O Jogo de Poder e a Reação Sísmica no Centro-Direita
O cenário político brasileiro foi sacudido por uma movimentação que, para muitos analistas, está muito além de uma simples definição de chapa: a potencial indicação do Senador Flávio Bolsonaro para encabeçar uma chapa presidencial em 2026. A notícia, que veio à tona em meio a crescentes tensões internas no clã, não apenas redefiniu o mapa da direita, mas também expôs a fragilidade de alianças e o alto custo da lealdade.
O que o ex-presidente Jair Bolsonaro buscou com a “unção” de seu filho primogênito? Para a analista Dani Lima, o anúncio não é um ponto final, mas sim uma estratégia multifacetada com três implicações imediatas e profundas. Primeiro, a manobra provoca uma divisão acentuada no “Centrão”, a massa crítica de partidos que historicamente pende para o lado do poder. Em segundo lugar, e talvez o ponto mais explosivo, a jogada é vista como um freio de mão imposto à crescente proeminência e ambição política da ex-Primeira Dama, Michelle Bolsonaro. E, por fim, o anúncio funciona como um mecanismo para adiar ao máximo a decisão final sobre o futuro político do Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
A escolha por um nome com o sobrenome Bolsonaro para a cabeça da chapa, embora fortaleça a base ideológica mais radical, comprovadamente estreita o arco de alianças. As pesquisas mais recentes têm apontado para um aumento significativo na rejeição ao clã, fator que afasta partidos cruciais do Centro e Centro-Direita, como o MDB e o PSD. Estes grupos temem que a vinculação direta à família possa custar-lhes vitórias em pleitos estaduais e a capacidade de dialogar com o eleitorado independente.
Abertura Para os ‘Outsiders’ e a Fratura no Centrão
A exclusão (mesmo que temporária) do Governador Tarcísio de Freitas do posto de “escolhido” é a melhor notícia para os chamados “outsiders” da direita. Nomes como Ronaldo Caiado (governador de Goiás, hoje no União Brasil) e Ratinho Júnior (governador do Paraná, no PSD) veem um horizonte de oportunidade se abrindo. O nome que se esperava ser o unificador do Centrão, da Centro-Direita e da direita — Tarcísio de Freitas — foi colocado em xeque.
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Se Flávio Bolsonaro mantiver a pré-candidatura, Tarcísio se veria forçado a disputar a lealdade do bolsonarismo com o próprio clã. A aposta, compartilhada por marqueteiros e estrategistas, é que o Governador não fará isso. Com uma reeleição praticamente garantida no estado de São Paulo, ele priorizaria o mandato estadual a uma disputa de risco, onde teria que provar ser “mais Bolsonaro que o Bolsonaro”. É, nas palavras de um profissional de mercado, um “movimento político de curto alcance” — uma tentativa de conter danos internos e manter a relevância, mas com pouca sustentação eleitoral de longo prazo.
A Tragédia Política de Tarcísio e a Lealdade de Alto Custo
A situação de Tarcísio de Freitas é, para o jornalista Léo Sakamoto, tingida de tristeza e frustração. O governador de São Paulo, considerado o queridinho do mercado e o preferido da Faria Lima, pagou um preço político altíssimo para se consolidar como o herdeiro natural do bolsonarismo. Ele se tornou, nas palavras do analista, um “alinhado total” ao padrinho político, adotando posturas que contrastam com sua origem técnica e perfil moderado.
Para se consolidar como leal e fiel, Tarcísio questionou a credibilidade do sistema de justiça, atacou publicamente o Supremo Tribunal Federal e chegou a usar termos pesados para se referir a ministros, incitando, em certos momentos, seus apoiadores mais radicais contra as instituições democráticas. Ele o fez mesmo sendo visto por parte da imprensa e do mercado como um moderado, ignorando que o efeito prático de suas ações, e não suas intenções originais, era o que realmente importava. Para Tarcísio, a aposta era clara: alinhar-se radicalmente em troca do passaporte para 2026.
A unção de Flávio, contudo, o coloca fora do páreo e o deixa em uma situação política delicada. A data limite para a desincompatibilização de cargos (4 de abril de 2026) está se aproximando. Tarcísio precisa de tempo para organizar sua vida política e, crucialmente, sua sucessão em São Paulo, onde ainda não possui um vice ou herdeiro natural consolidado. Março é visto como o prazo final para uma decisão. Se a “jogada” do clã se mantiver, Tarcísio teria, simbolicamente, “xingado” autoridades e vestido o boné da extrema-direita em vão.
O Freio de Mão em Michelle Bolsonaro
A principal leitura dentro do Palácio do Planalto e de parte do Centro é que a indicação de Flávio é primariamente um recado direto a Michelle Bolsonaro. A ex-primeira-dama, com o apoio declarado de figuras importantes como Valdemar da Costa Neto (presidente do PL), vinha ganhando proeminência e destaque na discussão sobre os rumos do partido.
O clã estava, de fato, em dissensão interna. Conflitos recentes no Ceará expuseram a divisão entre os filhos (Flávio, Eduardo e Carlos) de um lado, e Michelle de outro. Ao “ungir” Flávio, Jair Bolsonaro envia uma mensagem clara: “Acalmem-se. Se for para escolher alguém da família, não será a Michelle.” Essa movimentação visa centralizar o poder de decisão nas mãos do ex-presidente, literalmente organizando a “própria casa” e segurando a onda de todas as outras figuras, incluindo Tarcísio.
Mercado Treme, Política Aguarda o ‘Decantar’
A reação do mercado financeiro à notícia foi imediata e negativa. O dólar disparou e a bolsa de valores registrou queda. A Faria Lima, núcleo financeiro de São Paulo, ficou descontente com a exclusão de seu “preferido”, Tarcísio de Freitas, e com a instabilidade gerada pela possível candidatura de Flávio. A divisão da Centro-Direita e do Centrão ampliam, na visão do mercado, a possibilidade de uma reeleição de Luís Inácio Lula da Silva em 2026, cenário que gera incerteza para parte do empresariado.
No campo político, a palavra de ordem é “esperar decantar.” Presidentes de partidos de Centro encaram a jogada como temporária. Acreditam que o objetivo é, por enquanto, organizar o clã, frear as ambições de Michelle e Tarcísio, e manter a decisão final sobre o destino da direita e do Centro-Direita nas mãos do próprio Jair Bolsonaro. É uma jogada para ganhar tempo e negociar com mais força no futuro. A questão que permanece é: Tarcísio de Freitas terá a paciência de esperar até Março do ano eleitoral?
O Que Está Realmente em Disputa: Influência e Poder
Mais do que a liberdade do ex-presidente ou a eleição de 2026, o que está em disputa é o controle da direita no Brasil. Se Jair Bolsonaro transferisse seu destino político integralmente para Tarcísio de Freitas, ele correria o risco de transferir, junto, sua influência e poder. Na política, como na monarquia, quando o rei abdica ou perde a perspectiva de poder e passa a coroa, aqueles que a recebem não têm obrigação de obedecer o rei deposto, apenas de honrar sua memória.
Ao passar a coroa para o filho, Jair Bolsonaro busca manter o poder dentro do clã familiar, garantindo a continuidade de sua influência e, talvez, aumentando as chances de ter seu destino pessoal alterado antes do prazo. No entanto, o desafio de Flávio Bolsonaro é hercúleo:
Agrupamento da Direita: Ele terá que aglutinar a própria direita, que já se mostra fraturada, e neutralizar os outsiders que crescem na ausência de um nome unificador.
Conquista do Centro: Precisará obter o apoio de parte do Centrão, que está visivelmente irritado com a jogada e dividido entre apoiar o clã ou se aliar a Lula.
O Fantasma das Denúncias: Flávio ainda precisa deixar para trás o fantasma das denúncias de peculato, desvio de verba e outras investigações, um peso que continua girando em torno de seu nome e de sua equipe.
Convencer o Independente: Por fim, terá que convencer o público independente, aquele que não se vê nem no petismo nem no bolsonarismo, de que ele é a solução para os problemas do país.
Se a manobra do clã é apenas uma forma de empurrar a discussão para a frente ou um ponto final nas ambições de Tarcísio e Michelle, apenas o tempo dirá. Por enquanto, o xadrez da direita brasileira está mais complexo do que nunca, com cada peça buscando a melhor posição para o grande jogo de 2026. A incerteza paira, mas a mensagem é clara: o poder e a influência não serão transferidos sem uma intensa e dramática batalha interna.