
O meu bebé morreu, mas o meu corpo não sabe. Eu posso ajudar.
Emma tremia as mãos enquanto pressionava o pano frio contra o peito. A dor era insuportável. Os seus seios inchados, duros como pedras do rio, a verter leite que nenhum bebé jamais beberia. 3 semanas. 3 semanas desde que segurara o corpo azul e silencioso da filha.
3 semanas desde que a parteira sussurrara: “Às vezes Deus leva-os antes mesmo de respirarem.” Mas o corpo dela não sabia disso. O seu corpo ainda acreditava que o seu bebé estava vivo, ainda produzia leite, ainda doía para alimentar uma criança que estava enterrada no cemitério da cidade sob uma lápide que simplesmente dizia: “Menina que partiu cedo demais.”
Emma sentou-se no quarto apertado do sótão da casa da irmã, a morder o lábio para não gritar. Lá em baixo, conseguia ouvir a voz do cunhado a aumentar.
“Por quanto tempo mais, Margaret? Ela está aqui há um mês a comer a nossa comida, a ocupar espaço, a contribuir com nada.”
“Thomas, por favor. Ela acabou de perder…”
“Eu sei o que ela perdeu”, interrompeu Thomas. “Mas temos os nossos próprios filhos para alimentar, as nossas próprias bocas. Ela precisa de encontrar trabalho. Encontrar outro lugar para ir.”
A voz de Margaret baixou para um sussurro suplicante. “Para onde iria ela? Ela não tem dinheiro, nem marido.”
“Não, isso não é problema meu.”
Emma fechou os olhos. Já ouvira esta conversa três vezes esta semana. De cada vez, a paciência de Thomas diminuía.
Uma batida suave na porta. E Emma, limpou rapidamente o rosto.
“Entra, querida.”
Lucy, de 7 anos, deslizou para dentro, o rosto pequeno preocupado. Atrás dela, Samuel, de 5 anos, espreitava pela porta.
“A mamã disse que estás triste outra vez”, sussurrou Lucy.
Emma forçou um sorriso. “Estou bem.”
“É porque o teu bebé foi para o céu?”, perguntou Samuel, a sua voz inocente e devastadora.
A garganta de Emma apertou. “Sim.”
Lucy subiu para a cama ao lado dela. “Dói quando os bebés vão para o céu?”
“Sim”, sussurrou Emma. “Dói muito.”
“Vais ter outro bebé?”
A pergunta apunhalou-a. Emma puxou Lucy para perto, lágrimas a escorrer pelas bochechas.
“Não sei, querida. Não sei.”
Samuel envolveu os braços pequenos à volta do pescoço dela. “Nós amamos-te, tia Emma. Mesmo que estejas triste.”
Ela abraçou-os a ambos, estas crianças que não eram dela, mas que tinham rastejado para as fendas do seu coração partido.
“Também vos amo.”
Nessa noite, Emma ajudou Margaret a preparar o jantar. A cozinha estava tensa, silenciosa, exceto pelos sons de cortar e mexer. Pela janela, Emma viu as mulheres da igreja reunidas na esquina da rua, as cabeças inclinadas juntas em fofocas.
“Aquela é a Martha e a mulher do pregador”, murmurou Margaret. “Têm estado a falar a tarde toda.”
Emma não disse nada. Sabia que estavam a falar de alguém. Estavam sempre.
“Ouviste?”, a voz de Martha ecoou pela janela aberta. “A mulher do Jack Morrison morreu ontem. Parto. Os gémeos sobreviveram.”
As mãos de Emma pararam na batata que estava a descascar.
“Pobres bebés”, disse outra mulher. “Mas o que pode ser feito? O Jack não tem como alimentá-los. Ele tem estado a cavalgar para três cidades à procura de uma ama de leite.”
“Todas recusaram.”
O estômago de Emma revirou-se.
“Aqueles bebés não durarão mais um dia”, sussurrou alguém. “Amanhã, estarão mortos também. Talvez seja o julgamento de Deus.”
As mulheres seguiram em frente, as suas vozes a desaparecer. Emma ficou congelada à janela, a olhar para a escuridão. Dois bebés a morrer porque a cidade tinha decidido que o pai deles não merecia misericórdia.
E ali estava ela, com os seios a doer, o corpo a gritar para alimentar uma criança, enquanto dois bebés morriam de fome a quilómetros de distância. Nessa noite, ela não conseguiu dormir. Deitou-se no quarto do sótão a ouvir Thomas e Margaret a discutir em baixo.
“Ela é um fardo, Margaret. Um peso nos nossos pescoços. Ela é minha irmã e aquelas crianças lá em baixo adoram-na mais do que nos ouvem a nós. Não é saudável.”
Emma pressionou as mãos contra o peito. A dor estava pior esta noite. O leite não parava. À meia-noite, levantou-se e vestiu-se silenciosamente. Olhou para o pequeno fardo de pertences que possuía, tudo o que lhe restava no mundo. Então sussurrou para a escuridão.
“Se o meu corpo ainda acredita, talvez o meu coração também possa.”
Deslizou pelas escadas, passou pela casa adormecida e caminhou para a noite fria. Duas milhas até ao rancho Morrison, duas milhas até aos bebés moribundos e a um homem que a cidade tinha abandonado. Os seus pés levaram-na para a frente, firmes e seguros, enquanto o seu coração batia com esperança aterrorizada. Quando finalmente chegou à casa do rancho, ouviu-os, duas vozes minúsculas a gritar na escuridão.
Desesperada, a desvanecer, Emma subiu os degraus do alpendre e bateu. A porta abriu-se. Jack Morrison estava lá, por fazer a barba, olhos arregalados, a segurar dois pequenos volumes embrulhados num cobertor de cavalo áspero. A camisa dele estava manchada. A mão tremia. O choro dos bebés era tão fraco que mal fazia som. Ele olhou para ela, esta estranha à sua porta no meio da noite.
A voz de Emma quebrou quando sussurrou: “O meu bebé morreu, mas o meu corpo não sabe.”
Jack olhou para ela, esta estranha à sua porta no meio da noite, depois olhou para os bebés moribundos nos seus braços.
“Podes…”, a voz dele falhou. “Podes amamentá-los.”
“Não sei”, sussurrou Emma. “Mas tenho de tentar.”
Ele afastou-se. A casa estava mal iluminada por uma única lâmpada a óleo. Pratos empilhados, cobertores de bebé espalhados, o caos desesperado de um homem a afogar-se. Jack entregou-lhe o primeiro bebé. Um menino tão pequeno que mal enchia os braços dela. Os lábios dele estavam cinzentos, a respiração superficial.
“Este é o Samuel”, murmurou Jack.
A garganta de Emma apertou. O nome do sobrinho dela. Sentou-se na velha cadeira de baloiço junto ao fogo, desabotoou o vestido e trouxe Samuel ao peito.
Nada aconteceu. Ele estava demasiado fraco para pegar.
“Por favor”, sussurrou ela, lágrimas a cair. “Por favor, bebé, tenta.”
Ela apertou gentilmente. Uma gota de leite apareceu. Ela esfregou-a nos lábios dele. A língua dele moveu-se, provando. Então, finalmente, ele pegou. Emma arfou. O alívio percorreu-a enquanto a dor no peito diminuía, e Samuel começou a beber.
Fraco no início, depois mais forte. Jack caiu de joelhos ao lado dela, pressionando a testa na cadeira, chorando silenciosamente. Quando a sucção de Samuel diminuiu e ele adormeceu, a cor de volta às bochechas, Emma olhou para cima.
“O outro”, disse ela suavemente.
Jack levantou o segundo bebé, uma menina frágil com o cabelo escuro de Sarah.
“Grace.”
Grace pegou imediatamente, bebendo com fome. Emma embalou devagar, observando esta vida minúscula a puxar força do seu corpo. Jack sentou-se no chão, a olhar para eles como se não conseguisse acreditar que ainda respiravam.
“Pensei que os tinha perdido”, disse ele roucamente. “Pensei que Deus estava a levar tudo.”
Emma não disse nada. O que poderia ela dizer? Ficaram em silêncio enquanto a noite se prolongava. Emma amamentou-os aos dois. Samuel, depois Grace. Grace, depois Samuel até ao amanhecer. De manhã, ambos os bebés dormiam pacificamente, bochechas rosadas, respiração estável. Jack olhou para ela, rosto encovado de exaustão e gratidão.
“Fica”, sussurrou ele. “Por favor, dou-te o teu próprio quarto. Pago-te salário. Só não os deixes.”
Emma olhou para os bebés adormecidos. Estas vidas frágeis tinham dado propósito ao corpo dela novamente.
“Eu fico”, disse ela.
Emma acordou com a luz do sol a entrar por janelas desconhecidas. Então ouviu. O arrulhar suave de bebés. O Rancho Morrison.
Ela estava aqui há 5 dias agora, a amamentar Grace e Samuel, a vê-los ficar mais fortes. Jack falava pouco além das necessidades.
“Obrigado. Precisam de alguma coisa? Fiz café.”
Ele era um fantasma na sua própria casa, trabalhando até à exaustão, entrando apenas para verificar os bebés antes de desaparecer novamente. Emma compreendia. O luto tornava as pessoas silenciosas. Naquela manhã, encontrou-o à mesa a olhar para um papel dobrado.
“O que é isso? Conta da loja de ração?”, disse ele, guardando-o. “Nada com que te preocupares.”
Mas ela viu a pilha de envelopes marcados como vencidos a vermelho.
“Vou gerir isso”, murmurou ele quando a apanhou a olhar.
“Não quis ser indiscreta.”
“Não estás.” Ele serviu-lhe café. Lembrava-se de como ela o tomava agora. “Só não fui à cidade desde que a Sarah morreu. Ainda não consigo encará-los.”
“As contas podem esperar.”
“Terão de esperar. Não estou pronto para os olhares deles. Os sussurros sobre que tipo de homem deixa a mulher morrer.”
O coração de Emma doeu. “Não a deixaste morrer.”
“A cidade não vê dessa maneira.”
Naquela tarde, Emma estava a estender a roupa quando uma carruagem elegante chegou. O estômago dela caiu. Margaret saiu com Thomas ao lado, rosto duro como pedra.
“Emma”, chamou Margaret. “Precisamos de falar.”
Thomas não perdeu tempo. “Faz as malas. Vens para casa.”
“Tenho trabalho aqui”, disse Emma calmamente.
“Trabalho?”, riu Thomas amargamente. “É a isso que chamas?”
Margaret tocou-lhe no braço. “Thomas, por favor.”
Ele sacudiu-a. “Sabes o que as pessoas estão a dizer? A irmã da minha mulher a viver sozinha com um homem solteiro. A cidade inteira está a falar.”
“Os bebés precisam…”
“Não me importa o que os bebés precisam!”, retorquiu Thomas. “Humilhaste-nos. Disse à congregação que sempre tiveste uma moral duvidosa. Que corres para este homem na primeira oportunidade que tiveste.”
O rosto de Emma ficou frio. “Disseste-lhes o quê?”
“A verdade”, disse ele. “Que és desesperada, sem vergonha. Que te ligarias a qualquer homem que olhasse para ti.”
“Thomas!”, arfou Margaret.
“Ela precisa de ouvir. Faz as malas ou certifico-me de que cada pessoa em três condados saiba exatamente que tipo de mulher és.”
As mãos de Emma tremiam. “Eu salvei aqueles bebés.”
“Salvaste-te a ti mesma um bilhete de refeição?”, cuspiu ele.
A porta abriu-se. Não Jack, mas duas figuras pequenas, Lucy e Samuel, sobrinha e sobrinho de Emma, a correr para ela.
“Tia Emma!”, chorou Lucy, abraçando as pernas dela. “O papá disse que tínhamos de te vir buscar, mas eu não quero que vás embora.”
O rosto de Samuel enrugou-se. “Por favor, não vás. És a única que não grita.”
Thomas agarrou o braço de Samuel rudemente. “Entra na carruagem agora.”
“Papá, estás a magoar-me!”
“Eu disse agora.”
Emma ajoelhou-se, abraçando-os a ambos. “Está tudo bem. Vão com o vosso papá.”
Lucy agarrou-se com mais força. “Ele é mau quando não estás lá. Por favor, volta.”
O coração de Emma partiu-se. Margaret finalmente falou.
“Thomas, chega. As crianças precisam…”
“As crianças precisam de aprender que algumas pessoas não valem a pena defender.”
Ele puxou-os para a carruagem.
“Emma, tens até domingo para sair. Depois disso, direi a todos exatamente o que és.”
Partiram numa nuvem de poeira. Emma ficou a tremer no pátio. Nessa noite, não conseguiu dormir. Sentou-se na cozinha, a olhar para o nada. Jack encontrou-a lá perto da meia-noite.
“Ouvi a carruagem”, disse ele calmamente. “O que aconteceu?”
Emma contou-lhe tudo. As ameaças de Thomas, as lágrimas das crianças, o ultimato. Os punhos de Jack cerraram-se.
“Ele não tem o direito.”
“Ele tem todo o direito”, sussurrou Emma. “Ele é família e eu não sou nada.”
“Não és nada.”
“Sou um fardo, um escândalo.”
“Tu és a razão pela qual os meus bebés estão vivos”, disse Jack. “Isso não é nada.”
Emma olhou para as suas mãos. No colo tinha retalhos de tecido, pedaços que encontrara num velho baú.
“O que é isso?”, perguntou ele.
“Pensei em fazer uma colcha para os bebés. Algo quente. Algo que seja só deles.”
Jack olhou para ela. Esta mulher que tinha sido envergonhada e ameaçada, mas ainda queria fazer algo bonito.
“Fica”, disse ele calmamente.
“O Thomas vai…”
“Não me importa o que o Thomas faz.” Os olhos dele encontraram os dela. “Disse por favor.”
Emma olhou para ele, olhou realmente para este homem quebrado que lhe mostrara mais gentileza em 5 dias do que a sua própria família em meses.
“Eu fico”, sussurrou ela.
Lá fora o vento aumentou. Lá dentro, Emma começou a costurar, peça por peça, ponto por ponto, construindo algo inteiro a partir de coisas partidas. Emma estava no rancho Morrison há 6 semanas, e o mundo amaciara à sua volta. Os bebés estavam a prosperar, cor-de-rosa e redondos, as suas mãos minúsculas sempre a alcançar. Grace aprendera a rir, um som que fazia até os cavalos levantarem a cabeça.
Samuel dormia com um punho enrolado contra a bochecha, sonhando os seus sonhos de bebé. A vida encontrara um ritmo novamente, não através do conforto, mas da necessidade. Todas as manhãs, Emma varria o alpendre, ordenhava a vaca e estendia a roupa enquanto o vento trazia o cheiro a terra molhada. Jack levantava-se antes do amanhecer, tratando das cercas e do gado, sempre em movimento, sempre silencioso.
Viviam como duas almas a orbitar o mesmo luto, perto o suficiente para sentir o calor do outro, mas nunca perto o suficiente para tocar. O povo da cidade começara a falar, claro. A viúva da orla da cidade, a viver sob o teto de um rancheiro. Sem anel, sem pregador, sem razão.
Emma fingia não ouvir, mas às vezes quando ia à cidade buscar farinha ou tecido, o ar à volta dela mudava. Os sorrisos dos lojistas tornavam-se finos. As conversas acalmavam quando ela passava. Uma vez, vislumbrou o seu reflexo numa janela e quase não se reconheceu. Não a mulher quebrada de antes, mas alguém a meio caminho de ser reconstruído. Nessa noite, o vento estava inquieto, a chocalhar os beirais.
Os bebés dormiam no berço junto ao fogo. Emma sentou-se a costurar à luz da lâmpada, os dedos a moverem-se sem pensar. Jack estava junto à porta, a remendar uma correia de sela, a mandíbula sombreada por dias de trabalho e preocupação.
“Não tens de continuar a arranjar coisas a esta hora”, disse ela suavemente.
Ele não olhou para cima.
“Se eu parar, começo a pensar na Sarah. Em tudo.”
O silêncio instalou-se entre eles. Apenas o fogo estalava. Emma pousou a agulha.
“Achas que eles te julgam pelo que aconteceu?”
“Eu sei que sim.” A voz dele era baixa, amarga. “Um homem não consegue manter a mulher viva. A cidade decide que ele é amaldiçoado. Um homem deixa outra mulher sob o seu teto. Dizem que ele é sem vergonha.”
Ela observou-o por um longo momento.
“E o que dizes tu?”
Jack olhou para ela, olhou realmente.
“Digo que eles não sabem o que é segurar dois bebés moribundos e rezar por um milagre. Entraste pela minha porta e eles começaram a respirar de novo. Não me importa como alguém chame a isso.”
A garganta de Emma doeu. “Fazes parecer que eu te salvei.”
Ele deu um sorriso triste e ténue. “Talvez tenhas.”
As palavras perduraram entre eles, frágeis como vidro. Algumas noites depois, as luzes do alpendre ardiam muito depois de a casa ter ficado silenciosa. Emma sentou-se nos degraus. A colcha de retalhos finalmente terminada no colo. 6 semanas de trabalho, cada pedaço de tecido costurado junto em algo bonito. A porta abriu-se atrás dela.
“Não consegues dormir?”, a voz de Jack era suave.
“Muita coisa na cabeça.”
Ele sentou-se ao lado dela perto o suficiente para que ela sentisse o calor dele no ar frio da noite. Os olhos dele caíram sobre a colcha.
“Acabaste-a.”
“Finalmente.” Emma correu os dedos pelos pontos. “Queria que eles tivessem algo que fosse feito só para eles. Algo que ninguém possa tirar.”
Jack estendeu a mão, tocando o tecido gentilmente. Os dedos dele roçaram os dela. Nenhum se afastou.
“É linda”, disse ele calmamente. “A tua…”, ele parou.
“A minha o quê?”
“Nada.”
Mas a maneira como ele olhou para ela dizia tudo. Na tarde seguinte, Jack foi à cidade a cavalo buscar ração e remédios. Tinha-lhe pedido para ir. Ela recusou.
“As pessoas já falaram o suficiente sobre mim”, disse ela.
Por isso ficou para trás, a lavar os cobertores dos bebés e a tentar não pensar em como os sussurros poderiam soar na presença dele. Ao anoitecer, ele não tinha regressado. O horizonte tornou-se dourado, depois azul, depois preto. Emma ficou no alpendre, mãos a torcer a ponta do avental.
Quando a carroça finalmente apareceu, ela exalou uma respiração que não percebera que estava a suster. Mas um olhar para o rosto de Jack disse-lhe que algo tinha acontecido. Ele não disse nada enquanto levava os sacos para dentro. Os nós dos dedos estavam esfolados em carne viva.
“Jack”, sussurrou ela.
“Apenas um tolo que pensou que a minha família era dele para insultar”, murmurou ele.
Ela franziu a testa. “Thomas.”
“Thomas. As palavras dele na boca de outros homens.”
Ele serviu-se de uma bebida com mãos trémulas. Emma moveu-se para tirar o copo.
“Não podes lutar contra a cidade inteira.”
“Não preciso”, disse ele. “Só preciso de garantir que nunca se esqueçam de quem é o teto sobre o qual estão a falar.”
Ela queria ficar zangada, dizer-lhe que era imprudente. Mas quando olhou para ele, pó no cabelo, sangue na mão e algo feroz a arder nos olhos, não conseguiu.
“Defendeste-me”, disse ela calmamente.
Ele olhou para cima. “Não merecias ser cuspida.”
“Não”, disse ela. “Mas também não merecia ser defendida.”
Jack piscou, confuso. Emma sorriu fracamente.
“Há muito tempo que ninguém pensava que eu valia tanto assim.”
Nessa noite, quando a casa ficou silenciosa, Emma ficou junto ao berço dos bebés. Os dedos minúsculos de Grace enrolaram-se nos dela. A respiração de Samuel subia e descia contra o braço dela. Atrás dela, Jack permaneceu na porta, a observar.
“Devias dormir”, disse ela suavemente, sem se virar.
“Vou dormir. Obrigado pelo que fizeste na cidade.”
Ele assentiu. “Não o fiz por agradecimentos.”
“Eu sei.”
Ela finalmente virou-se para ele. A luz do fogo apanhava as linhas do rosto dele. O cansaço, a teimosia, a bondade por baixo de tudo. Ele aproximou-se o suficiente para que ela sentisse o calor dele.
“Emma”, disse ele, o nome dela quieto como uma oração.
“Sim.”
Ele hesitou. “Às vezes penso que te irás embora quando os bebés já não precisarem de ti.”
O coração dela apertou. “Às vezes penso que só me queres porque eles precisam.”
Ambos congelaram, assustados por terem dito a mesma verdade de maneiras diferentes. Jack engoliu em seco.
“Isso não é…”
Emma abanou a cabeça. “Não tens de explicar.” Virou-se de volta para o berço, a voz a quebrar. “Vim para aqui porque precisava de me sentir útil novamente. Fiquei porque não queria sentir-me vazia mais. Mas talvez isso não seja amor. Talvez sejam apenas duas pessoas quebradas a tentar preencher o mesmo silêncio.”
As mãos de Jack enrolaram-se em punhos ao lado do corpo. Queria dizer-lhe que estava errada, que ela era tudo, mas as palavras ficaram presas. Finalmente, disse:
“Se alguma vez fores embora, espero que leves algo contigo que tenha valido a pena ficar.”
Os olhos dela brilharam. “Já levo.”
Ele saiu antes que ela pudesse ver o rosto dele. Ela ficou à luz tremeluzente do fogo, a ouvir os bebés respirar, sussurrando: “Ele pensa que vou embora quando não precisarem de mim. Eu penso que ele só me mantém porque eles precisam.” Lá fora, o vento aumentou novamente, trazendo o cheiro a chuva e o peso de palavras que nenhum deles era corajoso o suficiente para dizer.
A mulher chegou numa manhã de terça-feira numa carruagem polida, vestindo seda preta e postura perfeita. Emma estava no jardim, terra debaixo das unhas, cabelo a cair solto do coque. Olhou para cima ao som das rodas e sentiu o estômago cair. A mulher era bonita, elegante, tudo o que Emma não era. Jack saiu do celeiro, limpando as mãos nas calças de trabalho. Parou quando viu a carruagem.
Um homem bem vestido desceu primeiro, o Diácono Williams da igreja, depois ajudou a mulher a descer.
“Sr. Morrison”, chamou o diácono, a voz a ecoar pelo pátio. “Podemos ter uma palavra?”
Emma ficou congelada no jardim a observar. Jack olhou na direção dela uma vez, depois caminhou para os encontrar.
“Esta é a Sra. Catherine Westfield”, disse o diácono. “Viúva recentemente. Veio de Silver Creek.”
A Sra. Westfield estendeu uma mão enluvada. O sorriso era ensaiado. Perfeito.
“Sr. Morrison, ouvi falar da sua… situação.”
“A minha situação?”, a voz de Jack era plana.
“Os seus gémeos”, corrigiu ela suavemente. “Tal tragédia, perder a mãe. Mas entendo que encontrou ajuda temporária.”
O rosto de Emma ardeu. Ela sabia exatamente o que temporária significava.
“A Srta. Emma tem cuidado dos meus filhos há 7 semanas”, disse Jack cuidadosamente.
“Claro, claro.” O sorriso do diácono era oleoso. “E estamos todos gratos pelo serviço dela. Mas a Sra. Westfield aqui é uma viúva respeitável, Robert. Amamentou três filhos próprios, e está disposta a assumir os deveres. Seria mais apropriado.”
A Sra. Westfield aproximou-se de Jack.
“Sei como deve ser difícil, Sr. Morrison, criar gémeos sozinho, ter de confiar em arranjos inadequados.” Os olhos dela saltaram para Emma, desdenhosos. “Posso fornecer cuidados adequados e aparências adequadas.”
Jack não disse nada. Emma observou o rosto dele, esperando que ele recusasse, que lhes dissesse não, mas ele apenas ficou ali em silêncio.
“O conselho da cidade discutiu o assunto”, continuou o diácono. “Todos concordamos que esta é a melhor solução. A Sra. Westfield pode mudar-se para o seu quarto de hóspedes, completamente adequado, completamente respeitável, e a Srta. Emma pode voltar para a família, onde pertence.”
“Não tenho família”, sussurrou Emma, demasiado baixo para ouvirem.
A mandíbula de Jack apertou. “Preciso de pensar sobre o assunto.”
O mundo de Emma inclinou-se. “Ele está a considerar.”
“Claro”, disse a Sra. Westfield calorosamente. “É uma grande decisão, mas espero que considere o que é melhor para os seus filhos e para a sua reputação.” Tocou-lhe levemente no braço. “Um homem na sua posição precisa de pensar no futuro, no que as pessoas dirão.”
Falaram por mais 10 minutos. Emma já não conseguia ouvir as palavras. Apenas o murmúrio de vozes, o som do seu coração a partir. Finalmente, a carruagem partiu. Jack ficou no pátio, a olhar para ela. Emma esperou que ele viesse ter com ela, que explicasse, que lhe dissesse que não significava nada. Ele não o fez. Caminhou de volta para o celeiro sem uma palavra.
Nessa noite, Emma não conseguia parar de tremer. Amamentou os gémeos como sempre, Grace primeiro, depois Samuel. Mas a mente dela estava noutro lugar. Ele hesitou. Ele realmente hesitou. Depois de os bebés adormecerem, foi para o seu quarto pequeno e puxou o velho saco de viagem. Tinha tão poucos pertences: um vestido extra, a escova de cabelo da mãe, a Bíblia com o nome da filha escrito dentro. Cabiam facilmente.
Estava a dobrar a camisa de dormir quando Jack apareceu na porta.
“O que estás a fazer?”
“A fazer as malas.” A voz dela era estável. Vazia.
“Emma, está tudo bem.”
Ela não olhou para ele.
“A Sra. Westfield tem razão. Ela é adequada, respeitável, melhor para o futuro dos gémeos.”
“Eu não disse…”
“Não disseste não.” Agora ela olhou para ele e os olhos estavam a arder. “Ficaste ali parado e consideraste como se eu fosse algo que podes simplesmente substituir.”
O rosto de Jack contorceu-se. “Não é…”
“Vi a tua cara, Jack. Hesitaste.”
“Porque estava a pensar em ti!” A voz dele aumentou. “No que esta cidade está a fazer à tua reputação. No Thomas a espalhar mentiras. Em… em como seria muito mais fácil com alguém adequado.”
A voz de Emma quebrou. “Alguém que não venha com escândalo. Alguém que a cidade aprove.”
“Não foi isso que eu estava a pensar.”
“Então o que estavas a pensar?”
Jack abriu a boca, fechou-a. As palavras não vinham. O silêncio estendeu-se entre eles, doloroso e vasto.
“Foi o que eu pensei”, sussurrou Emma.
Virou-se de volta para as malas. Do outro quarto, começou um choro, depois outro. Ambos os gémeos a chorar em uníssono. Emma correu para eles. Estavam emaranhados na colcha de retalhos, os rostos vermelhos e furiosos. Ela pegou em Grace, mas a bebé arqueou-se para longe dela, chorando mais forte. Samuel fez o mesmo, empurrando o ombro dela, inconsolável.
“Shh, shh”, sussurrou Emma, lágrimas a escorrer pelo rosto. “Por favor, bebés, por favor.”
Mas eles não acalmavam. Choravam e choravam como se soubessem, como se entendessem que ela os estava a deixar. Jack estava na porta a ver Emma tentar desesperadamente acalmá-los enquanto se desmoronava ela própria. Grace agarrou um punhado da colcha e não largava, a gritar. O punho pequeno de Samuel agarrava o colarinho de Emma.
“Eles sabem”, soluçou Emma. “Eles sabem que vou deixá-los.”
O peito de Jack parecia estar a ceder. Observou Emma, esta mulher que salvara os filhos dele, transformara a casa dele, de alguma forma costurara o coração partido dele de volta, a chorar enquanto os bebés dele gritavam nos braços dela.
E percebeu com clareza terrível e atordoante: “Estou prestes a perdê-la. Não porque a cidade exigiu, não porque a Sra. Westfield era mais adequada, mas porque ele tinha tido demasiado medo de lutar por ela, demasiado preocupado com as aparências, demasiado assustado para dizer as palavras que importavam. Eu amo-te. Não vás. Fica comigo.”
Emma finalmente conseguiu que os gémeos se acalmassem, exaustos contra os ombros dela. Levantou-se lentamente, ainda a segurá-los, a colcha a arrastar no chão.
“Partirei de manhã”, sussurrou sem olhar para ele. “A Sra. Westfield pode começar amanhã à tarde. Os gémeos adaptar-se-ão.”
Levou-os para o berço, deitou-os gentilmente, aconchegou a colcha à volta deles. Depois passou por Jack para o quarto dela, e fechou a porta. Jack ficou sozinho na casa escurecida. Lá fora, o vento uivava. Lá dentro, tudo se partia.
“Fez a escolha certa”, dissera a matrona quando Emma chegou naquela manhã, mala na mão. “Uma mulher deve pensar na sua reputação. A Sra. Westfield está lá agora. Adequada, respeitável, tudo como deve ser. Tudo como deve ser.”
Emma olhou para o teto rachado e quis morrer. Os braços sentiam-se vazios. O peito doía. O coração era uma ferida aberta e a sangrar. A mãozinha de Grace na bochecha. Os suspiros sonolentos de Samuel contra o ombro. A maneira como ambos a procuravam no escuro. Tudo desaparecido.
Emma trabalhava na cozinha da pensão, mãos a mover-se automaticamente, a descascar batatas, a lavar pratos, a existir. Pela janela, ouviu as mulheres da igreja a fofocar.
“A Sra. Westfield está a instalar-se bem no Rancho Morrison. Muito mais apropriado. Finalmente, alguma propriedade restaurada.”
As mãos de Emma pararam na água da lavagem. Estarão os gémeos a comer? Estarão a dormir? A Grace ainda luta contra a alimentação da tarde? Nessa noite, sozinha no quarto, o leite de Emma veio tão dolorosamente que ela soluçou na almofada. O corpo dela não entendia. Ainda acreditava que ela era mãe.
“Mas não sou. Nunca fui. Nunca foram meus.”
Emma estava a estender a roupa quando ouviu. Choro. Desesperado, de coração partido, lamento. Duas vozes que ela conheceria em qualquer lugar. Largou os lençóis e correu para a janela. Jack estava na rua em baixo, a segurar ambos os gémeos. O rosto dele estava abatido, desesperado.
Os bebés gritavam, rostos vermelhos, corpos a arquear para longe dele. Emma voou pelas escadas, irrompendo pela porta da frente.
“Jack!”
Ele olhou para cima e o alívio nos olhos dele quase a quebrou.
“Eles não comem”, disse ele roucamente. “A Sra. Westfield tentou tudo. Eles apenas… apenas choram há 3 dias. Emma, eles estão a deixar-se morrer à fome.”
Emma estendeu a mão para Grace instintivamente. O choro da bebé parou no instante em que ela lhe tocou. Mãos pequenas agarrando o vestido de Emma.
“Para dentro”, sussurrou Emma. “Traz o Samuel.”
As mulheres da pensão reuniram-se no corredor, observando enquanto Emma se sentava na sala e desabotoava o vestido. Grace pegou imediatamente, bebendo desesperadamente. As lágrimas de Emma caíram no cabelo escuro da bebé.
“Oh, querida. Oh, minha doce menina.”
Jack ajoelhou-se ao lado dela, segurando Samuel, que choramingava e estendia a mão para Emma. Quando Grace acabou, Emma pegou em Samuel. Ele mamou freneticamente, o punho pequeno a apertar os dedos dela com tanta força que doía. As mulheres da pensão sussurravam. Emma não se importou.
Quando ambos os bebés finalmente acalmaram, cheios, sonolentos, contentes, Emma olhou para Jack.
“Virei duas vezes por dia”, disse ela calmamente. “Manhã e noite. Amamentá-los-ei, mas não viverei mais no rancho.”
O rosto de Jack ficou muito quieto.
“Não.”
“É uma solução. Serão alimentados. E…”
“Não.” Ele levantou-se abruptamente. “Isso não é suficiente.”
Emma olhou para ele. “Mas eles precisam…”
“Não quero que venhas duas vezes por dia como ajuda contratada.” A voz dele tremeu. “Não quero um arranjo. Não quero praticidade.”
“Então o que queres?”
“Quero-te como minha esposa.”
As palavras irromperam dele.
“Quero acordar ao teu lado todas as manhãs. Quero ver-te fazer pão na minha cozinha. Quero mais bebés. Os nossos bebés. Quero envelhecer a saber que és minha.”
A respiração de Emma prendeu. “Os gémeos precisam de mim.”
“Então deixa a Sra. Westfield continuar a tentar.”
A voz de Jack aumentou, desesperada.
“Deixa-me contratar amas de leite. Eu arranjo alguma coisa. Mas não consigo.” A voz dele quebrou. “Não consigo perceber como respirar sem ti.”
A matrona da pensão apareceu na porta. “Sr. Morrison, isto é altamente inapropriado.”
Jack girou para ela, a voz a ecoar pela casa. “Estou a pedir em casamento a mulher que amo. Isso é inapropriado o suficiente para si?”
O silêncio estalou pela pensão. Emma levantou-se lentamente, ainda a segurar Samuel.
“Deixá-los-ias passar fome para provar que isto não é sobre necessidade?”
“Deixaria o mundo inteiro arder”, disse Jack ferozmente. “Se fosse isso que fosse preciso para provar que te amo. Não o que fazes, não o que forneces. Tu.”
Emma olhou para o rosto dele, devastado, desesperado, completamente honesto. E ela soube.
“Sim”, sussurrou ela.
Jack atravessou a sala em dois passos, segurando o rosto dela, beijando-a enquanto as mulheres da pensão arfavam em choque.
“Amanhã”, disse ele contra os lábios dela. “Casamos amanhã.”
“Amanhã”, concordou ela.
Um ano depois, Emma sentou-se no alpendre a amamentar a bebé Rose enquanto os gémeos, agora a andar, crianças tagarelas, brincavam na colcha de retalhos espalhada pelo pátio. Uma carroça apareceu na estrada. Margaret com Lucy e o jovem Samuel. Jack tensou-se ao lado de Emma, mas ela tocou-lhe na mão.
“Está tudo bem.”
Margaret desceu lentamente, os filhos a correr à frente. Lucy atirou-se aos joelhos de Emma.
“Tia Emma! Trouxemos presentes para os bebés.”
Margaret aproximou-se, uma nódoa negra a desvanecer para amarelo no pulso. Os olhos estavam vermelhos mas claros.
“Deixei-o”, disse ela calmamente. “Finalmente deixei o Thomas.”
Emma não disse nada, apenas esperou.
“Estava errada sobre tudo. A maneira como o deixei tratar-te, as mentiras em que acreditei.” A voz de Margaret quebrou. “Podes alguma vez perdoar-me?”
Emma olhou para a irmã, quebrada, corajosa, finalmente livre.
“Entra”, disse Emma suavemente. “Há pão fresco. Fica para jantar.”
O rosto de Margaret desmoronou-se. “Tu ainda…”
“És família”, disse Emma. “És sempre família.”
Nessa noite, Emma ficou na porta a ver Margaret brincar com as crianças, todas elas, enquanto Jack preparava a mesa. Ele veio por trás dela, envolveu os braços à volta da cintura dela.
“Feliz?”, sussurrou ele.
Emma olhou para a vida que tinham construído das cinzas. Para as crianças a brincar, para a irmã finalmente segura, para este homem que a escolhera quando o mundo dizia que ela não valia a pena escolher.
“Estou feliz”, suspirou ela.
Jack beijou-lhe a têmpora. “Bom. Porque planeio passar a eternidade a garantir que fiques assim.”
Lá dentro, o riso ecoava. Lá fora, as estrelas começavam a aparecer. Duas pessoas quebradas tinham encontrado a plenitude uma na outra. Um corpo que se lembrava tinha finalmente curado. E amor.