CAPÍTULO 1: O Plano de 2027 Desmantelado no STF
O cenário político brasileiro, já notoriamente complexo, vive um momento de articulações nos bastidores que parecem desmantelar o xadrez do ex-presidente Jair Bolsonaro. O plano de longo prazo da ala bolsonarista era obter uma maioria sólida no Senado Federal até 2027, um poder legislativo que, na visão de seus estrategistas, seria utilizado para impor limites e, se necessário, buscar o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
No entanto, essa estratégia audaciosa encontrou um obstáculo já na sua fase inicial, vindo de uma canetada do ministro Gilmar Mendes. O ministro proferiu uma decisão que elevou a barra para o processo de impedimento de membros da corte máxima do país, estabelecendo que a destituição só poderia ocorrer com o voto de dois terços do Senado – uma maioria de 54 dos 81 senadores – e que, inicialmente, apenas o Procurador-Geral da República (PGR) teria a prerrogativa de solicitar tal medida.
Essa determinação gerou um forte descontentamento na cúpula do Congresso Nacional, especialmente no então presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Alcolumbre, que via o poder do Senado ser cerceado em um tema de alta relevância, expressou sua insatisfação, preparando o terreno para uma batalha política.
É neste ponto que entra em campo um dos indicados do atual governo para o STF: o então Advogado-Geral da União, Jorge Messias. Em um movimento que revelou a sagacidade do atual governo, Messias interpôs um recurso contra a decisão de Gilmar Mendes. Em vez de confrontar diretamente a medida, o recurso focou em um detalhe crucial: a exclusividade do PGR para iniciar o processo.
Gilmar Mendes acatou parcialmente o recurso de Messias. A nova modulação manteve o requisito de dois terços (54 votos) para a aprovação do impeachment, mas permitiu que “qualquer cidadão” pudesse dar entrada no pedido, removendo a exclusividade do PGR.

Apesar de parecer uma concessão, o resultado final foi interpretado como uma vitória estratégica para o governo e para Messias. Ao manter o quórum de 54 votos, Mendes assegurou a blindagem institucional do STF. Para Davi Alcolumbre e o Senado, representou um revés. Embora o ministro tenha recuado na questão do PGR, a manutenção do quórum superqualificado significou, na prática, uma diminuição das prerrogativas e do poder de barganha do Senado, pois a articulação necessária para atingir 54 votos se tornou exponencialmente mais complexa.
O fato de Messias ter sido o articulador do recurso, obtendo um resultado positivo para a estabilidade institucional, colocou Alcolumbre em uma situação desconfortável. O presidente do Senado, que vinha tentando barrar a indicação de Messias ao STF, viu o próprio indicado do governo obter um ganho político que, indiretamente, o enfraquecia, demonstrando um “drible” do Planalto.
CAPÍTULO 2: O Drible de Mestre e o Constrangimento de Alcolumbre
A tentativa de Davi Alcolumbre de barrar a nomeação de Jorge Messias ao STF resultou em um dos episódios mais constrangedores da política recente. O senador, com a intenção de acelerar a sabatina de Messias e criar um ambiente de pressão para sua rejeição, agendou a sessão. No entanto, o Palácio do Planalto, ciente da articulação, usou a burocracia a seu favor: o governo demorou a enviar a notificação oficial, a carta do Presidente da República ao Senado com a indicação formal.
Sem o documento oficial, Alcolumbre foi forçado a cancelar a sabatina, sofrendo um constrangimento público e sendo criticado por parlamentares. O que era para ser uma demonstração de força do Senado contra o governo tornou-se uma exibição da fragilidade da presidência da Casa. Alcolumbre reagiu com irritação, classificando a manobra como “grave e inaceitável”.
No entanto, o cerne do problema para o grupo político ligado ao ex-presidente não reside apenas na disputa com o STF ou com o governo. A verdadeira crise se manifesta nas fileiras internas, onde a unidade ideológica desmorona diante dos interesses eleitorais e da necessidade de sobrevivência frente às investigações.
CAPÍTULO 3: A Lei da Dosimetria e a Ameaça de Flávio Bolsonaro
A pressão por uma Lei de Dosimetria de Pena ou, em sua versão mais radical, uma Lei de Anistia, tornou-se o principal instrumento de negociação e coesão na direita e no Centrão. O projeto, que visa estabelecer parâmetros para a diminuição de penas, é visto por muitos como um mecanismo indireto para aliviar a situação legal de figuras ligadas ao bolsonarismo.
Neste caldeirão de tensões, o Senador Flávio Bolsonaro lançou uma cartada de alto risco ao anunciar uma pré-candidatura à Presidência da República. Embora a candidatura seja amplamente vista como uma estratégia de barganha, sua ameaça foi explícita e poderosa: ele prometeu usar a plataforma da campanha para “queimar todas as pontes” com os aliados da direita e do Centrão que se opusessem aos interesses da família, especialmente no que tange à dosimetria ou à anistia.
O recado era claro: “Eu posso não ser eleito, mas garanto que vocês também não serão.”
Essa ameaça surtiu efeito imediato. Os parlamentares do Centrão, que já se articulavam para lançar candidaturas próprias e forçar o apoio de Flávio em um eventual segundo turno, perceberam o risco de uma implosão do campo da direita. O medo de se tornarem alvos de ataques implacáveis durante um ano eleitoral fez com que a pauta da dosimetria fosse acelerada na Câmara dos Deputados e, subsequentemente, no Senado.
CAPÍTULO 4: A Traição Silenciosa: A Escolha do Relator
A verdadeira fissura no projeto bolsonarista se revelou na escolha do relator do projeto de dosimetria no Senado. Este relator, que terá o poder de moldar o texto e usará a função como uma poderosa vitrine eleitoral em 2026, é um posto cobiçado. A expectativa era que fosse um aliado incondicional e sem pretensões concorrenciais contra os filhos do ex-presidente.
No entanto, o Senado escolheu Esperidião Amin (PP-SC).
Para observadores da política interna, a escolha de Amin foi um ato de traição silenciosa e calculada. Amin é um nome de peso em Santa Catarina e um concorrente direto de Carlos Bolsonaro para uma das duas vagas ao Senado pelo estado. Carlos, que já havia sido indicado pelo pai para disputar a vaga, viu em Amin um obstáculo intransponível.
A briga é estratégica: com três candidatos de direita disputando duas vagas (Carlos Bolsonaro, Esperidião Amin e Caroline de Toni, que também é uma aliada bolsonarista), os votos seriam fatalmente divididos, arriscando a eleição de todos. Amin, ciente do embate, já sinalizou que, se for preterido ou traído, explodirá qualquer articulação com o Partido Liberal (PL) de Bolsonaro.
A escolha de Amin, portanto, é a prova de que o Centrão e uma parte da direita estão dispostos a priorizar seus próprios projetos eleitorais, mesmo que isso signifique minar as ambições políticas da família Bolsonaro. Para eles, a aprovação de “qualquer coisa” que mantenha a narrativa de defesa do ex-presidente – como a dosimetria – é suficiente para mobilizar a base radical sem, contudo, dar palanque para um adversário direto.
O movimento coloca Amin em uma “saia justa” política. O senador, que agora precisa defender a dosimetria publicamente, pode ser penalizado pela base bolsonarista por não ter aprovado a anistia total – o desejo da base radical. Parlamentares da direita já expressaram o sentimento de que estão “sequestrados” pela pauta da anistia, dispostos a aprovar a dosimetria apenas para tirar o tema da frente e se livrar da pressão da base e dos apelos da família Bolsonaro.
O consenso, na cúpula do Centrão e em parte da direita, parece ser: manter a figura em xeque e usar a aprovação de uma medida intermediária, como a dosimetria, para se eleger, alegando que fizeram o que era “possível”.
CAPÍTULO 5: O Desespero e a Corrida Contra o Tempo de 2027
A disputa interna e o caos político são, em última análise, sintomas de um desespero crescente entre a cúpula do Legislativo. Investigações se aprofundam, e a perspectiva de que aliados de peso, e até mesmo eles próprios, sejam alcançados pela Justiça é real.
A grande preocupação desse grupo é que as operações policiais e os desdobramentos judiciais atinjam seu auge no próximo ano eleitoral, com os crimes “frescos” na memória do eleitor.
A estratégia final, portanto, passa pela eleição de um Presidente de extrema direita ou de direita radical em 2027. Nomes como Tarcísio de Freitas, Jorginho Mello ou Ronaldo Caiado, que se perfilam como candidatos do “centro democrático” pela imprensa, são vistos, na realidade, como peças-chave da extrema direita para barrar as investigações a partir de 2027.
O desespero em torno da dosimetria e a traição na escolha do relator são, assim, duas faces da mesma moeda: de um lado, a necessidade de dar uma resposta à base eleitoral do ex-presidente; de outro, a urgência em defender seus próprios mandatos e evitar a implosão política, mesmo que para isso seja necessário trair o plano maior da família Bolsonaro.
O xadrez se inverteu: o ex-presidente, que desejava usar o Senado para minar o STF, agora é refém das articulações de um Senado dividido que, na luta pela própria sobrevivência, não hesita em apunhalar seus próprios aliados para se proteger de um futuro incerto e, para muitos, sombrio.