A capital federal, Brasília, tornou-se palco de um intenso clima de apreensão e expectativa após a deflagração de uma megaoperação da Polícia Federal (PF) que mirou pessoas próximas a figuras proeminentes do cenário político nacional. A operação, conduzida sob a supervisão do então Ministro da Justiça, Flávio Dino, focou em uma assessora com laços profundos e diretos com o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. O cerne da crise reside na apreensão do telefone celular dessa assessora, um dispositivo que, segundo informações dos bastidores, pode conter o “mapa” completo de um dos mais controversos esquemas de distribuição de recursos públicos dos últimos anos.
O que torna essa situação particularmente explosiva é a confirmação de que as investigações não são fruto apenas de uma apuração de rotina. Elas foram impulsionadas por nada menos que seis delações de parlamentares que, munidos de informações privilegiadas, procuraram a Polícia Federal. Essas revelações lançam luz sobre um complexo sistema de destinação de verbas e indicam um nível de envolvimento de aliados políticos que até então era apenas especulado. A magnitude da crise é tal que o clima de pânico se instalou, forçando a reconfiguração de estratégias e a antecipação de movimentos no tabuleiro político.
A história dessa assessora, cujo nome é Mariângela Fialc, confunde-se com a própria história do chamado “orçamento secreto” ou “Bolsolão”. Embora a imprensa, em um primeiro momento, a tenha tratado como “ex-assessora”, sua influência e proximidade com o ex-presidente da Câmara permanecem inegáveis. Ela deixou um cargo lotado no gabinete de Lira para ser promovida a uma posição estratégica no Partido Progressista (PP), legenda da qual Lira é a principal liderança na Câmara. Essa transição apenas reforçou seu papel central, conferindo-lhe uma remuneração maior e mantendo-a, de fato, como uma auxiliar de extrema confiança.
Mariângela Fialc: A “HD” dos Segredos do Orçamento
Em Brasília, Mariângela Fialc era conhecida nos corredores do poder como o verdadeiro “HD” — a memória viva, o arquivo central — do esquema de distribuição de recursos, que ficou popularmente conhecido como “Bolsolão” e foi amplamente operacionalizado via “orçamento secreto”. A analogia com o disco rígido de um computador é precisa: ela detinha o conhecimento minucioso de todas as operações, repasses e destinos das verbas.
A operação da Polícia Federal foi meticulosamente planejada, abrangendo tanto sua residência quanto o gabinete de liderança do Partido Progressista na Câmara dos Deputados. Este último espaço é, na prática, considerado uma extensão, um “puxadinho”, do próprio gabinete de Arthur Lira, pois é ele quem, em última instância, determina quem ali trabalha. A apreensão do seu celular de trabalho e de documentos é vista como um golpe devastador, pois as informações contidas nesses dispositivos podem fornecer a prova material necessária para confirmar os relatos dos delatores.

A operação não buscou apenas o acesso ao destino final do dinheiro, mas também o mapeamento do fluxo de poder: quem dava as ordens e quem as executava. Mariângela Fialc, ao que tudo indica, era a ponte operacional. Os parlamentares que buscavam enviar dinheiro para suas bases, por meio das emendas de relator (RP9) — a espinha dorsal do orçamento secreto —, não tratavam apenas com o líder máximo, mas tinham que recorrer a ela para dar o “encaminhamento” às suas solicitações. Ela era a responsável por definir para qual cidade ou projeto a verba seria direcionada.
A Revelação dos Seis Parlamentares e a Motivação Política
Inicialmente, circulavam rumores de que três parlamentares haviam deposto contra Arthur Lira. No entanto, o número real revelou-se ser o dobro: seis congressistas forneceram detalhes à Polícia Federal sobre o suposto esquema de desvio de dinheiro público. Esses depoimentos foram cruciais para a PF dar o passo seguinte e focar na assessora.
A lista dos parlamentares que se apresentaram inclui nomes de diferentes espectros políticos, o que demonstra a amplitude da insatisfação com a gestão do orçamento secreto. Entre eles estão:
Glauber Braga (PSOL-RJ): Conhecido por seu embate ideológico com Lira, sendo o seu depoimento considerado o mais contundente.
José Rocha (União Brasil-BA)
Adriana Ventura (Novo-SP)
Fernando Marangoni (União Brasil-SP)
Dr. Francisco (PT-PI)
Senador Cleitinho (Republicanos-MG): Representante da ala mais conservadora do Congresso.
É importante notar que, para esses parlamentares, não se trata de uma delação premiada em busca de benefícios legais. Na maioria dos casos, a motivação parece ser política: a luta contra um adversário de peso e a disputa por espaço de poder. Ao oferecer seus relatos à Polícia Federal, eles não precisaram apresentar as provas de imediato; em vez disso, indicaram o “caminho das pedras”, o rastro que a PF deveria seguir para coletar o material probatório. Esse caminho levou diretamente ao celular de Mariângela Fialc.
O Exemplo Chocante dos R$90 Milhões e a Discrepância na Gestão Pública
O depoimento que mais chamou a atenção dos investigadores foi o do deputado Glauber Braga. Ele detalhou uma operação particularmente questionável: o envio de R$90 milhões em emendas para uma única cidade em Alagoas que possui apenas cerca de 70 mil habitantes. A denúncia apontou que, ao visitar a cidade, não era possível encontrar obras que justificassem um volume de investimento tão colossal.
Para se ter uma ideia da desproporção dessa verba, basta um exercício de comparação: enviar R$90 milhões para uma cidade de 70 mil habitantes é o equivalente, em termos proporcionais, a destinar cerca de R$15 bilhões para São Paulo ou R$10 bilhões para o Rio de Janeiro. São montantes que transformariam a infraestrutura de qualquer metrópole. Em uma cidade pequena, R$90 milhões seriam suficientes para pavimentar integralmente vias, modernizar a iluminação pública com tecnologia LED em toda a área urbana e realizar inúmeras obras de grande porte. A ausência de resultados visíveis corrobora a tese de que uma parcela substancial desses recursos pode ter sido desviada.
Braga e outros parlamentares apontaram que, embora uma parte menor da verba, cerca de R$19 milhões, pudesse ser rastreada publicamente, o restante (a maior parte) estava envolto no sigilo do orçamento secreto, tornando o rastreamento quase impossível sem uma investigação profunda.
A Mecânica do Orçamento Secreto: O Sequestro da Verba e a Impunidade
O esquema que está sob investigação remonta ao período em que Arthur Lira presidiu a Câmara, durante o governo anterior. O sistema consistia no que se pode chamar de um “sequestro” do Orçamento da União, permitindo que o presidente da Câmara controlasse uma fatia bilionária da verba pública para distribuição discricionária.
Esse mecanismo funcionava como uma poderosa ferramenta de barganha política. Em momentos cruciais de votação no Congresso, Lira alegadamente procurava os deputados e senadores, oferecendo emendas robustas — 30 milhões, 50 milhões, 100 milhões — em troca de votos. O ponto nevrálgico desse sistema era a opacidade: como o orçamento era secreto, não era possível saber qual parlamentar havia de fato enviado o dinheiro para qual município.
Essa falta de transparência, segundo a acusação, abria uma “liberdade” quase total para o desvio e a corrupção. Emendas nominais, onde o parlamentar é identificado, já são alvos de desvios por superfaturamento de obras e cobrança de propinas, como evidenciado em áudios públicos de familiares de políticos cobrando “cortes” de prefeitos. Em um cenário de verba secreta, a impunidade se multiplicava. O dinheiro caía na conta dos municípios como um “Pix” sem remetente claro. A ausência de rastreabilidade do parlamentar financiador garantia que apenas o prefeito fosse responsabilizado, desviando o foco da investigação do verdadeiro mentor da operação. O resultado era o desvio de uma fatia majoritária — estima-se que 80% ou 90% — da verba destinada.
A Virada de Chave: A Responsabilidade do Operador e a Ação de Flávio Dino
A linha de raciocínio que a Polícia Federal, sob o comando de Flávio Dino, parece estar seguindo é de extrema importância legal e política. Se é impossível identificar o parlamentar que solicitou a verba — porque o orçamento é secreto —, a responsabilidade deve recair sobre quem operava o esquema. Arthur Lira, por meio de sua assessora, era o responsável pela assinatura e distribuição dessas emendas bilionárias. Portanto, a lógica jurídica sugere que ele deve ser responsabilizado por qualquer irregularidade ou desvio cometido com esse dinheiro. Não importa se a execução ficou a cargo de um parlamentar; o mentor e autorizador do fluxo deve ser responsabilizado.
Essa abordagem marca uma mudança em relação a episódios anteriores. Em uma investigação passada envolvendo assessores de Lira, o caso acabou arquivado. O então presidente da Câmara foi salvo por uma decisão que alegou que a operação, embora contra seus auxiliares, deveria ter tramitado no Supremo Tribunal Federal (STF) desde o início, por atingir indiretamente uma autoridade com foro privilegiado. Naquela ocasião, as provas coletadas foram anuladas.
Desta vez, a situação é diferente. O inquérito já está nas mãos de Flávio Dino no STF. Não há mais desculpas processuais para anular as provas. O caminho está aberto para que a PF avance. Fontes próximas à investigação sugerem que a apreensão do celular da assessora é apenas a primeira etapa de uma escalada. A próxima fase da operação, de acordo com essa expectativa, poderá ser um passo direto contra Arthur Lira, dada a solidez das denúncias e a nova estratégia de responsabilização adotada pelo Ministério da Justiça.
O Pânico Generalizado e a Importância da Ação em Ano Eleitoral
O temor se espalha pelas hostes do grupo político envolvido porque eles perceberam que Flávio Dino não pretende ser um expoente da “esquerda derrotista”, que historicamente evita grandes operações em períodos eleitorais sob a alegação de não usar os mesmos métodos dos adversários. A crença disseminada é que as operações devem ocorrer quando necessárias, inclusive na proximidade das eleições.
O argumento é simples e direto: o povo precisa ter a memória fresca e precisa do máximo de informação possível antes de ir às urnas. Se a Justiça e a Polícia Federal esperam o ano eleitoral passar, os políticos investigados ou acusados têm tempo de usar o dinheiro supostamente desviado — já separado em “caixa” para isso — para a compra de votos. A corrupção, nesse sentido, é um ciclo vicioso: o dinheiro roubado da educação e da saúde é usado para desinformar a população e para, literalmente, comprar seu voto, mantendo o esquema no poder.
A mobilização da PF neste momento é, portanto, vista não apenas como um ato de justiça, mas como uma estratégia para proteger o processo eleitoral. Se a população tivesse acesso a uma educação de excelência e a um alto nível de politização, a venda de votos por pequenas quantias seria inaceitável, como em muitas democracias avançadas. No Brasil, contudo, a pobreza e a desinformação criadas pelo sistema corrupto tornam o eleitor vulnerável.
O que se espera, agora, é que a Justiça mantenha o ritmo. O contraste entre as operações “cinematográficas” do passado contra a esquerda — com imagens marcantes que se fixaram na memória popular e criaram narrativas políticas — e a discrição adotada em muitos casos contra a direita tem sido alvo de críticas. A sociedade clama por operações isonômicas, com o mesmo rigor e transparência para todos, de modo que a memória dos atos de corrupção permaneça viva e influencie a escolha dos eleitores.
Conclusão: Um Novo Capítulo se Abre em Brasília
A apreensão do celular da assessora de Arthur Lira, ocorrida, de maneira curiosa, no dia do seu aniversário — o que facilitará à PF identificar todos os parlamentares que a contataram com cumprimentos e, possivelmente, com “negócios” —, marca um ponto de virada definitivo. As seis delações de parlamentares de diversos partidos forneceram a base, e a determinação de Flávio Dino forneceu o motor.
O pânico em Brasília é justificado. Pela primeira vez em muito tempo, o principal operador de um esquema bilionário de orçamento secreto enfrenta um inquérito sólido, já ancorado no Supremo Tribunal Federal e livre dos artifícios legais que o salvaram no passado. As informações contidas no celular apreendido são a chave para desvendar por completo a teia de desvios e responsabilidades. A expectativa, agora, é que o rigor da lei seja aplicado e que as investigações continuem a avançar, sem pausas ou recuos, independentemente do calendário eleitoral, para que a memória da corrupção não se apague e o voto não seja vendido.