
Dentro do palácio apostólico do Vaticano, na noite de 30 de outubro de 1503, aconteceu algo que abalou o mundo cristão até ao seu âmago. Sob tetos abobadados construídos para honrar o divino, 50 cortesãs nuas rastejavam pelo chão de mármore gelado. Cardeais e bispos permaneceram congelados, o seu silêncio mais pesado do que o próprio ar.
E no centro de tudo isso, a observar, a sorrir, até a rir, estava sentado o Papa Alexandre VI. Ele presidiu a cena como se fosse a sua própria celebração distorcida. Mas o que as testemunhas viram naquela noite foi apenas a cena de abertura. O verdadeiro pesadelo ainda não tinha começado. O que se seguiu seria tão depravado, tão violentamente oposto à própria ideia de santidade, que até os cronistas mais endurecidos, séculos mais tarde, lutaram para o escrever sem hesitação.
Esta é a história de Lucrécia Bórgia, uma mulher presa numa dinastia onde o poder importava mais do que o sangue, a fé ou a dignidade humana. Uma mulher cuja noite de núpcias se tornou uma das manchas mais escuras da história do Vaticano. Se os horrores ocultos do passado te fascinam, subscreve o Grim History, clica no botão de gosto. E assim que chegares ao momento que mais te perturba, diz-me de onde estás a assistir. Vamos começar.
No outono de 1503, os sinos de São Pedro tocaram por toda Roma, trazendo notícias que rapidamente consumiram a Itália. O Papa tinha anunciado que a sua filha, duas vezes viúva sob circunstâncias repletas de suspeitas, casaria mais uma vez. Mas desta vez não haveria nenhum palácio distante, nenhum salão nobre tranquilo. A cerimónia teria lugar dentro do próprio Vaticano, nos aposentos papais, sob frescos sagrados e símbolos destinados a representar o julgamento do céu.
O noivo escolhido para Lucrécia foi Alfonso d’Este, o jovem herdeiro do poderoso ducado de Ferrara. Para o resto da Itália, esta aliança parecia um triunfo político. Para Alfonso, parecia mais uma execução silenciosa. O passado de Lucrécia era infame. O seu primeiro marido, Giovanni Sforza, tinha fugido de Roma alegando que assassinos tinham sido enviados para o matar.
O seu segundo, Alfonso de Aragão, tinha sido estrangulado nos degraus do Vaticano; um rumor que apontava diretamente para o seu irmão, César Bórgia. E agora, outro Alfonso estava a ser ligado à família Bórgia. Ele conhecia o perigo. Todos os nobres em Itália conheciam. Desesperado para escapar ao que sabia que estava por vir, Alfonso tentou tudo.
Desculpas diplomáticas, atrasos, súplicas através de emissários. Mas Alexandre VI não era um homem que tolerasse recusas. Dentro do Vaticano, rodeado por cardeais de vestes escarlates, o seu comando era absoluto. Mensageiros cavalgaram dia e noite em direção a Ferrara com a simples mensagem: “Aceitem este casamento ou sejam destruídos.” Se a família Este resistisse, Ferrara enfrentaria os exércitos impiedosos de César.
A sua dinastia poderia ser despedaçada e a excomunhão iria despojá-los tanto de legitimidade como de aliados. A Itália compreendia bem a verdade. Ninguém sobrevivia a um conflito com os Bórgias. Percebendo que a resistência significava aniquilação, o Duque d’Este ordenou ao seu filho que viajasse para Roma e se rendesse à aliança inevitável.
Entretanto, nos seus aposentos no Vaticano, Lucrécia Bórgia olhava para a Cidade Eterna, a sua expressão pesada com uma tristeza muito mais velha do que os seus 21 anos. A Europa tinha-a pintado como uma sedutora, uma envenenadora, uma mulher que manipulava os homens como peças de xadrez. Mas os mais próximos dela sabiam a verdade. Ela não era uma mente mestre do engano, mas um peão preso entre um pai e um irmão cujas ambições não conheciam limites.
O seu primeiro casamento foi dissolvido no momento em que deixou de os beneficiar. O seu segundo marido, a quem ela tinha genuinamente amado, foi assassinado diante dos seus olhos, um destino que ela não pôde impedir nem vingar. As suas aias sussurravam que ela acordava a meio da noite, agarrada ao peito, a tremer de pesadelos que se recusava a discutir.
Ela sabia que este terceiro casamento não traria amor, mas nem ela conseguia imaginar no que a sua noite de núpcias se tornaria. Algo sombrio, calculado e cruel estava a reunir-se atrás das paredes do Vaticano. Os preparativos para a cerimónia avançaram rapidamente, contudo a atmosfera dentro do palácio apostólico parecia sufocante. Os servos desviavam o olhar. Os cardeais murmuravam em tons abafados.
Figuras estranhas passavam por corredores proibidos a horas estranhas. Rumores avolumavam-se sobre instruções secretas, de convidados trazidos através de passagens ocultas. E um homem sentiu o peso de tudo isso mais do que qualquer outro. Johann Burchard, o mestre de cerimónias do Vaticano. Ele tinha visto inúmeros escândalos sob Alexandre VI.
Banquetes extravagantes, subornos políticos, cargos sagrados vendidos como bugigangas. Mas algo sobre esta noite enviou um desconforto frio através dele. Ele sentiu que este evento eclipsaria todos os escândalos que ele alguma vez tinha registado. Ele sentiu que estava prestes a testemunhar algo sobre o qual a história lutaria para falar. Uma armadilha tinha sido montada: dourada, polida e inescapável.
E tanto a noiva como o noivo já marchavam em direção ao seu centro. Em dezembro, Alfonso d’Este entrou em Roma com uma pequena escolta. A sua viagem de Ferrara tinha-o arrastado por montanhas congeladas, estradas destruídas e um pavor crescente que se instalou pesadamente no seu peito. Mas nada o preparou para a visão do Vaticano.
Um colosso de pedra erguendo-se sobre a cidade, meio banhado à luz de velas, meio perdido em andaimes. Parecia menos o coração do Cristianismo e mais uma fortaleza construída para engolir aqueles que ousavam opor-se a ela. Lá dentro, as boas-vindas foram avassaladoras. Alexandre VI sentava-se no seu trono, vestido de branco cintilante e ouro que refletia a luz das velas como metal fundido.
Ao lado dele estava César, silencioso, imóvel e aterrorizante na sua contenção. Embora tivesse apenas 26 anos, já era temido em toda a Itália. Famílias inteiras desapareciam ao seu comando. Cidades rendiam-se à sua aproximação. Quando os seus olhos se fixaram em Alfonso, o significado foi inconfundível: “Você não é um convidado aqui.” Nas semanas seguintes, Alfonso suportou a humilhação disfarçada de celebração.
Em banquetes, ele foi sentado ao lado de cortesãs enquanto o clero de alta patente assistia com um divertimento mal disfarçado. Em caçadas, César exibia uma habilidade implacável que parecia mais um aviso do que desporto. Durante as receções, Alexandre VI fazia comentários pontiagudos sobre os fins trágicos dos maridos anteriores de Lucrécia. Cada gesto carregava a mesma ameaça silenciosa.
“Você pertence a nós agora.” E a pior parte, o verdadeiro horror deste casamento, o momento sobre o qual a história sussurraria durante séculos, ainda não tinha começado. Houve caçadas onde César exibiu o seu domínio com uma precisão fria e sem esforço, lembrando a Alfonso, com cada flecha e cada animal abatido, que ele comandava não apenas exércitos, mas o próprio medo.
Houve receções onde Alexandre zombava dos destinos dos maridos anteriores de Lucrécia em frente a toda a corte, insinuando quase alegremente o quão curta tendia a ser a vida de um genro dos Bórgia. Alfonso tentou preservar o que restava da sua dignidade, mas a essa altura ele era um prisioneiro envolto em cerimónia. As suas próprias noites eram mantidas isoladas no Vaticano sob desculpas esfarrapadas.
Ele dormia em quartos vigiados dia e noite pela guarda papal. Cada hora que passava revelava a verdade mais claramente. Ele tinha entrado numa armadilha e não havia caminho de volta. O casamento não era nada mais do que uma fachada. O verdadeiro propósito era muito mais vicioso. Os Bórgias pretendiam quebrar o orgulho da família Este, humilhá-los perante a Itália e mostrar a todas as casas nobres, de Florença a Nápoles, que a sua vontade podia esmagar qualquer linhagem, não importando quão antiga ou poderosa fosse.
E enquanto Alfonso suportava este cerco psicológico silencioso, preparativos de uma natureza muito diferente desenrolavam-se nas profundezas do Vaticano. César assumiu o comando pessoal do banquete da noite de núpcias, e a sua visão ia muito além do que até os círculos mais decadentes de Roma ousariam sussurrar em voz alta. Atrás de portas fechadas, encontrou-se com o seu pai para finalizar os detalhes.
Detalhes que teriam horrorizado qualquer alma que ainda tivesse a igreja em reverência. 50 das cortesãs mais deslumbrantes de Roma foram selecionadas a dedo e levadas para câmaras secretas sob o palácio. Estas não eram prostitutas comuns, mas mulheres educadas e refinadas que frequentavam os salões dos nobres. Muitas tremeram quando souberam o que o Papa esperava delas, mas nenhuma ousou desafiar o chefe da Cristandade.
Foi-lhes ordenado que se vestissem com roupas luxuosas de veludo e seda, que mais tarde seriam compelidas a remover. Foram escoltadas através de passagens ocultas, guiadas à luz de lanternas, para que na noite do casamento pudessem ser canalizadas para os aposentos papais sem aviso. Os servos que testemunharam estes preparativos benziam-se repetidamente, sussurrando orações que se agarravam aos seus lábios como geada.
Eles sabiam que algo profano tinha começado a erguer-se dentro das paredes do Vaticano. Até Lucrécia o sentiu. Embora tivesse sido deliberadamente excluída da maioria dos preparativos, sentia a tensão sombria a adensar-se no ar. As suas criadas relatavam rostos desconhecidos a deslizar pelos corredores, cortesãs a aparecer em quartos onde não pertenciam, e o seu irmão César a mover-se com um sorriso que lhes gelava o sangue.
Na noite anterior ao casamento, incapaz de suportar a atmosfera sufocante, Lucrécia fugiu para a Capela Sistina. Sob o vasto e trovejante céu de Miguel Ângelo, sob a mão pintada de Deus estendendo-se para Adão, ela colapsou de joelhos. Rezou não por amor ou felicidade, mas por resgate, uma intervenção, um sinal, qualquer coisa.
Mas a capela permaneceu silenciosa. O divino parecia impossivelmente distante. As velas tremeluziam no ar de inverno, esgueirando-se através de fendas antigas como se se esforçassem para se manterem vivas. Lá fora, o Vaticano preparava-se para uma celebração que dissolveria a linha entre o ritual sagrado e a corrupção indizível. Nos seus aposentos, Johann Burchard, o mestre de cerimónias, reviu o protocolo final.
A sua mão tremia enquanto mergulhava a pena. Ele compreendia demasiado bem que o que estava prestes a registar seria enterrado para sempre ou permaneceria como o documento mais condenatório na história da igreja. A noite de 30 de outubro de 1503 aproximava-se, e com ela um espetáculo que arrastaria até as paredes do Vaticano para mais perto do inferno.
O dia 30 de outubro amanheceu com a grandeza de um casamento papal. Os sinos de São Pedro ecoaram sobre as sete colinas de Roma. Multidões apinharam as ruas em redor do Vaticano, ansiosas por vislumbrar a noiva infame. Dentro do palácio apostólico, Lucrécia foi preparada por uma dúzia de aias. Vestia um manto de seda cintilante bordado a ouro, brilhando como chama líquida sob as velas.
O seu cabelo, longo, brilhante e cuidadosamente entrançado com pérolas, caía sobre os ombros em tranças complexas. O seu rosto estava pálido, empoado para mascarar a exaustão e o medo sob os olhos. Quando olhou para o espelho, não viu uma noiva. Viu um sacrifício. A cerimónia realizou-se na capela papal, uma câmara afogada em paredes douradas e pinturas sagradas.
Alexandre VI oficiou pessoalmente, a sua voz estrondosa enchendo o espaço sagrado enquanto unia Alfonso e Lucrécia diante de Deus. Filas de cardeais vestidos de escarlate permaneciam rigidamente ao longo da capela, as suas expressões cuidadosamente esculpidas em máscaras de devoção. Mas por trás da sua piedade praticada tremeluzia outra coisa: pavor.
Cada um deles conhecia a reputação dos Bórgia. Cada um deles sentia que o que testemunhavam hoje era apenas o prelúdio. Após a cerimónia, os convidados foram escoltados para os aposentos dos Bórgia. Salões resplandecentes com frescos pintados por Pinturicchio. Histórias de santos, heróis e mitos estendendo-se pelas paredes agora manchadas pela libertinagem que se aproximava.
Mesas enormes transbordavam de javali assado. Faisões ainda adornados com as suas penas. Pilhas de frutas exóticas e cálices de vinho das melhores vinhas de Itália. Cardeais, nobres romanos, emissários de Ferrara e cortesãos escolhidos a dedo enchiam a sala. Alfonso e Lucrécia sentaram-se à mesa principal, presos numa celebração que já parecia irreal, como uma mascarada a esconder algo mais sombrio por baixo.
A princípio, o banquete desenrolou-se como qualquer festa nobre. Música suave de alaúdes e violas flutuava no ar. Brindes foram oferecidos, elogios vazios trocados e diplomacia educada executada. Mas à medida que a noite avançava, a atmosfera mudou. Alexandre, já corado pela bebida pesada, tornou-se mais barulhento, mais jubilante.
César, silencioso até então, levantou-se lentamente e deu um comando subtil com uma inclinação de cabeça. As portas maciças fecharam-se com estrondo. Os guardas tomaram as suas posições. Ninguém sairia daquela sala. O que aconteceu a seguir rasgou a última fronteira restante entre a decadência e a depravação. Ao sinal de César, as portas laterais abriram-se e 50 cortesãs entraram no salão, vestidas de veludo e joias, mas incapazes de esconder o terror nos seus olhos.
Um silêncio caiu sobre a sala, espesso como fumo. Então Alexandre levantou-se do seu trono, sorrindo como se desvendasse uma obra-prima, e anunciou que o verdadeiro entretenimento estava prestes a começar. Ao comando de Alexandre, as cortesãs começaram a despir cada camada de seda e veludo, deixando as suas roupas deslumbrantes escorregar para o chão de mármore até ficarem completamente nuas diante da assembleia.
Uma catedral construída para a oração olhava agora para uma cena que parecia arrancada de um sonho blasfemo. Cardeais viraram as cabeças, os seus dedos trémulos traçando cruzes frenéticas sobre o peito. Alguns tentaram levantar-se e fugir, mas os guardas nas portas avançaram com as mãos a descansar nas espadas, tornando inequivocamente claro que ninguém escaparia a este espetáculo.
Alfonso só conseguia olhar fixamente, o rosto congelado numa máscara de descrença e repulsa. Lucrécia estava sentada ao lado dele, petrificada, as suas lágrimas escorrendo silenciosamente, encharcando a seda do seu vestido de noiva, as mãos cerradas com tanta força no colo que os nós dos dedos ficaram brancos. Então veio a próxima ordem do Papa. As cortesãs nuas foram comandadas a dançar entre as longas mesas do banquete.
Servos acenderam candelabros imponentes e as chamas lançaram sombras irregulares nas paredes com frescos. As mulheres moviam-se através da luz tremeluzente como figuras espectrais, as suas silhuetas retorcendo-se sobre as pinturas sagradas. Santos e anjos a observar silenciosamente enquanto o Vaticano degenerava num ritual pagão.
Mas Alexandre estava apenas a começar. Num ato criado apenas para degradar, ordenou que cestos de castanhas fossem trazidos e espalhados pelo chão de mármore polido. As nozes rolaram entre os pés dos convidados horrorizados, o som ecoando como um trovão fraco. Então o papa anunciou a fase seguinte da sua depravação. As cortesãs deviam rastejar de gatas entre as pernas de cardeais e nobres para recolher as castanhas, como animais conduzidos a um concurso grotesco.
A mulher que recolhesse mais seria recompensada com mantos de seda, joias de ouro e tesouros do cofre papal. A humilhação que se seguiu foi tão extrema que Johann Burchard, endurecido por anos a testemunhar os momentos mais sombrios do Vaticano, escreveu mais tarde que lutou para descrevê-la em palavras.
50 mulheres nuas rastejaram pelo chão sagrado do Vaticano entre as vestes dos príncipes da igreja, enquanto Alexandre e César observavam de uma plataforma elevada, rindo, apontando e fazendo apostas como se isto fosse uma atuação barata num bordel, não o coração pulsante da Cristandade. Alguns jovens cardeais, bêbados e dominados pela loucura da noite, riram e aplaudiram.
Outros baixaram as cabeças, esmagados pela guerra entre a sua fé e o seu terror do Papa. Alfonso estava sentado imóvel, incapaz de compreender que este pesadelo fazia parte da sua festa de casamento no próprio Vaticano, sob os olhos do homem que afirmava falar por Deus. E Lucrécia, pobre Lucrécia, o seu vestido de noiva tornara-se uma mortalha.
As suas lágrimas tinham secado numa expressão congelada de vazio. Ela sempre soube que o pai e o irmão eram capazes de coisas monstruosas, mas nunca tinha imaginado que transformariam o seu casamento num ritual de condenação. No entanto, mesmo agora a noite não tinha atingido o seu ponto mais sombrio. Quando a meia-noite se aproximou e os relógios do Vaticano deram as doze badaladas, Alexandre declarou finalmente o fim do banquete das castanhas.
As cortesãs nuas, exaustas, amontoaram-se nos cantos com os seus prémios humilhantes. O vinho encharcava as mesas. Os convidados estavam sentados congelados, meio bêbados, meio atordoados, inteiramente quebrados. Alexandre, no entanto, estava lúcido, focado, determinado, e o seu comando seguinte silenciou o salão tão completamente que se podia ouvir as velas estalar. Com uma voz a gotejar autoridade, anunciou que o dever sagrado do casamento tinha agora de ser cumprido.
Mas o que ele ordenou a seguir esmagou o que restava de dignidade na sala. Ele proclamou que Alfonso d’Este devia provar o casamento com Lucrécia, não uma vez, mas três vezes, e não em privado. Cada testemunha presente devia permanecer no lugar para verificar que a união fora selada irrevogavelmente perante a igreja e o mundo.
O salão mergulhou num silêncio horrorizado. Até César, cujo nome era sinónimo de brutalidade, olhou bruscamente para o pai, apanhado de surpresa pela pura audácia do decreto. Alfonso levantou-se lentamente, o rosto drenado de toda a cor. Ele era um príncipe criado com ideais de honra e dever. Mas cercado agora pelos homens armados de César, as mãos a agarrar os punhos das espadas, ele compreendeu que não havia recusa para este comando.
Ele virou-se para olhar para Lucrécia. Ela tremia como um pássaro preso sob a sombra de um predador. Os seus olhos estavam vagos, o seu espírito já espancado para além do ponto de resistência. Os seus lábios moveram-se, mas nenhum som escapou. Sob o olhar assassino dos guardas e o olhar expectante do papa, Alfonso não teve escolha. Ele escoltou Lucrécia em direção a uma câmara adjacente, uma sala normalmente usada para receber diplomatas, agora transformada numa câmara nupcial mobilada.
As portas permaneceram escancaradas. Sem privacidade, sem humanidade. Aqueles que não tinham fugido foram forçados a ficar na sala exterior com vista total do que estava prestes a acontecer. O que se seguiu não foi uma união. Foi a destruição de dois seres humanos. Testemunhas olharam em silêncio atordoado. Alguns sussurraram orações desesperadas. Outros choraram silenciosamente.
Até as cortesãs, vítimas da sua própria degradação, desviaram o olhar em luto. E à medida que a noite se arrastava e a ordem horrível do Papa se desenrolava passo a passo, uma única verdade não dita preencheu o Vaticano. Algo sagrado tinha morrido naquele palácio, e Roma nunca mais seria a mesma. Quando a noite se arrastou para as suas horas finais, Lucrécia tinha deslizado para um estado além da exaustão, além do medo.
A sua mente, desesperada para sobreviver, tinha-se separado do pesadelo que se desenrolava à sua volta. Ela movia-se mecanicamente, sem pensar, como se o seu espírito tivesse fugido do corpo para escapar ao horror que já não podia combater. E então, assim que a primeira luz pálida da aurora rastejou pelas janelas dos aposentos Bórgia, o Papa Alexandre VI emitiu o comando para o terceiro e final cumprimento do seu decreto monstruoso.
César estava presente novamente, a observar friamente, supervisionando cada detalhe com o mesmo distanciamento clínico que usava no campo de batalha. Quando a provação foi concluída, ele anunciou triunfantemente que o casamento estava agora vinculado três vezes, selado aos olhos tanto da igreja como da lei, impossível de desafiar ou desfazer.
Alexandre VI levantou a sua taça de vinho em satisfação, sorrindo como se a noite não tivesse sido nada mais do que uma celebração extravagante em vez de uma descida a um abismo moral. O que restou na sala foram os sobreviventes, uma coleção de almas quebradas. Cardeais que tinham entrado no apartamento vestidos de escarlate como servos de Deus, agora permaneciam como testemunhas involuntárias de uma atrocidade que nunca poderiam confessar.
O seu silêncio, a sua inação, tinha-os tornado cúmplices. Quando o sol nasceu totalmente sobre Roma, revelou devastação. Jarros de vinho vazios, castanhas esmagadas no chão de mármore, cortesãs exaustas enroladas nos cantos, guardas parados como estátuas, olhos baixos. Na câmara adjacente, Lucrécia jazia completamente imóvel, a olhar para cima como se o próprio teto estivesse a quilómetros de distância.
O seu corpo permanecia no quarto, mas o seu espírito estava noutro lugar, num lugar inalcançável. Alfonso sentou-se na beira da cama, tremendo violentamente, o rosto enterrado nas mãos. Nada na sua vida, nenhum campo de batalha, nenhuma ameaça política o tinha despedaçado como esta noite. Não havia vingança suficientemente poderosa para restaurar o que lhe tinha sido tirado.
Em poucos dias, ele deixou Roma silenciosamente, quebrado sem reparação, regressando a Ferrara com um silêncio que carregaria pelo resto da sua vida. Nem uma vez ele voltou a falar da noite. A história não pôde ser contida. A notícia do banquete espalhou-se como uma praga. Sussurros nas ruas romanas transformaram-se em murmúrios por toda a Itália, depois irromperam em relatórios enviados para cortes por toda a Europa.
Embaixadores escreveram cartas codificadas. Padres falaram em avisos velados. Nobres leram os despachos em descrença atordoada. O enviado veneziano escreveu a famosa frase: “O que aconteceu no Vaticano supera até as imaginações mais sombrias da Roma antiga.” Ele declarou que o papa tinha desonrado não só a sua filha, mas toda a igreja. Os Bórgias tinham sido temidos antes, mas agora eram vistos como a própria encarnação da corrupção.
Em mercados e tabernas, as pessoas baixavam as vozes ao pronunciar o seu nome, como se a própria família pudesse ouvir os seus sussurros. Por toda a Europa, pregadores agarraram o conto como prova da podridão moral de Roma. Entre eles estava um monge que em breve mergulharia a igreja em convulsão: Martinho Lutero.
Anos mais tarde, ele citaria o festim dos Bórgia como um símbolo de tudo o que estava envenenado dentro do Vaticano. Entretanto, Johann Burchard, o único homem que tinha testemunhado tudo do princípio ao fim, registou tudo no seu diário. As suas mãos tinham tremido enquanto escrevia, consciente de que o seu relato poderia desaparecer sob o segredo do Vaticano ou um dia permanecer como o testemunho mais condenatório alguma vez escrito sobre a igreja.
Lucrécia Bórgia nunca escapou à sombra daquela noite. Mudou-se para Ferrara com Alfonso e tentou desesperadamente criar uma vida normal como duquesa. Financiou caridades. Protegeu artistas. Nutriu a literatura e a beleza. Mas aqueles que a viram em privado descreveram a mesma coisa: uma tristeza persistente, uma melancolia silenciosa, olhos que tinham visto demasiado.
Ela teve filhos com Alfonso, mas o seu casamento, irrevogavelmente envenenado por aquela noite, era uma casca oca. Viviam lado a lado, mas separados por uma ferida que nenhum humano podia curar. Lucrécia morreu jovem, aos 39 anos, ao dar à luz o seu oitavo filho. No seu leito de morte, pediu um padre e rezou até ao seu último suspiro. As suas últimas palavras registadas foram: “Estou pronta para ser livre, finalmente. Liberdade.”
Algo que lhe tinha sido negado toda a sua vida. Alexandre VI morreu apenas meses após o banquete; rumores sussurravam que o veneno, a ferramenta que ele tinha usado tantas vezes, tinha finalmente encontrado o caminho de volta para ele. César Bórgia, despojado de poder após a morte do pai, caiu numa emboscada solitária em Espanha. O seu corpo foi mutilado e atirado para uma vala comum, longe da grandeza para a qual ele acreditava estar destinado.
Mas a noite de 30 de outubro de 1503 não morreu com eles. Tornou-se um símbolo, um ícone de corrupção tão severa que alimentou as chamas da Reforma Protestante. Martinho Lutero e outros invocaram os Bórgias repetidamente como prova da decadência do Vaticano. A Contrarreforma que se seguiu foi, em parte, uma tentativa de apagar a mancha desta família da história.
No entanto, a verdade sobreviveu. Séculos mais tarde, o diário de Burchard ressurgiu, arrastando o evento de volta para a luz. Ainda hoje, mais de 500 anos após aquela noite, o Banquete das Castanhas e a Tripla Vergonha permanecem como lembretes infames do que acontece quando o poder absoluto perde toda a restrição. Avisa-nos que os atos mais sombrios da humanidade são frequentemente cometidos nos lugares destinados a ser sagrados.
A história da noite de núpcias de Lucrécia Bórgia não é simplesmente história. É um espelho, um aviso, um lembrete de que o mal muitas vezes prospera no silêncio. Se chegaste ao fim deste relato, escreve “Bórgia” nos comentários para sabermos que caminhaste connosco através de toda esta descida arrepiante. E lembra-te, o passado não está morto. Ele observa. Ele avisa.