A dor de Gaspar era um abismo sem fim. Desde a morte do pequeno Bernardo, seu filho, tudo dentro dele parecia ter se despedaçado. As paredes da casa, antes repletas de desenhos e risos, agora guardavam apenas ecos e poeira. Às vezes, ele pensava ouvir passos correndo pelo corredor, e seu coração disparava até perceber que era apenas o vento.
“Por que não fui eu?”, murmurou, olhando fixamente pela janela. Alejandra, sua esposa e madrasta do menino, aproximou-se lentamente, com medo de que qualquer palavra que dissesse pudesse despedaçar seu coração. Ela o abraçou por trás, envolvendo-o com ternura. “Gaspar, você precisa comer alguma coisa”, disse ela suavemente, tentando esconder as próprias lágrimas. Ela também chorava por Bernardo.
O menino a chamava de mãe e a amava de verdade. “Ele adorava quando você fazia panquecas, lembra?”, tentou reacender as doces lembranças. Gaspar respirou fundo, desviando o olhar. Eu me lembro, e também me lembro do dia em que o perdi. O silêncio que se seguiu foi tão pesado que até o tique-taque do relógio pareceu parar.
Naquele sábado nublado, Gaspar acordou determinado a cumprir seu ritual mensal: visitar o túmulo do filho. Vestiu a velha camiseta azul-marinho que Bernardo sempre dizia ser a sua favorita. “Você fica bem nela, pai”, ecoou em sua mente. Colheu os lírios brancos que comprava todo mês na mesma floricultura.
O vendedor o reconheceu e apenas acenou com a cabeça, respeitando seu silêncio. No caminho para o cemitério, a paisagem parecia distante, envolta em névoa. Ele não ouvia o barulho dos carros, apenas sua própria respiração e o peso de seus passos. “Mais um mês, meu filho”, pensou, segurando as flores como se estivesse segurando seu coração.
O portão de ferro rangeu ao se abrir e uma rajada de vento frio atingiu seu rosto. Gaspar caminhou até a lápide de mármore claro, onde o nome Bernardo estava gravado em letras garrafais com uma pequena estrela abaixo. Ajoelhou-se e colocou os lírios sobre o túmulo, passando os dedos sobre o nome como se tentasse senti-lo vivo. “Perdoe-me, meu filho.
Eu deveria ter te protegido”, sussurrou. E as lágrimas vieram sem resistência. Ali, cercado pelo silêncio dos mortos, sentiu sua alma ainda sepultada ao lado da do menino. “Você teria feito oito anos este mês?”, murmurou, enxugando o rosto. “Lembra quando disse que queria ser astronauta? Aposto que agora está brincando entre as estrelas.”
Ele sorriu fracamente e respirou fundo, tentando acreditar. Depois de alguns minutos, levantou-se, ajeitou o casaco e virou as costas para a lápide. Era hora de ir embora, como fazia todos os meses, tentando deixar um pouco da dor para trás, mas, ao dar os primeiros passos, um som o deteve. Passos pequenos, leves e próximos. Gaspar se virou e sentiu o sangue gelar. Um menino caminhava lentamente em direção à lápide.

Ele tinha cabelos loiros, pele clara e o mesmo andar desajeitado de Bernardo. “Não, não pode ser”, sussurrou, escondendo-se atrás de uma árvore frondosa. Seu coração batia tão forte que ele temia que o ouvissem. Observou o menino se aproximar e, quando o viu claramente, o chão pareceu desaparecer sob seus pés. O menino era idêntico ao seu filho. O mesmo rosto, o mesmo olhar doce, a mesma fragilidade de uma criança pequena que parecia carregar o mundo nos ombros.
O menino segurava um pequeno buquê de lírios brancos, as mesmas flores que Gaspar havia trazido. Ajoelhou-se diante da lápide e permaneceu ali, imóvel por um instante, antes de começar a chorar. As lágrimas jorravam em torrentes dolorosas e sonhadoras. Seu pequeno corpo tremia. Passou a mão sobre o mármore, acariciando suavemente o nome, como alguém tentando chamar de volta um ente querido.
“Não consigo me lembrar de quem sou”, murmurou o menino, com a voz trêmula. E aquele fio de voz, como se viesse do próprio passado, ecoou no peito de Gaspar. Ele levou as mãos à boca, os olhos marejados de lágrimas, o corpo todo tremendo. Aquilo era real, o impossível se desenrolando diante dele. Uma criança chorava sobre o túmulo do filho, e aquele era o seu próprio reflexo. Gaspar permaneceu escondido atrás da árvore por longos minutos, incapaz de mover um único músculo. O tempo parecia ter parado.
Cada soluço do menino junto ao túmulo soava como uma faca cortando o ar e o coração de Gaspar. Ele observou a cena com os olhos cheios de lágrimas, sem saber se estava vivendo um sonho, uma ilusão ou um milagre. Quando o menino finalmente se levantou, enxugou o rosto com o dorso das mãos e arrumou o buquê de lírios brancos sobre a lápide. O homem teve que se apoiar no tronco para não desabar.
O menino deu alguns passos para trás, olhou em silêncio para o túmulo, e Cabizajo começou a caminhar lentamente pela trilha em direção ao portão. Gaspar o observou por um instante, com o coração disparado. Algo dentro dele gritava que não podia deixá-lo ir. Se for ele, se ele for mesmo meu filho. O pensamento o atingiu como um trovão.
Sem pensar, começou a segui-lo à distância, tentando não… Não havia ruído. O som de seus próprios passos se misturava com as batidas aceleradas de seu coração. O vento frio soprava entre as árvores, e as sombras do cemitério pareciam se fechar ao seu redor. O menino caminhava lentamente, como se carregasse o peso do mundo nos ombros, e Gaspar sentia que cada passo o aproximava da verdade ou da loucura.
Quando o menino emergiu do portão enferrujado, o rangido do ferro foi ensurdecedor. Gaspar hesitou, olhou para trás e respirou fundo. “Meu Deus, o que está acontecendo comigo?”, murmurou antes de atravessar o mesmo portão. Do outro lado, as ruas estavam vazias, o céu já se tingia de lilás, e as primeiras luzes dos postes cintilavam ao final da tarde.
O menino continuou pela calçada, seus cabelos loiros se movendo ao vento, o buquê ainda em suas mãos. Gaspar diminuiu o passo e sussurrou, quase inaudivelmente, “Bernardo”. Nenhuma resposta. O menino atravessou a rua e virou uma esquina estreita, desaparecendo por um instante. Gaspar acelerou o passo, guiado por algo que não compreendia.
O ar estava frio e úmido, e cada respiração saía em nuvens brancas. Filho, se for você, olhe para mim. Só olhe para mim. Pensou, com o peito apertado. Ao virar a esquina, viu-o à frente, entrando num beco escuro, quase invisível entre dois prédios abandonados. Um arrepio percorreu sua espinha, mas ele não conseguiu parar.
O chão estava molhado e escorregadio, coberto de folhas e pedaços de papel. O menino caminhava depressa, como se soubesse que estava sendo seguido. Gaspar tentou se aproximar, mas cada passo soava mais alto que o anterior. “Bernardo, filho, sou eu. Espere!”, gritou, incapaz de conter o desespero que lhe subia à garganta. Sua voz ecoou pelo beco, ricocheteando nas paredes úmidas.
Por um momento, o menino parou, virou o rosto, e o olhar que lhe lançou foi tão intenso que o mundo pareceu girar. Os olhos do menino estavam arregalados, cheios de medo. Gaspar deu um passo à frente, com as mãos erguidas e a voz trêmula. “Não tenha medo, sou eu, papai.”
Mas o menino recuou, respirando ofegante, como um animal encurralado. O buquê de lírios caiu de suas mãos e se espalhou pelo chão úmido. Então, por impulso, ele se virou e correu. Gaspar tentou alcançá-lo, tropeçando e ofegante. “Bernardo, espere, por favor.” Mas o menino desapareceu na escuridão, engolido pelo beco como se tivesse se dissolvido na noite.
Gaspar ficou parado, atônito, o peito subindo e descendo, as mãos nos cabelos. Uma garoa fina começou a cair, e ele nem percebeu. “Era ele. Eu sei que era ele”, repetia para si mesmo, com a voz embargada. Seu coração doía como se estivesse sendo espremido por dentro. Ele ficou ali parado por longos minutos, olhando para o vazio, até que o som distante de uma porta se fechando o despertou do transe. Ele cambaleou para casa, seu corpo presente, mas sua alma perdida.
Algo dentro dele havia mudado, e no fundo ele sabia. Alejandra precisava saber o que tinha acabado de ver. Gaspar entrou na casa como um homem que vira um fantasma. A porta se fechou atrás dele, o som ecoando como um trovão no silêncio. Suas mãos tremiam, seu rosto estava pálido e seus olhos, vermelhos.
Alejandra, que estava dobrando roupa na sala de estar, levantou-se imediatamente, assustada. “Gaspar, o que aconteceu? Meu Deus, o que aconteceu com você?” Ele não respondeu de imediato. Passou por ela sem olhar, tão perturbado, até que se sentou no sofá e levou as mãos à cabeça. Seu corpo inteiro parecia tremer. “Eu o vi, Alejandra, eu vi Bernardo.” Ela se aproximou dele lentamente, com o coração acelerado. “Como assim você o viu? O que você está dizendo?” Ele sentou-se ao lado dela e pegou sua mão, sentindo o frio emanando de seus dedos. Gaspar respirou fundo, os olhos marejados de lágrimas, e começou a contar tudo. Do cemitério ao beco escuro. Sua voz embargou com soluços. Era ele, eu juro. O mesmo cabelo, o mesmo jeito de se mover.
Ele estava chorando diante do túmulo, Alejandra, carregando as mesmas flores que eu tinha. As palavras saíam com dor, mas também com uma esperança, quase infantil, como se seu coração quisesse acreditar no impossível. Alejandra ouviu sem interromper, os olhos fixos nele, tentando entender. Sua mente oscilava entre o medo, a descrença e uma estranha pontada de fé.
Quando ele terminou de falar, ela o abraçou forte, sentindo o peito tremer. Amor, talvez fosse alguém parecido com ele, uma coincidência, você entende? Às vezes nossa mente nos engana quando sofremos demais, mas Gaspar balançou a cabeça firmemente, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Eu não olhei nos olhos dele. Era meu filho. Eu conheço o rosto do meu menino, Alejandra. Era esse o olhar dele.
Ela suspirou, lutando contra as lágrimas. “Gaspar, eu acredito em você. Só estou tentando entender. Talvez devêssemos voltar amanhã e procurar o menino.” Ele ergueu o olhar, com uma mistura de desespero e alívio nos olhos. “Você realmente acredita em mim?” Ela assentiu. “Sim. Se houver a menor chance, iremos atrás dela.” Ela encostou a testa na dele, com os olhos fechados. “Você não vai passar por isso, vai?” O gesto foi simples, mas repleto de amor e promessa. E pela primeira vez em meses, Gaspar respirou fundo sem se sentir culpado. O homem se levantou e começou a andar de um lado para o outro no quarto, como se tentasse organizar os pensamentos. Eu deveria ter corrido mais rápido. Alejandra estava lá, tão perto.
Ele parou em frente à janela, olhando para seu reflexo trêmulo. E se ele estiver vivo? E se o que pensamos que aconteceu não for o que realmente aconteceu? Sua voz falhou, e o silêncio que se seguiu foi denso. Alejandra olhou para ele, os olhos marejados, lutando contra o medo que crescia dentro dela, o medo da esperança.
Ela se aproximou por trás e o abraçou forte. “Olhe para mim, Gaspar.” Ele virou o rosto, os olhos vermelhos e cansados. “Mesmo que tenha sido um erro, mesmo que não fosse ele, você fez a coisa certa. Você o seguiu porque o ama. Isso não é loucura, é amor.” As palavras dela o envolveram como um bálsamo. Ele a segurou pela cintura, encostando a testa em seu ombro. Eu só quero entender, Alejandra. Preciso saber o que está acontecendo, porque se for ele, meu Deus, se for ele. Alejandra o interrompeu com um carinho no rosto. Então, descobriremos juntos amanhã. Seu olhar, firme e sereno, contrastava com o caos que dominava o homem. O luar entrava pela janela e os iluminava. E por um instante, o mundo pareceu silenciar.
Gaspar fechou os olhos e deixou as lágrimas correrem livremente. A dor ainda estava lá, mas agora havia também uma faísca, uma pequena chama de esperança acesa pelas mãos daquela mulher que, mesmo despedaçada, ainda acreditava. Na manhã seguinte, Gaspar mal conseguiu dormir. A noite inteira foi preenchida por pensamentos fragmentados.
O rosto do menino, o som de passos no beco, o brilho fugaz daqueles olhos idênticos aos de Bernardo. Quando o sol finalmente despontou no horizonte, ele já estava de pé, encostado na janela, olhando para o jardim como alguém que espera uma resposta do universo. Alejandra apareceu atrás dele, o rosto cansado e os cabelos presos desajeitadamente.
“Você não dormiu, não é?” perguntou ela com ternura. Ele balançou a cabeça sem desviar o olhar. “Não consigo. Se ele for mesmo meu filho, ele está lá fora, e eu preciso encontrá-lo.” Sem discutir, ela assentiu. Sua expressão era firme, embora o medo lhe apertasse o peito. “Então vamos, mas com calma, está bem? Se ele for uma criança perdida, pode se assustar de novo.”
Gaspar concordou, vestindo a mesma camiseta azul-marinho do dia anterior, como se fosse uma armadura emocional. Antes de sair, Alejandra passou a mão sobre o porta-retratos de Bernardo na prateleira e sussurrou: “Guie-nos, meu amor.” O gesto foi pequeno, mas cheio de fé. Naquele instante, o ar na casa pareceu mudar, como se uma presença invisível os acompanhasse.
As ruas estavam silenciosas. O sol fraco iluminava as calçadas ainda úmidas da chuva da noite anterior. Gaspar dirigia devagar, os olhos percorrendo cada canto, cada movimento. “Ele deve estar por aqui, eu sinto”, murmurou.
Alejandra olhava pela janela do passageiro, dividida entre o medo e a esperança. “Se encontrarmos o menino, deixe-me falar primeiro. Ele precisa se sentir seguro.” Gaspar respirou fundo e assentiu, as mãos suadas no volante. A tensão entre eles era palpável, mas compartilhavam um propósito comum: descobrir a verdade. Decidiram se separar para cobrir uma área maior. Alejandra seguiu para o lado leste da praça, enquanto Gaspar foi para o antigo parque, onde as árvores formavam túneis de sombra. Foi lá, sentado em um banco de madeira descascada, que ele o viu.
O menino estava curvado, os pés descalços balançando no ar, o buquê de lírios já murcho em suas mãos. Gaspar prendeu a respiração. A distância entre eles parecia infinita, embora estivessem a apenas alguns metros de distância. “Meu Deus, é ele”, disse, dando um passo, depois outro, como alguém caminhando em direção a um sonho prestes a se desvanecer. “Olá”, disse ele suavemente, com medo de assustá-lo. O menino olhou para cima, surpreso, mas não fugiu. Havia algo em seus olhos, uma mistura de confusão e ternura. Gaspar aproximou-se lentamente com as mãos erguidas. “Tudo bem, eu não vou te machucar. Qual é o seu nome?” O menino hesitou, a voz trêmula. “Eu não sei.” Gaspar sentou-se ao lado dele, mantendo uma pequena distância. “Você não sabe.” O menino balançou a cabeça, os olhos cheios de lágrimas. “Só me lembro de bater a cabeça e, quando acordei, estava na rua. Desde então, só sonho com alguém me chamando de filho.” Aquelas palavras perfuraram Gaspar como uma faca. Seu coração parecia que ia explodir do peito.
Naquele instante, não havia mais dúvidas. Ele sabia com uma certeza que queimava em sua alma. Aquele menino era Bernardo. Cada gesto, cada tom de voz, até mesmo o jeito como baixava o olhar quando estava emocionado — era seu filho. “Você se lembra de mais alguma coisa? De onde você veio? De alguém que o conhecia?” O menino apertou as flores contra o peito, tentando se lembrar. “Eu me lembro de uma casa que cheirava a…” Um homem e uma mulher de cabelos castanhos. Ela riu enquanto derramava o leite no chão. Gaspar congelou. Cada detalhe era uma lembrança vívida do passado, da vida que compartilharam. Ele engoliu em seco, os olhos marejados de lágrimas. Bernardo sussurrou, a voz embargada. Por um instante, o menino apenas o observou, tentando entender por que o homem chorava.
“Por que você está chorando?”, perguntou inocentemente. Gaspar passou a mão pelo rosto, respirando fundo. “Porque eu te encontrei. Porque você é meu filho.” O menino franziu a testa, confuso, como se tentasse juntar as peças do quebra-cabeça. “Filho”, repetiu baixinho. Gaspar sorriu em meio às lágrimas. “Sim, é você, Bernardo.”
“Esperei tanto por isso.” O menino o olhou em silêncio, os olhos marejados, e deu um pequeno passo à frente até que algo o fez parar. Alejandra se aproximava ao longe, atravessando a praça rapidamente. Quando o menino a viu, seu corpo se tensionou, seus olhos se arregalaram e o buquê caiu de suas mãos. “É ela”, murmurou ele, dando um passo para trás.
Gaspar se virou, confuso. “Quem?” O menino começou a tremer. “É ela. É ela.” Das gritou em pânico e saiu correndo, batendo os pés descalços no chão. Gaspar se levantou num pulo. “Espere, o que está acontecendo?” gritou ele. Mas o menino já estava virando a esquina, desaparecendo entre as árvores. Alejandra correu até o marido, ofegante.
“O que aconteceu?” Gaspar olhou para ela, com o coração acelerado e a mente a mil. “Ele… Ele te reconheceu, Alejandra, e ficou com medo.” Ela empalideceu. “Medo de mim? Isso é um absurdo.” Tentou rir, mas sua voz tremeu. Gaspar não respondeu imediatamente. Algo em sua expressão, um lampejo, um leve tremor em seu olhar, gelou seu sangue. “Tem certeza de que nunca o viu antes?” perguntou ele baixinho. Alejandra olhou para o chão.
— Claro que não, Gaspar. Que tipo de pergunta é essa? — Mas suas mãos tremeram, e naquele instante uma dúvida sutil, quase imperceptível, nasceu dentro dele. Enquanto o vento agitava as folhas na praça, o buquê esquecido no chão parecia observá-los em silêncio. Gaspar respirou fundo, tentando conter o nó na garganta. Sentia que algo estava errado, muito errado.
E embora Alejandra tentasse disfarçar, seu olhar agora parecia distante, perturbado, como se escondesse algo que ainda não estava pronta para confessar. O reencontro reacendera a esperança, mas também acendera algo mais sombrio. E pela primeira vez, Gaspar compreendeu que talvez a verdade estivesse muito mais próxima e muito mais dolorosa do que jamais imaginara. A viagem para casa foi silenciosa.
O carro avançava lentamente pelas ruas frias, e o som do motor parecia ser o único som que ousava existir entre eles. Alejandra, no banco do passageiro, olhava ansiosamente pela janela, enquanto Gaspar mantinha as mãos firmemente no volante, embora sua mente estivesse em outro lugar.
A cena na praça o assombrava: o olhar do menino, o medo repentino, o grito desesperado. Ele te reconheceu, Alejandra. As palavras ecoavam em sua mente, mas junto com a desconfiança havia algo ainda mais forte: a certeza inabalável de que o menino era Bernardo. Em casa, Alejandra foi direto para o quarto. Disse que estava cansada e precisava de um banho quente.
Gaspar apenas assentiu, fingindo concordar, mas seu peito queimava de dúvida. Caminhou até a janela e ficou ali parado, imóvel, observando o céu escurecer. “Se ela realmente não o conhece, por que reagiu assim?”, murmurou para si mesmo. Cada gesto dela, cada palavra, cada olhar desviado agora pareciam pistas, e a pequena dúvida inicial começava a se transformar em algo sufocante.
Quando Alejandra saiu do banheiro e o encontrou sentado na beira da cama, ele fingiu compostura. “Preciso sair um pouco”, disse ele sem olhar para ela. “Vou ao mercado. Quero espairecer.” Ela assentiu, sem suspeitar de nada. “Tudo bem, mas não demore, por favor.” Gaspar pegou as chaves, mas em vez de ir ao mercado, dirigiu o carro em direção ao centro da cidade.
Seu coração batia forte, como se estivesse prestes a cometer um pecado. No fundo, ele sabia que não podia lhe contar nada. Ainda não. Levou mais de uma hora para encontrá-lo. O menino estava perto de uma barraca fechada, sentado na calçada, abraçando as pernas. Gaspar estacionou do outro lado da rua e se aproximou com cuidado.
“Ei, você se lembra de mim?”, perguntou suavemente. O menino olhou para cima e hesitou por um instante. “Sim, você é o homem da praça.” Gaspar se ajoelhou diante dele. “Sim, eu sou o homem da praça, e você é meu filho.” O menino permaneceu em silêncio, com os olhos cheios de lágrimas. “Sinto que te conheço, mas não me lembro de nada.”
Gaspar respirou fundo e sentou-se ao lado dele. “Não importa, meu filho. O que importa é que eu me lembro de você. Lembro-me de quando você se escondia atrás do sofá para me assustar, quando me pedia para deixar a luz acesa porque tinha medo do escuro. Lembro-me da sua risada, do seu cheiro e de como você me chamava de pai.”
As palavrasAs palavras saíram com um nó na garganta, e o menino, sem entender direito, começou a chorar. “Não sei por que ela me assustou. Só senti que precisava correr.” Um arrepio percorreu Gaspar. Ele o olhou com ternura. “Está tudo bem, você não precisa entender agora, mas preciso ter certeza. Ter certeza de que é você.” Ele passou a mão pelos cabelos, como fazia quando era pequeno.
“Você poderia vir comigo ao hospital só para fazer um exame, para confirmar o que meu coração já sabe?” O menino enxugou as lágrimas com o dorso da mão e assentiu sem dizer nada. “Confio em você”, respondeu baixinho. Gaspar engoliu em seco, com os olhos marejados. “Obrigado, filho. Obrigado.”
Logo depois, eles estavam na recepção de um hospital discreto, sob a luz fria das lâmpadas fluorescentes. Gaspar mentiu no caixa, dizendo que era uma consulta de rotina. Enquanto esperavam, sentaram-se um ao lado do outro. O homem contou-lhe histórias sobre o filho, tentando acalmar os corações de ambos. “Você adorava dias chuvosos.” Você dizia que o céu chorava conosco. Fingi não acreditar, mas me pareceu lindo.
O menino sorriu pela primeira vez. “Acho que ainda gosto da chuva.” Gaspar riu animado. “Claro que gosta, você sempre gostou.” Quando seus nomes foram chamados, o menino apertou a mão dele com força. O exame foi rápido, mas a espera seria interminável. Gaspar o levou a um pequeno café perto do hospital, onde pediram chocolate quente.
O menino observava as pessoas passarem, perdido em pensamentos. “Se eu realmente sou seu filho, o que vai acontecer?” Gaspar o observou em silêncio por um instante antes de responder. “Iremos para casa e nunca mais nos separaremos.” O menino sorriu inocentemente, e Gaspar sentiu algo se quebrar dentro de si, uma mistura de esperança e medo do que estava por vir.
O hospital estava quase vazio, envolto naquele silêncio estéril que parece engolir o som do tempo. Gaspar e o menino esperavam em uma pequena sala branca com cadeiras de plástico e cheiro de desinfetante. O relógio na parede tiquetaqueava a cada segundo como marteladas. “Vai demorar muito?”, perguntou o menino, mexendo nervosamente as mãos.
Gaspar sorriu ternamente, tentando disfarçar sua ansiedade. “Só mais um pouquinho, filho, só até o médico voltar.” A palavra “filho” escapou naturalmente, e o menino retribuiu o olhar com um brilho tímido nos olhos. Os dois conversaram para passar o tempo. Gaspar contou histórias antigas. Como quando Bernardo tentou construir um castelo de areia que desabou antes que ele pudesse tirar a foto, ou quando, aos cinco anos, jurou ter visto uma estrela cadente no quintal.
O menino ouvia em silêncio, rindo entre as anedotas, como se memórias adormecidas estivessem lentamente começando a despertar. “Sabe? Quando você fala, eu sinto como se já tivesse vivido tudo aquilo”, confessou. Gaspar apertou sua mão com força. “É porque você fez isso, meu filho. Eu sei disso.” A porta se abriu e o médico entrou com um envelope na mão.
O ar pareceu ficar mais pesado na sala. Sr. Gaspar, aqui estão os resultados. O homem se levantou, com o coração acelerado. O médico abriu o envelope, ajustou os óculos e leu em voz calma. Mas cada palavra soava como um trovão. O teste confirma o vínculo biológico. A criança é de fato seu filho.
Gaspar ficou imóvel por um momento, depois, em silêncio, lágrimas libertadoras brotaram em seus olhos. Ele abraçou a criança com força, soluçando. Ele sabia. Sempre soube. A criança também chorou, confusa, mas feliz com aquele abraço que parecia um retorno para casa. O momento, porém, durou pouco.
O som de passos apressados ecoou no corredor. Alejandra apareceu na porta, com o rosto tenso e os olhos cheios de lágrimas. “Gaspar, o que você fez?”, ela perguntou, ofegante. Ele deu um passo para trás, ainda segurando a mão da criança. “Como você sabia que estávamos aqui?” Ela respirava com dificuldade, as mãos tremendo. “Você acha que eu não percebo quando você mente para mim? Eu te conheço, Gaspar, eu te conheço.”
O médico, desconfortável, olhou para eles e saiu discretamente, deixando a porta entreaberta. Gaspar deu um passo à frente. O exame confirmou. Alejandra, é o Bernardo. A mulher empalideceu. Não, não pode ser. Deu um passo para trás, balançando a cabeça como se tentasse afastar um pesadelo. “Você está mentindo, isso é um engano.”
Gaspar ergueu o documento e o desdobrou. “Aqui está, Alejandra. Meu filho está vivo.” Mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele falou novamente, com voz firme. “Então me diga, Alejandra, por que ele ficou com medo quando a viu? Por que meu filho entrou em pânico quando a viu?” As palavras caíram como pedras.
Alejandra permaneceu em silêncio por alguns segundos, o rosto congelado, o olhar perdido. Então ela começou a negar, murmurando: “Não, não era para ser assim.” Gaspar se aproximou, a voz tensa. “O que você fez, Alejandra?” Ela recuou até encostar na parede, o corpo tremendo. “Tentei fugir dele. Joguei-o de uma pequena ponte”, a confissão irrompeu de repente, como um grito.
“Você só tinha olhos para ele. Era sempre ele. Pensei que ia morrer.” Deixei-o lá. O tempo pareceu parar. Gaspar sentiu o chão desaparecer sob seus pés. Meu Deus, Alejandra, o que você fez? É por isso que ele não se lembra de nada. “Ele deve ter batido a cabeça quando caiu”, murmurou incrédulo.
O menino, atordoado, deu um passo para trás, agarrando-se firmemente ao braço do pai. Lágrimas brotaram novamente nos olhos do homem, agora tingidos de horror. Alejandra tremia, as palavras saindo em soluços. “Eu te amava, Gaspar, mas ele tirou tudo de mim”, chorou, com a voz embargada. “Você nunca olhou para mim, só para ele. Eu não aguentava mais.” Gaspar ergueu as mãos calmamente, tentando acalmá-la.
“Alejandra, por favor, o que você está dizendo não faz sentido.” Ele era apenas uma criança, mas ela já estava perdida em seu próprio tormento. “Eu sei”, ela gritou histericamente, “mas eu não aguentava mais. Eu só queria que tudo acabasse, que esse amor nunca acabasse.” De repente, ela enfiou a mão na bolsa e tirou uma pequena pistola prateada, cujo cano brilhava à luz branca do hospital. O som metálico ecoou no ar como um trovão.
O médico do lado de fora ouviu um grito abafado, mas não fazia ideia do que era. Hora de voltar. Gaspar deu um passo para trás. Seu corpo inteiro tremia. Alejandra, não faça isso. Por favor, olhe para mim. Podemos consertar isso. Ela chorava incontrolavelmente, a respiração ofegante, os dedos tremendo no gatilho. Você não pode consertar o que já está morto dentro de mim, disse ela, com a voz embargada.
Gaspar deu um passo à frente, lento, determinado, enquanto o menino chorava em silêncio, agarrando a camiseta azul-marinho do pai. Amor, medo e desespero se misturavam naquela sala branca, onde segundos pareciam séculos, o tempo parecia suspenso.
O silêncio pesado do quarto era quebrado apenas pelos soluços de Alejandra e pela respiração trêmula de Gaspar. A arma brilhava em suas mãos, refletindo a luz fria do hospital como um fio de morte prestes a se romper. Gaspar manteve as mãos erguidas, lutando para controlar a voz. Alejandra, por favor, olhe para mim. Você não precisa fazer isso. Eu te amei.
Eu ainda te amo, mas isso não vai apagar o que aconteceu. Ela balançou a cabeça, lágrimas escorrendo pelo rosto. Você não entende, Gaspar. Eu perdi tudo, tudo. O menino se encolheu atrás do pai, os olhos arregalados, observando cada movimento dela. Gaspar sentiu o corpo do filho tremer contra suas pernas.
“Alejandra, veja o que você está fazendo”, implorou ele, tentando dar um passo à frente. “Ele é só uma criança.” Mas a mulher, perdida em sua própria culpa, parecia não ouvi-lo. Seu olhar oscilava entre amor e ódio, arrependimento e desespero. “Eu não consigo imaginar vocês juntos. Eu não consigo!” Ela gritou e seu dedo começou a apertar o gatilho lentamente. Gaspar deu um passo desesperado.
“Alejandra, não.” O clique metálico do cão engatilhando fez seu sangue gelar. Por um segundo, o mundo parou até que um grito cortou o ar, agudo, cheio de coragem e dor. “Não machuque meu pai!” Bernardo se atirou com toda a sua força em cima de Alejandra. O impacto foi forte e repentino.
A arma caiu no chão e disparou contra a parede, fazendo o estrondo ecoar pelos corredores. O pequeno corpo do menino colidiu com o dela, e ambos caíram no chão. Alejandra gritou de surpresa e confusão enquanto Gaspar, em choque, corria em direção a eles. Bernardo A. gritou, agarrando-o pelos ombros.
O menino tremia, seus olhos arregalados, mas estava vivo. “Papai, eu só queria te proteger.” Alejandra jazia no chão, o rosto coberto de lágrimas. “Meu Deus, o que eu fiz?” murmurou ela, com as mãos tremendo. Gaspar apertou o filho contra o peito, lágrimas escorrendo pelo rosto. “Você me salvou, meu amor, você me salvou.”
O menino o abraçou forte, escondendo o rosto na camiseta azul-marinho do pai. O som distante de passos apressados começou a ecoar pelo corredor. Eram os guardas e enfermeiras que tinham ouvido o tiro. A porta foi arrombada. Dois policiais entraram, com as armas em punho.
Alejandra, paralisada e incapaz de resistir, apenas ergueu as mãos. “Eu não queria, eu juro que não queria”, balbuciou entre soluços. Um dos policiais a algemou enquanto o outro pegava a arma do chão. Gaspar observava em silêncio, agarrando o menino com força, o coração palpitando de alívio e dor. Seus olhares se encontraram pela última vez.
Por um breve instante, o que se viu ali não foi raiva, mas arrependimento, um pedido de perdão que jamais seria proferido em voz alta. A polícia a levou embora, e o corredor se encheu de murmúrios e luzes piscantes. Gaspar, ajoelhado no chão com o filho nos braços, sentiu o peso do que acabara de acontecer.
Ele passou a mão pelos cabelos do menino e sussurrou, com a voz embargada: “Acabou, meu filho, acabou.” Bernardo olhou para cima, lágrimas misturadas a um sorriso tímido. “Vamos para casa agora, não é, papai?” Gaspar o abraçou mais forte, beijando sua testa. “Sim, meu anjo, vamos para casa.” Ao saírem do hospital, oO amanhecer começava a despontar no horizonte.
A luz dourada tocava as paredes frias, dissipando as sombras da noite. E naquele instante, com o filho nos braços, Gaspar sentiu algo que não sentia há muito tempo. Paz. O pesadelo havia terminado. Mas o amor, o amor entre pai e filho, renasceu mais forte do que nunca no coração que quase fora destruído. Os dias seguintes foram um turbilhão de emoções.
O silêncio que antes preenchia a casa agora tinha outro som: o som de respirações calmas, risos tímidos e pequenos passos percorrendo novamente o corredor. O tempo, que parecia ter parado no dia da tragédia, começou a correr novamente. Gaspar, ainda profundamente comovido, observava o filho adormecido no sofá, envolto em um cobertor leve.
Instintivamente, passou os dedos pelos cabelos e sorriu. “Você voltou para mim, meu filho, e com você, a vida voltou.” As palavras saíram suavemente, mas repletas de gratidão. A cada amanhecer, o laço entre eles se fortalecia. Gaspar o levava ao parque, e o menino corria pela grama com a mesma risada que antes preenchia sua casa.
Às vezes, o homem ficava parado observando-o brincar, com os olhos marejados de lágrimas. “É como um sonho, Bernardo”, dizia ele, “um sonho do qual eu nunca quero acordar.” O menino o abraçava de repente e dizia: “Você não precisa acordar, pai. Nós já estamos acordados.” E Gaspar ria em meio às lágrimas, sentindo-se completo pela primeira vez em anos. Alejandra, enquanto isso, permanecia distante, cumprindo o que o destino havia ditado.
Mesmo assim, Gaspar não guardava rancor. No fundo, ele entendia que a culpa era maior do que ela e que o perdão era a única maneira de libertá-los. Uma noite, parado junto à janela aberta, ele olhou para o céu e sussurrou: “Que ela encontre paz onde quer que esteja.” O vento soprou suavemente, e ele sentiu que, de alguma forma, o universo o ouvira. Bernardo também estava se recuperando aos poucos.
Às vezes, ele acordava no meio da noite chamando pelo pai, assustado por pesadelos inexplicáveis. Gaspar sentava-se na beira da cama, acariciava seus cabelos e dizia: “Está tudo bem, meu amor. Estou aqui. Ninguém vai te machucar.”
O menino voltava a dormir, e o pai ficava ali por horas, observando-o com a certeza de que aquilo era o maior milagre de sua vida. Certa tarde, enquanto pintavam juntos no quintal, Bernardo parou e olhou para o pai com um brilho sereno nos olhos. “Pai, você acha que é possível ser feliz de novo, mesmo depois de tudo o que aconteceu?” A pergunta o pegou de surpresa.
Gaspar largou o pincel, respirou fundo e sorriu, com os olhos cheios de lágrimas. “Sim, filho, porque a felicidade não é esquecer o que perdemos; é continuar amando, mesmo depois da dor.” O menino sorriu, e naquele instante, o sol atravessou as nuvens, iluminando os dois. Era como se o mundo, cansado de tanto sofrimento, finalmente respirasse novamente.
Gaspar o abraçou forte, sentindo o calor daquele pequeno corpo, prova viva de que o amor é mais forte do que qualquer tragédia, e no fundo do seu coração, ele sabia que nunca mais estaria sozinho. Ao pôr do sol no terraço, pai e filho observaram o céu se tingir de dourado. A brisa suave agitava as cortinas, e o canto distante dos pássaros preenchia o ar com uma paz quase divina.
Bernardo apoiou a cabeça no ombro do pai e murmurou: “Você acha que a mamãe consegue nos ouvir daqui?” Gaspar sorriu, com um nó na garganta. “Claro que consegue, meu anjo, e tenho certeza de que você está sorrindo agora. E pela primeira vez em muito tempo, o pôr do sol não trouxe tristeza; trouxe um novo começo.” Se você gostou deste conteúdo, não se esqueça de se inscrever no canal para mais vídeos como este.
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