
“Você pode tentar apenas uma vez, por favor? Eu pago qualquer coisa. Você pode amamentá-lo apenas uma vez?” O cowboy implorou, e a garota obesa segurou o bebê perto de si.
O mercado de sábado cheirava a pão fresco e crueldade. Norah arrumava os pães em sua mesa de madeira, mãos movendo-se rápidas e experientes. Os clientes compravam sem olhar para ela. Moedas caíam. Pão era levado. Sem contato visual. Sem agradecimento. Apenas silêncio.
Ela fazia isso há 6 semanas. Desde que seu marido morreu, desde que seu bebê nasceu azul e silencioso. Desde que a pensão a acolheu e chamou isso de caridade. Os outros vendedores não falavam com ela. Os clientes fingiam que ela não existia. Ela era invisível até o choro começar.
O lamento de um bebê cortou o barulho do mercado. Desesperado, morrendo. A multidão se abriu, um homem cambaleou para a praça, ombros largos, barba por fazer, olhos selvagens de exaustão. Sua camisa estava manchada de escuro. Suas mãos tremiam enquanto ele segurava um pequeno embrulho. O bebê tão pequeno, quieto demais.
“Por favor.” Sua voz falhou. “Alguém ajude. Ela não come. Três dias agora.”
Mulheres recuaram. Homens desviaram o olhar. O choro do bebê era apenas um sussurro.
“Onde está a mãe?” alguém finalmente perguntou.
O maxilar do homem se apertou. “Ela morreu no parto há 3 semanas.”
Suspiros ondularam pela multidão.
“Fui a todas as amas de leite em três condados. Todas recusaram.”
Perto da barraca de vegetais, duas mulheres sussurravam alto o suficiente para ser ouvido.
“Aquele é Thomas Hayes, o que socou o pregador. Entrou numa briga no salão semana passada. Ouvi dizer que ele tem um temperamento como fogo selvagem. Não consegue controlar. A esposa dele morreu porque ninguém quis ajudar. A cidade decidiu que ele não valia o problema. Agora ele espera que amamentemos o bebê dele depois do jeito que ele age.”
As mulheres se viraram. Outros seguiram. Thomas ouviu cada palavra. Seus punhos se fecharam. A raiva brilhou em seu rosto. Mas então ele olhou para sua filha, para sua pele cinza, sua respiração superficial, e a raiva desmoronou em luto.
“Por favor”, ele sussurrou. “Ela está morrendo. Eu não sei mais o que fazer.”
As mãos de Norah pararam sobre um pão. Ela viu o bebê tão pequeno, lutando. Ela viu sua própria filha, silenciosa em seus braços, morta antes mesmo de ter respirado.
A velha Martha, vendedora de ervas, deu um passo à frente. Ela apontou através da praça para Norah. “Aquela ali, a viúva, perdeu o próprio bebê há um mês. Ela pode ainda ter leite.”
Todas as cabeças se viraram. Thomas atravessou a praça, botas pesadas, desesperado. Ele parou na frente da mesa dela. De perto, ela podia ver a exaustão esculpida no rosto dele, a raiva mal contida, o luto afogando-o.
“Você pode amamentá-la apenas uma vez, por favor? Eu pago qualquer coisa.”
Norah olhou para o bebê moribundo. Antes que ela pudesse falar, risadas explodiram atrás dela. Três mulheres da pensão.
“A viúva gorda? Você está pedindo a ela? Ela não conseguiu nem manter o próprio bebê vivo. Construída desse jeito e ainda perdeu a criança. Ela é amaldiçoada. Talvez ela o tenha sufocado com todo esse peso.”
O mercado explodiu em risadas. Thomas girou em direção a elas. Seu punho se ergueu. Norah agarrou o braço dele.
“Não.”
Ele congelou. Olhou para ela. O braço dele tremia com violência mal controlada sob a mão dela.
“Elas não valem a pena”, disse ela calmamente.
Lentamente, o punho dele se abriu. Ele se virou para Norah. “Você vai ajudar?”
Ela olhou para o bebê, para os olhos desesperados de Thomas. “Eu moro na pensão, duas ruas adiante. Leve-a lá.”
O alívio tomou conta do rosto dele. “Você vai tentar.”
“Vou tentar.”
Thomas exalou como se estivesse prendendo a respiração por dias. “Obrigado.”
Atrás deles, os sussurros explodiram.
“Ela o está levando para o quarto dela. Solteira, sem vergonha, viúva gorda desesperada se jogando no primeiro homem que olha para ela.”
Norah não olhou para trás. Ela guardou seu pão não vendido e começou a andar. Thomas a seguiu de perto. Nos degraus da pensão, ele parou.
“Eu nem sei o seu nome.”
“Nora.”
“Thomas Hayes. Obrigado por não virar as costas.”
Lá dentro, as garotas da pensão observavam da porta da cozinha. Norah levou Thomas pelas escadas estreitas até seu quarto no sótão. Atrás deles, os sussurros seguiam.
“Dê uma hora. Ele vai descer sozinho. O bebê provavelmente vai morrer de qualquer jeito.”
Norah fechou a porta. O quarto dela era pequeno. Uma cama de solteiro, uma cadeira de madeira, um espelho rachado. Thomas estava no centro segurando sua filha, parecendo perdido.
“Sente-se”, disse Norah calmamente.
Ela pegou a cadeira. Thomas ajoelhou-se ao lado dela. Cuidadosamente, Norah pegou o bebê. Tão leve, leve demais. Os olhos do bebê estavam fechados, a respiração superficial. Norah desabotoou o vestido e levou o bebê ao seio. A princípio, nada aconteceu. O leite dela quase secara. A boca do bebê movia-se fracamente. Tentando, falhando.
“Vamos”, sussurrou Norah. “Por favor, tente.”
Então, finalmente, ela pegou e bebeu. Thomas fez um som. Meio soluço, meio suspiro.
“Ela está bebendo. Oh Deus, ela está bebendo.”
Lágrimas escorriam pelo rosto dele. Ele não as enxugou. As próprias lágrimas de Norah caíram silenciosas. Por 3 semanas, seu corpo produzira leite para um bebê que nunca beberia. Agora um bebê vivia por causa dela.
Thomas afundou no chão ao lado da cadeira. Seus ombros tremiam.
“Achei que a tinha perdido como perdi Sarah. Achei que Deus estava levando tudo.”
Norah não disse nada. Apenas balançou. Apenas deixou o bebê beber. Lá fora, o sol movia-se pelo céu. Lá dentro, três pessoas quebradas encontravam seu primeiro momento de paz.
Quando o bebê finalmente parou de beber, sua cor havia mudado. Rosa em vez de cinza, a respiração mais profunda. Thomas olhou para Norah.
“Você salvou a vida dela.”
Norah devolveu o bebê cuidadosamente. “Ela vai precisar comer de novo em algumas horas. Posso trazê-la de volta?”
Norah hesitou. A matrona da pensão ficaria furiosa. As garotas zombariam dela sem parar, mas o bebê estava vivo.
“Sim.”
Thomas levantou-se e aninhou a filha contra o peito. “Voltarei antes do pôr do sol.” Ele parou na porta. “Elas estavam erradas sobre você. As mulheres no mercado. Você não é amaldiçoada.”
Norah olhou para baixo. “Você não sabe disso.”
“Sim, eu sei. Porque minha filha está viva. E isso não é uma maldição. Isso é um milagre.”
Ele saiu. Norah sentou-se sozinha em seu pequeno quarto. Lá fora, ela podia ouvir as garotas da pensão rindo, fofocando, esperando que ela falhasse. Mas pela primeira vez em 6 semanas, Norah não se sentia impotente. Ela salvara uma vida hoje. E amanhã, Thomas Hayes voltaria. Não porque ele tinha que voltar, mas porque precisava dela. E talvez isso fosse o suficiente.
Thomas voltou ao pôr do sol. As garotas da pensão estavam reunidas na cozinha quando ele bateu. Batida urgente. Elas se espalharam para assistir pelas portas enquanto Norah atendia. Thomas estava na varanda, bebê nos braços. A filha dele parecia melhor. Bochechas rosadas. Choro mais forte.
“Ela está com fome de novo”, disse ele.
Norah olhou para as garotas observando das sombras, olhos aguçados, julgando. Ela deu um passo para o lado.
“Entre.”
Os sussurros começaram imediatamente.
“Segunda vez hoje. Isso é completamente impróprio. Ela está praticamente se jogando para ele.”
Norah levou Thomas para o andar de cima novamente. Cada passo parecia mais pesado sob o peso dos olhares delas. Em seu quarto, ela amamentou o bebê enquanto Thomas sentava no chão de costas contra a parede.
“Preciso te pedir uma coisa”, disse ele calmamente.
Norah olhou para cima.
“Venha para o meu rancho apenas por algumas semanas até que ela esteja mais forte. Eu pagarei salários adequados. Darei a você seu próprio quarto.”
As mãos de Norah pararam.
“Thomas, eu não consigo mais fazer isso sozinho. Cavalgando aqui duas vezes por dia. O rancho está caindo aos pedaços. Não durmo mais de uma hora por vez desde que Sarah morreu.” A voz dele falhou ao dizer o nome da esposa. “Preciso de ajuda. Não só com ela, com tudo.”
Norah olhou para o bebê mamando contente. “A cidade vai falar.”
“Eles já estão falando. Vai piorar.”
“Não me importo mais com o que eles dizem”, Thomas inclinou-se para a frente. “Minha esposa morreu porque esta cidade decidiu que eu não valia a pena ajudar. Eles podem pensar o que quiserem. Estou te pedindo. Você vem?”
Norah pensou em seu quarto no sótão. A zombaria, a solidão. Ela pensou em não ter outro lugar para ir.
“Eu vou.”
Os ombros de Thomas caíram de alívio. “Obrigado.”
Na manhã seguinte, Norah arrumou sua pequena mala, um vestido extra, a escova de cabelo da mãe, uma Bíblia. As garotas da pensão alinharam-se no corredor enquanto ela descia as escadas.
“Indo brincar de casinha com o rancheiro zangado. Ele vai te mandar de volta em uma semana. Garotas gordas sempre são mandadas de volta.”
A matrona apareceu da cozinha. “Você vai embora então?”
“Sim, senhora.”
“Você deve três meses de aluguel e alimentação. 50 dólares.”
O estômago de Norah caiu. Ela havia esquecido a dívida. “Eu pagarei quando puder.”
“Você pagará agora ou ficará até trabalhar o suficiente para pagar.”
Thomas apareceu na porta, bebê nos braços. “Quanto ela deve?”
Os olhos da matrona brilharam. “50 dólares.”
Thomas puxou a carteira sem hesitar, contou notas, entregou-as. “60. Isso cobre a dívida dela e compensa pelo inconveniente.”
A matrona encarou o dinheiro. Thomas virou-se para Norah. “Você está livre. Vamos.”
Lá fora, uma carroça esperava. Thomas ajudou Norah a subir, depois entregou-lhe o bebê antes de subir ele mesmo. Enquanto se afastavam, Norah ouviu as vozes das garotas desaparecendo atrás deles.
“Ele acabou de pagar a dívida dela? 60 dólares por ela? Talvez ele esteja realmente desesperado.”
A carroça rodou pela cidade. As pessoas encaravam, sussurravam. Norah manteve os olhos para frente.
“Eles vão tornar sua vida difícil”, disse ela calmamente.
O maxilar de Thomas apertou. “Eles já tornaram. No dia em que deixaram minha esposa morrer.”
Eles viajaram em silêncio por um tempo. Então Thomas falou novamente.
“O rancho não é muito. Está bagunçado. Não tive tempo de manter as coisas.”
“Eu posso ajudar com isso.”
Ele olhou para ela. “Eu te contratei para amamentar a Grace, não para limpar minha casa.”
“Eu sei, mas preciso me sentir útil por mais do que apenas meu corpo.”
Thomas assentiu lentamente, compreensão em seus olhos. O rancho apareceu sobre a colina, maior do que Norah esperava. Cercas limpas, celeiro robusto, uma casa sólida. Mas à medida que se aproximavam, ela viu. Roupa empilhada na varanda, jardim coberto de mato, galinhas correndo soltas. O rancho estava morrendo lentamente.
Thomas a viu olhando. “Eu sei que está ruim.”
“Não está ruim. É luto.”
Ele parou a carroça e olhou para ela. Realmente olhou.
“Seu quarto fica perto da cozinha. Era o quarto dos empregados. Tem uma tranca por dentro.”
“Obrigada.”
Dentro de casa era o caos. Louça empilhada em toda parte. Poeira em todas as superfícies. Coisas de bebê espalhadas pela sala principal, mas a estrutura era boa. Madeira forte. Grandes janelas. Uma lareira de pedra. Thomas mostrou-lhe o quarto. Pequeno, mas limpo. Uma cama de verdade, uma janela com vista para o pasto.
“É perfeito”, disse Norah.
Naquela noite, depois de amamentar Grace, Norah não conseguiu se conter. Ela lavou a louça, varreu o chão, dobrou a roupa empilhada na mesa. Thomas entrou depois de alimentar os cavalos e parou na porta.
“Você não precisava fazer isso.”
“Eu sei. Fui contratada por causa da Grace”, Norah continuou dobrando. “Eu preciso trabalhar. É a única coisa que me impede de pensar na minha filha.”
Thomas pegou um pano e começou a secar pratos ao lado dela. Eles trabalharam em silêncio. Lado a lado. Quando a cozinha estava limpa, Thomas fez café. Colocou uma xícara na frente de Norah sem perguntar.
“Obrigada”, disse ela calmamente.
“Você é boa nisso. Cuidar das coisas.”
“Minha mãe me ensinou antes de morrer.”
“E seu marido?”
As mãos de Norah pararam na xícara de café. “Ele me ensinou que nem todos os homens são gentis.”
Thomas ficou quieto. “Sinto muito.”
“Acabou agora. Ele se foi.”
Eles sentaram em silêncio confortável enquanto a escuridão caía lá fora. Grace dormia em seu berço entre eles. Pela primeira vez desde que Sarah morrera, a casa de Thomas não parecia vazia. Pela primeira vez desde que seu bebê morrera, Norah sentia que pertencia a algum lugar.
Lá fora, o rancho se acomodava no silêncio da noite. Lá dentro, três pessoas quebradas começavam a se curar.
Duas semanas se passaram. Grace prosperava. Suas bochechas enchiam. Seus choros ficavam mais fortes. Ela ganhava peso a cada dia. Mas Norah notava tudo o mais. O galinheiro estava caindo aos pedaços. Galinhas espalhadas por toda parte, estressadas e sem botar ovos. O jardim estava completamente coberto de ervas daninhas sufocando qualquer planta útil. A cerca perto do pasto norte cedia perigosamente. O telhado do celeiro vazava, estragando bom feno.
Thomas trabalhava do amanhecer até o anoitecer, mas era um homem carregando o peso do trabalho de duas pessoas. Uma manhã, depois de amamentar Grace, Norah foi ao galinheiro. Era um desastre. Caixas de ninho quebradas, palha apodrecendo. Não era de admirar que as galinhas não estivessem botando. Ela encontrou ferramentas no celeiro e começou a trabalhar.
Duas horas depois, Thomas veio procurá-la. Ele parou abruptamente. Norah estava coberta de sujeira e penas, pregando novas ripas no lugar. O galinheiro estava varrido e limpo. Palha fresca em toda parte. As galinhas já pareciam mais calmas.
“O que você está fazendo?”
“Consertando seu galinheiro.”
“Eu ia fazer isso.”
“Eu sei, mas você é uma pessoa fazendo o trabalho de três”, ela martelou outro prego. “E eu estou aqui e sei trabalhar.”
Thomas a observou terminar o último reparo. “Onde você aprendeu carpintaria?”
“Meu pai me ensinou antes de morrer. Antes de eu me casar com um homem que me disse que mulheres não deveriam tocar em ferramentas.” Ela se levantou e limpou a sujeira do vestido. “Não sou inútil, Thomas. Só porque sou grande não significa que sou inútil.”
Thomas deu um passo mais perto. “Eu nunca pensei que você fosse inútil.”
Os olhos deles se encontraram. Algo mudou no ar entre eles.
“As galinhas vão botar de novo agora”, disse Norah, a voz mais baixa. “Você terá ovos amanhã.”
“Obrigada”, ela começou a passar por ele.
A mão dele segurou o pulso dela. Gentil, não controlador. “Norah, você não me deve este trabalho.”
“Eu sei.”
“Então por quê?” Ele olhou para a mão dele no pulso dela. Cicatrizado.
“Porque pela primeira vez na minha vida, alguém precisa de mim por mais do que apenas meu corpo. Você precisa de mim porque eu trabalho. Porque sou capaz.” A voz dela falhou. “Porque você me vê.”
O aperto de Thomas afrouxou, mas não soltou. “Eu vejo você.”
Eles ficaram assim por um longo momento. Então o choro de Grace veio da casa. O momento quebrou. Thomas soltou o pulso dela.
“Vou buscá-la.”
Norah o observou se afastar, o coração batendo forte.
No dia seguinte, ela atacou o jardim. Estava de joelhos arrancando ervas daninhas quando dois homens chegaram a cavalo. Peões que Thomas havia contratado para consertar cercas. Eles desmontaram e caminharam em direção a Thomas pelo celeiro. Norah continuou trabalhando, mas as vozes deles carregavam.
“Arrumou ajuda, chefe?”
“Sim.”
“Ela é uma mulher grande. Aposto que come mais do que vale.”
Risadas. Thomas ficou muito quieto. “O que você disse?”
A risada morreu. “Nada, chefe. Só conversando.”
“Conversando sobre a mulher que salvou a vida da minha filha?”
“Não quisemos dizer…”
“Saiam da minha terra.”
“O quê?”
“Você me ouviu. Saiam da minha propriedade agora.”
“Qual é, Thomas. Estávamos apenas brincando.”
Thomas deu um passo mais perto. Sua voz caiu para algo perigoso. “Vocês a insultam na minha terra. Vocês respondem a mim. Não voltem.”
Os homens se entreolharam, depois montaram em seus cavalos e partiram. Norah levantou-se lentamente, as mãos tremendo. Ele a defendera novamente.
Naquela noite, Grace cuspiu leite no vestido de Norah. Seu único vestido bom.
“Vou te ajudar a limpar”, disse Thomas. “Tenho um dos vestidos velhos de Sarah que você pode usar enquanto seca.”
Eles trabalharam juntos na bacia de lavagem. Água, sabão. Suas mãos movendo-se sobre o tecido. Os dedos deles se tocaram. Ambos congelaram. Nenhum se afastou. O polegar de Thomas roçou os nós dos dedos dela. Suave, deliberado.
“Nora.”
“Sim.”
Mas antes que ele pudesse falar, Grace começou a chorar no berço. O momento se estilhaçou. Thomas recuou.
“Eu devo buscá-la.”
“Sim.”
Naquela noite, incapaz de dormir, Norah sentou-se nos degraus da varanda. A porta se abriu atrás dela. Thomas sentou-se ao lado dela. Perto o suficiente para que ela pudesse sentir o calor dele.
“Não consegue dormir?” ele perguntou.
“Muita coisa na cabeça.”
Eles sentaram em silêncio confortável, olhando para as estrelas.
“Minha esposa morreu me odiando”, disse Thomas de repente.
Norah virou-se para ele.
“Não realmente me odiando, mas ela morreu com medo. A parteira não veio porque eu tinha entrado numa briga com o pregador na semana anterior. Ele tinha dito algo cruel sobre Sarah. Perdi a cabeça e bati nele.” A voz dele ficou oca. “Então, quando Sarah entrou em trabalho de parto, ninguém quis vir. Ela sentiu dor por horas, implorando para eu fazer parar. Segurei a mão dela e não pude fazer nada. Quando Grace finalmente veio, Sarah já tinha ido.” Ele olhou para as mãos. “Às vezes acho que ela me culpou naqueles últimos momentos. Pela minha raiva, por fazer esta cidade nos odiar o suficiente para deixá-la morrer.”
Norah pegou a mão dele sem pensar. “Você não a matou. Esta cidade matou. Eu deveria ter controlado meu temperamento.”
“E o pregador deveria ter controlado a crueldade dele.” Ela apertou a mão dele. “Você não é o vilão, Thomas.”
O silêncio se estabeleceu entre eles.
“Meu marido não morreu em um acidente”, disse Norah calmamente.
Thomas olhou para ela.
“Ele estava bêbado. Bateu no cavalo porque ele não andava. O cavalo o chutou na cabeça. Todos chamaram de tragédia, mas eu sabia a verdade. Ele bateu naquele cavalo do mesmo jeito que me batia.” A voz dela se firmou. “Nossa bebê nasceu um mês depois que ele morreu. Nasceu silenciosa, azul. O cordão estava enrolado no pescoço dela. A parteira disse que acontece. Mas eu me perguntei se todas as vezes que ele me bateu enquanto eu estava grávida danificaram algo por dentro.”
Thomas virou o rosto dela para ele gentilmente. “Você não matou seu bebê. O destino matou. Mas não você.”
“Como você pode saber?”
“Porque você salvou a minha.”
As palavras quebraram algo dentro dela. As lágrimas vieram. Eles ficaram sentados assim até as estrelas começarem a desaparecer. Duas pessoas quebradas aprendendo que podiam ser inteiras novamente juntas.
Três semanas haviam se passado desde que Norah chegara ao rancho. Grace estava prosperando. Bochechas rosadas, pulmões fortes, agarrando tudo com punhos minúsculos. O rancho se transformara sob os cuidados de Norah. Jardim produzindo vegetais. Galinhas botando diariamente. Cercas firmes. A casa quente e limpa. Tudo parecia melhor. Mas a cidade estava falando.
Uma tarde, três mulheres da cidade chegaram de carruagem. Thomas estava fora verificando a linha da cerca norte. Norah estava no jardim arrancando ervas daninhas quando elas chegaram. Sra. Henderson da pensão. A esposa do pregador. E outra mulher que Norah não reconhecia.
“Senhorita Norah”, chamou a Sra. Henderson docemente. Docemente demais.
Norah levantou-se lentamente limpando a sujeira do vestido.
“Viemos falar com o Sr. Hayes. Ele está aqui?”
“Ele está trabalhando no pasto norte.”
“Pena.” A esposa do pregador deu um passo à frente. “Viemos avisá-lo na verdade sobre você.”
O estômago de Norah apertou.
“A cidade inteira está falando”, a mulher continuou. “Uma mulher solteira vivendo sozinha com um homem. É pecaminoso, vergonhoso.”
“Eu tenho meu próprio quarto”, disse Norah calmamente.
“Isso não importa. As aparências importam. E isso parece muito errado.”
A Sra. Henderson circulou mais perto como um predador. “Estamos aqui para levá-la de volta para a pensão. Pelo bem de todos, antes que você arruíne o que resta da reputação dele.”
“Eu não vou voltar.”
“Você não tem escolha. Você ainda deve.”
“Thomas pagou minha dívida. Você sabe disso.”
“Então você está vivendo aqui como amante dele”, disse a esposa do pregador bruscamente. “O que faz de você uma…”
A palavra atingiu Norah como um tapa. Antes que ela pudesse responder, cascos trovejaram pela estrada. Os dois peões que Thomas demitira há três semanas. Ambos bêbados, ambos com raiva, frearam seus cavalos perto do jardim, balançando em suas selas.
“Ora, ora”, um deles murmurou. “A gorda tem companhia.”
As mulheres engasgaram e recuaram para a carruagem. O coração de Norah batia forte.
“Vocês precisam ir embora. Thomas demitiu vocês.”
“Thomas não está aqui, está? Apenas você. Toda sozinha.” O segundo homem desceu também. “Viemos buscar o que nos é devido. O chefe nos demitiu por sua causa. Custou nossos salários.”
“Eu pagarei para vocês irem embora”, disse Norah, recuando em direção à casa.
“Não queremos dinheiro.” O primeiro homem sorriu, mostrando dentes amarelos. “Queremos compensação.”
Ele avançou para ela. Norah gritou. O homem agarrou o braço dela, o aperto brutal. O hálito dele cheirava a uísque.
“Me solta.”
“Não até conseguirmos o que é devido.”
Um tiro estalou no ar. Todos congelaram. Thomas estava a 6 metros de distância, rifle erguido, olhos selvagens de raiva.
“Tirem as mãos dela.”
O peão soltou Norah imediatamente. “Mãos para cima. Estávamos apenas conversando, chefe.”
“Você a tocou.” A voz de Thomas era mortalmente calma. Aterrorizante. “Você colocou suas mãos imundas nela.” Ele avançou lentamente, rifle ainda apontado. “Eu disse para nunca mais voltarem aqui. Eu disse o que aconteceria.”
“Thomas, nós estávamos apenas…”
“Subam em seus cavalos agora mesmo. Se eu vir qualquer um de vocês na minha terra de novo, não vou atirar um tiro de aviso.” O dedo dele moveu-se para o gatilho. “Vou mirar em seus corações.”
Os homens subiram em seus cavalos e partiram rápido. Thomas baixou o rifle lentamente. As mãos dele tremiam. As mulheres da cidade ficaram congeladas perto da carruagem. Thomas virou-se para elas, o rosto uma máscara de fúria fria.
“Vocês os trouxeram aqui.”
Os olhos da Sra. Henderson se arregalaram. “Nós não sabíamos que eles…”
“Vocês vieram aqui para levá-la embora, para humilhá-la. E enquanto a chamavam de nomes, aqueles homens vieram machucá-la.” A voz dele subiu. “Saiam da minha terra, todas vocês. Agora.”
“Sr. Hayes, nós só queríamos…”
“AGORA.”
As mulheres correram para a carruagem e fugiram. O silêncio caiu sobre o rancho. Thomas largou o rifle e cruzou até Norah em três passos longos.
“Você está machucada? Eles…”
“Estou bem. Você chegou a tempo.”
As mãos dele seguraram o rosto dela, verificando se havia ferimentos. “Eu não deveria ter te deixado sozinha. Eu deveria ter…”
“Thomas.” Ela agarrou os pulsos dele. “Estou bem.”
Ele a puxou contra o peito, segurando-a tão forte que ela mal conseguia respirar.
“Quando ouvi você gritar”, a voz dele falhou. “Achei que tinha te perdido, como perdi Sarah. Eu pensei…”
“Estou aqui. Estou segura.”
Eles ficaram assim por um longo momento. O coração dele batendo contra o ouvido dela. Finalmente, Thomas recuou apenas o suficiente para olhar para ela.
“Eu não consigo mais fazer isso.”
A respiração de Norah prendeu. “O quê?”
“Fingir que você é apenas uma funcionária. Fingir que não preciso de você mais do que ar.” O polegar dele roçou a bochecha dela. “Eu te amo, Norah. Estou apaixonado por você, e não posso continuar escondendo isso.”
Lágrimas escorreram pelo rosto dela. “Eu te amo também.”
“Então case comigo. Não algum dia. Logo. Antes que qualquer outra coisa possa acontecer, antes que qualquer outra pessoa possa tentar te levar embora.”
“Sim”, ela sussurrou. “Sim.”
Thomas a beijou. Desesperado, reivindicando, como se estivesse se segurando por semanas e finalmente quebrasse. Quando se separaram, ambos estavam respirando com dificuldade.
“Amanhã”, disse Thomas firmemente. “Iremos à cidade amanhã e casaremos. Cansei de esperar.”
Dentro de casa, Grace começou a chorar. Eles foram até ela juntos. Uma família em tudo, menos no nome. Mas amanhã até isso mudaria.
O amanhecer rompeu frio e claro. Thomas atrelou a carroça antes do nascer do sol. Norah sentou-se ao lado dele, Grace embrulhada em seus braços.
“Nervosa?” ele perguntou.
“Aterrorizada.”
Ele pegou a mão dela. “Eu também.”
Eles cavalgaram para a cidade enquanto os sinos da igreja tocavam para o culto de domingo. As ruas estavam cheias. Pessoas por toda parte em suas roupas de domingo, reunindo-se na praça após o sermão da manhã. A carroça de Thomas parou em frente ao tribunal. As conversas morreram. Cabeças se viraram. O rancheiro zangado e a viúva gorda. Juntos. Sussurros explodiram como fogo selvagem.
Thomas ajudou Norah a descer, a mão firme nas costas dela. Eles caminharam em direção aos degraus do tribunal onde o juiz de circuito mantinha horário de fim de semana. A multidão se abriu, encarando abertamente. Então uma voz soou.
“Thomas Hayes.”
O Xerife Patterson abriu caminho pela multidão. A matrona da pensão ao lado dele. Thomas virou-se lentamente.
“Xerife.”
“A Sra. Henderson apresentou uma queixa. Diz que você está mantendo a Srta. Norah contra a vontade dela. Vivendo em pecado.”
A multidão pressionou mais perto, faminta por escândalo. A voz de Thomas estava perigosamente calma.
“Norah está lá por escolha.”
“Não importa. Pessoas solteiras morando juntas quebram a ordenança da cidade. Case-se com ela agora mesmo ou eu executo a queixa.”
Thomas virou-se para Norah. “Esse era o plano de qualquer maneira.”
Ela assentiu, o coração batendo forte. Eles subiram os degraus do tribunal juntos. O juiz estava na porta.
“Vocês querem casar agora?”
“Agora mesmo”, disse Thomas firmemente.
“Isso é absurdo”, balbuciou a matrona. “Um casamento forçado.”
“Ninguém está me forçando”, disse Norah claramente, enfrentando a multidão. “Eu o escolho.”
O juiz puxou seu livro. “Testemunhas.”
A velha Martha avançou. “Eu serei testemunha.”
O ferreiro deu um passo à frente. “Eu também.”
O juiz abriu o livro. “Thomas Hayes, você aceita esta mulher como sua esposa?”
“Aceito.”
“Norah, você aceita este homem como seu marido?”
“Aceito.”
“Então, pelo poder investido em mim, eu os declaro marido e mulher.” Ele fechou o livro. “Beije a noiva.”
Thomas segurou o rosto de Norah e a beijou. Ali mesmo nos degraus do tribunal, sem vergonha. A multidão explodiu em suspiros chocados. Quando Thomas se afastou, virou-se para encarar a todos, braço em volta de Norah.
“Ela é minha esposa agora. Legalmente. Alguém tem algum problema com isso?”
Silêncio. Então a matrona falou. “Isso não muda o que ela é.”
“Cuidado”, Thomas a interrompeu, voz mortal. “Você está falando da minha esposa.”
O rosto da Sra. Henderson avermelhou. “A cidade sabe que ela te prendeu.”
“Ela salvou minha filha quando cada um de vocês recusou.” A voz de Thomas ressoou. “Ela salvou meu rancho. Ela me salvou quando eu queria morrer de luto.” Ele puxou Norah para mais perto. “Então, sim, ela está na minha casa, na minha vida, no meu coração, e sou muito orgulhoso disso.”
Uma das garotas da pensão gritou. “Você vai se arrepender disso.”
Thomas olhou para ela. “A única coisa que me arrependo é que você nunca saberá como é ser amada do jeito que eu amo minha esposa.”
Ele se virou para o xerife. “Terminamos?”
Patterson assentiu. “Vocês estão casados. Queixa rejeitada.”
Thomas ajudou Norah a subir na carroça. Quando começaram a sair, ele parou mais uma vez, ficando em pé no assento para que todos pudessem ver.
“Mais uma coisa. Quem insulta minha esposa, me insulta. Quem a ameaça, ameaça minha família.” A voz dele era aço. “E eu protejo minha família. Lembrem-se disso.”
Então ele partiu.
A viagem para casa foi silenciosa. A mão de Thomas cobriu a de Norah.
“Sra. Hayes”, disse ele suavemente.
Ela olhou para ele. “O quê?”
“Só queria dizer isso.”
Ela sorriu através das lágrimas. “Gosto do som disso.”
De volta ao rancho, o sol estava se pondo, pintando tudo de ouro. Thomas desceu Norah, depois pegou Grace dos braços dela. Eles ficaram na varanda, observando o céu mudar de cor.
“Você está feliz?” ele perguntou calmamente.
Norah olhou para ele. Este homem quebrado pelo luto que aprendera a amar novamente, que a escolhera quando o mundo dizia que ela não valia a pena ser escolhida.
“Estou feliz.”
Thomas mudou Grace para um braço e puxou Norah para perto. “Bom. Porque planejo passar o resto da minha vida garantindo que você continue assim.”
Grace se mexeu. “Ela é linda”, sussurrou Norah. “Como a mãe.”
Thomas beijou a testa de Norah. “Ambas são.”
Lá dentro a casa estava quente, jantar esperando, fogo crepitando. Lá fora o rancho prosperava. Duas pessoas quebradas haviam encontrado a integridade uma na outra. Um bebê moribundo encontrara a vida. Um homem zangado encontrara a paz. Uma mulher envergonhada encontrara valor. Juntos, construíram algo que a cidade não podia destruir. Uma família.
Enquanto as estrelas apareciam, sentaram-se na varanda com Grace entre eles. Thomas pegou a mão de Norah.
“Nós salvamos um ao outro.”
Norah encostou-se nele. “Nós salvamos.”
Eles ficaram sentados em silêncio enquanto a escuridão caía. Duas pessoas que o mundo dizia não serem suficientes, que se encontraram e descobriram que eram tudo.