ALMA DA MÃE VOLTOU DO MUNDO ESPIRITUAL… E Ensina Lição Para Filha Cruel

Eu tinha 16 anos quando olhei nos olhos da minha mãe e desejei que ela morresse. E no exato momento em que essas palavras saíram da minha boca, por que você não desaparece de uma vez, sua inútil? Eu vi algo que me fez gelar. Uma sombra escura, densa, como fumaça de petróleo queimando, começou a se formar atrás dela na cozinha.

E dentro dessa sombra, rostados sussurravam coisas que eu não consegui entender completamente, mas que pareciam estar se alimentando da dor que eu causava nela. Minha mãe não via nada disso, apenas chorava em silêncio enquanto lavava a louça que eu me recusei a lavar. Mas eu vi e mesmo vendo, mesmo sentindo um arrepio percorrer cada centímetro da pele, eu escolhi ignorar, virei as costas e voltei pro meu quarto ouvir música alta, deixando-a ali sozinha, com sua dor e com aquelas coisas horríveis que eu tinha acabado de invocar sem saber.

Porque na minha arrogância de adolescente revoltada, eu achava que nada disso era real, que era só a minha imaginação fértil, criando coisas para justificar a culpa que eu não queria sentir. Mas era real, muito real. E eu só descobriria isso décadas depois, quando já seria tarde demais para consertar o que destruí com minhas palavras envenenadas.

Meu nome é Letícia e eu sempre culpei minha mãe por absolutamente tudo que estava errado na minha vida. Ela se chamava Irene. Tinha 42 anos quando comecei minha adolescência infernal. Trabalhava como fachineira em três casas diferentes durante a semana. voltava para casa com as mãos rachadas de tanto produto de limpeza, cheirando-a a desinfetante suor, e ainda tinha que cuidar do meu irmão mais novo, o pequeno Vittor, que tinha apenas 6 anos e exigia atenção constante.

Meu pai Osvaldo trabalhava numa serralheria de segunda a sábado. Chegava em casa exausto, coberto de serragem e óleo de máquina. Mal tinha energia para jantar antes de cair na cama. E eu eu vivia no meu mundinho de ilusões, comparando minha família com as minhas amigas da escola, especialmente da Bianca, que tinha mãe perfumada, casa arrumada, roupas de marca e que me olhava com pena quando vi a minha mãe me buscar na escola com aquela roupa simples e surrada.

Eu tinha vergonha, vergonha profunda, corrosiva, que se transformou em raiva e a raiva em crueldade. Naquela época, eu não entendia que estava sendo influenciada por algo além da simples revolta adolescente. Sombras que eu via ocasionalmente ao redor da minha mãe quando eu a maltratava eram espíritos obsessores, entidades de baixa vibração que se alimentam de energia negativa, de sofrimento, de discórdia familiar.

Eles não criavam a minha raiva, mas a amplificavam, sussurravam pensamentos venenosos que pareciam meus, mas vinham de fora. Você merece mais que isso. Ela te prendeu nessa vida miserável. Se você não tivesse nascido, não estaria sofrendo assim. E eu, na minha ignorância espiritual completa, achava que aqueles pensamentos eram genuinamente meus, que era minha personalidade, meu jeitão rebelde e sincero.

Nunca passou pela minha cabeça que eu estava sendo manipulada por forças que eu nem sabia que existiam. E quanto mais eu maltratava minha mãe, mais forte ficavam essas sombras, mais densas, mais presentes, até que começaram a me seguir também, grudadas em mim, como parasitas invisíveis. Um dia específico marcou o começo do fim de qualquer resquício de respeito entre mim e minha mãe. Era uma quinta.

Ela não tinha ido trabalhar porque o Vittor estava com febre alta e a pia da cozinha estava cheia de louça suja desde o café da manhã. Eu estava sentada à mesa pintando as unhas de vermelho escuro, unhas longas, bem cuidadas, que eu fazia questão de manter impecáveis justamente para não ter desculpa para ajudar nas tarefas de casa.

Meu pai chegou mais cedo naquele dia, viu a situação, viu minha mãe exausta, tentando fazer o Vittor comer alguma coisa e me chamou com voz firme. Letícia, vem lavar essa louça agora. E eu, com toda a petulância que uma adolescente mimada consegue reunir, respondi sem nem olhar para ele. Manda sua mulher lavar. Ela não foi trabalhar hoje mesmo? O silêncio que caiu na cozinha foi pesado como chumbo.

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Meu pai era homem paciente, mas havia limites. Ele pegou o balde que ficava embaixo da pia, encheu de água fria da torneira, caminhou até mim e, antes que eu pudesse reagir, despejou tudo sobre minha cabeça. A água gelada me fez gritar. O esmalte vermelho borrou completamente, escorreu pelos dedos, manchou minha blusa branca favorita.

Eu tava em choque, pingando água no chão, olhando pro meu pai com um ódio puro nos olhos, mas ele não recuou. Isso é para lavar a arrogância que você anda carregando. Quem você pensa que é para falar assim com sua mãe? Ela passou noites acordadas quando você era bebê e chorava sem parar. Ela te carregou no colo quando você teve pneumonia aos 4 anos e quase morreu.

E você tem coragem de tratá-la como lixo? Se repetir essa frase que não pediu para nascer, você vai descobrir do que eu sou capaz. Eu me levantei da cadeira tremendo de raiva. Passei por ele sem dizer nada, tranquei-me no quarto e chorei. Mas não eram lágrimas de arrependimento, eram lágrimas de ódio, de humilhação. E naquela noite, deitada na cama, olhando pro teto escuro, eu vi de novo as sombras, mas dessa vez não estavam ao redor da minha mãe, estavam ao redor de mim. Cinco, seis formas escuras fluttuando no teto do quarto, me

observando, e uma delas desceu lentamente até ficar pairando sobre minha cama e sussurrou com voz que parecia vir de dentro da minha própria cabeça. Você tem razão de estar com raiva. Ela não merece você. Você é melhor que todos eles. Dois anos se passaram nessa dinâmica tóxica. Eu tinha 18 anos quando conheci Rafael.

Um rapaz de 22, que trabalhava como assistente administrativo numa empresa de contabilidade, estudava direito à noite, tinha planos, tinha educação, tinha respeito pela própria mãe e foi justamente isso que o fez me abandonar. Num sábado à tarde, ele tinha vindo me visitar sem avisar e quando tocou a campainha, quem atendeu foi minha mãe. Eu estava no meu quarto e ouvi quando ele perguntou por mim. Ouvi minha mãe chamando com aquela voz cansada.

Letícia, o Rafael tá aqui. E alguma coisa em mim simplesmente explodiu. Saí do quarto feito furacão e gritei na frente dele. Para de me chamar com essa voz de coitada. Você é patética. Por que você não desaparece logo dessa casa e me deixa em paz? Minha mãe ficou paralisada, os olhos enchendo de lágrimas. E foi quando vi Rafael mudar completamente de expressão.

O sorriso que ele tinha ao chegar morreu instantaneamente. Ele olhou para mim como se tivesse vendo um monstro, balançou a cabeça lentamente e disse apenas: “Eu volto outra hora”. E se virou para sair. Mas ele não voltou. Nunca mais voltou. Porque naquele momento, Rafael entendeu algo que eu só entenderia décadas depois.

Quem maltrata a própria mãe maltratará qualquer pessoa que se aproximar dela. Prepare-se, porque agora você vai testemunhar a consequência direta da crueldade de Letícia. Quando Rafael volta dois dias depois, não para reatar, mas para terminar definitivamente, explicando com palavras que vão queimar como ácido, porque ele não pode amar alguém que não sabe amar, nem a própria mãe.

E você vai descobrir que as palavras de Letícia, repetidas dia após dia, estavam literalmente adoecendo Irene, dernando sua energia vital, acelerando um processo que terminaria na morte prematura dela. Porque no plano espiritual palavras têm peso, tem forma, tem consequência. E Letícia estava construindo a sua própria prisão sem saber, tijolo por tijolo, insulto por insulto. Rafael voltou três dias depois, mas não sozinho.

Ele trouxe de volta a caixa com os presentes que eu tinha dado a ele nos seis meses de namoro. Colocou tudo na varanda da minha casa, sem nem tocar a campainha. E quando eu abri a porta correndo, porque vi o carro dele estacionando, ele já estava entrando no veículo de novo e eu gritei desesperada: “Rafael, espera, a gente precisa conversar!” Mas ele abriu a janela apenas o suficiente para eu ouvir o que veio a seguir, e as palavras dele entraram em mim como facas.

Letícia, eu passei os últimos três dias pensando se devia te dar uma chance, se devia acreditar que aquilo foi só um momento ruim. Mas aí eu lembrei da minha mãe, de como ela me criou sozinha depois que o meu pai nos abandonou, de como ela trabalhou em dois empregos para me dar educação.

E percebi que eu jamais, jamais poderia me casar com alguém que trata a própria mãe daquela forma. Ele fez uma pausa, me olhou com uma mistura de decepção e pena que doeu mais que qualquer grito e continuou. Sua beleza é só por fora, Letícia. Por dentro você é feia e eu não quero construir vida com alguém feio por dentro. E foi embora.

simplesmente foi embora, me deixando ali na varanda, segurando aquela caixa de presentes devolvidos, sentindo pela primeira vez na vida algo que eu não sabia nomear. Será que era culpa? Será que era vergonha? Mas o sentimento durou apenas uns minutos, porque logo a raiva voltou, aquela raiva quente e familiar. E eu entrei em casa, joguei a caixa no chão da sala e comecei a gritar com minha mãe.

Tá feliz agora? Por sua culpa, o Rafael foi embora. Você fica se fazendo de vítima e eu que fico parecendo a vilã. Você arruinou minha vida desde o dia que me botou no mundo. Minha mãe estava sentada no sofá arremendando uma roupa do Vittor e quando eu terminei de gritar, ela não respondeu nada, apenas colocou a costura de lado, levantou devagar e caminhou até o quarto dela. Eu ouvi quando a porta fechou.

Ouvi o som abafado de choro e, pela primeira vez algo em mim vacilou. Uma vozinha pequena sussurrou. Você foi longe demais, mas foi imediatamente abafada por outra voz, mais forte, mais convencente. Ela merece. Ela te prendeu nessa vida miserável. Ela é fraca, ela é patética. E eu acreditei na segunda voz, porque era mais fácil, porque manter a raiva era mais confortável que encarar a possibilidade de que eu estava errada.

O que eu não sabia naquela época é que aquela segunda voz não era minha, era dos espíritos obsessores que tinham se tornado tão grudados em mim que eu não conseguia mais distinguir meus pensamentos dos deles. Eles sussurravam veneno disfarçado de verdade e eu bebia esse veneno achando que era água pura.

E a cada gole eu ficava mais amarga, mais solitária, mais perdida. Os meses seguintes foram um declínio silencioso, mas constante. Minha mãe começou a emagrecer de forma preocupante. Desenvolveu uma tosseca persistente que ela ignorava, dizendo que era só alergia.

E eu notava que ela estava sempre cansada, sempre com olheiras profundas, sempre meio ausente, como se uma parte dela já não estivesse mais aqui. Meu pai tentou conversar comigo algumas vezes, pediu que eu fosse mais gentil, mais compreensiva, mas eu sempre encontrava uma escusa para sair de casa, para evitar qualquer conversa sobre responsabilidade ou respeito.

Eu tinha arrumado um emprego meio período numa loja de roupas no shopping. ganhava meu próprio dinheiro e aquilo me deu uma ilusão de independência que só piorou minha arrogância. Agora eu nem preciso mais dela. Eu me sustento sozinha, não devo nada a ninguém.

Mas a verdade é que eu continuava morando lá, comendo a comida que a minha mãe preparava quando tinha forças, usando a casa que meu pai pagava com o suor do trabalho na serralheria. Eu era uma parasita emocional, mas me via como rainha independente. E quanto mais eu me afastava emocionalmente, mais as sombras ao meu redor ficavam densas, até que eu comecei a sentir sintomas físicos, dores de cabeça constantes, insônia, uma sensação de peso no peito que não passava.

E às vezes no silêncio da noite eu ouvia sussurros que não vinham de lugar nenhum. O que eu não sabia naquela época é que aquela segunda voz não era minha, era dos espíritos obsessores que tinham se tornado tão grudados em mim que eu não conseguia mais distinguir meus pensamentos dos deles. Eles sussurravam o veneno disfarçado de verdade e eu bebia esse veneno achando que era água pura.

E a cada gole eu ficava mais amarga, mais solitária, mais perdida. Foi numa manhã de domingo, três meses após Rafael me deixar, que tudo desmoronou. Eu acordei com um barulho estranho vindo do quarto dos meus pais, algo entre um gemido e um choro sufocado. Levantei irritada, achando que era o Vittor fazendo birra, mas quando abri a porta do quarto deles, vi o meu pai ajoelhado ao lado da cama segurando a mão dela. E ela estava pálida para mais, respirando com dificuldade, suar frio no rosto. “Chama a ambulância”, meu

pai disse sem olhar para mim. A voz trêmula. Eu congelei por alguns segundos. Aquela mulher na cama parecia ter envelhecido 10 anos em poucos meses, os ossos visíveis sobre a pele fina, os lábios raticados, os olhos fundos. Corri pro telefone, liguei pro SAMU. Enquanto esperávamos, eu fiquei na porta do quarto observando meu pai chorar baixinho, acariciando o rosto dela, sussurrando: “Aguenta, Irene! Aguenta, por favor!” E pela primeira vez em anos, algo em mim rasinou. Não era arrependimento ainda, mas era medo. Medo de que ela morresse, medo que eu

perdesse ela. Medo de que eu ficasse sozinha com aquele buraco negro de culpa que eu vinha empurrando para debaixo do tapete há tanto tempo. O amor levou a minha mãe e o diagnóstico veio dois dias depois. Depressão profunda com sintomas físicos graves, desnutrição, anemia severa e algo que o médico chamou de desistência de viver.

quando o corpo simplesmente para de lutar, porque a mente não vê mais razão para continuar. O médico olhou pro meu pai e perguntou: “Ela tem passado por algum estress emocional intenso, algum trauma recente?” E eu, parada no canto do consultório, senti o peso daquelas palavras como um piano caindo sobre a minha cabeça.

Eu era o stress emocional intenso. Eu era o trauma. Minhas palavras, minha rejeição, minha crueldade diária tinham literalmente adoecido minha mãe. E quando voltei para casa naquela noite, enquanto meu pai ficava no hospital com ela, eu entrei no quarto que ela dividia com ele.

Vi as roupas dela penduradas no armário, os chinelos gastos ao lado da cama, a foto de casamento deles na mesa de cabeceira, onde os dois sorriam jovens e esperançosos, e algo finalmente quebrou dentro de mim. Caí de joelhos no chão e chorei pela primeira vez em anos. Não tir lágrimas de arraiva ou frustração, mas lágrimas de dor genuína, de remorço, de terror ao perceber o que eu tinha feito.

E foi nessa momenta vulnerabilidade total que eu vi novamente as sombras, mas dessa vez elas estavam recuando, afastando-se lentamente, como se a luz das lágrimas genuínas as queimasse. Minha mãe ficou internada por 11 dias. Eu a visitava todos os dias, mas ela mal falava comigo. Apenas me olhava com aqueles olhos cansados que não tinham mais raiva, apenas tristeza profunda.

No 11º dia, ela teve alta, voltou para casa ainda fraca e eu tentei me aproximar, oferecendo ajuda com tarefas domésticas, mas ela recusava gentilmente. Não precisa, Letícia, eu consigo. Havia uma barreira invisível entre nós agora. construída por anos de maus tratos que não podiam ser desfeitos com alguns dias de arrependimento superficial.

Meu pai falou comigo uma noite depois que ela dormiu. Sua mãe me pediu uma coisa ontem. Ela disse que quando você se casar não quer tá presente. Disse que você deixou claro que não a quer na sua vida, então ela vai respeitar isso. As palavras dele me acertaram como um soco, mas eu não soube como responder. Uma parte de mim queria gritar.

Não, eu não quis dizer aquilo, mas outra, menor, mas ainda presente sussurrava. Mas você quis dizer sim, você disse várias vezes. E a verdade é que eu tinha dito. Tinha dito olhando nos olhos dela, tinha dito com convicção. E palavras têm peso, palavras têm consequência. E eu estava prestes a aprender isso da forma mais dolorosa possível. Agora vem a destruição completa.

Você vai testemunhar desencarne prematuro de Irene, o casamento de Letícia, onde nem a mãe nem o pai aparecem, e o momento devastador em que a sogra vem ajudar e Letícia repete o padrão de crueldade, provocando consequências ainda mais trágicas. Você vai ver como os espíritos obsessores se alimentam de padrões repetitivos de comportamento tóxico.

E como Letícia, sem perceber, tá cavando um buraco cada vez mais fundo, do qual será cada vez mais difícil sair. E vai descobrir que mesmo após a morte de Irene, as sombras não desapareceram, pelo contrário, ficaram mais fortes, mais ousadas, começando a falar em voz alta com Letícia, levando-a pro caminho da obsessão completa.

Minha mãe morreu aos 47 anos, 5 meses depois daquela internação, numa terça-feira chuvosa de agosto. E a causa oficial no atestado de óbito foi parada cardíaca decorrente de complicações de depressão severa. Mas eu sabia a verdade que nenhum médico jamais escreveria num papel.

Ela morreu de desgosto, de dor emocional acumulada, de palavras venenosas que eu despejei nela dia após dia, até que seu coração simplesmente desistiu de bater. Eu estava no trabalho quando meu pai ligou, a voz dele tão quebrada que eu mal conseguia entender o que ele dizia. E quando finalmente processei a informação, minha primeira reação não foi choro, foi dormência.

Uma dormência fria que se espalhou do peito até as pontas dos dedos, como se meu corpo tivesse se protegendo de uma dor grande demais para ser sentida de uma vez. Fui pro hospital, vi o corpo dela coberto com um lençol branco na maca do corredor e quando a enfermeira perguntou se eu queria ver o rosto dela uma última vez, eu disse: “Não, não porque não quisesse, mas porque eu tinha medo.

Medo de olhar para ela e ver nos traços congelados pela morte a acusação silenciosa que eu merecia ouvir. Você fez isso comigo.” O velório foi pequeno. Apenas alguns vizinhos, algumas colegas de trabalho de faxina dela. Meu pai sentado na primeira cadeira, olhando pro caixão como se tivesse perdido a própria alma junto com a esposa e o pequeno Vittor, agora com ito anos, chorando, sem entender completamente porque a mãe tinha ido embora e nunca mais voltaria.

Eu fiquei no canto da sala do velório, de braços cruzados, seca por dentro, incapaz de chorar mesmo querendo. E foi ali, naquela sala com cheiro de flores e formol, que eu comecei a ver algo diferente. As sombras que me acompanhavam desde a adolescência estavam mais definidas agora, mais ousadas. E uma delas flutuava bem acima do caixão da minha mãe, como se tivesse esperando algo, vigiando algo.

Fechei os olhos com força, achando que era alucinação causada pelo estresse, mas quando abri de novo, a sombra continuava lá. E então ouvi pela primeira vez uma voz que não era sussurro mental, mas som real, audível, vindo de algum lugar entre o físico e o espiritual. Ela sofreu bem. Você fez um bom trabalho. Agora ela tá livre de você.

Mas você você ficará conosco por muito tempo. Olhei ao redor, assustada, mas ninguém mais parecia ter ouvido nada. E percebi com horror crescente eu estava sendo falada por espíritos. Não eram imaginação, eram entidades reais, conscientes, que tinham usado minha raiva como porta de entrada e agora estavam enraizadas em mim como ervas daninhas num jardim abandonado.

Três meses depois, eu me casei com Thago, um engenheiro civil de 31 anos que conheci por acaso numa fila de banco, que era educado, trabalhador, tinha bom salário e que cometeu o erro fatal de achar que podia me consertar com amor e paciência. O casamento foi numa quinta-feira de manhã. Cerimônia simples no cartório, sem festa, sem família.

Meu pai tinha se mudado pro interior com o Víor logo após a morte da minha mãe, dizendo que não conseguia mais viver naquela casa cheia de memórias dolorosas. E quando eu liguei para convidá-lo pro casamento, ele apenas disse com voz cansada: “Sua mãe não vai est lá, né?” “Então eu também não vou.” “Boa sorte, Letícia. Você vai precisar”. E deslicou.

Aquilo doeu mais do que eu esperava, mas eu engoli a dor, coloquei a máscara de “Tô bem, não preciso de ninguém” e segui em frente. Thago achou estranho ao casar sem família presente, mas eu inventei uma desculpa qualquer sobre desavenças antigas e ele, ingênuo e apaixonado, acreditou. Fomos paraa Lua de Mel em Florianópolis.

Cinco dias de praia e hotéis carros que Thago pagou para me impressionar. E por alguns dias eu realmente achei que talvez pudesse ser feliz, que talvez pudesse começar de novo deixar o passado para trás. Mas fantasmas não ficam para trás, eles viajam com você. Voltamos da lua de mel e fomos morar num apartamento que Thago tinha comprado recém-cstruído.

Dois quartos, varanda com vista parcial pro parque, mobília nova que chegou em caixas e precisava ser montada. E foi quando a mãe dele, dona Silvia, ofereceu ajuda. Ela tinha 63 anos, era viúva, extremamente organizada e prestativa. E no primeiro dia que venho nos ajudar, trouxe marmitas prontas, ferramentas para montagem dos móveis e uma energia maternal que deveria ter me aquecido, mas só me irritou profundamente.

Ela ficava perguntando onde eu queria cada coisa. Letícia, as panelas vão nesse armário ou naquele? Os pratos você prefere empilhados ou em pé? As toalhas ficam no banheiro ou no armário do corredor? E a cada pergunta eu sentia a minha paciência evaporar um pouco mais. Era como se a voz dela fosse unha, arranhando o quadro negro.

No terceiro dia, eu estava na cozinha tentando organizar os mantimentos enquanto ela dobrava panos de prata na sala. E ela veio até mim com aquele sorrisinho gentil e perguntou pela décima vez: “Querida, onde você quer que eu coloque as taças de cristal que ganhamos de presente?” E algo em mim simplesmente explodiu. Virei para ela e falei com uma frieza cortante: “Para de mexer nas minhas coisas. Eu não te chamei aqui.

Não preciso de babá”. Dona Silvia ficou paralisada, o sorriso morrendo no rosto, os olhos arregalando em choque. E eu, alimentada por aquela raiva familiar e confortável, continuei: “Você acha que vai mandar na minha casa que vai ser a dona daqui só porque é mãe dele? Pois saiba que eu nunca gostei de você.

Sempre achei você intrometida, chata, grudenta e não sou obrigada a fingir que te suporto só porque tu casei com o seu filho. As palavras saíram como projéteis, cada uma escolhida para causar o máximo de dano. E eu vi quando elas acertaram. Dona Silvia levou a mão ao peito, o rosto ficando vermelho, os olhos enchendo de lágrimas. E foi quando percebi que Thago estava parado na porta da cozinha.

Não sei há quanto tempo ele estava ali, mas pela expressão de absoluta decepção e horror no rosto dele, tinha sido tempo suficiente para ouvir tudo. Ele caminhou lentamente até a mãe dele, colocou o braço ao redor dos ombros e disse com voz controlada, mas tremendo de emoção contida. Vem, mãe, vou te levar para casa. Você não merece ouvir isso.

E saiu do apartamento, levando ela sem olhar para trás, sem dizer mais nada. As horas seguintes foram uma tortura de silêncio e ansiedade crescente. Thago não voltou para casa naquela noite, nem na seguinte. Eu liguei dezenas de vezes, todas caindo na caixa postal. Mandei mensagens que ficavam em enviado, mas nunca eram lidas. No terceiro dia, desesperada, fui até o apartamento de dona Silvia, mas quem atendeu foi a empregada dela, uma senhora de meia idade, que me olhou com desaprovação mal disfarçada, e disse: “A dona Silvia tá internada. Ela é cardíaca. Teve um episódio depois do que aconteceu no seu apartamento.

Senti o sangue gelar. Onde? Em que hospital?” Mas a empregada apenas balançou a cabeça. O Thaiago pediu para não falar nada pra senhora. Ele disse que quando a mãe dele tiver alta, vai voltar para buscar as coisas dele e fechou a porta na minha cara. Voltei para casa atordoada.

Entrei no apartamento que deveria ser nosso ninho de amor, mas parecia agora uma prisão silenciosa. E me sentei no chão da sala, rodeada por caixas ainda não desempacotadas. E foi quando ouvi de novo, mas agora em couro, várias vozes sussurrando simultaneamente. Você nunca aprende. Você destrói tudo que toca. Você tá sozinha. Você sempre estará sozinha porque você é podre por dentro.

E pela primeira vez eu respondi em voz alta. Eu sei. E comecei a chorar, não de arrependimento, mas de desespero, percebendo que estava presa num ciclo que eu mesma criara e não sabia como quebrar. Letícia não imaginaria o inferno pessoal pelo qual iria passar. Você vai ver a separação definitiva, o isolamento completo, os anos de solidão, onde as vozes dos obsessores ficam cada vez mais altas, até que ela não consegue mais trabalhar, não consegue mais funcionar e tá à beira do colapso mental total.

Você vai testemunhar o momento em que dona Silvia falece no hospital e Thago volta ao apartamento não para reconquistar a Letícia, mas para terminar de vez, dizendo palavras que vão ecoar pelos próximos 20 anos da vida dela. E você vai descobrir que existe um momento de virada, uma última oportunidade dada pela misericórdia divina, que virá na forma de uma mulher desesperada e uma criança abandonada na porta de mercado.

Dona Silvia morreu no hospital seis dias depois de ter sido internada, vítima de infarto agudo do miocárdio, que os médicos disseram ter sido desencadeado por estress emocional severo. E quando Thaiago voltou ao apartamento uma semana após o enterro, eu corri para abraçá-lo, achando que finalmente poderíamos conversar, que eu poderia pedir desculpas e recomeçar, mas ele deu um passo para trás, me evitando como se eu fosse radioativa, e disse com uma voz tão fria, que parecia vir de um estranho. Vim buscar minhas coisas. O

advogado vai entrar com os papéis da separação na segunda-feira. Tentei argumentar. Segurei o braço dele desesperadamente, sussurrando: “Thiago, por favor, a gente pode conversar. Eu posso mudar. Eu juro que posso mudar.” Mas ele se soltou com um puxão brusco e falou, olhando diretamente nos meus olhos. Letícia, minha mãe está morta.

Morta por causa do que você fez? Ela tinha problema cardíaco controlado há anos, mas o que você disse, a forma como você a humilhou, desencadeou o infarto. Os médicos me explicaram: estresse emocional intenso em pessoas cardíacas pode ser fatal. Então não, a gente não pode conversar, não há nada para conversar.

Você é exatamente igual era com sua mãe e eu fui idiota de achar que comigo seria diferente. Ele entrou no quarto, começou a jogar roupas numa mala e continuou falando sem olhar para mim. Sabe o que minha mãe me disse no hospital antes de antes do segundo infarto? Ela disse: “Filho, solta essa moça! Ela tá doente por dentro. Ela não sabe amar. E enquanto você ficar, vai apenas adiar o sofrimento.

Eu deveria ter ouvido antes. Fiquei parada na porta do quarto, observando ele fazer as malas. E algo em mim tentou uma última vez. Você jurou na frente do padre, na frente de Deus. Você prometeu na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. Ele parou o que estava fazendo, virou lentamente para mim e riu. Um riso amargo, sem humor.

Você quer mesmo usar o argumento religioso? Você que nunca pisou numa igreja desde que nos casamos, que nunca orou, nunca agradeceu a Deus por nada, nunca demonstrou um pingo de espiritualidade ou bondade genuína? Letícia, casamento é sobre construir juntos, sobre respeito mútuo, sobre honrar não apenas o cônjuge, mas as famílias um do outro. E você cospe em tudo isso, então não.

Eu não vou ficar preso a um juramento feito a uma pessoa que não existe mais, porque a mulher doce que eu conheci naquela fila do banco era máscara. A verdadeira você é isso aqui. Amarga, cruel, incapaz de humildade. Ele fechou a mala, pegou mais duas sacolas com pertences pessoais e na porta do apartamento disse a última coisa antes de sair da minha vida para sempre. Faça terapia, busque Deus.

Olhe no espelho e enfrente o monstro que você se tornou, porque do jeito que você está, vai morrer sozinha e amarga e vai merecer. A porta fechou. O silêncio que ficou foi tão denso que eu podia sentir o peso dele nos ombros. Os anos seguintes foram uma espiral descendente que parecia não ter fundo. Continuei trabalhando na loja de roupas, mas minhas colegas começaram a me evitar porque eu vivia de mau humor, respondia mal, criava conflitos por qualquer bobagem. Fui demitida após 3 anos.

Arrumei outro emprego como recepcionista numa clínica odontológica. Durou 8 ito meses até eu brigar feio com a gerente ser mandada embora. Depois foi um trabalho temporário em uma papelaria, outro numa farmácia. sempre o mesmo padrão, contratada com esperanças, comportamento cada vez mais difícil, demissão inevitável.

Aos 45 anos, eu estava morando num apartamento alugado menor, com móveis velhos, trabalhando como atendente em um supermercado e completamente sozinha. Meu pai tinha falecido dois anos antes de derrame. E eu só soube uma semana depois porque o Vittor, agora adulto e morador de outro estado, ligou para avisar formalmente, sem emoção na voz. Pai morreu.

Enterro foi segunda passada. Achei que você deveria saber. E desligou antes que eu pudesse responder. E as vozes, as malditas vozes que me acompanhavam desde a adolescência tinham ficado insuportáveis. Não eram mais sussurros, eram conversas completas, discussões, às vezes gritos que vinham de todos os cantos do apartamento.

“Você é um desperdício de vida.” Uma voz masculina, grave, que vinha do canto da sala. “Ninguém te ama porque você é desprezível.” Uma voz feminina, aguda que vinha do quarto. “Sua mãe tá melhor morta, longe de você.” Outra voz rouca que vinha do banheiro. Eu tentava ignorar, colocava fones de ouvido, ouvia a música alta, mas as vozes falavam por cima da música, dentro da minha cabeça, impossíveis de bloquear.

Comecei a responder em voz alta: “Cala boca, calaboca, deixa eu em paz.” E as vozes riam, aquelas risadas horríveis que ecoavam no apartamento vazio. Uma vez uma vizinha bateu na porta reclamando dos gritos. “Tá tudo bem aí? você tá sozinha? E eu, sem nem pensar, gritei de volta. Não é da sua conta. No supermercado, comecei a ter lapsos de concentração. Esquecia pedidos, confundia valores.

Uma vez gritei com um cliente que não tinha feito nada de errado, apenas porque as vozes tinham passado a manhã toda me atormentando e eu tava no limite. Fui chamada paraa conversa com um gerente. Letícia, você precisa de ajuda. Ajuda profissional. talvez um psiquiatra. Não posso te demitir porque seria discriminação, mas por favor, pelo seu próprio bem, procure tratamento.

Mas eu não procurei, porque no fundo uma parte masoquista e autodestrutiva de mim achava que eu merecia aquele tormento, que era a punição justa pelo que fiz com minha mãe, com dona Silvia, com todos que tentaram me amar e foram repelidos pela minha frieza.

E foi numa tarde cinzenta de quinta-feira, quando eu estava indo fazer compras depois do turno no supermercado, que algo mudou. Havia uma mulher sentada na porta do mercado, magra, ao ponto de ser esquelética, roupas sujas, olhos fundos, com aquele olhar vazio de quem já desistiu de viver, e, no colo dela, embrulhado em cobertores rasgados, um bebê. A mulher estendeu a mão, não pedindo dinheiro, mas com um gesto desesperado, e disse com voz rouca: “Por favor, não quero dinheiro.

Só proteja meu bebê, por favor”. Olhei para ela, confusa, meio assustada, e entrei no mercado sem responder, achando que era a mais uma situação triste, das tantas que você vê na cidade grande e aprende a ignorar para não enlouquecer. Fiz minhas compras no piloto automático, peguei o mínimo necessário e quando estava saindo, 20 minutos depois, a mulher não estava mais lá, mas o bebê tava sozinho, embrulhado naqueles cobertores imundos, deitado dentro de uma caixa de papelão, chorando fraquinho, um choro que partia o coração.

Parei. Olhei ao redor, procurando a mãe, mas não havia ninguém, apenas o bebê chorando e algumas pessoas passando apressadas, ignorando completamente a cena. Senti uma pontada estranha no peito. Não era compaixão exatamente, era algo mais profundo, mais primitivo, como se alguma coisa adormecida dentro de mim por décadas tivesse acordando a força. Comecei a caminhar em direção ao estacionamento.

Não é problema meu, eu não tenho nada a ver com isso. Mas tinha dado três passos quando ouvi uma voz diferente das outras. Não era ameaçadora ou cruel, era suave, quase musical e vinha de lugar nenhum e de todo lugar ao mesmo tempo. Esta é a sua chance, Letícia. Talvez a última. Não a desperdice. Parei de novo. Virei lentamente.

O bebê continuava ali chorando. E algo dentro de mim, algo que eu achava que tinha morrido junto com minha mãe, começou a se mover. Voltei, me ajoelhei ao lado da caixa, peguei aquela criança pequena, suja, fedendo a urina e leite azedo. E pela primeira vez, em 27 anos, desde que minha mãe morreu, eu senti algo além de raiva ou vazio. Senti ternura, senti proteção, senti amor.

Olhei para aquela criança, era menina, talvez uns 8 meses, magrinha, com olhos escuros enormes, que me olhavam com aquela confiança inocente que só bebês t, como se soubesse que eu ia protegê-la, mesmo eu não sabendo ainda. E sussurrei para ela. Quem escolhe nascer assim? Nem pequena. Ninguém pede para nascer.

Mas talvez, talvez a gente pede sim. Talvez a gente escolhe justamente as situações mais difíceis para aprender o que precisa aprender. E levei ela para casa. Prepare-se pra redenção mais tocante e transformadora. Agora você vai descobrir o que aconteceu com a mãe biológica do bebê, por ela abandonou a filha especificamente com Letícia e como aquela criança que Letícia batizou de Helena se tornou um instrumento divino de cura que transformou completamente uma alma amarga em uma mulher capaz de amar.

Você vai ver Letícia passando pelas mesmas dificuldades que sua mãe passou, entendendo na pele o que é ser mãe, pedindo perdão pro espírito de Irene de uma forma que vai fazer você chorar e vai testemunhar o reencontro no plano espiritual, onde Letícia finalmente entende que ela, a mãe e o pai planejaram tudo antes de encarnar, o sofrimento, as lições, a redenção, porque a terra é escola. E ninguém se perde para sempre.

Descobri três semanas depois, através de uma assistente social que me procurou, que a mãe da Helena se chamava Natália, tinha 24 anos, tava em estágio terminal de uma doença que ela nunca tratou adequadamente porque vivia nas ruas há anos e que me escolheu especificamente naquela tarde, não por acaso, mas porque algo nela, talvez intuição, talvez orientação espiritual que ela nem sabia que recebia, viu em mim alguém que precisava daquela criança tanto quanto a criança precisava de alguém. Ela faleceu ontem à noite no hospital público. A

assistente social me disse com voz profissional, mas gentil e antes de partir pediu que eu verificasse se o bebê tava bem. Disse que tinha entregue a uma moça de olhos tristes que precisava aprender a amar de novo. Essas foram as palavras dela. Senti um nó na garganta. ouve aquilo.

Segurei Helena com mais força contra o peito, aquela criança que em três semanas tinha virado meu mundo de cabeça para baixo, me fazendo acordar de madrugada para trocar fraldas, me fazendo cantar canções de niná que eu nem sabia que conhecia, me fazendo sentir pela primeira vez em décadas que eu tinha propósito além de simplesmente existir.

E sussurrei paraa assistente social: “Eu quero adotá-la oficialmente. Quero ser mãe dela de verdade. E foi nesse momento que as vozes que me atormentaram por anos ficaram completamente silenciosas pela primeira vez. O processo de adoção demorou 8 meses. Foram entrevistas com psicólogos, visitas de assistentes sociais, avaliações da minha capacidade financeira e emocional de criar uma criança.

E durante todo esse tempo, eu me transformei de formas que não achava mais possíveis. Voltei a trabalhar com dedicação renovada. Arrumei um emprego melhor como assistente administrativa numa escola. Aluguei um apartamento maior com um quarto separado que pintei de amarelo claro e decorei com bichinhos de pelúcia.

Comecei a frequentar uma igreja evangélica perto de casa, não por obrigação, mas porque sentia a necessidade de reconexão espiritual, de entender que havia forças maiores trabalhando naquela história toda. E a cada noite, quando colocava Helena para dormir, eu olhava para aquele rostinho angelical e pensava na minha mãe, em como ela deve ter me olhado assim quando eu era bebê, com aquele amor incondicional, aquela disposição de se sacrificar e como eu retribuí tudo aquilo com crueldade e rejeição.

Uma noite, quando Helena tinha um ano e meio e já chamava a mamãe com aquela voz fininha que derretia meu coração, ela fez uma birra porque não queria comer a papinha. Jogou a comida no chão, gritou, esperneou. E eu, cansada, depois de um dia longo de trabalho, senti a raiva antiga começar a subir pela garganta, aquele calor familiar, aquele impulso de gritar de volta, de dizer coisas duras.

Mas aí eu parei, respirei fundo e lembrei da minha mãe lavando louça enquanto chorava, da minha mãe cuidando do Víor doente enquanto eu a xingava, da minha mãe definhando, porque o meu veneno verbal tinha envenenado literalmente o corpo dela. Ajoelhei na frente da Helena, limpei a comida do chão e disse com voz calma: “Tá tudo bem, amor. Você tá cansada, né? Vamos tomar banho e dormir.

Amanhã a gente tenta de novo. Dei banho nela, coloquei o pijama, cantei a musiquinha de niná que ela gostava e quando ela finalmente dormiu, eu sentei no chão do quartinho dela e chorei como não chorava desde a morte da minha mãe. Mas não eram lágrimas de desespero, eram lágrimas de compreensão, de finalmente entender o que minha mãe passou, o cansaço que ela sentia, os sacrifícios que ela fez.

a paciência que ela teve comigo durante anos, antes que eu me tornasse a adolescente monstruosa que a destruiu. E ali, sentada no chão, ao lado do berço da Helena, fiz algo que deveria ter feito décadas atrás. Pedi perdão. Mãe, onde quer que você esteja, eu te peço desculpas. Desculpa por cada palavra cruel. Desculpa por cada vez que te fiz chorar.

Desculpa por não ter valorizado o teu amor quando ainda tinha tempo. Desculpa por ter contribuído paraa tua morte. Eu era cega, egoísta e nem percebi que estava sendo influenciada por forças espirituais negativas que amplificaram o pior de mim. Não é desculpa, mas é explicação. E agora, cuidando da Helena, eu entendo tudo.

Entendo o amor, entendo o sacrifício, entendo você. E senti algo indescritível, como se um abraço invisível me envolvesse, um calor suave que não vinha de fonte física, um perdão que atravessava o véu entre mundos. Os anos seguintes foram de crescimento constante e doloroso. Helena cresceu sendo criança normal, com birras, teimosias, fases difíceis.

E cada vez que ela me desafiava, eu via a mim mesma adolescente refletida nela. E aquilo me dava perspectiva, paciência, que eu não sabia que possuía. Ela estudou em escola pública, foi boa aluna, educada, respeitosa comigo, de uma forma que me fazia sentir emerecida de tanto amor. Aos 18 anos, quando começou a namorar um rapaz chamado Felipe, ela me apresentou ele formalmente e eu vi nos olhos do Felipe o mesmo respeito que Rafael tinha pela mãe dele décadas atrás.

E quando Helena tinha 22 anos e decidiu se casar, ela me chamou para conversa séria e disse algo que me fez desabar em lágrimas. Mãe, o Felipe perguntou se depois do casamento você pode morar com a gente. Ele sabe tudo que você passou, como me resgatou quando eu era bebê, como me criou sozinha trabalhando duro.

E ele quer te honrar como honra a própria mãe. Abracei minha filha, aquela criança que Deus colocou no meu caminho quando eu estava à beira do abismo e sussurrei: “Você não precisa fazer isso, amor. Vocês são jovens, precisam de privacidade, de construir a vida de vocês.

Mas Helena segurou meu rosto com as duas mãos e disse firme: “Eu tenho profundo respeito por você. Você é minha mãe. Se o Felipe não te aceitar em nossa casa, então ele não me aceita completamente e eu não abro mão de você.” Vivi com Helena e Felipe por 15 anos maravilhosos, ajudando a cuidar dos três netos que vieram, vendo minha filha ser mãe paciente e amorosa, vendo o casamento deles prosperar baseado em respeito mútuo e amor genuíno.

E durante todo esse tempo, eu orava todas as noites, agradecendo a Deus pela segunda chance, pela oportunidade de aprender o que o orgulho me impediu de aprender na primeira metade da vida. Morri aos 81 anos, cercada pela família, sem dor, apenas uma passagem tranquila durante o sono. E quando acordei no plano espiritual, não estava mais no meu corpo velho e cansado, mas numa forma jovem, vibrante e livre.

Um mentor de luz me recebeu, homem de presença serena que irradiava amor, e disse: “Letícia, você conseguiu. Passou no teste, aprendeu as lições, por mais doloroso que tenha sido o caminho. Ele me levou por um jardim de beleza impossível de descrever com palavras terrenas e disse que havia pessoas esperando por mim. A primeira era Natália, a mãe biológica da Helena.

agora também jovem e saudável no corpo espiritual, que me abraçou chorando. Obrigada por cuidar da minha filha. Eu pedi tanto a Deus que enviasse alguém para proteger ela e ele enviou você. Deus sabia que vocês duas precisavam uma da outra. Retribuiu o abraço, sussurrando: “Foi ela quem me salvou. Não, eu que salvei ela, mas a pessoa que eu mais precisava ver estava um pouco mais adiante, sentada num banco de pedra branca sobre uma árvore florida que não existia na Terra. Era minha mãe, Irene.

Ela tava exatamente como eu me lembrava dela antes que minha crueldade a consumisse. Rosto sereno, olhos gentis e quando me viu, abriu os braços. Corri até ela feito criança, me joguei naquele abraço que eu não merecia, mas que ela oferecia sem hesitação e desabei. Mãe, me perdoa. Eu fui tão horrível com você. Fui tão cega, tão arrogante, tão cruel.

Levei você à morte precoce. Como você pode me abraçar assim? E ela, acariciando meu cabelo como fazia quando eu era pequena e ainda a deixava me tocar, disse com voz cheia de paz: “Filha, aqui no plano espiritual a gente enxerga tudo de forma diferente. Eu entendo que você estava sob influência de obsessores espirituais que amplificavam suas tendências negativas.

Entendo que você carregava orgulho de vidas passadas não resolvido. Entendo que a terra é escola e às vezes as lições mais importantes vêm das dores mais profundas. Você errou sim, mas aprendeu. Mudou. Se redimiu através da Helena e agora estamos aqui juntas novamente, podendo recomeçar sem mágoas.

Chorei no ombro dela por tempo indeterminado. Tempo não existe da mesma forma lá. E então ela me levou pela mão até uma sala onde estavam mais pessoas. Meu pai Osvaldo, meu irmão Vítor, dona Silvia, Thago, Rafael, todos me olhando, não com raiva, mas com compreensão amorosa. O mentor explicou algo que me fez entender finalmente todo o propósito.

Letícia, antes de vocês encarnarem, todos vocês se reuniram aqui e planejaram aquela vida. Sua mãe Irene aceitou o papel de ser maltratada por você para que você aprendesse através da dor a importância do respeito. Seu pai aceitou ser firme, mas depois se afastar para que você enfrentasse as consequências sozinha.

Rafael, Thaago, dona Silvia, todos aceitaram papéis específicos na sua jornada de aprendizado. E Natália, mãe da Helena, aceitou encarnar em situação difícil justamente para colocar aquela criança no seu caminho no momento exato em que você estava pronta para mudança. Tudo foi planejado, tudo teve propósito. A Terra é a escola que ensina na prática. E você, Letícia, passou de ano finalmente. Olhei para minha mãe incrédula.

Você aceitou sofrer tudo aquilo por mim? E ela sorriu. O amor verdadeiro aceita sacrifícios temporários se eles resultam em crescimento eterno. Eu sabia que você ia me maltratar, sabia que ia acelerar minha desencarnação, mas também sabia que um dia, através da Helena, você entenderia. E valeu a pena.

Olha você agora, transformada, pronta paraa próxima etapa da evolução espiritual. Nos abraçamos de novo e eu finalmente entendi a frase que sempre achei piegas, mas que agora via como verdade profunda. O amor verdadeiro não se perde, atravessa vidas, atravessa erros, atravessa até a morte, porque somos eternos e estamos sempre, sempre aprendendo. Antes de reencarnar, nós escolhemos as lições que precisamos aprender.

Escolhemos as famílias que nos ensinarão essas lições, mesmo quando o ensino vier através da dor. Escolhemos os desafios que nos farão crescer, mesmo que nos sintamos vítimas injustiçadas. A terra é escola e ninguém tá aqui por acaso.

Aquela mãe que você acha difícil, ela aceitou esse papel para te ensinar paciência. Aquele pai ausente, ele aceitou te ensinar autossuficiência. Aquele filho rebelde, ele tá te ensinando amor incondicional. Somos todos professores e alunos uns dos outros. E quando finalmente entendemos isso, a vida deixa de ser punição e se torna presente. Então, se você maltratou alguém que te amava, peça perdão.

Nunca é tarde, nem mesmo após a morte deles, porque o espírito ouve. E se você foi maltratado, perdoe, não porque merecem, mas porque você merece paz. E saiba, ninguém se perde para sempre. Deus não abandona nenhuma ovelha. Ele apenas espera com paciência infinita que escolhamos voltar para casa.

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