O clima nos corredores do poder em Brasília e no Rio de Janeiro é de tensão e desespero incontrolável. Uma nova e avassaladora onda de investigações da Polícia Federal, com o pulso firme do Ministro Alexandre de Moraes como relator, mira o que está sendo chamado de “núcleo político” das maiores facções criminosas do país. O objetivo é desmantelar a estrutura que, segundo as apurações, permite a lavagem de dinheiro, o cometimento de crimes em larga escala e o enriquecimento ilícito de criminosos e seus aliados na alta cúpula da política nacional.
Os holofotes das operações mais recentes se voltaram para dois nomes de peso: o Presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre, e o Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. O que emerge das evidências colhidas pela PF não são apenas alegações de corrupção tradicional, mas sim a suposta proximidade e a troca de favores com indivíduos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e ao Comando Vermelho (CV). A profundidade e o grau de detalhe das provas sugerem que este pode ser o prelúdio de uma crise institucional sem precedentes, que promete redefinir o cenário político brasileiro.

Parte I: O Caso Monjaro e a Teia de Alcolumbre
As revelações mais chocantes vieram à tona a partir de uma matéria investigativa que expôs a alegada amizade íntima de Davi Alcolumbre com um indivíduo foragido e suposto membro do PCC, conhecido como “Beto Louco”, um empresário que, segundo a PF, atuava na lavagem de dinheiro para a facção.
O elo foi revelado em um contexto social. Beto Louco teria sido um dos convidados em uma festa na residência de Antônio Rueda, o presidente nacional do partido União Brasil. Esta menção ao União Brasil se torna crucial, pois lança uma sombra sobre o partido, que já enfrenta controvérsias significativas. Nomes como Rodrigo Bacelar, presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e figura proeminente no partido, foi alvo de prisão por suspeita de auxílio ao Comando Vermelho. O caso de TH Joias, envolvido em alegações de lavagem de dinheiro para a mesma facção, reforça a narrativa de que o União Brasil estaria no centro de uma união de interesses incomuns.
A imprensa tem sido criticada por uma suposta seletividade na “demonização” de partidos, destacando o contraste entre a forma como o Partido dos Trabalhadores (PT) é tratado e o tratamento dado a outras legendas, mesmo diante de alegações graves. O União Brasil, que abriga figuras como Kim Kataguiri e Sérgio Moro, é um amálgama de tendências políticas diversas, e a concentração de escândalos envolvendo seus membros mais influentes tem levado a questionamentos sobre a integridade do seu quadro. Alguns comentaristas, em tom de crítica ácida, sugerem que o nome da legenda poderia ser alterado para “União das Facções do Brasil”, tamanha a gravidade dos vínculos expostos.
No entanto, o ponto central da investigação contra Alcolumbre reside no que ficou conhecido como o “Caso Monjaro”. Em uma conversa durante a festa na casa de Rueda, Alcolumbre teria se queixado a Beto Louco sobre a dificuldade em obter o Monjaro. Para quem não está familiarizado, o Monjaro é um medicamento injetável para emagrecimento, muitas vezes apelidado de “Ozempic dos ricos” devido ao seu alto custo, que pode chegar a R$ 5.000 por caneta, e sua suposta eficácia superior com menos efeitos colaterais.
O detalhe explosivo é que, na época do diálogo, o Monjaro ainda não estava regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no Brasil, sendo, portanto, uma substância ilegalmente comercializada e tratada como um produto de contrabando. A obtenção de tal medicamento envolvia, necessariamente, o mercado clandestino e vias de importação ilícitas.
As investigações da Polícia Federal conseguiram interceptar e, posteriormente, confirmar, conversas cruciais. Na mesma noite em que Alcolumbre manifestou sua dificuldade, Beto Louco teria instruído seu motorista, por meio de mensagens, a providenciar a entrega das canetas de Monjaro, que chegariam de avião a Brasília. A familiaridade entre o motorista de Beto Louco e Alcolumbre era notória, com o motorista se referindo ao senador apenas como “Davi”.
No dia seguinte, após a entrega, o motorista de Alcolumbre enviou uma mensagem ao motorista de Beto Louco, confirmando o recebimento: “Já tá entregue, tá? Já tá recebido aqui. Até já falei com o com o Davi, o senador já tá sabendo também, já tá comigo, então considere entregue.” A resposta de Beto Louco, “Obrigado, irmão, abração, tem uma boa noite,” sela a transação. O que se desenha é um cenário em que um traficante, no sentido mais amplo – um indivíduo que lava dinheiro para uma facção criminosa e que agora estaria fornecendo um medicamento ilegal de alto custo – faz negócios diretos com o Presidente do Congresso Nacional.
Mais tarde, descobriu-se que Alcolumbre estaria usando o Monjaro não apenas para uso pessoal, mas como uma “moeda de troca” em Brasília. Naquela época, ele ainda articulava sua candidatura à presidência do Senado, e a distribuição das canetas de alto valor e difícil acesso entre os senadores era uma forma de “agrado”, uma tática de toma lá, dá cá para angariar votos e apoio. O que estava em jogo, portanto, não era apenas um ato isolado de contrabando, mas a instrumentalização de um item de luxo e ilegal para influenciar o resultado de uma das votações mais importantes do Congresso. O cerco da PF, com base em conversas e testemunhos confirmados pelos próprios motoristas, sugere que o desespero de Alcolumbre para indicar um Ministro do STF para protegê-lo é mais do que justificável.
Parte II: Cláudio Castro e a Manobra do Diário Oficial
O pânico em Brasília e no Congresso encontra seu eco no Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro. A atenção da Polícia Federal se voltou também para o Governador Cláudio Castro (PL), que foi citado na decisão do Ministro Alexandre de Moraes que culminou na prisão de Rodrigo Bacelar. A citação indica que o governador pode ser o próximo alvo das investigações.
O contexto envolve a prisão de TH Joias, à época deputado estadual (segundo suplente que havia assumido o cargo), sob acusação de lavagem de dinheiro para o Comando Vermelho. Quando um parlamentar é preso, a Constituição exige uma votação na Assembleia Legislativa para decidir se a prisão será mantida ou revogada. Esta votação estava marcada para os dias seguintes.
A ameaça de um desgaste político gigantesco para Cláudio Castro era iminente. Havia duas saídas desfavoráveis:
Se a Alerj salvasse TH Joias: O Governador, aliado pessoal do deputado, sofreria um desgaste enorme, sendo acusado de cumplicidade com a facção criminosa.
Se a Alerj mantivesse a prisão: A medida sinalizaria um corte abrupto dos vínculos de agentes públicos com o Comando Vermelho, o que poderia prejudicar outros aliados políticos de Castro que tivessem tais laços.
Diante desse dilema, Cláudio Castro optou por uma manobra de emergência. Às pressas, no mesmo dia da prisão de TH Joias, ele assinou um despacho para que fosse publicada uma edição extra do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro.
A edição extra de um Diário Oficial é um procedimento raro, reservado para decisões urgentes ou de importância crucial que não podem esperar a publicação regular do dia seguinte. No caso de Castro, era uma decisão urgente e importante: a exoneração do então secretário Pisani.
O raciocínio por trás da exoneração é um intrincado jogo político:
Pisani era secretário de Castro, mas era o primeiro suplente do deputado estadual Otone de Paula Pai, que havia falecido.
Com Pisani como secretário (não exercendo o mandato de deputado), TH Joias, que era o segundo suplente, subiu na linha de sucessão e assumiu o mandato.
Ao exonerar Pisani, Cláudio Castro forçou seu retorno imediato à Assembleia Legislativa, reassumindo seu cargo como deputado.
Com o retorno de Pisani, TH Joias perdeu automaticamente o mandato (voltando à condição de segundo suplente).
Ao perder o mandato, TH Joias deixou de ser um parlamentar, e a necessidade da votação para manter ou revogar sua prisão na Alerj foi eliminada. A jogada foi um xeque-mate político: Castro evitou o desgaste de uma votação polêmica, livrando-se tanto da pecha de salvador de criminoso quanto da pressão de ter que cortar laços com aliados de facções. O governador preferiu sacrificar a estabilidade de um secretário para proteger sua própria imagem política, especialmente mirando sua futura candidatura ao Senado.
Alexandre de Moraes não deixou o ato passar. Em sua decisão, o Ministro cita a manobra, afirmando que ela foi realizada “para evitar desgaste”, e ordena à Polícia Federal que investigue todos os atos que levaram à edição extra do Diário Oficial. A PF agora tem a tarefa de rastrear cada detalhe: quem escreveu o despacho, qual conta de usuário acessou o sistema, quem deu a ordem e o horário exato da decisão, feita às pressas na noite da prisão.
A ironia não passou despercebida: o Governador Cláudio Castro havia declarado publicamente, dias antes, que “não há núcleo político das facções criminosas no Rio de Janeiro”. Menos de 48 horas depois, a decisão judicial que aponta Bacelar como aliado do Comando Vermelho e a manobra forçada de seu próprio governo para proteger sua imagem demonstram o oposto, expondo, segundo os investigadores, o governador como peça-chave de uma complexa articulação.

Conclusão: O Pavor de uma Nova Onda de Exposição
A convergência de provas no “Caso Monjaro” e a manobra no Rio de Janeiro pintam um quadro sombrio da política nacional. O desespero não se restringe a Alcolumbre e Castro; ele se espalha pela cúpula do União Brasil e do Congresso Nacional.
A principal apreensão nos bastidores é a de que esta série de investigações, conduzida com rigor pela Polícia Federal e sob a supervisão do STF, se transforme em uma “nova Lava Jato”. No entanto, é crucial distinguir a natureza das operações. Enquanto a Lava Jato original foi criticada por uma suposta seletividade com foco em um espectro político (PT, Lula), as atuais investigações, segundo analistas, visam expor de forma abrangente o envolvimento de líderes de diferentes partidos com o crime organizado, focando na intersecção entre o poder público e as facções criminosas.
A Polícia Federal está determinada a obter todas as provas contra os envolvidos. O uso de intercepções telefônicas, testemunhos e a análise forense de atos administrativos (como a edição extra do Diário Oficial) demonstram uma metodologia robusta e inquestionável. Os próximos meses prometem ser cruciais. Se as evidências se consolidarem, o Brasil pode testemunhar a prisão de figuras políticas de altíssimo escalão, numa exposição que finalmente revelará a extensão da corja que, segundo os críticos, se instalou no centro do poder. O cerco está se fechando, e o país aguarda para ver quais serão as próximas peças gigantes a cair.