
O rancheiro vivia sozinho há anos, até que uma mulher nua apareceu chorando na sua cerca. Thaddius Crane havia construído sua vida em torno do silêncio, do ritmo previsível do gado e do vento. Mas, quando ele saiu para a varanda naquela manhã com seu café, a visão na cerca que cercava sua propriedade quebrou doze anos de solidão como vidro.
Ela estava nua, pressionada contra os postes de madeira, o corpo tremendo com soluços que ecoavam pelo pasto vazio. Terra manchava sua pele, e o cabelo escuro caía emaranhado ao redor do rosto. Sangue marcava seus joelhos e palmas, onde havia caído. Thaddius ficou imóvel, a caneca tremendo em suas mãos calejadas. Seu primeiro instinto foi recuar. Pessoas significavam problemas.
Pessoas traziam complicações das quais ele havia jurado se afastar desde que Martha morrera, e a cidade lhe virara as costas. Mas aquela mulher não estava parada em seu portão exigindo algo. Ela se agarrava à cerca como se fosse a única coisa que a impedia de se afogar. Thaddius colocou o café de lado e caminhou lentamente pelo quintal, as botas esmagando a grama coberta de geada.
A mulher não o notou de imediato, perdida demais em seu terror para ouvir sua aproximação. Quando finalmente levantou o olhar, seus olhos verdes estavam selvagens de medo e exaustão.
“Por favor”, sussurrou ela, a voz rouca. “Não deixe que eles me encontrem.”
As palavras o atingiram como um soco no peito. “Eles.” Alguém havia feito aquilo com ela. Alguém a despira de tudo, inclusive da dignidade, e a mandara correr para o deserto.
Thaddius olhou para o horizonte, meio esperando ver cavaleiros vindo atrás dela.
“Quem está te perseguindo?”, perguntou, mantendo a voz gentil, apesar da raiva que crescia em seu peito.
Ela balançou a cabeça freneticamente. “Eu não posso. Eles me matarão se me encontrarem. Matarão nós dois.”
Thaddius estudou seu rosto, procurando mentiras ou manipulação. Tudo o que viu foi terror genuíno.
Depois de doze anos evitando o contato humano, cada instinto lhe dizia para mandá-la embora, para proteger a paz que havia construído das cinzas de sua antiga vida. Mas, olhando para ela agora, quebrada e suplicante, ele não conseguiu se afastar.
“Qual é o seu nome?”, perguntou ele.
“Magnólia”, ela sussurrou.
Ele assentiu uma vez. “Sou Thaddius. Entre. Vamos resolver isso.”
Enquanto a ajudava a se levantar, enrolando seu casaco sobre os ombros trêmulos dela, Thaddius avistou nuvens de poeira no cume distante. Três cavaleiros avançando rapidamente em sua direção. Seu sangue gelou ao perceber que a escolha que acabara de fazer poderia custar a vida de ambos.
Os cavaleiros se aproximavam, e o passado de Magnólia estava prestes a alcançá-los.
Thaddius bateu a porta atrás deles e foi direto para a janela, espiando pela fresta das cortinas. Os cavaleiros ainda estavam a cerca de uma milha de distância, mas se aproximavam rapidamente. Magnólia permanecia no centro de sua pequena cabana, agarrando o casaco dele com força, os olhos saltando de parede em parede como os de um animal encurralado.
“Eles estão vindo, não é?”, sussurrou ela.
“Três deles”, confirmou Thaddius, a mente correndo. “Quem são eles?”
O rosto de Magnólia desabou. “Homens de Colt Develin. Ele é dono do salão em Copper Ridge. Dono de metade da cidade.”
“Mesmo?”
A voz dela quebrou. “Ele… ele me comprou das dívidas do meu marido. Disse que eu pertenço a ele agora.”
Aquelas palavras despertaram uma fúria gelada nas veias de Thaddius. Ele ouvira histórias sobre homens como Develin — predadores que usavam dívidas e desespero para prender mulheres em situações piores que a escravidão. Mas ouvi-lo de Magnólia, ver a vergonha nos olhos dela, tornou tudo real de um modo que queimava por dentro.
“Você escapou”, disse ele.
Ela assentiu. “Ontem à noite. Colt ia… ia me oferecer aos sócios dele para selar um negócio.” As palavras saíam como veneno que ela precisava cuspir. “Quebrei uma janela e fugi. Estive correndo a noite toda.”
Thaddius pegou o rifle sobre a lareira e verificou o tambor. Seis balas contra três pistoleiros profissionais. Talvez não fosse o bastante, mas teria de bastar. Ele não sobrevivera a doze anos de isolamento recuando de uma briga.
“Há uma adega embaixo da cozinha”, disse, apontando para uma porta escondida sob um tapete. “Desça e não saia, não importa o que ouça.”
Magnólia segurou seu braço. “Eles vão te matar. Colt não deixa testemunhas.”
“Talvez”, respondeu Thaddius, surpreso com a calma que sentia. “Mas eles não vão te levar de volta.”
O som das patas ficou mais alto, trovejando sobre sua propriedade como uma tempestade. Thaddius se posicionou perto da janela, rifle pronto. Pensou em Martha, na promessa que fizera no túmulo dela de nunca mais se envolver nos problemas de outras pessoas. Mas, olhando para Magnólia desaparecendo na adega, percebeu que algumas promessas foram feitas para ser quebradas.
Os cavaleiros pararam bruscamente diante da cabana, os cavalos bufando e pisando o chão.
O homem à frente vestia um colete preto e tinha olhos frios que pareciam catalogar tudo o que viam. Thaddius reconheceu o tipo — capanga de Develin, o tipo de homem que gostava de causar dor.
“Bom dia”, chamou o capanga. “Nome é Pike. Estamos procurando algo que pertence ao nosso patrão. Viu uma mulher passar por aqui?”
Thaddius saiu para a varanda, o rifle sustentado de modo casual, mas pronto.
“Muitas mulheres por essas bandas. Vai ter que ser mais específico.”
O sorriso de Pike era afiado como uma lâmina. “Garotinha bonita. Cabelos escuros. Pode ser que não estivesse vestindo muita coisa.” Os olhos dele varreram a cabana, notando a segunda caneca de café sobre o corrimão da varanda. “Engraçado, as pegadas dela levam direto até sua porta.”
O silêncio entre eles esticou-se como um fio tenso, prestes a se romper. Thaddius sabia que as próximas palavras definiriam se todos sairiam vivos dali.
“As pegadas podem enganar”, disse ele, o dedo repousando no gatilho. “Especialmente depois de uma chuva forte na noite passada.”
Os olhos de Pike se estreitaram. Ele sabia que não havia chovido. Todos sabiam, mas o jogo tinha que continuar — pelo menos por enquanto.
“Se não se importar, gostaríamos de dar uma olhada ao redor. Só por precaução.”
“Eu me importo”, respondeu Thaddius. “Isto é propriedade privada.”
Pike inclinou a cabeça ligeiramente, avaliando o homem à sua frente. “Você é corajoso, velho. Ou estúpido.”
Thaddius manteve o olhar firme. “Um pouco dos dois.”
Os outros dois cavaleiros trocaram olhares, as mãos se aproximando das armas. O ar ficou denso, pesado de poeira e tensão. Thaddius sabia que o primeiro a se mover decidiria tudo.
“Por que não volta para a cidade e diz a Develin que não há ninguém aqui?”, sugeriu Thaddius. “Assim todos nós viveremos mais um dia.”
Pike riu, um som sem humor. “Você acha que ele acreditaria nisso? Ele sabe ler medo, e você fede a ele.”
“Então talvez você devesse recuar um pouco”, respondeu Thaddius, o cano do rifle subindo ligeiramente.
O riso de Pike morreu. O som metálico de esporas encheu o ar quando ele desmontou, os olhos cravados nos de Thaddius.
“Eu já matei homens por menos do que esse tom”, disse ele calmamente.
“E eu já enterrei homens por menos do que uma ameaça”, replicou Thaddius.
Por um instante, ninguém respirou. Depois, um corvo grasnou ao longe — e Pike sacou a arma.
O disparo de Thaddius veio primeiro.
O som ecoou pelos campos, seguido pelo baque pesado de um corpo caindo na poeira. Os outros dois cavaleiros reagiram imediatamente, tiros zunindo perto da varanda. Thaddius se jogou atrás de um pilar, recarregando rápido. A madeira lascou acima de sua cabeça, farpas caindo sobre seus ombros.
Ele girou, disparou duas vezes. Um dos homens tombou, gritando. O terceiro virou o cavalo e fugiu, levantando uma nuvem de poeira enquanto desaparecia pelo vale.
O silêncio voltou, interrompido apenas pelo som do vento e da respiração ofegante de Thaddius.
Ele olhou para o corpo de Pike estendido na terra, os olhos abertos e vazios. “Te avisei”, murmurou.
Magnólia emergiu lentamente da adega, o rosto pálido e os olhos arregalados.
“Você os matou.”
“Dois”, disse ele. “Um fugiu. Vai contar tudo a Develin.”
Ela balançou a cabeça, desesperada. “Você não entende. Colt nunca deixa uma afronta impune. Ele virá pessoalmente.”
Thaddius olhou para as colinas distantes, onde o cavaleiro desaparecera. “Então teremos de estar prontos.”
Ela se aproximou, agarrando o braço dele. “Você devia me mandar embora. Eu trouxe isso pra sua porta.”
“É tarde demais pra isso”, respondeu Thaddius. “Eles já sabem que você esteve aqui. Fugir só os levaria direto até você.”
Magnólia caiu de joelhos, as lágrimas misturando-se à poeira. “Eu só queria ser livre.”
Thaddius ficou em silêncio por um tempo, observando o céu que começava a ficar cor de cobre com o fim da tarde.
“Liberdade tem um preço”, disse ele por fim. “Mas às vezes vale a pena pagar.”
Naquela noite, Thaddius cavou duas covas atrás do celeiro. Não por respeito — mas por necessidade. Não podia deixar corpos apodrecendo perto do rancho, atraindo coiotes e perguntas.
Magnólia ficou observando da varanda, envolta num cobertor. A cada pá de terra lançada, parecia que ele enterrava mais do que apenas os mortos — enterrava o homem que tentara ser por todos aqueles anos de isolamento.
Quando terminou, lavou as mãos no bebedouro e entrou. Magnólia estava sentada à mesa, uma xícara de chá tremendo nas mãos.
“Eles voltarão amanhã”, disse ela. “Talvez com dez homens. Talvez vinte.”
“Develin pode ter dinheiro e homens”, respondeu Thaddius, “mas eu tenho terra, distância e tempo. Isso é o bastante pra começar.”
Ela o observou por um momento. “Por que está me ajudando?”
Thaddius olhou para a chama fraca da lamparina. “Porque uma vez alguém me ajudou, quando eu não merecia. E eu falhei com ela.”
“Quem era?”
“Martha”, respondeu ele, a voz baixa. “Minha esposa.”
Magnólia baixou os olhos, respeitosa.
“Ela morreu?”
“Sim. Por minha causa.”
Thaddius não explicou mais, e Magnólia não perguntou. Às vezes, o silêncio dizia o suficiente.
Na manhã seguinte, o sol mal havia nascido quando Thaddius já estava selando os cavalos. Precisava mover Magnólia para um lugar mais seguro — a velha mina abandonada nas colinas, a três milhas dali. Lá, ela teria abrigo e ele, vantagem.
“Você sabe atirar?”, perguntou enquanto lhe entregava um pequeno revólver.
“Meu marido me ensinou”, respondeu ela, verificando o tambor. “Mas nunca matei ninguém.”
“Espero que continue assim.”
O caminho era estreito, serpenteando entre rochas e arbustos. Magnólia seguia atrás dele, o casaco dele ainda nos ombros, o rosto parcialmente escondido sob o chapéu.
Por um tempo, ninguém falou. Só o som dos cascos e o farfalhar distante de águias circulando sobre o deserto.
Quando pararam para descansar, Magnólia olhou para o horizonte.
“Você acha que Deus me perdoará?”
Thaddius franziu o cenho. “Pelo quê?”
“Por fugir. Por deixar outros para trás.”
“Deus se preocupa menos com fuga e mais com sobrevivência”, respondeu ele. “E às vezes, sobreviver já é o bastante pra provar que você ainda merece algo.”
Ela sorriu tristemente. “Você fala como um pregador.”
“Falo como um homem que já implorou por perdão demais.”
Quando chegaram à entrada da mina, o sol já queimava forte. A escuridão lá dentro parecia uma boca aberta, esperando engoli-los.
“Vai ser quente de dia e frio à noite”, avisou Thaddius. “Mas aqui ninguém vai te achar facilmente.”
“E você?”, perguntou ela.
“Tenho que voltar e preparar o rancho. Eles virão por lá primeiro.”
Ela deu um passo à frente. “E se não voltar?”
Thaddius hesitou, então tirou do bolso um medalhão antigo e o colocou na mão dela. Dentro havia uma foto desbotada de uma mulher de rosto gentil.
“Se eu não voltar, enterre isso comigo. Ela merecia descansar em paz.”
Magnólia o olhou com lágrimas nos olhos. “Eu prometo.”
Thaddius assentiu e montou novamente. “Feche a entrada com pedras depois que eu sair. Não saia até eu voltar.”
Ela observou enquanto ele desaparecia no horizonte, o som das patas diminuindo até virar um eco distante. Pela primeira vez em anos, Thaddius sentiu o peso de algo mais do que a solidão — sentiu propósito.
Mas, na cidade de Copper Ridge, Colt Develin já preparava seus homens. E quando a noite caísse, o inferno seguiria para o rancho de Thaddius Crane.
Copper Ridge, naquela manhã, fervia sob o sol do deserto. O som de martelos, risadas e ferraduras ecoava pelas ruas empoeiradas, mas dentro do Develin Saloon o ar era espesso, carregado de fumaça e tensão.
Colt Develin observava a cidade do andar de cima, uma taça de uísque em mãos. Um homem alto, de terno cinza e sorriso preguiçoso — o tipo de sorriso que nunca chegava aos olhos.
Quando o cavaleiro sobrevivente entrou tropeçando pela porta, coberto de suor e poeira, o salão inteiro ficou em silêncio.
“Pike está morto?”, perguntou Develin, sem se virar.
O homem engoliu em seco. “Sim, senhor. O velho do rancho… ele atirou primeiro.”
“E a garota?”
“Com ele. Eu vi o casaco dela. O rancheiro a escondeu.”
Develin girou lentamente, apoiando o copo na mesa. “Thaddius Crane”, disse, saboreando o nome como se fosse um gosto amargo. “Pensei que esse velho tivesse morrido anos atrás.”
O cavaleiro hesitou. “Quer que eu leve mais homens, senhor?”
Develin sorriu, frio como aço. “Não. Eu mesmo vou.”
As palavras fizeram o salão inteiro estremecer. Quando Colt Develin saía para resolver algo pessoalmente, raramente alguém voltava vivo.
No rancho, Thaddius passara o dia reforçando portas e janelas. Pregou tábuas, encheu baldes de água e verificou munições. A casa agora parecia mais um forte do que um lar.
Ao pôr do sol, ele se permitiu um breve descanso. A lembrança de Magnólia escondida na mina o acalmava e o atormentava ao mesmo tempo. Parte dele queria voltar e fugir com ela, desaparecer nas montanhas. Mas outra parte — a mais teimosa — sabia que não havia fuga sem enfrentamento.
Quando a noite caiu, ele ouviu o som distante de cavalos.
Thaddius apagou a lamparina e se moveu para a janela, o rifle pronto. Lá fora, sombras se aproximavam, oito cavaleiros sob o luar. Um deles desceu do cavalo — um homem de terno cinza.
“Crane!”, gritou uma voz que o vento carregou. “Sou Colt Develin. Acho que você tem algo meu.”
Thaddius abriu a porta devagar e saiu à varanda, o rifle apoiado no ombro. “Você deve estar se referindo à sua vergonha. Porque se perdeu há muito tempo.”
O sorriso de Develin brilhou na penumbra. “Você tem língua afiada pra um homem que vai morrer.”
“Já morri uma vez”, respondeu Thaddius. “O resto é bônus.”
Develin riu. “Sabe o que mais gosto nos velhos? Acreditam que ainda podem mudar o mundo. Eu vim buscar minha mulher, e não vou perguntar de novo.”
“Ela não é sua mulher”, disse Thaddius, firme. “É uma pessoa. E você é só um verme com terno caro.”
O rosto de Develin endureceu. “Mate-o.”
Os homens dele puxaram as armas, e o inferno começou.
Os primeiros disparos iluminaram a noite. Thaddius rolou atrás do bebedouro, atirando rápido e preciso. Dois homens caíram antes que os outros percebessem o perigo.
A casa explodiu em estilhaços de madeira e fumaça. Balas zuniam, quebrando vidros e arrancando lascas das paredes.
Develin permaneceu montado, observando com calma. Ele não precisava sujar as mãos — ainda.
Thaddius recarregou, respirando fundo. O cheiro de pólvora queimava suas narinas. Cada movimento era cálculo e instinto.
Um dos homens tentou flanquear o celeiro. Thaddius o esperou, depois disparou pela janela lateral. O homem tombou sem som.
O rancheiro se moveu para os fundos, mas outro tiro o acertou de raspão no ombro. A dor o fez cambalear, mas ele continuou.
“Crane!”, gritou Develin, rindo. “Você está velho demais pra brincar de herói!”
“E você é jovem demais pra entender o que é coragem!”, respondeu Thaddius, disparando mais uma vez.
As chamas começaram a subir — uma lanterna quebrada incendiara o feno. A casa de Thaddius, seu refúgio de anos, ardia em vermelho e dourado.
Mesmo assim, ele continuou lutando.
Quando a fumaça ficou densa demais, Thaddius recuou para o campo aberto. Lá, sob o luar, restavam apenas ele e Develin.
“Bonito espetáculo, não acha?”, disse Develin, descendo do cavalo. “Sua vida, reduzida a cinzas.”
Thaddius tossiu, o sangue escorrendo do ferimento no ombro. “Cinzas ainda podem fertilizar a terra.”
Develin sacou o revólver. “Últimas palavras?”
Thaddius ergueu o olhar, sereno. “Ela nunca mais será sua.”
O som do disparo ecoou pelos vales.
Develin caiu de joelhos, o choque estampado no rosto. Thaddius havia disparado primeiro — mesmo ferido, mesmo exausto. A bala o acertara no peito.
Develin tentou falar, mas só sangue saiu. Ele tombou, imóvel, com os olhos ainda abertos para o céu.
Thaddius ficou de pé por um momento, ofegante, observando o fogo consumir o rancho. Depois, cambaleou até o cavalo de Develin, montou com dificuldade e partiu rumo às colinas.
Horas depois, ele chegou à mina.
“Magnólia!”, chamou, a voz rouca.
Ela surgiu das sombras, correndo até ele. “Você está ferido!”
“Só um arranhão”, mentiu, escorregando da sela.
Quando ela viu o sangue em sua camisa, chorou em silêncio. “Você o matou?”
“Sim.”
“E os outros?”
“Mortos também. Mas… há de vir mais, algum dia.”
Magnólia o ajudou a entrar, limpando o ferimento com mãos trêmulas.
“Por que fez isso por mim?”, sussurrou.
Thaddius olhou para ela, cansado mas com um brilho sereno nos olhos. “Porque ninguém fez isso por Martha. E eu não suportaria falhar de novo.”
Ela encostou a testa na dele, o silêncio enchendo o espaço entre suas respirações.
“Então descanse”, disse ela suavemente. “Você está seguro agora.”
Thaddius fechou os olhos. Pela primeira vez em doze anos, ele acreditou nela.
Mas o amanhecer trouxe passos na entrada da mina.
E a liberdade de Magnólia ainda estava longe de ser conquistada.
O som dos passos ecoava na escuridão da mina — lentos, calculados, pesados. Magnólia prendeu a respiração e apagou a lamparina. O cheiro de fumaça e ferro encheu o ar.
Thaddius, ainda fraco, pegou o rifle e fez sinal para que ela ficasse atrás dele. A entrada da mina se iluminou com o luar, revelando duas silhuetas.
“Não atirem!”, gritou uma voz familiar.
Magnólia piscou, confusa. “Jonah?”
Um homem magro, de chapéu surrado e olhar cansado, entrou devagar. Atrás dele vinha outro — mais jovem, com uma bandana suja no pescoço.
“Sou eu, Magnolia”, disse Jonah. “Pelo amor de Deus, abaixe essa arma.”
Thaddius manteve o rifle erguido. “Quem são vocês?”
“Velhos amigos dela”, respondeu Jonah. “Trabalhávamos no salão. Quando ela fugiu, sabíamos que Develin não deixaria barato. Tentamos ajudar, mas ele mandou matar quem perguntasse por ela.”
Magnólia deu um passo à frente. “Você… sobreviveu?”
Jonah assentiu. “Fugi pra norte. Só voltei quando soube que Develin estava morto. Ouvi os tiros lá do vale. O velho aqui deve ter feito o impossível.”
Thaddius relaxou um pouco o ombro, mas não baixou a guarda. “E por que vieram até aqui?”
Jonah olhou para ele. “Porque, quando um demônio cai, sempre tem outro esperando o trono. Copper Ridge está um caos. Os homens de Develin se matam entre si. E muitos acham que a mulher dele ainda vale dinheiro.”
Magnólia empalideceu. “Eles sabem que estou viva.”
“Sabem que você fugiu”, disse Jonah. “Mas não por quanto tempo.”
Thaddius respirou fundo. “Então temos que sair antes que saibam.”
Jonah balançou a cabeça. “Se fugirem agora, morrerão no caminho. A cidade está vigiando todas as rotas. Vocês precisam esperar.”
“Esperar até quando?”, perguntou Thaddius.
“Até que alguém novo tome o poder e esqueça de você.”
Magnólia cruzou os braços. “E quanto tempo isso levará?”
Jonah olhou para o chão. “Dias… ou meses.”
O silêncio caiu sobre os quatro. O som distante de água pingando ecoava nas pedras.
Durante a noite, eles improvisaram um abrigo mais profundo na mina. Jonah e o rapaz — que se chamava Eli — dividiram comida seca e cobertores.
Magnólia cuidava de Thaddius, limpando o ferimento que começava a cicatrizar. Ele observava o fogo bruxuleante e pensava em tudo o que havia perdido.
“Você podia ter me deixado morrer naquela cerca”, disse ela de repente. “Mas não o fez.”
“E você podia ter me deixado morrer ontem à noite”, respondeu ele. “Mas me salvou.”
Ela sorriu. “Acho que estamos empatados.”
Jonah, ouvindo de longe, murmurou: “Se eu não conhecesse vocês, diria que parecem um casal de velhos casados.”
Magnólia corou. “Não diga bobagens.”
Thaddius apenas riu baixinho — um som raro, rouco e sincero.
Três dias se passaram.
Lá fora, o vento mudou. Soprava quente e seco, trazendo poeira e más notícias.
Eli, que havia subido ao topo da colina para observar, desceu correndo. “Tem gente vindo!”
“Quantos?”, perguntou Thaddius.
“Uns dez… e carregam bandeiras pretas. Não são homens de Develin. Parecem foras-da-lei.”
Jonah praguejou. “Os Black Spurs. Matadores que vendem serviços pro melhor lance.”
Magnólia empalideceu. “Eles vêm atrás de mim?”
“Provavelmente atrás de qualquer coisa que possam roubar”, respondeu Thaddius. “Mas se te encontrarem, você é prêmio.”
Ele pegou o rifle e se levantou, o corpo ainda fraco, mas a mente firme.
“Vamos bloquear a entrada da mina”, ordenou. “Eli, pegue pedras. Jonah, posicione as tochas.”
Magnólia o segurou pelo braço. “Você mal consegue ficar de pé.”
“Já fiquei de pé em piores condições”, respondeu ele com um meio sorriso.
Jonah assentiu. “Eu fico com ele. Você e o garoto se escondem nos túneis.”
“Não”, disse ela. “Eu fico. Cansei de correr.”
Thaddius olhou para ela — e viu algo novo em seus olhos: determinação. Não medo, não desespero. Fogo.
“Então lutaremos juntos”, disse ele.
O primeiro tiro veio antes do amanhecer.
Os Black Spurs tentaram incendiar a entrada da mina com óleo. Mas Thaddius atirou primeiro, acertando um dos barris e fazendo-o explodir antes que chegasse perto.
A explosão iluminou o deserto, revelando homens mascarados montados em cavalos escuros.
Jonah e Eli disparavam de dentro, enquanto Magnólia recarregava as armas com rapidez surpreendente.
O som dos tiros reverberava entre as pedras, criando ecos que confundiam o inimigo.
Thaddius acertou um segundo cavaleiro e gritou: “Mantenham posição!”
Mas então uma bala ricocheteou e atingiu Jonah no peito. Ele caiu de costas, tossindo sangue.
“Jonah!”, gritou Magnólia, correndo até ele.
O homem agarrou a mão dela. “Não… não desperdice isso, Magnolia. Fique viva.”
E, com um último suspiro, ele se foi.
Ela fechou os olhos dele, tremendo de raiva e tristeza.
Thaddius tocou o ombro dela. “Depois cuidamos dele. Agora, lute.”
Ela pegou o rifle de Jonah e voltou à entrada. Quando mirou, seus olhos estavam secos.
Os Black Spurs recuaram momentaneamente, mas um deles — o líder, com chapéu preto e cicatriz no rosto — avançou a cavalo, gritando: “Tragam a mulher! Viva ou morta!”
Magnólia o mirou e atirou. O cavalo empinou, e o homem caiu de costas, imóvel.
O silêncio caiu de repente. Os outros, sem líder, hesitaram.
Eli gritou: “Eles estão fugindo!”
Thaddius abaixou o rifle, exausto.
Magnólia ficou parada, olhando para o corpo à distância, o peito subindo e descendo rápido. “Matei ele.”
“Você salvou todos nós”, disse Thaddius.
Ela olhou para ele — e naquele instante, entendeu que algo dentro dela havia mudado para sempre.
Eles enterraram Jonah na entrada da mina, sob as pedras.
Eli colocou o chapéu do amigo sobre o monte de terra. “Ele teria gostado de morrer lutando.”
Thaddius assentiu. “E nós viveremos pra lembrar dele.”
Magnólia ficou em silêncio, segurando o medalhão de Thaddius. Dentro, o rosto de Martha parecia observá-la com ternura.
“Eu o enterrarei quando tudo isso acabar”, disse ela baixinho. “Junto de Jonah. Nenhum de vocês será esquecido.”
Mas enquanto o sol se punha e a poeira se assentava, uma nova sombra crescia sobre Copper Ridge.
Um nome murmurava nos becos, substituindo o de Develin:
Lucian Graves — um ex-caçador de recompensas, agora senhor da cidade.
E o preço pela cabeça de Magnólia Blackwood acabara de dobrar.
Dois dias após o ataque dos Black Spurs, a mina estava em silêncio novamente.
Thaddius, ainda com o braço enfaixado, ajudava Eli a reforçar as travas da entrada.
Magnólia observava o horizonte através da fenda entre as rochas.
O vale, que antes parecia um refúgio, agora era apenas um campo de batalha à espera da próxima tempestade.
“Não podemos ficar aqui para sempre”, disse ela.
Thaddius não respondeu de imediato. Limpou o suor da testa, olhou para o céu e então falou:
“Eu sei. Mas também não podemos correr sem rumo. Eles nos caçarão de novo.”
Magnólia cruzou os braços. “Então o que sugere?”
“Vamos até Copper Ridge.”
Ela piscou, chocada. “Está louco? É para lá que todos eles vão.”
“Exato”, respondeu Thaddius, com um meio sorriso cansado. “Ninguém procurará um fugitivo no meio da toca do lobo.”
Eli franziu o cenho. “Quer entrar na cidade? Como?”
“Disfarçados. Tenho contatos antigos no ferro-velho. Homens que me devem favores.”
Magnólia hesitou. “E se nos reconhecerem?”
“Então improvisamos”, disse Thaddius. “Sempre foi assim na fronteira.”
À noite, sob um luar pálido, eles deixaram a mina.
Eli guiava uma mula carregada com mantimentos, enquanto Thaddius e Magnólia seguiam a pé, envoltos em capas escuras.
O caminho até Copper Ridge levou um dia inteiro. O vento soprava frio, trazendo o cheiro de carvão e whisky — o cheiro da civilização que Thaddius havia jurado esquecer.
Quando chegaram ao portão da cidade, um guarda gordo e sonolento levantou a lanterna.
“Negócios?”, perguntou.
“Vendendo ferramentas usadas”, respondeu Thaddius, mostrando a caixa de metal que carregava.
O guarda deu de ombros. “Entrem. Mas cuidado. A cidade não é mais a mesma desde que Graves assumiu.”
Copper Ridge era um espetáculo de decadência.
Casas queimadas, saloons abarrotados, e pôsteres com o rosto de Magnólia — desenhado a carvão — espalhados nas paredes.
“PROCURA-SE: MAGNOLIA BLACKWOOD. VIVA – $500. MORTA – $200.”
Magnólia engoliu seco. “Meu Deus…”
Eli puxou o chapéu para baixo. “Temos que sair logo.”
Mas Thaddius já caminhava em direção ao ferro-velho de Harlan.
Harlan era um homem enorme, com barba grisalha e uma mão de ferro em vez da direita.
Quando viu Thaddius, soltou uma gargalhada rouca.
“Por todos os diabos, Crane! Achei que já tinha virado fantasma!”
“Quase isso”, respondeu Thaddius. “Preciso de ajuda.”
Harlan olhou para Magnólia e Eli. “Problemas?”
“Dos grandes.”
O ferreiro balançou a cabeça. “Sempre soube que um dia tu trarias confusão até minha porta.”
“Só precisamos de abrigo por uma noite”, disse Thaddius. “E talvez… algumas armas.”
Harlan suspirou e abriu a porta do armazém. “Entra logo antes que alguém te veja.”
O interior do ferro-velho cheirava a graxa e pólvora.
Armas antigas pendiam das paredes, e um mapa rasgado de Montana estava pregado na mesa.
Magnólia sentou-se num caixote, exausta.
Harlan a observou por um momento antes de dizer: “Essa é a moça dos cartazes, não é?”
Thaddius assentiu lentamente.
“Então estás maluco”, disse o ferreiro. “Lucian Graves oferece recompensa até para quem só der uma pista dela.”
“Você vai nos denunciar?”, perguntou Magnólia, firme.
Harlan a encarou, surpreso com a coragem nos olhos dela.
“Não, moça. Já servi ao Exército de Graves antes. Conheço o tipo dele. Prefiro morrer do que ajudá-lo.”
Enquanto comiam um pouco de feijão frio, Harlan contou as novidades.
“Graves comprou metade da milícia local. Tem gente com medo até de sair de casa.
Dizem que vai inaugurar um novo depósito de armas com dinheiro do mesmo consórcio ferroviário que financiava Develin.”
Thaddius franziu o cenho. “Então é o mesmo grupo. Só trocaram de rosto.”
“Exato”, respondeu Harlan. “E se estão atrás dessa moça, é porque ela sabe de algo que ainda vale muito.”
Magnólia levantou a cabeça. “Algo que eu sei?”
Harlan se aproximou. “Antes de Develin morrer, você viu alguma coisa… ouviu alguma conversa… talvez sobre documentos?”
Ela pensou por um instante. “Na noite em que fugi, ele estava escrevendo uma carta. Disse que ‘as terras do vale já eram nossas’.
Falou também em um nome — Graves & Co. Investments.”
Harlan bateu a mão de ferro na mesa. “Aí está! Essa carta é a prova de que o consórcio fraudou o governo pra roubar terras federais.”
Thaddius olhou para ela. “Magnólia, se essa carta ainda existir, podemos acabar com Graves de uma vez.”
Eli arregalou os olhos. “Mas como vamos encontrá-la?”
“Develin guardava tudo no cofre do saloon”, respondeu Magnólia. “E o cofre ainda deve estar lá.”
Thaddius sorriu de canto. “Então, amanhã à noite… nós vamos roubar um saloon.”
O silêncio caiu.
Eli piscou, surpreso. “Roubar um saloon? Vocês ficaram malucos?”
Magnólia sorriu pela primeira vez em dias. “Malucos talvez… mas é uma boa ideia.”
Harlan bufou. “Vocês vão precisar de sorte, munição e coragem. E eu só posso garantir duas dessas coisas.”
Thaddius se levantou, pegando o velho chapéu de caubói. “A terceira nós damos um jeito.”
Naquela noite, enquanto todos dormiam, Magnólia ficou acordada, olhando o luar entrar pelas frestas da parede.
Pensava em Jonah, em Martha, em todos os que haviam morrido por causa da ganância de homens poderosos.
E pensava em Thaddius.
Ele dormia encostado numa pilha de mantas, o rosto marcado por cicatrizes e tempo — mas havia uma paz ali, uma bondade que ela não via em mais ninguém.
“Obrigada”, sussurrou ela, quase inaudível. “Por não desistir de mim.”
Do outro lado do ferro-velho, Thaddius abriu um olho — e sorriu no escuro.
A madrugada caiu pesada sobre Copper Ridge.
O vento assobiava entre os becos, e a lua, coberta por nuvens, lançava sombras como lâminas no chão de terra batida.
Thaddius, Magnólia e Eli estavam prontos.
Harlan lhes dera dois revólveres, uma espingarda curta e um molho de chaves velhas.
“Essas devem abrir o cofre”, dissera ele. “Ou pelo menos te dar tempo pra improvisar.”
Thaddius ajeitou o cinto de couro, olhou para Magnólia e perguntou:
“Tem certeza?”
Ela assentiu, firme. “Cheguei até aqui. Não vou recuar agora.”
Eli suspirou. “Então que Deus nos proteja.”
O saloon de Develin ainda estava de pé, embora metade das janelas tivesse sido tapada com tábuas.
O letreiro pendia torto, e a placa com o nome — The Silver Spur — balançava ao vento, rangendo como um lamento.
Thaddius forçou a porta dos fundos e entrou primeiro.
O cheiro de álcool velho e madeira queimada encheu o ar.
As mesas estavam cobertas de poeira, e o palco onde antes uma cantora entoava baladas tristes agora era abrigo de ratos.
“Ali”, sussurrou Magnólia, apontando para a parede atrás do balcão.
O cofre de ferro ainda estava lá — intacto, escondido sob um retrato rasgado de Develin.
Thaddius se ajoelhou diante do cofre e começou a testar as chaves.
Eli vigiava a janela dos fundos, nervoso.
Magnólia observava a sala, com o coração batendo forte.
Cada estalo do metal parecia um trovão no silêncio.
“Vamos, vamos…”, murmurou Thaddius.
De repente, o trinco cedeu com um clique.
Ele abriu a porta pesada e puxou uma pilha de papéis amarelados.
Magnólia agarrou um deles — uma carta com o selo “Graves & Co. Investments”.
As palavras, escritas pela mão trêmula de Develin, diziam:
“As terras do vale agora pertencem à companhia, conforme o acordo com o tenente Lucian Graves. Nenhuma testemunha restará.”
Magnólia engasgou. “Meu Deus… ele assinou a própria sentença.”
Thaddius guardou os papéis dentro da jaqueta. “Temos o que precisamos. Vamos sair daqui antes que—”
Um barulho de botas interrompeu suas palavras.
A porta da frente foi arrombada com violência.
Três homens armados entraram, seguidos de uma figura alta, vestida com sobretudo negro e chapéu de abas largas.
Lucian Graves.
“Ora, ora…” — a voz dele era suave, quase educada. — “O rato saiu da toca.”
Magnólia congelou.
Thaddius puxou a arma, colocando-se à frente dela.
“Lucian”, disse ele com voz firme. “Sabia que nos encontraria mais cedo ou mais tarde.”
Graves sorriu. “Ah, Thaddius Crane. O pistoleiro que virou salvador de donzelas. Que espetáculo patético.”
“Você matou Develin”, respondeu Thaddius. “E agora quer apagar qualquer vestígio do seu crime.”
Lucian riu. “Crimes? Meu caro, o que eu faço é negócio. E negócios exigem limpeza.”
Ele fez sinal com a mão, e os homens se espalharam pela sala.
“Entregue-me os papéis, e talvez eu poupe a moça.”
Magnólia deu um passo à frente. “Você nunca vai tê-los.”
Lucian suspirou, fingindo tristeza. “Sempre admirei mulheres corajosas… uma pena que a coragem raramente salva ninguém.”
O tiroteio começou num segundo.
Eli atirou primeiro, derrubando um dos capangas.
Thaddius rolou por trás do balcão e respondeu com três disparos certeiros.
Magnólia se abaixou, recarregando as balas com as mãos trêmulas.
Lucian se movia como uma sombra — rápido, preciso, letal.
Um tiro atingiu o espelho atrás do balcão, espalhando cacos e fumaça por toda parte.
“Eli, pela janela!”, gritou Thaddius.
O rapaz hesitou, mas obedeceu, escapando para o beco.
Thaddius ficou cobrindo a retaguarda, trocando tiros com os dois últimos homens.
Quando a fumaça começou a dissipar, Lucian surgiu do outro lado do salão, ileso, com um sorriso frio.
“Você sempre foi bom, Crane. Mas está enferrujado.”
Thaddius levantou a arma. “Ainda bom o bastante pra acabar contigo.”
“Duvido”, respondeu Graves.
Os dois dispararam ao mesmo tempo.
As balas se cruzaram no ar — um estalo seco — e Thaddius caiu de joelhos, atingido no ombro.
Magnólia gritou, levantando-se com o revólver em punho.
Lucian virou-se para ela, rindo. “Não faça isso, querida.”
Mas ela já havia puxado o gatilho.
O disparo ecoou como trovão.
Lucian cambaleou, surpreso, olhando para a mancha vermelha que se espalhava pelo peito.
Ele tentou dizer algo, mas apenas caiu — o corpo rígido, os olhos abertos, mirando o teto como se buscasse o próprio inferno.
Magnólia correu até Thaddius.
“Você está bem?”
“Já estive pior”, murmurou ele, apertando o ferimento. “Mas conseguimos.”
Ela o ajudou a levantar, e juntos deixaram o saloon, levando os documentos.
O sol começava a nascer, tingindo o céu de cobre e sangue.
Copper Ridge, pela primeira vez em anos, parecia respirar.
Harlan e Eli os esperavam no limite da cidade.
“Conseguiram?”, perguntou Harlan.
Thaddius ergueu o envelope. “Temos tudo o que precisamos pra enterrar Lucian Graves de vez.”
Magnólia olhou o horizonte. “E talvez… pra libertar esse lugar.”
Três dias depois do confronto em Copper Ridge, o grupo viajava rumo ao norte, seguindo o curso do rio Missouri.
O vento carregava o cheiro da primavera que se aproximava, e a poeira da estrada grudava na pele como lembrança de tudo que haviam deixado para trás.
Thaddius montava um cavalo baio, o braço ainda preso numa tipoia improvisada.
Magnólia cavalgava ao lado dele, silenciosa, segurando o envelope com os documentos que poderiam mudar o destino de todo o território.
“Quando entregarmos isso às autoridades federais, o consórcio acaba”, disse Eli, esperançoso.
Thaddius assentiu. “Se chegarmos até lá.”
Magnólia olhou para ele. “Ainda acha que alguém nos seguirá?”
“Graves pode ter morrido, mas o dinheiro dele ainda respira. Sempre há outro homem disposto a matar por ouro.”
Ao cair da tarde, eles acamparam sob um penhasco.
O fogo crepitava, lançando sombras longas sobre o chão.
Magnólia observava as chamas, pensativa.
“Thaddius… por que você realmente deixou o Exército?”
Ele ficou em silêncio por alguns segundos antes de responder:
“Porque matei o homem errado.”
Eli, que afiava a faca, parou. “Como assim?”
Thaddius respirou fundo.
“Eu era capitão durante a campanha contra os rebeldes Sioux. Recebi ordens para eliminar um grupo suspeito de atacar caravanas.
Só depois descobri que eram civis — famílias inteiras. O relatório que me deram era falso. E o homem que falsificou os documentos… era Lucian Graves.”
Magnólia baixou os olhos. “Meu Deus…”
“Quando confrontei ele, fui acusado de deserção. Passei um ano fugindo antes de me esconder nas montanhas. Desde então, jurei que nunca mais obedeceria a um homem com poder demais.”
Eli murmurou: “E acabou salvando alguém que sofreu pelas mesmas mãos.”
Thaddius olhou para Magnólia, com um meio sorriso. “Talvez o destino tenha um senso de ironia.”
Na manhã seguinte, eles chegaram a Fort Benton, uma pequena cidade às margens do Missouri.
Era lá que o juiz federal designado para a investigação de terras trabalhava.
O prédio do tribunal ficava na praça principal, cercado de bandeiras desbotadas.
Magnólia segurava firme o envelope enquanto subiam as escadas.
Um guarda interceptou-os. “Assunto?”
“Documentos confidenciais. Fraude de propriedade federal”, respondeu Thaddius.
O homem os examinou desconfiado, mas cedeu passagem.
Dentro do gabinete, o Juiz Milton Avery, um senhor de barba branca e olhar cético, os recebeu.
“Que tipo de fraude estamos falando?”
Thaddius colocou os papéis sobre a mesa.
Avery leu atentamente, o cenho franzindo cada vez mais.
“Isso… isso é uma bomba política. Graves e o consórcio roubaram centenas de hectares usando selos falsos e nomes de veteranos mortos.”
“E agora há provas”, disse Magnólia.
O juiz se recostou, exalando. “Esses documentos podem derrubar meio gabinete. Mas também vão pôr um preço enorme na cabeça de vocês.”
Thaddius cruzou os braços. “Não estamos aqui por glória, juiz. Só queremos justiça.”
Avery assentiu lentamente. “Então terão. Eu cuidarei pessoalmente para que essas provas cheguem a Washington.”
Horas depois, ao saírem do tribunal, a sensação era de alívio — mas também de vazio.
O peso que carregavam por tanto tempo parecia ter se dissipado no ar frio da manhã.
Eli sorriu. “Conseguimos. Graves está morto, e o consórcio vai ruir.
Talvez agora possamos… viver.”
Magnólia olhou o horizonte. “Viver…” — repetiu, como se testasse o som da palavra.
Thaddius colocou a mão no ombro dela. “Tem um rancho abandonado perto de Helena. Boa terra, boa água.
Se quiser, podemos começar de novo.”
Ela sorriu, com os olhos marejados. “Depois de tudo isso… talvez seja hora.”
Mas o destino, como sempre, ainda guardava uma última provação.
Naquela noite, quando descansavam numa pousada próxima ao rio, o som distante de cascos ecoou pela estrada.
Um grupo de homens encapuzados aproximava-se, trazendo a marca gravada em seus coletes: um G queimado no couro.
Eli, da janela, empalideceu. “Thaddius… são eles.”
Thaddius levantou-se devagar, pegando o revólver. “Os últimos cães de Graves.”
Magnólia se levantou também. “Não podemos fugir.”
“Nem precisamos”, disse ele, com voz fria. “Dessa vez, terminamos o que começamos.”
Quando os bandidos cercaram a pousada, a lua já estava alta.
Thaddius apagou as lamparinas e posicionou-se atrás da porta, contando os passos que se aproximavam.
Eli ficou no andar de cima, rifle em punho.
Magnólia carregava as balas, o coração firme — não mais a mulher assustada que fugira meses antes, mas alguém moldado pelo fogo da sobrevivência.
O primeiro homem arrombou a porta.
Thaddius o recebeu com um golpe seco da coronha, depois outro tiro que ecoou pelo vale.
O caos se instaurou.
Eli disparava da janela, enquanto Magnólia cobria a retaguarda.
O confronto durou minutos que pareceram horas.
Quando o último inimigo caiu, o silêncio voltou, pesado e absoluto.
Thaddius respirou fundo, as mãos tremendo.
Magnólia o abraçou sem dizer nada.
Do lado de fora, o céu começava a clarear — um novo amanhecer sobre um mundo que, finalmente, não os caçava mais.
O sol nasceu lento sobre as colinas, tingindo o rio de dourado.
O tiroteio da noite anterior já era apenas lembrança — o cheiro de pólvora misturado ao orvalho da manhã.
Thaddius estava sentado na varanda da pousada, o braço enfaixado, observando o horizonte.
Magnólia aproximou-se, trazendo duas canecas de café.
“Não consigo acreditar que acabou”, disse ela, sentando-se ao lado dele.
“Acabou por enquanto”, respondeu Thaddius. “Mas o Oeste sempre arruma um jeito de lembrar quem somos.”
Ela sorriu levemente. “E quem somos nós, afinal?”
“Sobreviventes”, respondeu ele. “Só isso. Mas às vezes, isso é o bastante.”
Dias depois, partiram rumo ao norte, deixando para trás Fort Benton e o passado que os perseguira.
O caminho era longo e silencioso. As planícies pareciam não ter fim, e o vento trazia o som distante de corvos e rios.
Magnólia sentia algo novo — uma calma que há muito não conhecia.
A cada milha percorrida, o peso em seus ombros diminuía.
Eli decidiu ficar para ajudar o juiz Avery na investigação.
“Alguém precisa garantir que aqueles papéis cheguem ao lugar certo”, dissera ele, sorrindo com um aperto de mão firme.
“Nos veremos de novo, garoto”, prometeu Thaddius.
“Se Deus quiser, em tempos de paz”, respondeu Eli antes de desaparecer pela estrada.
Sem pressa, Thaddius e Magnólia seguiram até as colinas de Helena, onde o vento cheirava a pinho e chuva.
Encontraram o rancho abandonado — cercas caídas, telhado furado, mas a terra ainda fértil, o riacho correndo limpo ao lado do celeiro.
“Parece um bom lugar para recomeçar”, disse Magnólia, olhando em volta.
Thaddius sorriu. “Sim. E ninguém aqui para nos caçar.”
Eles passaram os dias seguintes reparando o telhado, limpando os estábulos e reconstruindo a casa.
À noite, sentavam-se perto do fogo, ouvindo o som dos grilos e o crepitar da lenha.
Certa noite, Magnólia olhou para o céu estrelado e perguntou:
“Você acredita em redenção, Thaddius?”
Ele pensou por um instante. “Acho que sim. Só que ela não vem de Deus nem da lei. Vem de fazer o que é certo, mesmo quando ninguém está olhando.”
Ela encostou a cabeça em seu ombro. “Então acho que já a encontramos.”
Meses se passaram.
A primavera virou verão, e o rancho começou a florescer — o campo coberto de trigo e margaridas selvagens.
Magnólia cuidava do jardim enquanto Thaddius consertava uma cerca.
Às vezes, o silêncio entre eles dizia mais do que qualquer conversa.
Certa manhã, um cavaleiro trouxe uma carta selada vinda de Washington.
Era de Eli.
“Queridos amigos,
O caso chegou ao Senado. O nome de Graves foi apagado dos registros, e as terras do vale foram devolvidas ao governo.
Vocês são livres.
Espero vê-los um dia — talvez num mundo mais justo.”
Magnólia leu em voz alta, sorrindo.
Thaddius assentiu. “Ele conseguiu.”
Ela olhou para o campo dourado. “Talvez todos tenhamos conseguido.”
Naquela noite, o céu se incendiou em tons de laranja e púrpura.
Thaddius observava o horizonte, o chapéu nas mãos, sentindo o vento brincar com o cabelo grisalho.
Magnólia se aproximou, tocando-lhe o ombro.
“O que foi?”
“Nada”, disse ele, com um leve sorriso. “Só estava pensando…
Durante anos, vivi fugindo do passado. Agora percebo que o passado só nos persegue até aprendermos a enfrentá-lo.”
Ela o abraçou, e juntos olharam o pôr do sol desaparecer atrás das colinas.
Por fim, o Oeste — vasto, impiedoso e belo — os envolveu em silêncio.
Não havia mais gritos, nem tiros, nem promessas quebradas.
Apenas o som do vento e o bater lento de dois corações que, por fim, encontraram descanso.