
“Vou tocar-te em todo o lado,” disse o homem da montanha à sua noiva gordinha e aterrorizada. O que ele realmente fez. “Leva-a se ainda a quiseres,” zombou o homem, atirando o seu charuto para a lama. “Ninguém mais a vai querer. É demasiado grande para qualquer homem a sério.”
A multidão à porta da pequena igreja do Colorado explodiu em gargalhadas. Penélope “Penny” Harrison ficou congelada ao pé dos degraus, as bochechas a arder sob o seu véu de renda. O seu vestido de noiva, demasiado apertado, demasiado branco, agarrava-se ao seu corpo trémulo como uma piada cruel. A mão do seu pai apertou o seu braço com força suficiente para deixar nódoas negras.
“Vais casar com ele, Penny,” sibilou. “É o único homem disposto a salvar esta família. Não me vais humilhar hoje.” A porta da igreja abriu-se e Garrett Blackwood saiu. Era mais alto do que qualquer homem que ela alguma vez tivesse visto. De ombros largos, marcado pelo clima, os seus olhos de um azul glacial penetrante, um silêncio ondulou através da multidão.
Ele não sorriu, não se inclinou, simplesmente disse: “Vamos.” O estômago de Penny revirou-se. Queria correr, mas o rosto banhado em lágrimas da sua mãe deteve-a. Assim, seguiu o estranho que acabara de comprar a sua liberdade e o seu futuro numa troca fria. Horas depois, a carroça traqueteava por um caminho solitário em direção à natureza selvagem.
Os pinheiros fechavam-se à sua volta como muros, o ar espesso de silêncio. Penny juntou as mãos sussurrando uma oração. Conseguia sentir os olhos dele sobre ela, medindo, ilegíveis. Quando chegaram à cabana ao entardecer, o céu a sangrar laranja atrás dos picos, Garrett desmontou e disse com aquela voz profunda e deliberada: “Entra, falaremos depois.”
Mas o depois chegou mais cedo do que ela esperava. Ele fechou a porta, enfrentou-a através da luz do fogo e disse palavras que congelaram o sangue nas suas veias. “Penny, vou tocar-te em todo o lado.” O fogo crepitou, o vento da montanha uivou lá fora e o batimento cardíaco dela abafou tudo o resto. Por um longo momento, Penny só pôde olhar fixamente para ele, o seu pulso a martelar contra a seda da sua garganta.
As chamas tremeluziam através do rosto de Garrett Blackwood, projetando linhas agudas sobre a sua mandíbula, a cicatriz ténue que traçava pela sua bochecha como um segredo que o mundo tentara apagar. As palavras dele ecoavam na sua mente. “Vou tocar-te em todo o lado.” Ela recuou aos tropeços, agarrando a bainha rasgada do seu vestido de noiva. “Por favor, não!”, sussurrou.
A sua voz quebrou-se como madeira seca. “Eu farei o que quiseres, só não me magoes.” O sobrolho de Garrett franziu-se. Para um homem conhecido através das montanhas pela sua compostura, o terror dela perturbou-o. Então, quando a compreensão amanheceu, a sua expressão suavizou-se. “Penny,” disse em voz baixa, o seu tom despojado de comando.
“Isso não é o que eu quis dizer.” Deu um passo em frente, lento o suficiente para que ela visse as suas mãos, grandes, marcadas, vazias, levantarem-se num gesto de paz. “Tens estado a tremer desde o momento em que desceste dessa carroça. Estás pálida e não comes desde o amanhecer. Estás no frio há horas.”
Os lábios dela separaram-se, confusão a substituir o medo. Ele acenou para a lareira. “Tens arranhões nos braços, terra na bochecha e estás a coxear. Quis dizer que vou examinar-te para ter a certeza de que não estás ferida.” A sua voz baixou para algo quase terno. “Nunca poria uma mão numa mulher sem a sua permissão, nem mesmo na minha esposa.” A palavra “esposa” sentiu-se estranha na sua língua, mas menos como uma corrente quando ele a disse.
Garrett passou por ela, mantendo a sua distância, e agarrou uma manta de lã dobrada de um baú de cedro. “Senta-te,” disse gentilmente. Quando ela não se moveu, acrescentou: “Por favor.” Penny sentou-se. Ele ajoelhou-se à frente dela, não se elevando sobre ela, não a reclamando, mas firme e cuidadoso, enquanto alcançava uma bacia de água morna.
Mergulhou um pano nela e começou a limpar a terra e as agulhas de pinheiro das mãos dela, nunca olhando mais alto do que os seus pulsos. “Porquê?”, perguntou ela finalmente, com voz pequena. Ele fez uma pausa. “Porque alguém deveria ter-se preocupado contigo muito antes de eu o fazer.” Nessa noite, Garrett cozinhou estufado enquanto ela se sentava em silêncio, ainda a tremer. A cabana era austera, mas sólida, paredes de madeira talhada, um tapete de pele de urso, prateleiras de ervas e ligaduras.
Era o lar de um curandeiro, não de um eremita. Quando ela perguntou sobre isso, ele apenas disse: “Velhos hábitos. Uma vez fui médico.” Penny estudou-o por cima da borda da sua tigela. A luz do fogo capturou a tristeza enterrada profundamente nos seus olhos e, pela primeira vez desde que o conheceu, percebeu que sob a calma estoica havia um homem que tinha conhecido a perda.
Mais tarde, quando a neve começou a cair contra os vidros das janelas, Garrett apontou para o pequeno quarto fora da sala principal. “Dormirás ali. O fogão mantém-no quente.” “E tu?”, perguntou ela. Ele encolheu os ombros. “A cadeira junto ao fogo servirá.”
Antes de apagar a lanterna, acrescentou: “Estás a salvo aqui, Penny, prometo-te.” Enquanto jazia na cama nessa noite, enrolada na grossa manta de lã que ele tinha deixado para ela, ouviu o suave ritmo da respiração dele do quarto contíguo. O medo, que uma vez tinha sido uma tempestade dentro do seu peito, começou finalmente a acalmar-se.
Mas no fundo não pôde deixar de se perguntar: quem era o homem que tinha escolhido viver sozinho numa montanha? E por que olhava para ela como se fosse algo frágil que valia a pena salvar? A manhã chegou suavemente sobre as montanhas, pintando os montes de neve fora da cabana de Garrett de dourado. Penny acordou com o cheiro a café e o som de botas a moverem-se através do chão de madeira.
Por um breve segundo que parou o seu coração, esqueceu onde estava. Então, os eventos do dia anterior regressaram. A traição do pai, o casamento apressado, a longa escalada em direção à natureza selvagem e o homem que tinha prometido não a magoar. Sentou-se. O seu vestido de noiva estava pendurado numa cadeira ainda húmido de neve derretida.
Uma saia de lã limpa e uma blusa estavam dobradas cuidadosamente ao seu lado, juntamente com uma nota escrita numa letra surpreendentemente elegante. “O pequeno-almoço está no fogão. Voltarei depois de verificar as armadilhas. Não saias sem botas. G.” Lá fora o vento uivava através das árvores, mas lá dentro a cabana era quente e firme.
Penny envolveu-se num xaile e olhou em redor apropriadamente pela primeira vez. Tudo estava construído com propósito. Prateleiras robustas, ferramentas polidas pelo uso, pilhas de madeira cortada junto à porta. Não era o lar de um homem rico, mas era um lar talhado de disciplina e cuidado. Quando Garrett regressou, com neve incrustada nos ombros, ela estava a mexer a panela no fogão.
“Estás acordada,” disse ele simplesmente, pendurando o casaco junto ao fogo. “Encontrei a comida,” respondeu ela. “Espero que não te importes.” Ele abanou a cabeça. “És minha esposa, come quando precisares.” A palavra “esposa” fez com que as bochechas dela aquecessem de novo. Soava estranha, mas não cruel, a forma como ele a dizia.
Mais como um facto do que como uma reivindicação. Comeram juntos em silêncio. Penny notou como ele observava o mundo mais do que falava, os seus olhos sempre a examinar através da janela em direção à linha das árvores, como se carregasse um peso invisível. Ela queria perguntar, mas não o fez. Depois do pequeno-almoço, ele atrelou a mula e disse-lhe: “Vou mostrar-te o caminho. Precisas de saber onde estão a nascente e o fumeiro, caso eu não esteja.”
Penny seguiu-o para o frio. A floresta estendia-se interminavelmente. O céu uma ampla tigela cinzenta. Ela lutava para manter o ritmo, o fôlego saindo branco. Garrett abrandou sem comentar, encurtando a passada até que ela pôde caminhar ao seu lado.
“Este é o riacho,” disse, apontando para uma fita de água meio congelada sob uma fina crosta de gelo. “Podes encher baldes aqui, mas mantém-te perto do caminho. Os lobos rondam mais abaixo no inverno.” Os olhos dela arregalaram-se. “Lobos?”, perguntou. “Não te incomodarão,” disse ele. “Não se mantiveres a tua lanterna acesa.” Passaram o dia a recolher lenha, a limpar neve do telhado e a reparar cercas à volta do pequeno curral de cabras.
Os músculos de Penny gritavam, mas ela recusou-se a queixar. Quando tropeçou, Garrett esteve lá instantaneamente, a sua mão firme no cotovelo dela. Aquele toque, breve, firme, respeitoso, enviou um calor estranho através do seu peito. Não era desejo, era segurança. Quando regressaram, o crepúsculo tinha pintado as montanhas de violeta. Garrett hesitou ao entrar.
Sacudindo neve da barba. Ela riu-se suavemente sem querer e ele olhou para ela com surpresa silenciosa. “O quê?”, perguntou ela. “Primeira vez que te ouço rir,” disse ele. “Fica-te bem.” O coração dela agitou-se. “Não me lembro da última vez que tive razão para o fazer.” Ele assentiu lentamente. Olhos pensativos. “Talvez possamos mudar isso.”
Nessa noite, enquanto o fogo crepitava, Penny cosia costuras rasgadas no seu vestido enquanto Garrett trabalhava a talhar um pedaço de madeira. Ela percebeu que ele não estava a talhar ferramentas, estava a dar forma a pequenos animais delicados e precisos. “És um artista,” murmurou. “Só um homem que teve demasiados invernos longos,” respondeu.
Mas ela viu a verdade nos olhos dele. Havia gentileza ali enterrada profundamente sob as cicatrizes. Quando finalmente foi para a cama, ouviu-o a murmurar uma oração silenciosa perto da lareira. Uma voz enrouquecida por anos de solidão a pedir graça. Lá fora, a neve continuava a cair, envolvendo a cabana em silêncio branco.
Lá dentro, dois estranhos partilhavam os frágeis inícios da confiança, nascida não da paixão, mas da paciência. E pela primeira vez, desde que deixou a sua casa, Penny sentiu a mais pequena faísca de algo em que não se atrevia a acreditar há anos. As semanas que se seguiram caíram num ritmo tranquilo, o tipo de vida que Penny nunca tinha conhecido antes, simples, sem pressa, mas cheia de momentos que pareciam perdurar.
A neve lá fora cresceu mais espessa, abafando cada som, exceto o crepitar do fogo e o suave tintinar de colheres em tigelas. Todas as manhãs Garrett levantava-se antes do amanhecer. Penny acordava com o aroma de fumo de lenha e o golpe surdo do machado dele lá fora. Através da janela fosca via-o com a cabeça descoberta apesar do frio, o fôlego a formar névoa no ar, os seus movimentos firmes e seguros enquanto partia troncos.
Às vezes ele apanhava-a a olhar e levantava uma mão em saudação silenciosa antes de levar a madeira para dentro. Sempre guardava um tronco para ela, suave, sem nós, leve o suficiente para que ela pudesse praticar parti-lo ela mesma. “Todos deveriam saber como fazer o seu próprio fogo,” dizia, “Mantém-te vivo.” A primeira vez que ela balançou o machado, este prendeu desajeitadamente a meio do tronco.
Os braços dela tremeram, as bochechas arderam de vergonha. Garrett não disse nada, apenas colocou as mãos sobre as dela, guiou o movimento e juntos baixaram o machado limpamente. O tronco partiu-se com um estalo satisfatório. “Aí,” disse suavemente. “Tu fizeste isso.” Ninguém tinha falado com ela assim antes, não como se fosse indefesa, mas como se fosse capaz.
Aquele momento simples permaneceu com ela mais tempo do que qualquer elogio. Dentro da cabana, Penny começou a deixar a sua marca, esfregou as prateleiras, remendou cortinas e substituiu mantas ásperas de lã por tecido macio que ela própria costurou. Até convenceu algumas flores a crescer em pequenos vasos de barro perto da janela.
Quando Garrett entrou numa tarde, as sobrancelhas dele levantaram-se ligeiramente. “Parece diferente,” disse. “Mais quente,” corrigiu ela com um pequeno sorriso. Ele assentiu olhando em redor. “Também se sente assim.” Comiam juntos todas as noites. Garrett não era um homem falador, mas Penny aprendeu os seus silêncios, a forma como ouvia com pequenos acenos, o leve curvar de um sorriso quando ela lhe contava histórias da sua cidade natal.
Ela notou as coisas que ele fazia em vez de dizer: deixar uma manta extra junto à cama dela, afiar as tesouras de costura dela, arranjar a dobradiça solta do baú dela sem que lho pedissem. Uma tarde, quando uma tempestade uivava lá fora, Garrett apanhou-a a olhar para o fogo, perdida nos seus pensamentos. “Sentes falta deles?”, perguntou em voz baixa. “Da minha família,” disse ela, “às vezes, mas sobretudo sinto falta de quem eu pensava que eles eram.” Ele não disse nada durante um longo tempo.
Então murmurou: “As pessoas mostram a sua verdade quando o dinheiro ou o orgulho estão em jogo. Não é tua culpa vê-los melhor do que são.” Havia algo na voz dele que lhe disse que falava por experiência. Mais tarde nessa semana, Penny descobriu um velho caderno de esboços metido numa das gavetas debaixo da cama. Dentro havia desenhos precisos, elegantes, de plantas, anatomia humana, até ferramentas médicas. Era a letra de Garrett nas margens: ligamento, fémur, cavidade torácica.
“Foste médico,” disse nessa noite segurando o livro. Ele levantou a vista de reparar um arnês, olhos distantes. “Há muito tempo.” “O que aconteceu?” A mandíbula dele tensou-se. “Falhei. A minha esposa e o nosso filho. A febre levou-os antes que eu pudesse detê-la. Tentei salvá-los e não consegui. Depois disso não pude suportar estar perto de pacientes nunca mais.”
“Cada vida que tocava só me lembrava dos que perdi.” O coração dela doeu por ele. “Mas salvaste-me a mim,” disse suavemente. Isso fê-lo parar. “Talvez seja por isso que estás aqui,” admitiu. “Talvez ambos estivéssemos destinados a ter outra oportunidade.” Os olhos deles encontraram-se, os dele cheios de velha dor, os dela com algo novo e frágil.
Pela primeira vez, Penny não desviou o olhar. A neve caiu mais espessa enquanto o inverno se aprofundava. Os dias esbateram-se num ritmo constante de trabalho e companhia silenciosa. Garrett ensinou-lhe como rastrear pegadas na neve, como dizer as horas pelo sol, como talhar formas simples de madeira.
Penny, por sua vez, ensinou-lhe como rir de novo sobre pão queimado, costura desajeitada e a forma como o cabelo dele se espetava todas as manhãs. Uma noite, enquanto reparava uma colcha rasgada, a mão dela roçou na dele. O contacto foi breve, mas enviou um choque através de ambos. Garrett congelou. Então, lentamente, virou a palma para segurar a dela.
O polegar dele traçou um círculo leve sobre a pele dela. Gentil, incerto. “Estás a tremer,” murmurou. “Tu também,” sussurrou ela de volta. Ele sorriu então, um sorriso real, quente e sem guardas. “Talvez isso não seja tão mau.” Lá fora, o vento gritava através das árvores, mas lá dentro a cabana brilhava com luz de fogo e algo ainda mais forte.
Confiança, frágil, mas crescente, tremeluzindo como a chama que se recusava a morrer. Pela primeira vez, Penny não se sentiu como um fardo ou uma negociação. Sentiu-se desejada, não pelo que devia, não por como se via, mas pela forma silenciosa como encaixava no mundo dele. E em algum lugar profundo dentro dela, sabia que, qualquer que fosse o futuro, nunca mais seria a menina assustada vendida para salvar o nome de uma família.
Estava a tornar-se algo mais, alguém amado. A primavera chegou lentamente às montanhas, tímida e cautelosa, como um estranho a bater a uma porta fechada. A neve derreteu em riachos que cantavam através dos pinheiros e o vale abaixo encheu-se de névoa. Pela primeira vez, Penny pôde abrir as janelas da cabana e cheirar algo mais do que fumo e seiva de pinheiro, o aroma de terra a descongelar e a doçura ténue de flores silvestres. O estado de espírito de Garrett, no entanto, mudou com a estação.
Trabalhava horas mais longas, desaparecia por meio dia na floresta e quando regressava havia uma distância nos olhos que a assustava. À noite, quando ela perguntava se algo estava errado, ele simplesmente abanava a cabeça e dizia: “Não precisas de te preocupar com isso.” Mas Penny preocupava-se sim.
Já tinha aprendido que os silêncios de Garrett não nasciam da indiferença, eram muros construídos de culpa e hábito, e esses muros estavam a erguer-se de novo. Uma tarde, enquanto varria perto da secretária junto à janela, Penny notou um envelope metido sob uma pilha de velhos livros médicos. Estava dirigido a “Garrett Blackwood, MD”, escrito com uma letra feminina delicada. O selo de cera estava quebrado.
Contra o seu melhor julgamento, abriu-o e a respiração prendeu-se. A carta era de uma mulher chamada Eleanor Finch, a viúva de um capataz mineiro na vila. Dizia: “Garrett, o Conselho da Vila votou para reabrir a clínica. Ainda precisamos de um médico. As pessoas confiam em ti. Sempre confiaram. Sei que disseste que nunca voltarias, mas este lugar está a morrer sem as tuas mãos. Por favor, reconsidera. Tua, Eleanor.”
Penny dobrou a carta com dedos trémulos. Algo dentro do peito dela contorceu-se. Não ciúmes, mas medo. Deixá-la-ia ele? Nessa noite esperou até que ele regressasse de colocar armadilhas.
Parecia exausto, neve a polvilhar os ombros, os olhos ensombrados pelo pensamento. “Alguém te escreveu,” disse ela cuidadosamente. “Da vila.” Ele congelou a meio do passo, o rosto ilegível. “Leste-a?” “Eu não quis.” Gaguejou. “Estava aberta.” “Está tudo bem,” interrompeu, mas o tom era plano. Sentou-se pesadamente na cadeira junto ao fogo a olhar para as chamas.
“Eleanor Finch quer que regresses para ser médico de novo,” sussurrou Penny. Ele assentiu uma vez. “Precisam. Metade do vale está doente nesta altura do ano e eu…” esfregou uma mão pela cara. “Poderia ajudá-los.” “Então, porque não o fazes?” A mandíbula de Garrett apertou-se. “Porque a última vez que tentei ajudar alguém, morreram. A minha esposa, o meu filho.”
“Entendes o que é segurar as pessoas que mais amas e perceber que as tuas mãos são o que as matou?” Penny aproximou-se. “Não os mataste. Fizeste tudo o que pudeste.” A voz dele endureceu. “Isso não muda o facto de que se foram.” O silêncio encheu o quarto, espesso e frágil como cristal.
Finalmente, Penny disse suavemente: “Talvez por isso me tenhas encontrado, porque precisavas de aprender que a cura não vem apenas da medicina, às vezes vem de ser amado de novo.” Ele levantou a vista, então realmente a olhou e algo se quebrou atrás dos olhos. “Não devias amar-me, Penny. Estou partido de formas que não podem ser arranjadas.” Ela abanou a cabeça.
“Então, deixa-me ser aquela que não tenta arranjar-te, apenas ficar.” Antes que ele pudesse responder, o som de cascos destroçou a quietude lá fora. Os instintos de Garrett aguçaram-se. Agarrou a espingarda e foi à porta. Através do crepúsculo a cair, uma figura aproximava-se a cavalo, um homem alto com um casaco escuro e uma insígnia prateada a brilhar no peito. O xerife desmontou lentamente.
“Boa tarde, Blackwood,” chamou. “Lamento incomodar-te, mas tenho um mandado para revistar a propriedade. Há rumores na vila de que tens estado a albergar uma mulher fugitiva, uma casada.” O sangue de Penny gelou. “Não,” sussurrou. Os olhos do xerife estreitaram-se quando a viu à porta.
“Bem, maldita seja, a senhora Penélope Harrison. Pensei que o seu marido em Denver estaria muito preocupado com a sua noiva desaparecida.” Garrett deu um passo em frente, voz como aço. “Já não é esposa dele, não por escolha, não por lei.” “Isso é para um juiz decidir,” respondeu o xerife. O coração de Penny bateu com força enquanto Garrett se punha à frente dela, protegendo-a da linha de visão do homem.
“Não a levarás a lado nenhum,” disse Garrett. “Garrett,” sussurrou ela agarrando a manga dele. “Por favor, não.” Ele não olhou para trás. “Disseste uma vez que eu era médico, mas esta noite sou algo mais.” Levantou a espingarda o suficiente para que a luz do fogo brilhasse no cano. “Sou o marido dela.” O xerife hesitou, olhos a moverem-se entre a arma e o homem a segurá-la. O vento da montanha gritava entre eles, trazendo o aroma de neve e fumo.
E nesse momento, Penny percebeu. O homem que uma vez prometera tocá-la em todo o lado não era um monstro, era um escudo e estava pronto para lutar contra o mundo inteiro para a manter a salvo. O vento lá fora uivava como algo vivo, sacudindo as contraventanas e arremessando neve através das fendas na porta.
O xerife estava de pé no alpendre, botas a ranger contra o gelo, a mão a descansar perto do coldre na anca. Garrett não se imutou. A sua espingarda permaneceu firme, a luz do fogo a refletir-se no cano de aço. “Garrett Blackwood,” disse o xerife uniformemente.
“Sabes que ameaçar um oficial da lei pode levar-te à prisão? Não tornes isto mais difícil do que tem de ser.” A voz de Garrett era baixa, calma, mas cada sílaba ardia com convicção silenciosa. “Subiste esta montanha com mentiras. Vieste aqui para arrastá-la de volta para um homem que a comprou como gado. Não te deixarei.” O olhar do xerife deslizou para Penny, que estava a tremer atrás de Garrett.
“Senhora, virá comigo. O seu marido apresentou queixa. Diz que fugiu com este homem. Levou joias e dinheiro.” A respiração de Penny prendeu-se. “Isso não é verdade,” disse, a voz a quebrar. “Ele trancou-me. Ele… ele magoou-me.” Garrett deu um pequeno passo em frente, a postura como um muro de granito. “Ouviste-a, não vai a lado nenhum.”
A expressão do xerife suavizou-se ligeiramente, como se percebesse que isto não era apenas outro caso. “Blackwood, sabes como isto parece? Albergar a esposa de outro homem.” “Ela é minha esposa,” interrompeu Garrett bruscamente. “Casámos de boa fé. Tenho os papéis aqui mesmo.” Atirou um envelope desgastado para o alpendre, o conteúdo selado e assinado pelo secretário da vila.
O xerife olhou para ele, mandíbula a tensar-se. A lei era uma coisa, mas a verdade escrita em ambos os rostos era outra. Penny deu um passo em frente então, o medo engolido por algo mais feroz. “Xerife,” disse, voz a tremer mas clara, “não roubei nada. A única coisa que levei foi a minha liberdade e morrerei antes de a devolver.” Por um momento, ninguém se moveu.
A neve caía em flocos pesados, sibilando enquanto derretiam no telhado da cabana. Garrett baixou a espingarda lentamente. “Podes dizer a quem te enviou,” disse, “que se quiserem reclamá-la terão que subir esta montanha eles mesmos, mas se o fizerem, não a deixarão da mesma maneira.”
O xerife estudou-os por um longo momento, duas figuras paradas lado a lado, emolduradas pela luz trémula da lareira. Finalmente, suspirou, a luta a deixar os ombros. “Vocês os dois têm um inferno de sarilho lá em baixo,” murmurou. “Mas aqui em cima, talvez a lei não signifique tanto como o que é certo.” Voltou-se para o cavalo. “Não vi nada esta noite.”
Quando se afastou a cavalo, desaparecendo na neve, Garrett exalou pela primeira vez em minutos. As mãos tremeram enquanto deixava a espingarda de lado. Penny voltou-se para ele, lágrimas a correr pelo rosto. “Poderias ter sido morto,” sussurrou. Ele alcançou-a então, as mãos ásperas, mas gentis contra as bochechas dela. “Vales a pena morrer por ti,” disse simplesmente.
E antes que o medo ou a razão pudessem detê-la, Penny beijou-o, desesperada, a tremer mas segura. Não era o beijo de uma noiva assustada, era o beijo de uma mulher que finalmente tinha escolhido o seu próprio destino. Quando se separaram, o fogo crepitou suavemente, lançando faíscas para o ar. Garrett descansou a testa contra a dela e murmurou: “Agora estás a salvo, Penny.
Enquanto eu respirar, sempre o estarás.” Lá fora a neve continuava a cair, silenciosa, interminável, perdoadora. A tempestade passou ao amanhecer, deixando para trás um silêncio tão puro que se sentia sagrado. O mundo fora da cabana brilhava sob um véu fino de geada, cada ramo de árvore a reluzir como cristal.
Lá dentro o fogo tinha-se consumido baixo, mas o calor persistia. Suave, firme, vivo. Penny acordou primeiro. Garrett ainda dormia na cadeira junto à lareira. A cabeça inclinada, a espingarda apoiada contra o joelho. Mesmo em repouso parecia um homem a guardar algo precioso. Ela observou-o por um longo momento, o coração a inchar com gratidão e algo mais profundo. Paz. Levantou-se.
Silenciosamente envolveu um xaile à volta dos ombros e saiu lá para fora. O ar era frio o suficiente para picar os pulmões, mas a vista roubou-lhe o fôlego mais do que o frio. Debaixo dela, o vale estendia-se amplo e interminável, o fumo da vila distante a enroscar-se para cima como uma memória de que já não precisava.
Quando Garrett se juntou a ela, não falou no início, simplesmente parou ao seu lado, os ombros a roçarem-se. Então disse naquela voz baixa e grave que uma vez a tinha aterrorizado. “Já não tens medo.” Ela sorriu levemente. “Não me ensinaste que há uma diferença entre ser tocada e ser segurada, entre ser possuída e ser amada?”
A mão de Garrett encontrou a dela. “E o que sou eu para ti agora?” Penny olhou para ele. O homem que uma vez tinha sido o seu captor por circunstância, mas se tinha tornado o seu refúgio por escolha. “És o lar,” disse simplesmente. Ele beijou-lhe a testa, o hálito quente contra a pele dela.
“Então, suponho que nunca deixarei que este lar arrefeça.” O vento mudou, trazendo o aroma de pinheiro e promessa. Dentro da cabana, o fogo crepitou de volta à vida e duas sombras, já não estranhos, moveram-se juntas no seu resplendor. A montanha tinha guardado o seu segredo. O amor, silencioso e duradouro, tinha criado raízes ali.
Cada vez que escrevo histórias como esta, lembra-me que o amor não chega sempre da maneira que esperamos. Às vezes começa no medo, no silêncio, no mal-entendido. Mas quando a bondade cria raízes, pode converter até a cabana de montanha mais fria num lar. Se ainda estás a ouvir agora mesmo, diz-me, de onde no mundo estás a ouvir esta história. Porque sem importar a distância, histórias como esta conectam-nos.
E se ainda acreditas que o amor verdadeiro pode curar até as cicatrizes mais profundas, fica por perto. A próxima história estará à tua espera em breve.