Se há uma palavra que define a essência de Narcisa Tamborindeguy, é incomparável. Ela é um paradoxo ambulante, um ícone da internet, uma fábrica de memes e, acima de tudo, uma mulher de uma profundidade surpreendente que transcende o rótulo fácil de “socialite” — um título que, aliás, ela prontamente rejeita. Em uma entrevista eletrizante e cheia de revelações com Pedro Bial no Conversa com Bial, Narcisa abriu o jogo sobre sua vida multifacetada, suas loucuras inesquecíveis e o lado sério que poucos conhecem. O resultado é um retrato de resiliência, humor e autenticidade.
Por Trás do “Ai, Que Loucura!”: A Acadêmica, a Advogada e a Filantropa
Quase todos a conhecem pelo seu entusiasmo contagiante e pelo bordão que se tornou marca registrada, “Ai, que loucura!”. No entanto, Narcisa é muito mais do que a persona pública. É um detalhe que surpreende a maioria: ela é formada em Jornalismo e Advogada, tendo sido aprovada no rigoroso exame da OAB. Além disso, aprimorou seus estudos em negócios em Nova York. Longe dos holofotes e das festas, há outra faceta ainda mais nobre de sua vida: a filantropia. Narcisa é a responsável pela manutenção de um orfanato que acolhe cerca de 300 crianças em Caxias, na Baixada Fluminense.

A autenticidade é tamanha que até mesmo o convite para a entrevista gerou desconfiança. Narcisa, em sua descrição como uma pessoa “desconfiadíssima,” ou o que antigamente se chamava de cabreira, pensou que era um trote, mesmo após uma pré-entrevista presencial de horas. Ela precisou de uma confirmação de um amigo em comum. Esse é o espírito: sempre agitada desde menina, uma cascuda que mal consegue acreditar na sorte ou na verdade por trás da próxima esquina.
Uma Infância de Cinema e Uma Morte Precoce
A infância de Narcisa, passada em um Rio de Janeiro de Copacabana que já não existe mais, foi marcada por um glamour singular. Ela e sua família residiram no icônico Copacabana Palace enquanto seu apartamento no Edifício Chopin não ficava pronto.
A família Tamborindeguy era sinônimo de garra e trabalho. Seu pai, Mário Tamborindeguy, engenheiro e político (deputado federal por quatro vezes), foi responsável por obras grandiosas como as estradas Rio-Teresópolis e Rio-Bahia. Sua mãe, Alice Saldanha, era administradora de empresas.
Narcisa era a melhor aluna na escola. Ela estudou no Chapeuzinho Vermelho, ao lado de Cazuza, de quem era amiga. Ela sempre tirava notas 10, mesmo em matérias difíceis como Matemática — Química era o seu único inferno, algo que ela “odiava”. Ela se recorda do professor Jofre, que já sabia que um 10 só poderia ser dela. Curiosamente, ela sentia até vergonha de tirar notas máximas, temendo a raiva dos colegas.
No entanto, a agitação da vida social viria a acompanhar uma perda precoce. Seu pai, Mário, morreu muito cedo, aos 60 anos, quando Narcisa tinha apenas 12 anos. A dor da perda, antes de sua adolescência, foi profunda: “Eu amava ele, fazia tudo para mim.” A ausência de um pai tão amoroso e presente certamente moldou a jovem Narcisa, que hoje vive em um bairro que ele ajudou a construir a história.
Sobrevivência e Boas Maneiras à Suíça
Sua natureza agitada não se restringia à escola. Durante o tempo que morou no Copa, ela aprontava “tudo e mais um pouco”. Ela aprendeu a nadar na piscina do hotel, mas sua verdadeira paixão era o mar. Tornou-se uma nadadora exímia, indo com a irmã e um salva-vidas para alto mar todas as manhãs. Esse talento não ficou só no lazer: ela já salvou várias pessoas de afogamento em frente ao seu prédio, tirando-as da água antes mesmo que o helicóptero de resgate chegasse.
A história mais selvagem de sua vida aquática envolve um helicóptero. Contrariando os boatos de que pulou, ela na verdade se desequilibrou. Durante um voo, enquanto se alongava no esqui do helicóptero, ela acabou voando para fora, pendurada. “Meu Deus, o que que tá acontecendo?”, pensou. Um amigo a resgatou, jogando-a no mar, de onde ela nadou até a areia, se salvando. “Eu sou cascuda. Eu só tô aqui, eu só tô viva por uma casa. Já era para ter morrido há muito tempo”, afirma com um sorriso que desafia a morte.
Quando adolescente, foi enviada para uma escola na Suíça para estudar línguas e, ironicamente, “boas maneiras”. Ela rapidamente desmente o mito da etiqueta suíça: “As pessoas lá não têm boa maneira. Tudo mentira esse negócio que todo mundo lá tem boa maneira. Tinha príncipe, princesa, cada um mais louco do que o outro.” Narcisa foi expulsa da escola, trocando os estudos por um chalé de amigos para esquiar. Foi lá que aperfeiçoou seu esqui, chegando a esquiar ao lado de celebridades como Jack Nicholson, que ela descreve como o melhor esquiador e um “doidaço e maravilhoso”.
O Lado Sério da Vida e o Legado de Alice
Apesar da imagem de espontaneidade e agitação, Narcisa sempre teve um lado sério e engajado. Ela é admiradora da música de Cazuza, especialmente Burguesia, e reconhece a crítica social, mas frisa que ela é uma “burguesia que cheira bem” — a perfume, para ser exato.
Ela também ressalta o trabalho de sua irmã, Alice, que foi deputada federal por seis vezes e criou a Lei da Dependência Química, que visa educar nas escolas sobre o mal das drogas. Narcisa reconhece que o uso de substâncias era comum em sua época e geração, mas sem o conhecimento do mal que causavam, e que essa lei é crucial para a conscientização. Questionada sobre seguir a política, sua resposta é imediata: “Eu não tenho paciência.” Ser política requer engolir “muito sapo”, e ela já engole o suficiente na vida.
De Advogada Competente a Ícone da Mídia
Como advogada, Narcisa era muito competente e justa, trabalhando inclusive como assistente em inglês e no Brasil. Ela largou a carreira, mas manteve o espírito de luta em outras frentes. Sua entrada definitiva no universo da comunicação se deu com a ajuda de sua grande amiga, a inesquecível Glória Maria.
As duas eram inseparáveis, viajando o mundo, vivendo aventuras e até mesmo aprontando. Narcisa revela uma história hilária: em Paris, as duas tentaram mudar a idade em seus passaportes no consulado, pedindo “10 a menos” para cada uma. O embaixador, surpreso, negou o pedido, mas a tentativa revela o espírito jovem e audacioso da dupla, que se uniu por um laço de profunda amizade. Narcisa confessa que Glória Maria tinha a maior paciência com ela, sempre a chamando com carinho: “Naná, não faz isso. Vamos, Naná, se arruma, Naná.”
Seu status de celebridade lhe rendeu encontros inusitáveis. O mais memorável, e que ela considera o auge de sua história, foi em um voo no icônico Concorde, de Paris a Nova York. Sentado no avião, estava Michael Jackson, que na época (antes da pandemia) já usava máscara e estava com 20 crianças e seis secretários. Narcisa descreve o cantor como um “amor”, com quem conseguiu conversar e até mesmo combinar um dia de encontro em Nova York. Infelizmente, na época não havia iPhones, e ela não conseguiu tirar nenhuma foto para registrar o momento.
O Amor, a Sobriedade e a Fé no Destino
A vida de Narcisa também foi marcada por casamentos e namoros com figuras notáveis, como Bob Sinatra, filho de Frank Sinatra, com quem namorou em Nova York. Questionada sobre o amor, ela hoje exibe uma perspectiva madura e independente. Depois de dois casamentos e vários namorados, ela afirma que prefere a companhia dos seus amigos, como seu parceiro e amigo Pedro (que a chama de “xará” e estava na plateia).
Outro ponto de virada fundamental em sua vida foi a sobriedade. Narcisa parou de beber há muitos anos, graças a Deus, pois estava ficando dependente e esquecendo objetos de valor em lugares inusitados, como bolsas de grife no lixo das boates. Foi uma decisão que tomou por si mesma e conseguiu manter.
Em um momento de reflexão profunda, Narcisa expressa sua crença no destino. Para ela, seu destino é ser feliz, vir ao mundo para ajudar o próximo, assim como Santo Agostinho, e fazer as pessoas mais felizes do que já são. Ajudar é um princípio central, o que se manifesta em seu trabalho com o orfanato e em sua filosofia de vida: o mal volta, por isso devemos fazer o bem.
Ela exemplifica esse desapego com uma história inacreditável: a perda de um bilhete premiado da loteria. Ela deixou os bilhetes na sala e, dias depois, descobriu que um motorista de sua ex-babá havia pego o bilhete vencedor e retirado o prêmio. O homem só lhe deu uma quantia pequena, mas ela reflete: ele “já perdeu tudo porque ele é quem faz mal. O mal vem”.
A Mãe Coruja e o Gênio da Família
Em meio a toda a sua “loucura”, reside um amor inabalável e um orgulho imenso por suas filhas, especialmente Mariana. A jovem, que as filhas veem como “cansada” de tanta agitação, é um verdadeiro gênio. Mariana não apenas se formou, mas também foi aprovada para o doutorado em Global Mental Health na prestigiosa Kings College, a Universidade do Rei, em Londres.
Narcisa, a mãe coruja, insiste em falar sobre o sucesso acadêmico da filha, chegando a escrever o nome da especialidade na mão para não esquecer — um ato que Bial descreve como uma declaração de amor. Mariana, por sua vez, tenta fazer a mãe parar de falar “bobagem”, mas Narcisa a compara a Freud.
O momento mais tocante da entrevista é a leitura de um trecho de uma carta que Mariana escreveu, datada de 2007, que ainda vale. A carta descreve Narcisa como uma mãe autêntica, cuja complexidade a torna inadequada ao estereótipo de “mãe comum”, transformando suas filhas em “filhas diferentes”. A carta revela a profunda análise que a filha fez da mãe, percebendo que Narcisa é tão generosa que é capaz de abrir mão de tudo o que ama e gostaria de ter para que outra pessoa o tenha. Essa é a essência do destino de Narcisa: dar, amar e ajudar.
O legado de Narcisa se estende a uma nova geração com a chegada de seu neto, Bento (filho de sua outra filha, Catarina), que tem três anos. Ela o ama profundamente, mima-o e o deixa fazer tudo, já que as outras “chatinhas não deixam”.
Do Copacabana Palace para o mundo, Narcisa Tamborindeguy é uma força da natureza. Ela registrou e patenteou seu bordão e é uma estrela que brilha intensamente, seja falando com Madonna da janela (que a respondeu com um aceno), seja salvando vidas no mar, ou financiando o futuro de 300 crianças. Ela é uma jornalista, advogada, mãe, avó e, acima de tudo, um símbolo de que a verdadeira riqueza está na autenticidade e na generosidade.