Obrigado por todo cuidado e carinho, minha querida. Chegou a minha hora. Não precisa ter medo, minha querida. Você tem um dom lindo. Você já teve aquela sensação estranha de que alguém tava olhando para você? Aquele arrepio que sobe pela espinha? Agora imagine sentir isso, mas não vê ninguém por perto, pois é exatamente o que acontece quando alguém do outro lado tenta chamar sua atenção.
Débora sempre teve essa sensibilidade. Desde criança sentia coisas que não conseguia explicar. Via vultos no canto dos olhos, ou via sussurros quando estava sozinha em casa. Mas ela nunca deu muita importância. achava que era só impressão, coisa da cabeça. Até aquele dia, era uma quinta-feira comum.
Débora trabalhava como enfermeira em um hospital aqui no interior de São Paulo. 32 anos, casada, dois filhos pequenos, uma vida normal, sabe? Nada de diferente. Acordava cedo, deixava as crianças na escola, trabalhava o dia todo e voltava para casa cansada. Naquela manhã, ela estava cuidando de dona Antônia, uma senhora de 78 anos, internada há quase uma semana. Câncer avançado.
A família já sabia que era questão de tempo. Débora gostava dela. Dona Antônia tinha aquele jeito doce, mesmo com toda a dor que sentia. sempre agradecia com um sorriso fraco quando Débora ajustava o travesseiro ou media pressão. Por volta das 10 da manhã, Débora entrou no quarto para trocar o soro. Dona Antônia estava dormindo.
O peito subia e descia devagar, muito devagar. Débora ajustou a bolsa de soro, checou os sinais vitais, tudo dentro do esperado para alguém naquele estado. Mas então aconteceu algo estranho. Débora sentiu um frio na nuca. Aquele tipo de frio que não vem do ar condicionado, sabe? Vem de dentro. Ela parou o que estava fazendo e olhou ao redor.
O quarto estava vazio, só ela e dona Antônia. Foi aí que ela viu. No começo, Débora achou que estava vendo coisas por causa do cansaço. Trabalhar 12 horas seguidas faz isso com a gente, não faz? Mas não, aquilo tava ali bem na frente dela. Uma espécie de névoa clara começou a se formar acima do corpo de dona Antônia, como se o ar ficasse mais denso, mais brilhante.
Débora piscou várias vezes, esfregou os olhos, mas a imagem não sumia, pelo contrário, ficava cada vez mais nítida. A névoa tinha um formato, um formato humano. O coração de Débora começou a bater mais rápido, as mãos tremiam. Ela queria sair correndo, chamar alguém, gritar, mas os pés não se mexiam. Era como se uma força invisível aprendesse ali, obrigando-a a testemunhar aquilo.

A forma começou a se separar do corpo de dona Antônia. Devagar, muito devagar, como se tivesse sendo puxada para cima por um fio invisível. Débora conseguia ver os contornos, a cabeça, os ombros, o tronco. Era dona Antônia, ou melhor, era o espírito de dona Antônia se desprendendo do corpo físico. Débora sabia o que aquilo significava.
Tinha lido sobre isso em alguns livros, tinha escutado histórias, mas uma coisa é ler, outra coisa é ver. e V é completamente diferente. O corpo de dona Antônia continuava na cama imóvel, mas ali em cima, flutuando a poucos centímetros, estava ela, a verdadeira ela, a essência, a alma, o espírito, chame como quiser. E o mais incrível, ela parecia mais jovem.
O rosto não tinha mais aquelas rugas profundas da dor. Os ombros estavam erguidos, não caídos como nos últimos dias. Débora não sabia o que fazer. Parte dela queria correr e chamar o médico, mas outra parte, uma parte mais profunda, sabia que aquilo era sagrado. Era um momento que não deveria ser interrompido.
Então, algo ainda mais impressionante aconteceu. O espírito de dona Antônia abriu os olhos e olhou diretamente para Débora. Não era um olhar assustador, era um olhar de paz, um olhar que dizia: “Tá tudo bem, não tenha medo”. Débora sentiu uma onda de calor envolveu o corpo, substituindo aquele frio inicial. Era como se dona Antônia tivesse tentando acalmá-la mesmo do outro lado.
Então, Débora escutou, não com os ouvidos, mas dentro da cabeça, uma voz suave, doce. Obrigada por cuidar de mim. As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Débora. Ela não estava com medo mais. Estava vivendo algo que poucas pessoas têm o privilégio de vivenciar.
Estava vendo a passagem de uma alma deste mundo pro próximo. O espírito de dona Antônia flutuou um pouco mais alto até quase tocar o teto. E então algo mágico aconteceu. Uma luz começou a aparecer. Não era a luz do hospital, era uma luz diferente, dourada, quente, acolhedora. Débora viu três figuras dentro daquela luz. Eram transparentes, mas ela conseguia distinguir os rostos.
um homem de bigode, uma mulher de cabelos brancos e uma criança. O espírito de dona Antônia se virou para eles e sorriu. Um sorriso que Débora nunca tinha visto naquele rosto antes. Um sorriso de pura alegria. Minha família, Débora escutou na mente, vieram me buscar. O corpo físico de dona Antônia na cama soltou um último suspiro. Os monitores começaram a apitar. Débora olhou rapidamente pro corpo, depois pro espírito.
Quando voltou os olhos para cima, a luz estava se fechando. O espírito de dona Antônia acenou como se tivesse se despedindo e então desapareceu. Débora ficou parada ali em choque por alguns segundos que pareceram horas. O som dos monitores a trouxe de volta à realidade. Ela precisava agir. Apertou o botão de emergência e em menos de um minuto a equipe médica estava no quarto.
O médico checou sinais vitais, confirmou o óbito. Débora fez tudo no automático, desligou os aparelhos, cobriu o corpo com o lençol branco, preencheu a papelada, mas a mente dela estava longe dali. Estava revivendo aqueles minutos anteriores, tentando processar o que tinha visto.
Será que tinha sido real? Ou o cansaço tinha pregado uma peça nela? Mas Débora sabia, no fundo do coração, sabia que aquilo tinha sido real. Tinha visto a alma de dona Antônia deixando o corpo. Tinha testemunhado a passagem e, o mais importante, tinha visto a família esperando do outro lado. A morte não era o fim. Era só uma passagem.
Naquela noite, quando chegou em casa, Débora não conseguiu dormir. Ficou revirando na cama, pensando. O marido, Carlos, percebeu que algo tava diferente. Aconteceu alguma coisa no hospital? Ele perguntou preocupado. Débora quis contar, quis divir aquela experiência incrível com ele. Mas como explicar algo tão impossível? Ele ia achar que eu tava louca.
Então ela apenas disse que tinha sido um dia que tinha perdido uma paciente querida. Carlos a abraçou, disse que ela era forte e que ficaria tudo bem. E Débora deixou ele pensar que era só isso, mas não era. Respire fundo agora e tente se colocar no lugar da Débora. Você acabou de ver algo que desafia tudo que aprendeu, tudo o que acreditava ser real.
Como seguir em frente? Como continuar vivendo como se nada tivesse acontecido? Nos dias seguintes, Débora tentou voltar à rotina normal. acordava, levava os filhos paraa escola, ia trabalhar, mas alguma coisa tinha mudado dentro dela. Era como se uma porta tivesse se aberto na sua percepção e não dava mais para fechar.
Ela começou a notar coisas que nunca tinha notado antes, um brilho diferente ao redor de algumas pessoas, uma sensação de presença em certos lugares. Às vezes, quando estava cuidando de um paciente, sentia que havia alguém invisível ali no quarto, alguém acompanhando, protegendo. No começo, Débora achou que estava ficando maluca, marcou consulta com o psicólogo, achou que podia est tendo um colapso nervoso, mas o psicólogo disse que ela estava bem, apenas um pouco estressada com o trabalho.
Foi então que aconteceu a segunda vez. Três semanas depois da morte de dona Antônia, Débora estava no plantão da noite. Era por volta de umas 2as da madrugada, aquela hora em que o hospital fica mais quieto, mais silencioso. Ela estava na sala de descanso, tomando um café, quando sentiu aquele frio na nuca de novo.
Seu corpo inteiro ficou em alerta. Ela se levantou devagar, olhou ao redor. A sala estava vazia, mas a sensação de que alguém estava ali era muito forte. E então ela escutou: “Não com os ouvidos, com a mente. Ajuda, por favor.” Era uma voz feminina, jovem, desesperada. Débora sentiu o coração disparar. “Quem tá aí?”, Ela perguntou em voz baixa, sentindo-se ridícula por est falando sozinha.
Minha mãe precisa saber. A voz estava ficando mais clara e Débora começou a ver. Uma forma começou a se materializar na frente dela. Uma moça jovem, devia ter uns 20 e poucos anos, cabelos longos e escuros, olhos castanhos cheios de urgência. Débora sabia que deveria estar apavorada, mas não tava.
Havia algo na presença daquela moça que era pacífico. Triste, mas pacífico. “Quem é você?”, Débora sussurrou. “Juliana, tô tentando chegar na minha mãe há dias, mas ela não escuta. Você consegue ver? Consegue ouvir? Por favor, você precisa avisar ela.” “Avisar o quê?” “Que eu tô bem? que não foi culpa dela e que ela precisa pegar o anel que tá na gaveta da minha cômoda. É o anel da vovó.
Eu queria que ela ficasse com ele. Débora tava tremendo. Aquilo não podia estar acontecendo. Não podia ser real. Eu não sei quem é sua mãe. Não sei onde encontrá-la. Sandra Ferreira. Ela mora num bairro aqui da região. Por favor, eu sei que é estranho, sei que você deve estar assustada, mas você é a única pessoa que consegue me ver, a única que pode ajudar.
E antes que Débora pudesse responder, a forma começou a se desvanecer. Em poucos segundos tinha desaparecido completamente. Débora ficou ali parada, o café esfriando na tícara, tentando entender o que tinha acabado de acontecer. Ela tinha duas opções. Podia fingir que não tinha visto nada, que tinha sido só imaginação, ou podia fazer algo a respeito. Débora pegou o celular com as mãos tremendo e abriu o Google.
Digitou: “Sandra Ferreira, acidente.” Não esperava encontrar nada, mas encontrou. Uma notícia de jornal de duas semanas atrás. Jovem de 24 anos, morre em acidente de carro na rodovia em Anguera. Juliana Ferreira estava voltando de uma festa quando perdeu o controle do veículo.
A mãe Sandra Ferreira pede que motoristas Débora não conseguiu ler mais. As lágrimas embaçaram sua visão. Era real. Tudo era real. Ela tinha realmente visto o espírito de Juliana e agora tinha uma missão, uma mensagem para entregar. Mas como? Como chegar numa mãe de luto e dizer: “Oi, eu vi o espírito da sua filha e ela pediu para eu te dar um recado”.
A mulher ia bater a porta na cara dela, ou pior, ia chamá-la de louca, de aproveitadora. Débora passou o resto do plantão angustiada. Não conseguia parar de pensar em Sandra, sofrendo pela perda da filha. Não conseguia parar de pensar em Juliana, desesperada, para consolar a mãe. Quando o plantão terminou, às 7 da manhã, Débora não foi para casa, pegou o endereço no GPS e dirigiu até lá.
A casa era simples, uma casa de classe média com um pequeno jardim na frente. Débora estacionou do outro lado da rua e ficou ali observando, tentando juntar a coragem. O que ela ia dizer? Como ia começar essa conversa? Ela estava prestes a desistir, prestes a ir embora quando a porta da casa se abriu.
Uma mulher de uns 50 anos saiu. Cabelos grisalhos, ombros caídos. Aquele ar de quem não dorme há dias era Sandra. Débora saiu do carro antes que pudesse mudar de ideia. Com licença. Ela chamou, atravessando a rua. Sandra parou e olhou para ela com desconfiança. Sim, meu nome é Débora. Eu sei que isso vai parecer muito estranho, mas eu preciso falar com a senhora sobre Juliana.
O rosto de Sandra ficou pálido. Como você conheceu minha filha? Eu não conheci, não pessoalmente, mas ela veio até mim. Ela me pediu para entregar uma mensagem pra senhora. Que tipo de brincadeira é essa? Quem mandou você aqui? Ninguém mandou. Por favor, eu sei que parece loucura, mas Juliana me apareceu.
Ela disse que tá bem, que não foi culpa sua o que aconteceu e ela quer que a senhora pegue o anel da gaveta da cômoda, o anel da avó dela. Ela quer que a senhora fique com ele. Sandra ficou completamente imóvel. As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto. Como? Como você sabe do anel? Foi Juliana que me contou. Ninguém sabe desse anel? Nem meu marido sabe.
Eu nunca contei para ninguém que minha mãe deixou aquele anel paraa Juliana antes de morrer. Tava guardado na gaveta dela, esperando ela fazer 25 anos para eu dar de presente. As pernas de Sandra fraquejaram. Débora a segurou pelo braço e a ajudou a sentar nos degraus da entrada da casa. “Ela realmente veio até você?”, Sandra perguntou entre soluços.
“Minha filha, tá tá bem. Tá, ela tá em paz e quer que a senhora saiba que a ama muito. Sandra abraçou Débora com força, chorando no ombro dela. Ali naqueles degraus, duas estranhas compartilharam um momento de dor e de cura. Uma mãe descobrindo que sua filha não tinha partido completamente e uma mulher descobrindo que tinha um dom que não podia mais ignorar.
Débora não era mais apenas uma enfermeira. Ela tinha se tornado uma ponte, uma ponte entre dois mundos. E essa era apenas a segunda vez, porque a história estava longe de terminar. O que Débor ainda não sabia é que esse dom viria acompanhado de uma responsabilidade que mudaria a sua vida para sempre. Ela estava prestes a descobrir algo que poucos sabem sobre o mundo espiritual.
Quando você abre essa porta, não dá mais para fechar. E os espíritos sabem quando alguém pode vê-los. Você já parou para pensar no que acontece quando a gente ignora os sinais? Aquele pressentimento, aquela voz interna dizendo para você fazer ou não fazer algo? Pois é.
Débora estava aprendendo da pior maneira que ignorar esses sinais pode ter consequências. Depois do encontro com Sandra, Débora voltou para casa exausta. Eram quase 9 da manhã e ela não tinha dormido nada. Carlos já tinha levado as crianças paraa escola e ido trabalhar. A casa estava vazia e silenciosa.
Ela tomou um banho longo, tentando processar tudo que tinha acontecido nas últimas horas. A água quente escorrendo pelo corpo, mas a mente dela estava a 1000 por hora. Como Sandra tinha reagido? As lágrimas, o abraço, a certeza absoluta de que Juliana tinha realmente aparecido para ela. Ela se enrolou no roupão e se jogou na cama. precisava dormir.
Mas quando fechou uns olhos, viu rostos, dezenas de rostos, algumas pessoas ela reconhecia, pacientes que tinha cuidado ao longo dos anos, pessoas que tinham falecido, outras eram completamente estranhas e todas elas olhavam para ela com aquela expressão de urgência. Todas queriam falar, todas precisavam de ajuda. Débora abriu os olhos, assustada. O quarto estava normal, vazio, mas a sensação de presença era tão forte que ela podia jurar que havia alguém ali. Várias pessoas, na verdade.
Não ela disse em voz alta. Não agora, por favor, eu preciso descansar. E surpreendentemente a sensação diminuiu, como se os espíritos tivessem recuado, respeitando seu pedido. Déboru algo importante naquele momento. Ela tinha controle. podia estabelecer limites. Finalmente, ela conseguiu dormir. Quando acordou, já era tarde da noite. Tinha dormido o dia inteiro.
Carlos estava na cozinha preparando o jantar. As crianças já estavam dormindo. “Você tá bem?”, ele perguntou quando Débora apareceu na cozinha. “Nunca te vi dormir tanto assim.” “Tô cansada.” O plantão foi intenso. Carlos a olhou nos olhos. Eles estavam casados há 8 anos. Ele conhecia a mulher dele, sabia quando algo não estava certo.
Débora, o que tá acontecendo? E não me venha com essa história de que foi só um plantão difícil. Tem algo diferente em você. Faz semanas que eu percebo. Débora sentou à mesa da cozinha. Será que devia contar? Será que Carlos ia entender? Ela respirou fundo. Se eu te contar uma coisa, você promete não achar que eu tô louca? Prometo. Então, Débora contou tudo sobre dona Antônia, sobre ver a alma dela saindo do corpo, sobre Juliana, sobre Sandra e o anel, sobre os rostos que via quando fechava os olhos.
Carlos ficou em silêncio por um longo tempo depois que ela terminou. Débora segurava a respiração, esperando a reação dele. Ele ia rir, ia ficar com raiva, ia sugerir que ela procurasse um psiquiatra. Eu acredito em você, ele disse finalmente. Débora sentiu as lágrimas brotarem.
Sério? Lembra quando a gente estava namorando e eu te contei sobre meu avô? Como ele apareceu para mim na noite que morreu, mesmo eu estando a quilômetros de distância? Débora lembrava. Na época ela tinha achado que era só o luto fazendo Carlos imaginar coisas. Mas eu nunca te contei. Mas aquilo foi real. Tão real quanto você tá aqui agora.
Meu avô veio se despedir e durante anos eu achei que tinha sido só coisa da minha cabeça, mas agora, agora eu sei que não foi. Eles se abraçaram ali na cozinha e Débora sentiu um peso enorme sair dos ombros. Não estava sozinha. Tinha alguém que acreditava nela. “O que você vai fazer agora?”, Carlos perguntou. “Não sei. Não sei se quero fazer alguma coisa.
Talvez isso passe, talvez tenha sido só, ó, um período estranho. Mas Débora sabia que estava mentindo para si mesma. Isso não ia passar. Esse Dão tinha vindo para ficar. Nos dias seguintes, Débora tentou voltar ao normal, mas era impossível. Os espíritos continuavam aparecendo, não o tempo todo, graças a Deus, mas com frequência suficiente para deixá-la exausta.
Um dia no corredor do hospital, ela viu um homem idoso de pé ao lado de uma das portas. Ele usava um pijão de hospital e tinha aquele brilho característico ao redor do corpo. Dábora já tinha aprendido a reconhecer esse brilho. Era assim que os espíritos apareciam para ela. O homem acenou para ela. Débora olhou ao redor, conferindo se mais alguém via. Mas não, só ela. Ela se aproximou devagar.
O senhor precisa de ajuda? Minha esposa tá aí dentro. Ele apontou pra porta do quarto. Ela não sabe que eu já parti. Acha que ainda tá vivo. Não quero que ela sofra quando descobri. Débora entendeu. Aquele homem tinha morrido, mas a esposa ainda não sabia. E ele estava ali tentando protegê-la da dor.
Quando ela descobrir, vai doer. Não tem como evitar isso. Mas o senhor pode ajudá-la de outras maneiras. pode ficar perto dela, mandar sinais para que ela saiba que o senhor não foi embora completamente. O senhor sorriu mais, um sorriso triste, mas grato. Você entende? Você realmente entende? Entendo. Obrigado por ver a gente, por não ter medo. São poucos que conseguem.
E então ele desapareceu, provavelmente indo ficar ao lado da esposa. Débora encostou na parede, precisando de um momento. Isso estava se tornando rotina. Ver espíritos, conversar com eles, ajudá-los de alguma forma. Era escandaloso, era exausto, mas também era bonito. De uma maneira estranha, era bonito. Foi quando ela teve a visão.
Débora estava voltando para casa depois do plantão, dirigindo pela avenida principal, quando de repente tudo ficou branco. Ela não estava no carro, tava em outro lugar, um hospital, mas não o hospital onde ela trabalhava. era diferente, mas antigo. E então ela viu uma mulher deitada numa macama, cabelos ruivos, rosto pálido.
Devia ter uns 40 anos, monitores apitando ao redor, médicos correndo, tentando reanimá-la. Mas Débora sabia. via o espírito da mulher flutuando acima do corpo, confuso, assustado. Ela ainda não tinha entendido o que estava acontecendo. E então a cena mudou. Débora viu uma casa, uma sala de estar com o sofá bege, uma televisão ligada, duas crianças brincando no chão, uma menina de uns 10 anos e um menino de uns sete.
De repente tudo voltou ao normal. Débora estava de volta ao carro. Ainda dirigindo, o carro tinha andado no piloto automático enquanto ela tinha visão. Por sorte, estava num trecho reto e sem trânsito. Ela encostou no acostamento, o coração disparado, as mãos tremendo no volante. O que tinha sido aquilo? E então ela entendeu tinha sido uma premonição, uma visão do futuro ou do presente, talvez alguma coisa que estava acontecendo naquele exato momento.
Débora pegou o celular ainda tremendo, ligou pro hospital onde trabalhava, atendeu Márcia da recepção. Márcia? É a Débora. Por acaso chegou alguma emergência agora a pouco? Uma mulher de uns 40 anos cabelos ruivos. Houve uma pausa. Como você sabe? Acabou de chegar. Parada cardíaca. Encontraram ela em casa. Estão tentando reanimar agora.
Débora sentiu um calafrio percorrer o corpo. E E ela tem filhos? Tem duas crianças. Estão a caminho do hospital agora com o pai. Por quê? Eu eu preciso voltar pro hospital. Já tô indo. Débora fez o retorno e acelerou de volta. Não sabia bem porquê, mas sentia que precisava estar lá. Aquela mulher, aquelas crianças.
Havia uma razão para ela ter tido aquela visão. Quando chegou no hospital, correu pro pronto socorro. A mulher já tinha sido levada paraa UTI. Os médicos tinham conseguido reanimá-la, mas estava grave, muito grave. “Onde tá a família?”, Débora perguntou. Na sala de espera. Débora foi até lá, viu o homem.
devia seu marido sentado com as duas crianças, a menina e o menino que tinha visto na visão. Eles estavam assustados, confusos. E então Débora viu. O espírito da mulher estava ali na sala com eles. Ela ainda estava viva lá em cima na UTI, mas o espírito já estava se desprendendo, flutuando entre dois mundos, entre ficar e partir. Tem momentos na vida em que tudo para, o barulho some, o tempo congela e você percebe que tá exatamente onde deveria estar, fazendo exatamente o que deveria fazer. Foi isso que Débora sentiu naquele instante. O espírito da mulher
olhou para ela e Débora sabia que ela podia vê-la também. Havia um reconhecimento ali, uma conexão. “Ajuda!” A mulher sussurrou, não com a voz, mas com o pensamento. “Não quero deixar meus filhos”. Débora se aproximou da família devagar. O homem levantou o olhar para ela, os olhos vermelhos de tanto chorar.
Desculpe incomodar, Débora disse suavemente. Meu nome é Débora. Sou enfermeira aqui do hospital. Eu eu sei que isso pode parecer estranho, mas posso sentar com vocês por um momento? O homem acenou que sim. Ele parecia perdido, desesperado por qualquer tipo de conforto. Débora sentou ao lado dele. As crianças a olharam com aqueles olhos grandes, assustados.
A menina segurava a mão do irmão mais novo com força. “Como ela tá?”, o homem perguntou, a voz tremendo. “Os médicos estão fazendo tudo que podem. Ela é uma lutadora.” “É, minha Helena sempre foi forte.” Ele passou a mão pelo rosto. Aconteceu tão rápido. Ela tava bem de manhã, levou as crianças pra escola, voltou para casa.
Quando cheguei do trabalho para almoçar, encontrei ela caída na sala. Débora olhou pro espírito de Helena, que flutuava ali perto, ouvindo. Havia algo na expressão dela, uma decisão sendo tomada. Senhor, ela hesitou. Como dizer isso? Como explicar? O senhor acredita que existe algo além dessa vida? Ele olhou confuso.
Por que tá perguntando isso? Porque eu acredito que a sua esposa tá aqui agora com vocês e ela quer que vocês saibam algo. O homem ficou pálido. Como assim tá aqui? Débora sabia que estava arriscando tudo. Podia ser mandada embora do hospital. Podia ser chamada de louca. Mas algo dentro dela dizia que precisava fazer isso. Eu tenho um dom.
Consigo ver e ouvi espíritos. E Helena tá bem aqui, ao lado de vocês. O silêncio que se seguiu foi pesado. A menina que tinha escutado tudo perguntou com a voz fina: “Minha mãe tá aqui de verdade?” Débora olhou para ela e assentiu. Tá, ela tá te vendo agora e tá muito orgulhosa de você por tá sendo forte e cuidando do seu irmãozinho. A menina começou a chorar. Eu não quero que ela vá embora. Ela sabe.
Ela também não quer ir. Mas às vezes, às vezes essas escolhas não são nossas. O marido de Helena estava em choque. Você tá falando sério? Não é algum tipo de golpe? Não é golpe. Olha, eu sei detalhes, coisas que só vocês saberiam. Helena quer que você saiba que ela guardou o álbum de fotos do casamento de vocês na caixa azul, lá no alto do armário do quarto. Ela estava organizando as fotos antigas na semana passada.
O homem ficou completamente imóvel. Como você Ninguém sabe disso. Eu nem sabia disso. Ela tá me contando. E tem mais. Ela quer que você diga pra menina qual é seu nome, querida? Isabela. A menina respondeu limpando as lágrimas. Isabela, ela quer que você saiba que ela viu o desenho que você fez para ela e escondeu embaixo do travesseiro como surpresa. O desenho da família. Ela achou lindo.
Isabela soluçou mais alto. Ela viu. Eu desenhei ontem à noite. Ia dar para ela hoje quando voltasse da escola. Ela viu e amou. Naquele momento, a porta da sala de espera se abriu. Era o Dr. Mendes, o cardiologista. A expressão no rosto dele dizia tudo. O marido de Helena se levantou num pulo. Como ela tá? O Dr.
Mendes olhou para as crianças, depois pro pai. Podemos conversar em particular? Não. Pode falar na frente deles. Eles merecem saber. O médico suspirou. Conseguimos estabilizá-la, mas o quadro é muito grave. O coração dela tá muito fraco e detectamos um aneurisma cerebral que pode romper a qualquer momento. Mesmo que ela sobreviva, as chances de sequá-las graves são altas.
Perdão por ser direto, mas vocês precisam se preparar. Débora olhou pro espírito de Helena. Ela estava chorando. Não lágrimas físicas, mas Débora podia sentir a dor dela. A angústia de ter que escolher entre lutar para ficar num corpo que não funcionava mais ou partir e deixar a família. “Posso vê-la?”, o marido perguntou.
“Pode, mas apenas um por vez e por poucos minutos”. O homem olhou pros filhos. Isabela, fica aqui com seu irmão. Papai já volta. Quando ele saiu, Débora ficou com as crianças. O menino que não tinha falado nada até então perguntou: “A senhora consegue falar com minha mãe?” Consigo. “Pode dizer para ela que eu amo ela e que eu vou cuidar da Isabela se ela não voltar?” Débora sentiu o coração apertar.
Aquela criança de 7 anos já estava tentando ser forte, já estava assumindo responsabilidades que não deveria ter que assumir. Ela ouviu você. e disse que você é o menino mais corajoso que ela conhece. O espírito de Helena se aproximou dos filhos, estendeu as mãos como se quisesse tocá-los. Não podia, não fisicamente. Mas Débora viu algo incrível acontecer. As duas crianças se arrepiaram ao mesmo tempo.
Isabela olhou ao redor. Senti um calor agora, como se alguém tivesse me abraçado. Foi sua mãe. Ela tá te abraçando agora. Por 40 minutos, Débora ficou ali com aquelas crianças, servindo de ponte entre elas e a mãe. Helena contava histórias, mandava recados, dizia o quanto amava eles e Débora traduzia tudo.
Quando o pai voltou, estava destruído. Os médicos disseram que não há mais nada a fazer. Ela não vai acordar. O cérebro, o dano é muito grande demais. Helena flutuou até o marido. Débora viu quando ela tocou o rosto dele. Ele não sentiu fisicamente, mas algo mudou na expressão dele. Uma paz, ainda que pequena, começou a substituir o desespero.
Ela tá com você agora, Débora disse baixinho. E quer que você saiba que não tem medo, que vai tá bem. Como vou viver sem ela? Ele chorou. Um dia de cada vez e ela vai estar com vocês. Pode não conseguir ver ou ouvir, mas ela vai est lá nos pequenos sinais, numa música que toca no rádio, num sonho, numa sensação de paz quando mais precisar. Naquela noite, Helena faleceu. Débora estava no quarto quando aconteceu.
Viu o momento exato em que o espírito se desprendeu completamente do corpo. E dessa vez foi diferente de dona Antônia. Helena não foi sozinha. Apareceu uma luz e dentro dela, Débora viu figuras. Uma mulher idosa que Helena chamou de mãe, um homem jovem que parecia ser um irmão, e uma criança pequena. “Meu primeiro bebê”, Helena explicou para Débora.
Perdi ele com três meses de gestação anos atrás. Ele cresceu lá do outro lado e agora veio me buscar junto com a minha família. A família terrena de Helena pode não ter visto a despedida. Mas Débora viu e transmitiu cada detalhe para eles depois. O conforto que isso trouxe foi imensurável.
Quando Débora finalmente saiu do hospital naquela noite, já passava da meia-noite. Ela tava exausta, emocional e fisicamente drenada, mas também estava em paz. entrou no carro e ficou ali sentada por um momento, só sentindo, pensando em tudo que tinha acontecido nas últimas semanas, em como a vida dela tinha mudado completamente. Ela pegou o celular e viu várias mensagens.
Uma era de Sandra, a mãe de Juliana. Obrigada por tudo. Hoje consegui sorrir lembrando da minha filha pela primeira vez desde que ela partiu. Você me deu um presente que não tem preço. Outra mensagem era de um número desconhecido. Quando abriu, Débora viu que era do marido de Helena. Não sei como agradecer pelo que fez por nós hoje.
Meus filhos vão dormir sabendo que a mãe dele está em paz e continua amando eles. Isso mudou tudo pra gente. Débora encostou a cabeça no volante e chorou. Chorou pelo cansaço, pela emoção, pelo peso da responsabilidade, mas também chorou de gratidão por ter recebido esse dom, por poder ajudar. Quando chegou em casa, Carlos estava acordado esperando. Ele a abraçou sem dizer nada, apenas sentindo que ela precisava daquilo, daquele abraço, daquela presença sólida, real, física.
“Foi um dia?”, ele perguntou quando finalmente se separaram. Foi, mas também foi bonito. De uma forma estranha, foi muito bonito. Eles foram paraa cama, mas Débora não conseguia dormir. Ficou olhando pro teto, pensando, pensando em dona Antônia, em Juliana, em Helena, em todas as almas que tinha visto nas últimas semanas.
E então ela entendeu algo fundamental, algo que mudaria completamente a forma como via seu dom. Sabe quando você finalmente entende o propósito de algo que vinha acontecendo na sua vida, aquele momento de clareza quando todas as peças se encaixam? Débora teve esse momento naquela madrugada. Ela não tinha recebido esse dom por acaso.
Não era uma maldição, não era um fardo, era uma missão, uma missão de amor. As pessoas tinham tanto medo da morte, viviam a vida inteira com esse medo enraizado no coração. Medo de partir, medo de perder quem amavam. E esse medo roubava a paz, roubava a alegria, roubava a capacidade de viver plenamente. Mas Débora tinha visto a verdade, tinha testemunhado com os próprios olhos que a morte não era o fim, era apenas uma passagem, uma transformação. E do outro lado havia amor, havia família, havia paz.
Quantas pessoas precisavam saber disso? Quantas pessoas estavam sofrendo naquele exato momento, devastadas pela perda, achando que nunca mais veriam seus entes queridos. Na manhã seguinte, Débora tomou uma decisão, pegou o celular e começou a pesquisar sobre mediunidade, sobre espiritismo, sobre tudo que pudesse ajudá-la a entender melhor seu domá-lo da forma correta. encontrou o contato de um centro espírita na cidade. Ligou.
Atendeu uma senhora de voz calma, tranquila. Seu nome era a dona Lúcia. Centro Espírita Luz e Caridade. Bom dia. Bom dia. Meu nome é Débora. Eu eu não sei bem como explicar isso, mas comecei a ver espíritos algumas semanas e não sei o que fazer. Houve uma pausa do outro lado da linha.
Depois, dona Lúcia disse: “Você tá com medo?” Não. Quer dizer, estava no começo, mas agora não mais. Agora eu só quero entender, quero aprender a usar isso da forma certa. Você pode vir aqui hoje à noite. Temos uma reunião de desenvolvimento mediúnico. São pessoas como você, aprendendo a lidar com seus dons. Débora sentiu uma emoção apertar o peito. Não tava sozinha.
havia outras pessoas passando pela mesma coisa. Posso sim. A que horas? 7 horas. Vou te passar o endereço. Naquela noite, Débora chegou ao centro espírita com 15 minutos de antecedência. Era um lugar simples, uma casa antiga convertida em espaço de reuniões, mas havia alguma coisa ali, uma energia boa, acolhedora.
Dona Lúcia a recebeu na porta. Era uma senhora de uns 70 anos, cabelos completamente brancos, presos num coque. Débora: “Sim, sou eu. Seja bem-vinda, minha filha. Venha, os outros já estão chegando.” Débora entrou e viu que havia mais cinco pessoas na sala. Duas mulheres, três homens, todos de idades variadas, todos com a mesma expressão de quem estava buscando entender algo maior.
Dona Lúcia pediu que todos se sentassem em círculo. Ela começou a reunião explicando o que era a mediunidade, como funcionava, quais eram os diferentes tipos. A mediunidade é um dom de Deus. E como todo dom deve ser usado para o bem, para ajudar, nunca para vanglória pessoal ou benefício próprio.
Os espíritos confiam em vocês para serem sua voz. É uma responsabilidade sagrada. Débora ouvia cada palavra com atenção. Tudo fazia sentido. Tudo se encaixava com o que tinha vivenciado. Agora vamos fazer um exercício. Vamos meditar e abrir os nossos canais de forma controlada. Vocês vão aprender a estabelecer limites, a proteger as energias, a trabalhar apenas com espíritos de luz.
Eles fecharam os olhos. Dona Lúcia os gui através de uma meditação, pedindo proteção aos mentores espirituais, estabelecendo um campo de energia positiva ao redor do grupo. E então Débora sentiu. A sala começou a se encher de presenças, mas não era assustador, era linda.
Podia ver luzes coloridas ao redor de cada pessoa do grupo. E espíritos começaram a aparecer, posicionando-se atrás de seus entes queridos. Há alguém aqui? Uma das mulheres do grupo disse a voz tremendo. Um homem mais velho. Ele está sorrindo para mim. Descreva-o. Dona Lúcia pediu. Ele tem tinha uns 70 anos quando partiu. Cabelos brancos, usa óculos.
Está me mostrando um violão. A mulher começou a chorar. É meu pai. Ele morreu há três anos. tocava violão todo dia. E assim a reunião seguiu. Cada pessoa do grupo recebeu mensagens, aprendeu a identificar os espíritos, a diferenciar impressões verdadeiras de imaginação. Quando chegou a vez de Débora, ela viu uma figura masculina se aproximando, um homem jovem de uns 25 anos, vestindo um uniforme de bombeiro. “Há um rapaz aqui,” Débora disse.
Ele está usando uniforme de bombeiro. Tem uma mensagem para alguém. Ele está falando o nome. Marcelo. Um dos homens do grupo engasgou. Marcelo era meu filho. Ele quer que você saiba que não sentiu dor. Foi muito rápido. Ele estava tentando salvar aquela família do incêndio e o teto desabou. Mas ele diz que conseguiu. A família saiu há tempo.
Ele cumpriu sua missão. O homem levou as mãos ao rosto e chorou. Meu filho morreu há seis meses. Foi herói. Salvou cinco pessoas. Mas eu não consigo parar de pensar no sofrimento dele. Me pergunto se teve medo, se sofreu. Ele quer que você saiba que não teve tempo de sentir medo e que tá orgulhoso do que fez e que se tivesse que escolher de novo, faria tudo igual.
Porque salvar vidas era o propósito dele, era o que ele nasceu para fazer. “Ele está bem agora?”, o homem perguntou entre lágrimas. Débora olhou pro espírito do bombeiro e viu a luz que o cercava. Ele está muito bem, está em paz e continua ajudando pessoas, só que de outra forma. Agora ele está dizendo que você vai sentir a presença dele sempre que ajudar alguém.
Toda vez que você estender a mão para quem precisa, ele estará ali com você. Quando a reunião terminou, Débora se sentiu diferente, mais forte, mais preparada. Tinha encontrado sua tribo, pessoas que entendiam, que passavam pelas mesmas experiências. Dona Lúcia a chamou antes que fosse embora. Débora, posso falar com você um momento? Claro.
Elas se sentaram num canto mais reservado da sala. Você tem um dom muito forte, dona Lúcia disse. Mais forte do que a maioria. Vi isso assim que você entrou. Há uma luz ao seu redor, uma luz dourada. É o tipo de luz que os espíritos vem de longe. Eles sabem que podem contar com você. E isso é bom.
É uma bênção, mas também é um desafio. Você vai precisar aprender a se proteger, a estabelecer limites, senão vai se esgotar. O trabalho mediúnico exige muito de nós, física e emocionalmente. Eu já estou sentindo isso. Eu sei. Por isso, quero te convidar para fazer parte do nosso grupo de forma mais regular.
Vir aqui toda semana, estudar, praticar, desenvolver seu dom da forma correta. O que acha? Débora não precisou pensar duas vezes. Aceito. Nas semanas seguintes, a vida de Débora ganhou uma nova rotina. continuava trabalhando no hospital, cuidando dos pacientes, mas agora tinha também as reuniões no Centro Espírita.
Estudava sobre espiritismo, sobre mediunidade, sobre as leis que regiam o mundo espiritual e o mais importante, aprendeu a se proteger. Aprendeu que não precisava estar disponível 24 horas por dia pros espíritos. Podia estabelecer horários, limites. Agora não é hora ela aprendeu a dizer. e os espíritos respeitavam. Aprendeu também sobre os diferentes tipos de espíritos.
Nem todos eram evoluídos, nem todos vinham com boas intenções. Havia espíritos ainda presos a vícios terrenos, a sentimentos negativos. Peça aos seus mentores espirituais que façam essa triagem. Eles sabem quais espíritos devem se aproximar e quais devem ser afastados. E Débora seguiu esse conselho. Toda vez que ia trabalhar, mentalmente pedia proteção.
Visualizava uma luz branca ao seu redor, um escudo que apenas permitia a aproximação de espíritos elevados que vinham com amor e boas intenções. Funcionava. Os casos de aparições continuaram, mas agora eram diferentes, mais organizados, mais claros, e Débora conseguia ajudar de forma mais efetiva. Um dia estava na fila do supermercado quando viu uma garotinha espiritual, devia ter uns 5 anos, parada ao lado de uma mulher grávida.
A garotinha olhava pra barriga da mulher com um sorriso enorme. Débora se aproximou. Desculpe incomodar. Quantos meses? A mulher sorriu tocando a barriga. 7 meses. É uma menina. Primeira filha? Não. Tive um menino há três anos, mas sempre quis uma menina. Débora hesitou.
Será que devia dizer? Mas a garotinha estava olhando para ela com aqueles olhos suplicantes. “Posso te fazer uma pergunta um pouco diferente?”, Débora perguntou suavemente. Claro. A mulher respondeu curiosa. Você por acaso perdeu uma filha antes desse menino que você tem? O rosto da mulher ficou pálido. As lágrimas brotaram imediatamente.
Como você sabe? Eu sei que isso vai parecer estranho, mas ela tá aqui ao seu lado. Ela tá olhando paraa sua barriga com tanto amor. A mulher levou a mão à boca. Soluçando. Perdi minha primeira gestação com 5 meses. Era uma menina. Isso foi há 5 anos. Nunca superei completamente. A garotinha espiritual se aproximou de Débora e sussurrou algo em sua mente.
Ela quer que você saiba que não tá triste, que tá feliz por você tá tendo outra menina e que vai cuidar da irmãzinha dela daqui de cima, como um anjo da guarda. A mulher abraçou Débora ali mesmo no meio do supermercado, chorando. Obrigada. Você não faz ideia do quanto eu precisava ouvir isso. Eu me sentia tão culpada.
Não foi sua culpa e ela quer que você saiba disso. Ela tá em paz e tá feliz. Feche os olhos por um instante e pense: quantas vezes você ignorou um pressentimento? Quantas vezes deixou de fazer uma ligação, de mandar uma mensagem, de visitar alguém, porque achou que podia esperar? Pois é, exatamente sobre isso que vou te contar agora. Sobre o dia em que Débora aprendeu que algumas mensagens não podem esperar.
Era uma sexta-feira à noite. Débora estava em casa jantando com a família. Carlos tinha feito macarrão. As crianças estavam animadas porque não tinha aula no dia seguinte. Tudo normal, tudo tranquilo. Até que não tava mais. Débora sentiu aquele frio na nuca. O garfo parou no meio do caminho até a boca. Carlos percebeu na hora.
De novo? Ele perguntou baixinho. Débora assentiu. Fechou os olhos tentando sintonizar e então viu. Uma mulher mais velha, devia ter uns 60 e poucos anos, estava deitada numa cama numa casa que Débora não reconhecia. A respiração estava irregular. O coração falhando. Ela vai partir em breve, menos de uma hora.
Então, a mulher espiritual, porque Débora percebeu que o espírito já estava se desprendendo enquanto o corpo ainda lutava, olhou diretamente para ela. “Minha filha, preciso falar com minha filha, por favor”. Débora abriu os olhos, assustada. Ela quer falar com a filha, mas não sei quem é, não sei onde mora. A visão voltou.
mais clara dessa vez. Ela estava mostrando coisas. Uma casa amarela, um jardim com rosas brancas. Uma casa amarela com rosas brancas. Débora repetiu em voz alta, memorizando. Ela tá me mostrando o caminho. Carlos já tava em pé. Vou pegar as chaves do carro. Amor, você não precisa. Preciso sim. Você não vai sozinha. 10 minutos depois estavam seguindo a intuição de Débora pelas ruas.
Ela deixou que o espírito a guiasse, virando aqui e seguindo ali, e então viu casa amarela, rosas brancas no jardim. Ela respirou fundo e tocou a campainha. Uma mulher de uns 40 anos atendeu, tinha os olhos vermelhos como se tivesse chorando. Olhou para Débora e Carlos com desconfiança. Sim, meu nome é Débora.
Eu sei que isso vai parecer completamente maluco, mas sua mãe tá aqui. Ela tá doente. A mulher ficou pálida. Como você sabe quem te mandou aqui? Ninguém mandou. Eu tenho um dom. Vejo espíritos e sua mãe veio até mim. Ela precisa falar com você. É urgente. A mulher hesitou, mas algo no olhar de Débora deve ter convencido ela. Entre. Elas foram até um quarto nos fundos da casa e lá estava a mulher que Débora tinha visto na visão.
Deitada na cama, pálida, respirando com dificuldade. Uma enfermeira particular estava ao lado dela. A filha se aproximou da cama. Mãe, tem uma moça aqui que diz que pode te ajudar. A mulher abriu os olhos com esforço. Quando viu Débora, algo mudou em sua expressão. Ela sabia. De alguma forma, ela sabia. Débora se aproximou e pegou a mão dela.
Dona Irene, o nome veio em sua mente. A senhora quer falar com sua filha? A mulher assentiu, as lágrimas escorrendo. Débora olhou pra filha. Seu nome é Ana? Sim. Ana, respondeu tremendo. Sua mãe quer que você saiba que perdoa, que nunca houve nada a perdoar.
Na verdade, ela entende porque você precisou ir embora, porque precisou viver sua vida longe daqui e está orgulhosa de você. Ana começou a chorar. Mamãe, eu sinto tanto. Eu deveria ter voltado antes. Deveria ter passado mais tempo com a senhora. O espírito de dona Irene já estava mais visível para Débora, flutuando ao lado do corpo, mas ainda conectada por um fio prateado. Ela tá dizendo que você não deve se culpar, que viveu a vida que precisava viver e que ela sempre te amou. Sempre.
Eu também te amo, mãe. Ana soluçou, segurando a mão da mãe. Ela tá dizendo mais uma coisa. Débora continuou. Sobre o anel de esmeraldas. Está na caixinha de madeira na gaveta da penteadeira. Era da avó de vocês. Ela quer que você fique com ele. Ana arregalou os olhos. Ninguém sabe desse anel. Nem eu sabia que ainda existia. Débora viu quando o fio prateado começou a se romper.
Ana, ela tá partindo agora. Segure a mão dela. Diga o que precisa dizer. Ana se ajoelhou ao lado da cama, segurando a mão da mãe com as duas mãos. Obrigada por tudo, mãe, por me amar mesmo quando eu era difícil, por me deixar voar mesmo quando queria me manter perto. Eu te amo tanto. Dona Irene deu um último suspiro, um suspiro de paz.
E Débora viu quando o espírito se libertou completamente, viu a luz aparecer. Viu um homem dentro da luz, o pai de Ana, que tinha partido anos antes. Viu quando dona Irene sorriu, pegou a mão dele e juntos caminharam para dentro da luz. O quarto ficou em silêncio. A enfermeira checou os sinais vitais e confirmou que todos já sabiam.
Ana chorava, mas não era apenas tristeza, havia alívio também. Gratidão. Paz. Obrigada, ela disse para Débora. Obrigada por me dar a chance de me despedir, de dizer o que precisava dizer. Débora abraçou ela. Sua mãe te ama muito e vai continuar amando de onde estiver agora.
Quando Débora e Carlos voltaram pro carro, ela estava exausta, mas em paz. Você fez uma coisa incrível hoje, Carlos disse pegando na mão dela. Eu só fiz o que precisava ser feito e é por isso que amo você. Passaram-se seis meses desde aquela noite na rua dos giraçóis. Seis meses desde que Débora viu a alma de dona Antônia saindo do corpo pela primeira vez. Muita coisa mudou.
Débora agora trabalhava meio período no hospital e dedicava o resto do tempo ao trabalho mediúnico no Centro Espírita. Ajudava outras pessoas a desenvolverem seus dons, passava mensagens, confortava famílias enlutadas. Não era fácil. Tinha noites que chegava em casa tão exausta que mal conseguia ficar de pé.
Tinha dias que o peso das histórias, das dores alheias parecia demais para carregar, mas também tinha os dias bons, os dias em que via uma mãe sorrir ao receber notícias do filho falecido, os dias em que via um pai finalmente encontrar paz depois de perder uma criança, os dias em que via o amor vencendo a morte. E nesses dias, Débora sabia, sabia que estava exatamente onde deveria estar, fazendo exatamente o que deveria fazer.
Numa noite, estava sentada no quarto escrevendo em seu diário sobre tudo que tinha vivido quando sentiu uma presença familiar. Olhou pro lado e viu dona Antônia, a primeira, a que tinha começado tudo. Vim agradecer por não ter tido medo, por ter aceitado o dom. Você tá ajudando tanta gente. Eu eu que tive a mensagem. Dona Antônia sorriu e negou com a cabeça.
Não, minha filha, você já tinha esse dom desde sempre. Eu apenas fui a primeira que você permitiu ver, mas saiba que há muitos de nós do outro lado te guardando, te protegendo, te ajudando nessa missão linda que você escolheu aceitar. Às vezes é tão difícil, eu sei, mas toda vez que você traz conforto para alguém que tá sofrendo, toda vez que você prova que a morte não é o fim, você tá mudando o mundo, uma pessoa de cada vez.
E então, dona Antônia desapareceu, deixando apenas uma sensação de paz e amor no quarto. Débora olhou pela janela. Lá fora, as estrelas brilhavam e ela pensou em todas as almas que já tinha ajudado, em todas que ainda ajudaria. Pensou em Juliana, que só queria que a mãe soubesse que estava bem, em Helena, que precisava se despedir dos filhos, em dona Irene, que queria fazer as pazes com a filha antes de partir.
Pensou em cada abraço, cada lágrima, cada sorriso de alívio que tinha testemunhado e percebeu que seu dom não era um fardo, era um presente, o presente mais precioso que poderia ter recebido. Porque no final das contas tudo se resumia a uma única verdade. O amor é mais forte que a morte. O amor transcende mundos. O amor nunca morre.
E Débora tinha o privilégio de ser testemunha disso todos os dias. Ela fechou o diário, apagou a luz e foi deitar. Carlos já estava dormindo. Ela se aconchegou ao lado dele, grata por ter alguém que a apoiava, que acreditava nela. Antes de fechar os olhos, fez uma prece silenciosa.
Agradeceu pelos dons recebidos, pediu força para continuar ajudando e pediu que quando chegasse sua hora de partir, ela também fosse recebida com amor do outro lado. Porque agora ela sabia, sabia com absoluta certeza. A morte não era ao fim, era só o começo de uma nova jornada. E nessa jornada caminha sozinho nunca.