O domingo que passou será lembrado como um dia de intensa mobilização popular e de um revés político notável no coração do poder legislativo brasileiro. Dezenas de milhares de cidadãos tomaram as ruas em centenas de cidades por todo o país, de Natal a São Paulo, do Rio de Janeiro a Belo Horizonte e Brasília, em um movimento coordenado que demonstrou a força da pressão popular contra propostas consideradas prejudiciais aos interesses da nação.
A magnitude da manifestação gerou um resultado imediato e impressionante: a desistência, por parte do relator no Senado, da tramitação de um projeto de lei que vinha sendo duramente criticado pela sociedade civil e por especialistas em direito. O Congresso Nacional, que se preparava para avançar com a matéria, viu-se forçado a recuar em plena vigília popular. O gigante cívico, mais uma vez, provou que despertou e está atento às manobras políticas que ocorrem, muitas vezes, nas caladas da noite.
O Recuo Estratégico e a Vitória Imediata da Sociedade
O ponto de virada ocorreu quando o Senador Alessandro Vieira, relator do Projeto de Lei (PL) em questão – que trata de mudanças na dosimetria penal e que tem sido associado, pelo senso comum, a tentativas de anistia – viu a dimensão do protesto. Em um comunicado feito nas suas redes sociais, o parlamentar reconheceu a pressão e anunciou uma mudança drástica de posição.
O senador declarou que o texto do PL carregava “vícios inaceitáveis” e que apresentaria um voto em separado, pela “rejeição total do projeto”, buscando a construção de soluções técnicas mais adequadas ao tema. O gesto foi imediatamente celebrado pelos manifestantes como uma grande vitória da sociedade organizada e da ala progressista, que estava nas ruas exigindo responsabilidade e transparência.

A capacidade de mobilização, que reuniu um contingente superior a 100 mil pessoas apenas nas capitais, enviou um recado inegável: a população não aceita que o Congresso legisle de costas para seus eleitores, especialmente em matérias que impactam diretamente a justiça e o combate à impunidade.
A Complexa Pauta dos Protestos e a Questão da Impunidade
A mobilização de domingo não se concentrou em uma única bandeira, mas atacou uma série de iniciativas do Congresso que, no entendimento dos manifestantes, representam um retrocesso social e penal. No centro da pauta estava a demanda por “Sem Anistia”, um grito que ressoou nas principais avenidas do país e que se tornou o símbolo da resistência contra o que se convencionou chamar de “PEC da Blindagem” e o próprio PL da dosimetria.
O Projeto de Lei da Dosimetria é o cerne da controvérsia. Embora tecnicamente trate de critérios para a aplicação de penas, a crítica central é que ele foi concebido de forma a flexibilizar o tratamento penal para crimes de colarinho branco, corrupção, lavagem de dinheiro e até mesmo para delitos mais graves como tráfico internacional e homicídio. A sua aprovação, segundo os opositores, beneficiaria um grupo específico de criminosos de alta periculosidade e indivíduos poderosos que mantêm influência política.
Nomes como Marcola, Fernandinho Beira-Mar, André do Rap, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral foram publicamente citados pelos oradores nos atos como exemplos de figuras que poderiam ser beneficiadas pelas alterações propostas, suscitando a fúria e o repúdio dos manifestantes, que veem na proposta uma tentativa de construção de privilégios para aqueles que sempre estiveram no poder. As preocupações giram em torno da redução de penas e da facilitação da saída da prisão para indivíduos que cometeram crimes de extrema gravidade, tudo em nome de uma suposta “blindagem” política.
Além da questão penal, o movimento também protestou veementemente contra a Escala de Trabalho 6 por 1, uma pauta que demonstra a amplitude da insatisfação popular, que abrange desde a política criminal de alto nível até os direitos e a dignidade dos trabalhadores. O Congresso é acusado de ter aprovado a medida em momentos de menor visibilidade, mostrando uma desconexão com as necessidades da classe trabalhadora.
Os Alvos Políticos e a Crítica ao Comportamento do Congresso
A frustração manifestada nas ruas foi direcionada de forma clara e assertiva aos líderes do Congresso Nacional e àqueles parlamentares que são vistos como inimigos da democracia e dos interesses do povo. O Presidente da Câmara dos Deputados e o Presidente do Senado Federal, juntamente com o chamado “Centrão”, foram os principais alvos das críticas.
O nome de Hugo Mota, em especial, foi evocado repetidamente nos discursos, sendo-lhe dirigido o apelo para que não seja reeleito em 2026, ano que foi profetizado pelos oradores como um momento de “varredura” política nas urnas. A população critica a forma como o Congresso, por vezes, escolhe a calada da noite ou os feriados e fins de semana para aprovar matérias controversas, afastando-se do escrutínio público e agindo de maneira que prioriza os interesses de uma elite política em detrimento das necessidades da maioria.
A manifestação de domingo, majoritariamente organizada por alas progressistas, também serviu como um contraponto direto às mobilizações da direita e da extrema-direita. Os oradores fizeram questão de ressaltar que a esquerda, ao contrário, tem uma pauta clara e popular: é contra a anistia e pela responsabilização de indivíduos envolvidos em atos antidemocráticos. Houve uma clara distinção entre as mobilizações, citando as chamadas “motociatas” da oposição como um exemplo de ação sem foco ou que busca objetivos contrários aos anseios populares. O clamor pela responsabilização do ex-presidente transformou-se em um sinônimo da exigência por justiça e pela aplicação da lei sem privilégios.
Outros parlamentares e figuras políticas também foram citados em função de suas ações recentes, como a deputada Carla Zambelli, cuja renúncia ao mandato foi anunciada, e a necessidade de se dar prosseguimento às determinações judiciais de afastamento, para que a impunidade não prevaleça no sistema político. O movimento exige que a determinação judicial do ministro Alexandre de Moraes seja cumprida, argumentando que a deputada não tem mais prerrogativas políticas para renunciar. Os manifestantes também clamaram pela continuidade das investigações e medidas contra outras figuras, como Romário e Eduardo Bolsonaro, reforçando a luta por um Congresso limpo e alinhado com a ética pública.
O Gigante Acordou: A Expressão Nacional e as Implicações para o Futuro
A força do movimento cívico de domingo foi inegável em sua abrangência geográfica. Cidades de todo o Brasil se uniram em uma única voz. De Manaus, onde as ruas ficaram lotadas, a Brasília, que viu suas vias tomadas pela população, o sentimento de unidade e propósito foi a tônica do dia. As imagens de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e da Avenida Paulista, em São Paulo, completamente tomadas, atestam o sucesso da mobilização.
Essa demonstração de poder popular tem implicações profundas. A mobilização serve como um lembrete de que a política não se faz apenas nos corredores do poder, mas também nas ruas. O sentimento é de que “o jogo virou” e que a sociedade está disposta a disputar o espaço político ativamente, opondo-se a tentativas de manobras que visem proteger poderosos ou fragilizar o sistema penal. O movimento se orgulha de ter virado o jogo, lembrando que meses atrás o cenário era dominado por outra vertente política.

As tentativas de repressão, como as registradas em Santa Catarina, onde a Polícia Militar, supostamente sob ordens do governo de Jorginho Melo, teria bloqueado vias para dificultar a chegada dos manifestantes, apenas reforçaram a convicção dos ativistas de que a luta é necessária e que a pressão popular incomoda as estruturas de poder. O governador foi acusado de tentar impedir qualquer manifestação que fosse contra seus interesses, agindo de forma autoritária.
A conclusão do dia é que o movimento de rua provou sua relevância e sua capacidade de influenciar decisões em tempo real, forçando a reversão de uma matéria polêmica na mais alta instância legislativa. Houve até mesmo uma citação histórica à música de Gilberto Gil, trilha sonora das passeatas dos Caras-Pintadas em 1992, reforçando a ideia de que a juventude e a sociedade brasileira voltaram a tomar as rédeas da política.
Perspectivas: O Caminho para 2026 e a Defesa da Democracia
A vitória contra o PL da Dosimetria é um impulso crucial para o movimento popular e para o Governo Lula. Ela demonstra que a união da esquerda e dos setores democráticos é eficaz. Os oradores deixaram claro que a luta de domingo é o prenúncio de uma batalha maior nas urnas. O chamado é para que a população se mantenha vigilante e garanta que, nas próximas eleições, em 2026, sejam eleitos candidatos alinhados com a pauta popular e com o projeto democrático.
A meta é clara: garantir a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva até 2030 e, crucialmente, eleger um Congresso e um Senado com maioria progressista, capazes de apoiar as reformas necessárias e de não criar obstáculos aos direitos sociais e à justiça. A mensagem final é de perseverança, orgulho e a certeza de que a luta contra o Congresso que atua como “inimigo do povo” não se encerrará até que a justiça e a transparência sejam plenamente restauradas no Brasil. A nação está desperta, e as ruas ditaram a pauta. O Brasil mostrou a sua cara, e o gigante acordou.
O impacto deste domingo é uma demonstração de que a sociedade civil organizada não aceitará passivamente a retirada de direitos conquistados nem a aprovação de leis que pareçam construir privilégios para o poder. O próximo ano será decisivo, e a energia demonstrada nas ruas servirá como combustível para a mobilização eleitoral. É o dever de casa que a sociedade precisa cumprir para que o poder, de fato, seja devolvido ao povo. A história deste dia 14 de dezembro permanecerá como um marco da resistência popular e da vigilância cívica no país.