O peso da culpa e o poder do perdão: a jornada de Liza e Aling Lita
Sampung anos se passaram desde que minha vida virou de cabeça para baixo. Depois do divórcio, pensei que tudo estivesse resolvido. Eu havia seguido em frente, refazendo minha vida, tentando apagar as marcas do passado. Mas, como a vida sempre gosta de brincar conosco, o destino me pregou uma peça que jamais imaginei.
Era um dia chuvoso, e eu, como de costume, fui ao mercado comprar os ingredientes para minha pequena lanchonete. O cheiro de peixe fresco e o som das pessoas conversando ao fundo eram familiares. Mas algo naquela tarde me fez parar no meio da multidão. Entre os vendedores, eu vi uma figura familiar, uma mulher idosa, com cabelos grisalhos e roupas esfarrapadas. Ela estava abaixada, com a cabeça baixa, e diante dela, uma tigela velha cheia de algumas moedas.
Era Aling Lita, minha ex-sogra.
Ela, que sempre me olhou com desprezo, que me fez sentir como uma intrusa, como alguém que não tinha valor, agora estava ali, em plena humilhação, pedindo esmola. Fiquei parada, sem saber como reagir. A raiva que eu sentia dela, depois de tantos anos de desprezo, se misturou com uma estranha sensação de piedade e, talvez, algo mais profundo: um tipo de dor que eu não sabia que ainda existia em mim.
Escondida atrás de uma barraca, fiquei observando-a. Ela não me viu. A mulher que um dia me tratou como se eu fosse nada agora estava implorando por ajuda. Meu coração apertou, mas ao mesmo tempo, algo dentro de mim dizia que eu não deveria me envolver. Mas o que eu não sabia era que a história que ela estava prestes a me contar mudaria tudo.

Eu sabia que minha relação com ela sempre foi marcada por rejeição. Ela nunca me aceitou como parte da família. Sua hostilidade vinha desde o momento em que me casei com seu filho, Ryan. Ela sempre me chamou de “pobre”, “sem futuro”, e até disse que nunca permitiria que uma “mulher sem valor” morasse sob o mesmo teto. As palavras dela ficaram gravadas em minha mente por muito tempo, e não era fácil perdoá-la. Depois do divórcio, pensei que nossa história estivesse finalmente encerrada. Mas o destino, como sempre, tem seus próprios planos.
Fui atrás dela quando a vi se levantar para ir embora. Ela caminhava lentamente, com passos frágeis, usando sandálias gastas que pareciam estar prestes a se desfazer. Segui-a discretamente pelas ruas estreitas até chegar em um barraco simples nos arredores da cidade. Eu me escondi atrás de um poste de luz, observando. A porta de madeira mal estava intacta, e a luz fraca da casa piscava. Minha curiosidade me consumia, e eu precisava entender o que estava acontecendo. Foi quando algo que jamais esperaria aconteceu.
Dentro da casa, havia uma criança de cerca de nove anos, com uma tosse forte e persistente. A criança estava deitada em uma cama velha e suja. Aling Lita entrou, colocou o que parecia ser um lanche simples na mesa e entregou um siopao frio para a criança. “Coma, filho, você precisa melhorar. Eu consegui alguma coisa hoje. Amanhã, vamos comprar seu remédio”, disse ela, sua voz rouca e cansada.
O garoto olhou para ela, mas parecia não ter forças para comer. “Não estou com fome, Lola”, disse ele, sua voz fraca.
Aling Lita sorriu, embora sua expressão fosse triste e cheia de sofrimento. “Eu não estou com fome, filho. Comer você precisa. Não posso ver você piorar.”
Eu fiquei paralisada. A criança não era dela. Não era o filho do meu ex-marido, Ryan, mas alguém que ela havia adotado. Eu soube naquele momento que algo estava errado, que a mulher que tanto me desprezou e humilhou agora estava ali, tentando cuidar de um filho de outra pessoa, sem pedir nada em troca.
Quando Aling Lita saiu para jogar o lixo fora, me aproximei. Ela me viu e, ao perceber minha presença, parou abruptamente. Seu rosto empalideceu, e ela gaguejou ao tentar me explicar o que estava acontecendo.
“Você… você ainda está aqui, Liza?” sua voz tremia.
“Por que isso tudo, Ma?” perguntei. “Onde está o Ryan? Ele não manda mais notícias, não manda dinheiro? O que aconteceu?”
Ela abaixou a cabeça, visivelmente abatida. “Ryan se foi, Liza. Já faz dez anos. Ele nunca mais mandou notícias ou dinheiro. Essa criança é do vizinho. Os pais dela morreram em um acidente, então eu a adotei, para dar-lhe um lar.”
Eu fiquei em silêncio por um longo tempo, sentindo uma mistura de raiva e compaixão. “Mas por que você precisa pedir esmola? Por que não pediu ajuda?”
Ela respirou fundo, como se cada palavra fosse um peso imenso para ser carregado. “Eu sou velha, Liza. Ninguém quer me ajudar. Eu faço o que posso, mas a saúde da criança piora. E eu não posso deixar ela sofrer, eu… eu não posso.”
Naquele momento, o peso de todo o sofrimento dela me atingiu. Eu me lembrei das palavras cruéis que ela disse para mim, das humilhações que passei em sua casa, das noites em que fui chamada de inútil. Mas, de alguma forma, a dor que ela carregava agora me fez olhar para ela de uma maneira diferente.
Naquela noite, não consegui dormir. Eu ficava pensando nas palavras dela: “Eu faço isso por causa da criança. Eu sou velha demais para fazer qualquer outra coisa.”
No dia seguinte, eu voltei. Levava comigo comida, um pouco de dinheiro e remédios para a criança. Quando Aling Lita me viu, tentou recusar. “Não, Liza. Eu não posso aceitar isso. Eu fiz coisas tão ruins para você…”
Eu segurei sua mão com firmeza. “Não há mais raiva, Ma. Isso já passou. Está tudo bem agora. Você e a criança podem vir morar conosco. Temos espaço. Não quero mais ver vocês assim.”
Ela olhou para mim com lágrimas nos olhos, tremendo. “Você ainda me chama de Ma?” perguntou, quase em sussurro.
“Sim, Ma. Porque mesmo que Ryan tenha ido embora, você sempre será minha mãe.”
E ali, naquele momento, em meio ao perdão e à dor do passado, vi uma luz voltar aos olhos dela. A luz de alguém que ainda podia se arrepender, ainda podia mudar, ainda podia ser amada.
A partir daquele momento, Aling Lita e a criança, Noel, vieram morar comigo. Ela abriu uma pequena barraca de café na frente de nossa casa, e Noel, aquele garoto que não era meu filho, mas que de alguma forma me curava, foi para a escola. Ele era gentil e obediente, e ao vê-lo estudando, meu coração se aquecia. Ele não era meu filho, mas sentia como se fosse, como se o céu tivesse enviado aquele garoto para preencher os vazios do meu passado.
Alguns dias depois, veio a notícia de que Ryan estava de volta ao país, quebrado, sem rumo, e sem dinheiro. Ele apareceu em nossa casa, vendo a felicidade que eu tinha encontrado, vendo Aling Lita e Noel.
Ele parou na porta, sem palavras. “Você perdoou… minha mãe?” ele perguntou, a voz baixa.
Eu apenas sorri, sem precisar de mais explicações. “Eu a perdoei, Ryan. Para perdoar a mim mesma.”
Ele abaixou a cabeça, sem conseguir me olhar. E enquanto ele se afastava, Aling Lita segurou minha mão com força, as lágrimas escorrendo por seu rosto enrugado.
“Filha, eu errei tanto com você. Desculpe-me por tudo.”
Eu sorri suavemente, como o vento da tarde. “Todos nós erramos, Ma. O importante é que ainda estamos aqui, ainda podemos aprender a nos amar.”
E assim, a história de perdão e redenção se espalhou pela cidade. As pessoas disseram que eu era boa demais, que eu havia perdoado quem não merecia. Mas, para mim, o perdão não era para os outros; era para mim mesma, para encontrar paz no coração.