O descobrimento mais inquietante foi um diário escrito por Esperanza Vázquez, que relata experiências muito similares às que tinha vivido a família com a Esperanza de 1853.


O diário descrevia conversações noturnas com entidades invisíveis, conhecimentos sobrenaturais sobre a história da casa e a gradual compreensão de que o seu papel na mansão formava parte de um padrão que se repetia periodicamente.


A última entrada do diário de Esperanza Vázquez, datada de dezembro de 1835, continha uma profecia que gelava o sangue: “Compreendi que a minha missão aqui não é única nem final. Esta casa alberga memórias que requerem ser preservadas e transmitidas através de guardiões que transcendem as limitações de uma só existência. Regressarei quando for necessário, embora seja sob uma forma diferente, para continuar com o labor de manter vivos os segredos que estas paredes têm presenciado.”


Durante os anos seguintes, a família Mendoza continuou a experimentar fenómenos estranhos, embora gradualmente fossem diminuindo em intensidade. A casa desenvolveu uma reputação na vizinhança como um lugar onde ocorriam sucessos inexplicáveis. Os criados que trabalharam ali depois da partida de Esperanza relataram regularmente experiências que incluíam vozes misteriosas, movimentos de objetos e a sensação constante de ser observado por presenças invisíveis.


Dom Aurelio documentou meticulosamente todos estes eventos num registo pessoal que manteve até à sua morte em 1868. As suas últimas anotações revelam que nunca logrou encontrar uma explicação satisfatória para os fenómenos associados com Esperanza, mas que tinha chegado à conclusão de que a casa possuía algum tipo de memória histórica que se manifestava através de indivíduos específicos que chegavam periodicamente para servir como intermediários entre o passado e o presente. Dona Soledad, quem sobreviveu ao seu marido por 6 anos, continuou a habitar a mansão até à sua morte em 1874.


O seu diário pessoal, que se estendeu até aos seus últimos dias, contém referências ocasionais a experiências que sugeriam a presença persistente de influências relacionadas com Esperanza. A mulher relatou ocasionalmente escutar conversações na língua misteriosa, especialmente durante as noites de lua cheia.


E em várias ocasiões encontrou cartas escritas em carateres desconhecidos que apareciam misteriosamente no quarto que tinha pertencido a Dona Remedios. Os filhos da família seguiram caminhos diferentes depois dos eventos de 1853. Patricio emigrou para a França em 1857, aparentemente para se afastar das recordações associadas com a casa familiar.


As suas cartas posteriores à família revelam que nunca logrou esquecer completamente as experiências vividas durante a presença de Esperanza e que ocasionalmente tinha sonhos em que escutava conversações na língua misteriosa. Joaquín converteu-se em sacerdote e dedicou grande parte da sua vida adulta a estudar fenómenos que ele descrevia como manifestações de memórias ancestrais.


Os seus escritos teológicos preservados nos arquivos do seminário de Puebla incluem extensas reflexões sobre a natureza das conexões entre diferentes épocas históricas e a possibilidade de que certas localizações físicas servissem como condutas para a transmissão de conhecimentos através do tempo. Esperanza María nunca se casou e permaneceu na casa familiar até à morte da sua mãe.


A sua capacidade para falar fragmentos da língua misteriosa manteve-se durante toda a sua vida e desenvolveu o costume de servir como intérprete quando ocasionalmente apareciam cartas ou mensagens escritos nesses carateres desconhecidos. O seu diário pessoal, que começou a escrever em 1854, contém traduções de numerosos textos na língua misteriosa que foram aparecendo na casa ao longo dos anos.


Segundo as traduções de Esperanza María, muitos destes textos continham relatos históricos sobre eventos que tinham ocorrido na casa durante séculos anteriores, incluindo descrições detalhadas de antigos habitantes e as suas experiências. Os relatos sugeriam que a mansão tinha servido como lar para múltiplas gerações de indivíduos que possuíam habilidades similares às das duas Esperanzas e que existia uma continuidade histórica que transcendia as vidas individuais.


Em 1875, depois da morte de Dona Soledad, a casa foi vendida a uma família de comerciantes alemães que tinham emigrado para o México. Os novos proprietários, os Schneider, experimentaram imediatamente fenómenos similares aos que tinham caraterizado a era dos Mendoza.


No entanto, ao contrário da família anterior, os Schneider decidiram investigar ativamente as origens destes eventos. Heinrich Schneider, o patriarca da família, contratou o historiador local Edmundo Ríos Paredes para que realizasse uma investigação exaustiva sobre a história da casa e os seus antigos habitantes. A investigação, que se estendeu durante vários anos revelou padrões inquietantes que se remontavam a mais de dois séculos.


Os registos paroquiais mais antigos que datam de finais do século XVIII contêm referências a empregadas domésticas com caraterísticas similares às das duas Esperanzas que tinham trabalhado para os Mendoza. Estas mulheres apareciam na documentação de maneira súbita, sem antecedentes claros sobre a sua origem. Permaneciam na casa durante períodos que oscilavam entre uns poucos meses e vários anos e depois desapareciam tão misteriosamente como tinham chegado.


O mais inquietante era que todas estas mulheres partilhavam certas caraterísticas. Beleza extraordinária, conhecimentos linguísticos excecionais, capacidade para comunicar-se em línguas desconhecidas e habilidades que sugeriam acesso a informação sobre a história da casa que resultava impossível de explicar através de meios convencionais.


Os registos também indicavam que durante os períodos em que estas mulheres habitavam a casa ocorriam fenómenos que os documentos da época descreviam como manifestações sobrenaturais. A investigação de Ríos Paredes também revelou que a casa tinha sido construída sobre os alicerces de uma estrutura anterior que por sua vez tinha sido edificada sobre o que aparentemente tinha sido um sítio cerimonial pré-hispânico.


Escavações arqueológicas realizadas em 1878 no jardim traseiro da mansão desenterraram objetos que sugeriam que o lugar tinha sido utilizado para rituais relacionados com a comunicação entre diferentes planos de existência. Entre os objetos mais significativos encontraram-se tabuletas de pedra com inscrições numa escrita que os peritos não lograram identificar, mas que mostrava similaridades inquietantes com os carateres que tinham utilizado as diferentes Esperanzas para escrever os seus misteriosos textos.


Os arqueólogos também descobriram evidência de que o sítio tinha sido utilizado continuamente para cerimónias rituais durante um período de vários séculos, mesmo depois da chegada dos espanhóis. Em 1879, a família Schneider experimentou a chegada de outra mulher misteriosa.


Tratava-se de uma jovem que afirmava chamar-se Esperanza Dolores e que tinha aparecido na porta da casa solicitando emprego como empregada doméstica. As suas caraterísticas físicas e habilidades eram inquietantemente similares às das Esperanzas anteriores. Beleza excecional, conhecimentos linguísticos extraordinários e capacidade para comunicar-se na língua misteriosa que tinha caraterizado as suas predecessoras.


Heinrich Schneider, advertido pelos achados da investigação histórica, decidiu documentar meticulosamente todos os aspetos da presença de Esperanza Dolores na sua casa. Os seus registos preservados nos arquivos municipais até 1962 proporcionam a descrição mais detalhada que existe sobre os fenómenos associados com estas mulheres misteriosas.


Esperanza Dolores demonstrava conhecimentos específicos sobre eventos que tinham ocorrido na casa durante as décadas anteriores, incluindo detalhes sobre as experiências da família Mendoza que não tinham sido documentados publicamente. Podia descrever com precisão a localização de objetos que tinham sido escondidos por habitantes anteriores. Conhecia os nomes de criados que tinham trabalhado na casa décadas atrás, e até parecia estar a par de conversações privadas que tinham tido lugar entre membros de famílias anteriores.


O mais perturbador era que Esperanza Dolores afirmava poder comunicar-se diretamente com as memórias residuais das Esperanzas anteriores. Durante as suas conversações noturnas na língua misteriosa, parecia manter diálogos complexos com múltiplos interlocutores e posteriormente podia proporcionar informação detalhada sobre os conteúdos destas conversações. Segundo as suas explicações, as diferentes Esperanzas que tinham habitado a casa ao longo dos séculos mantinham uma conexão contínua através do que ela descrevia como um arquivo de memórias ancestrais.


Em 1881, Esperanza Dolores revelou à família Schneider informação que mudaria completamente a sua compreensão dos fenómenos que tinham estado a experimentar. Explicou que a casa tinha sido selecionada como depósito de memórias históricas devido às suas caraterísticas arquitetónicas específicas e a sua localização sobre o antigo sítio cerimonial pré-hispânico.


As diferentes Esperanzas que tinham aparecido ao longo dos anos não eram indivíduos independentes, mas sim manifestações de uma entidade coletiva cuja função era preservar e transmitir conhecimentos históricos que de outra maneira se perderiam. Segundo o relato de Esperanza Dolores, a língua misteriosa que falavam todas as Esperanzas era um idioma artificial que tinha sido desenvolvido especificamente para armazenar e transmitir informação histórica de maneira precisa e completa. Cada palavra nesta língua continha múltiplas camadas de significado que permitiam a preservação de detalhes que se perderiam nas traduções a outros idiomas. As conversações noturnas que tinham caraterizado a presença das diferentes Esperanzas eram sessões de transferência de informação entre diferentes arquivos de memórias.


A revelação mais inquietante foi que o processo de preservação de memórias requeria a participação ativa das famílias que habitavam a casa. Os habitantes não eram simplesmente testemunhas passivas dos fenómenos, mas sim contribuintes ativos ao arquivo de memórias históricas. Cada geração acrescentava as suas próprias experiências e conhecimentos ao depósito coletivo, assegurando que a história completa do lugar se mantivesse viva através dos séculos.


Esperanza Dolores explicou que a sua presença na casa não era permanente, mas sim que formava parte de um ciclo que se repetia cada vez que era necessário atualizar ou reorganizar o arquivo de memórias. Algumas Esperanzas permaneciam durante períodos breves para realizar tarefas específicas de manutenção do arquivo, enquanto outras ficavam durante anos para supervisionar a transferência de grandes quantidades de informação histórica.


Em 1883, Esperanza Dolores anunciou que tinha completado a sua missão atual e que devia partir para atender outros arquivos de memórias em diferentes localizações. No entanto, antes da sua partida, proporcionou à família Schneider instruções detalhadas sobre como manter a integridade do arquivo durante a sua ausência.


Estas instruções incluíam rituais específicos que deviam realizar-se em datas determinadas, cuidados especiais que deviam ser proporcionados a certos quartos da casa e procedimentos para interpretar e preservar as mensagens que ocasionalmente apareceriam escritas na língua misteriosa. A partida de Esperanza Dolores em 1883 marcou o final de um período de atividade intensa no Arquivo de Memórias da Casa.


Durante as décadas seguintes, os fenómenos associados com as Esperanzas tornaram-se mais esporádicos, limitando-se principalmente à aparição ocasional de textos escritos na língua misteriosa e a manifestações auditivas durante certas datas específicas do ano. A família Schneider manteve a casa até 1912, quando foi vendida ao governo municipal para ser convertida em escritórios administrativos.


Durante o processo de renovação, os trabalhadores descobriram quartos secretos adicionais que continham arquivos extensos de documentos escritos na língua misteriosa, assim como objetos rituais que aparentemente tinham sido utilizados pelas diferentes Esperanzas durante os seus rituais de preservação de memórias. Os documentos foram examinados por académicos da Universidade de Puebla, quem chegou à conclusão de que representavam um arquivo histórico de valor incalculável, apesar de que a língua em que estavam escritos permanecia indecifrável.


Realizaram-se tentativas de tradução utilizando as notas que tinha deixado Esperanza María Mendoza, mas os resultados foram fragmentários e frequentemente contraditórios. Em 1915, o edifício foi reconvertido em museu municipal com uma secção dedicada aos mistérios históricos de Puebla, que incluía uma exibição sobre as Esperanzas e os fenómenos associados com a casa.


No entanto, em 1938, um incêndio de origem desconhecida destruiu grande parte da coleção de documentos em língua misteriosa. Os investigadores que examinaram os restos do incêndio não lograram determinar como tinha começado o fogo e vários testemunhas relataram ter visto uma mulher de beleza extraordinária abandonando o edifício momentos antes de que se detetassem as primeiras chamas.


Os poucos documentos que sobreviveram ao incêndio foram transferidos para os arquivos da universidade, onde permaneceram sob custódia académica até 1968. Nessa data, durante uma reorganização dos arquivos universitários, descobriu-se que a maior parte dos documentos sobreviventes tinha desaparecido misteriosamente.


As investigações não lograram determinar como ou quando tinham sido removidos e não se encontrou evidência de roubo ou acesso não autorizado às instalações. O edifício que tinha albergado a casa da família Mendoza foi demolido em 1970 para dar lugar a um complexo de escritórios modernas.


No entanto, durante o processo de demolição, os trabalhadores relataram experiências estranhas que incluíam a aparição de uma mulher misteriosa que falava numa língua desconhecida e que parecia estar a documentar o processo de destruição. Os intentos de fotografar ou filmar esta mulher resultaram em imagens borradas ou completamente vazias, como se alguma força impedisse que a sua imagem fosse capturada.


Hoje em dia o sítio onde se erguia a antiga mansão Mendoza está ocupado por um complexo de escritórios que alberga diferentes dependências governamentais. No entanto, os empregados que trabalham no edifício relatam ocasionalmente experiências que lembram os fenómenos históricos, vozes sussurrantes em línguas desconhecidas, movimento inexplicável de objetos e a sensação persistente de ser observado por presenças invisíveis.


Os arquivos municipais de Puebla conservam referências fragmentárias aos eventos associados com as diferentes Esperanzas, mas a maior parte da documentação original perdeu-se ou extraviou-se ao longo dos anos. Os poucos investigadores que têm tentado estudar sistematicamente estes fenómenos encontraram-se com obstáculos consistentes, documentos que desaparecem misteriosamente, testemunhas que mudam os seus testemunhos e evidência física que se deteriora ou se perde de maneiras inexplicáveis.


O que permanece claro é que durante um período de mais de dois séculos, a casa da família Mendoza serviu como cenário para fenómenos que desafiam as explicações convencionais. As diferentes mulheres conhecidas como Esperanza, que apareceram e desapareceram ao longo desse período, deixaram um legado de mistério que continua a intrigar os que se interessam pelos aspetos mais obscuros da história poblana.


As teorias sobre a natureza destes fenómenos variam desde explicações sobrenaturais até hipóteses que envolvem fenómenos psicológicos coletivos ou tecnologias desconhecidas. No entanto, nenhuma destas explicações logra dar conta completamente da consistência e complexidade dos eventos documentados, nem da extraordinária durabilidade do arquivo de memórias que aparentemente foi mantido durante séculos nessa localização específica.


O mistério das Esperanzas de Puebla permanece sem resolver, um recordatório inquietante de que mesmo numa época que se preza da sua racionalidade científica existem fenómenos que escapam às nossas capacidades de compreensão. Os ecos daquelas conversações em língua misteriosa, os sussurros de memórias preservadas através de séculos e a presença persistente de guardiões que transcendem as limitações da existência individual, continuam a ressoar nos recantos mais obscuros da história poblana e talvez nas noites silenciosas quando a lua cheia ilumina as ruas empedradas do centro histórico de Puebla. Ainda é possível escutar, para quem sabe como prestar atenção, os ecos distantes de conversações nessa língua que ninguém pôde explicar, levadas pelo vento entre as sombras de edifícios que guardam segredos demasiado profundos para serem completamente esquecidos.

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