
Casaram sua filha CEGA com o GENERAL mais CRUEL… mas uma NOITE nas CAVALARIÇAS MUDOU TUDO
Casaram sua filha cega com o general mais cruel da região. Era o que diziam os que murmuravam nos bancos do fundo, enquanto o eco da igreja se misturava com o cheiro de incenso e de flores murchas. Ela não via os rostos que a observavam, mas sentia cada olhar sobre sua pele como agulhas.
Sentia a tensão do ar, a respiração contida de sua mãe, o leve tremor nas mãos do sacerdote. A única coisa que não sentia era a mão do homem com quem a estavam unindo para toda a vida. O general, o homem de quem todos falavam em voz baixa, o que voltava da guerra com cicatrizes que ninguém se atrevia a olhar por muito tempo, o que usava uniforme inclusive nos dias de missa e que nunca sorria.
A filha cega só sabia o seu nome, Aurelio, e sabia que era viúvo, que tinha amado uma vez, e que agora, diziam, não era capaz de amar ninguém. O que ninguém imaginava naquela manhã calorosa é que não seria a igreja, nem o quarto, nem a mesa do jantar o lugar onde essa união se tornaria real. Seria uma noite de tempestade nas cavalariças, entre o cheiro de feno, chuva e pele molhada. E essa noite mudaria tudo.
Chamava-se Elena. Tinha pouco mais de 20 anos, pele suave, cabelos longos recolhidos em uma trança que chegava quase até a cintura e uns olhos grandes, claros e vazios de luz, desde que uma febre a levou quando era criança. As pessoas diziam que, por fora, parecia uma boneca de porcelana. Por dentro, ninguém sabia porque ninguém perguntava.
Sua mãe, Dona Rosa, apertava o rosário entre os dedos enquanto o sacerdote recitava as palavras do matrimônio. Não era um casamento por amor, era um acordo. O general Aurelio havia perdoado uma dívida grande em troca da mão de Elena. Era isso, ou perder a casa, a terra, a pouca segurança que lhes restava.
“Você aceita este homem como esposo?”, perguntou o sacerdote. Elena engoliu em seco. Não via o altar. Não via o rosto do general, mas o sentia perto. Um calor distinto, um cheiro de couro, tabaco e suor seco e algo mais, uma presença pesada, como se a vida inteira desse homem pesasse sobre a pedra da igreja. “Sim”, respondeu ela com voz baixa, mas firme.
O sacerdote repetiu a pergunta para ele. “Você aceita esta mulher como esposa?” Houve um silêncio muito breve, cortado, e depois uma voz grave, áspera, que quase soou como um rosnado. “Aceito.” Não disse o nome dela, não disse Elena, apenas “aceito”. Ela sentiu uma pontada no peito. Quando aproximaram a mão dele para que ela a tocasse pela primeira vez, notou a pele áspera, os dedos fortes, uma cicatriz que cruzava o dorso.
A mão não a apertou. Apenas fez contato e se retirou. Casaram-se assim, com palavras que pareciam mais um trato do que uma promessa. E, no entanto, essa união selada sob o murmúrio dos curiosos escondia uma história que nem sequer o próprio general estava preparado para viver. A tarde estava pesada quando chegaram à fazenda do general.
Elena não via a silhueta branca da casa recortando-se contra o céu do México, nem os arcos do pátio, nem as janelas altas que davam para o jardim, mas sentia tudo. A mudança de solo sob seus pés, de terra solta para pedra lisa; o eco das vozes dos criados correndo, o tilintar de baldes, o ranger de couros e estribos; o cheirinho úmido da fonte no centro do pátio e, sobretudo, a presença dele a um par de passos, sempre perto, sempre calado.
“Vou te ajudar a subir”, disse uma voz feminina ao seu lado. Era Ramona, uma das criadas. Tomou-a pelo braço com suavidade e a guiou para a escada. “Seu quarto está pronto, meu general”, anunciou outra voz. “E também o da senhora.” Elena percebeu o detalhe. O quarto da senhora, não o dos dois — quartos separados.
Sentiu um pequeno alívio misturado com decepção. Nem ela mesma entendia por que. Subiu os degraus com cuidado, contando cada um em silêncio. Ramona descrevia em sussurros que o corredor era longo, que à direita havia quadros, que à esquerda se abriam quartos. “Aqui”, disse a criada. “Este será o seu quarto, senhora.”
Pararam. Elena ouviu a porta abrir-se. Percebeu o cheiro de madeira encerada, de lençóis limpos, de flores frescas em algum jarro. “Obrigada”, murmurou. Atrás, ao fundo do corredor, ouviu o som das botas do general afastando-se sem uma palavra, sem um olhar, embora ela não pudesse vê-lo.
Esa primeira noite, Elena dormiu sozinha em uma cama grande demais, em uma casa que não conhecia, junto a um homem em quem mal havia tocado a mão. Não sabia ainda que, antes que essa lua mudasse, suas mãos percorreriam a pele marcada por cicatrizes desse homem, que seu perfume se misturaria com o cheiro de sabão e água quente, que ele chegaria a tremer sob seus dedos e que a noite nas cavalariças não seria um pecado isolado, mas a única forma que ambos encontrariam de se sentirem vivos.
Nos dias seguintes, Elena foi conhecendo seu esposo através de sons, silêncios e comentários alheios. Chamava-se Aurelio Vargas. Nos povoados próximos o chamavam simplesmente de “o General Vargas”. Havia passado metade da vida montado a cavalo à frente de homens armados, defendendo terras, sufocando revoltas, obedecendo ordens de outros mais poderosos que ele.
Havia visto sangue demais, perdas demais, noites demais sem dormir. E, em algum ponto do caminho, algo nele havia endurecido tanto que as pessoas deixaram de falar de um homem e começaram a falar de uma rocha. Elena o escutava dar ordens no pátio com voz firme, sem hesitar. “Mais rápido, isso não é suficiente. Não volte a falhar.” Nunca gritava diretamente com ela, mas também não lhe dirigia muitas palavras.
Pelas manhãs, Ramona a ajudava a se vestir, explicava onde estava a janela, o armário, a cadeira. Elena memorizava tudo com paciência. Pelas tardes, deixavam-na tocar o piano velho do salão. Seus dedos, que não viam, moviam-se como se buscassem uma luz que não estava nos olhos, mas no som.
Às vezes, enquanto tocava, sentia a presença do general no batente da porta. Não dizia nada. Elena não o via, mas percebia sua respiração, o ranger leve do couro de seu cinturão, o murmúrio abafado de sua voz quando respondia algo a um soldado. Nunca se aproximava demais. Ficava a certa distância, como se ela fosse algo delicado que ele não soubesse como tocar.
Passaram-se alguns dias antes que lhe falassem das cicatrizes. Foi Ramona enquanto prendia seu cabelo. “É verdade que o general tem cicatrizes no rosto?”, perguntou Elena com curiosidade. A criada hesitou. “No rosto e no corpo, senhora”, respondeu por fim. “Dizem que cada marca é de uma batalha, que por isso ele é como é, porque já viu de tudo.”
Naquela noite, enquanto jantavam na mesa longa do refeitório, Elena se atreveu a fazer algo que não havia feito até então. Alongou a mão para onde sabia que ele estava. Não via o prato, nem o copo, nem o seu rosto. Apenas estendeu os dedos com cuidado até que roçou o antebraço dele.
Sentiu a pele quente, a textura de uma cicatriz alongada, algo rugosa, que cruzava o músculo. Aurelio tensionou. Durante um segundo pareceu que iria se afastar bruscamente, mas não o fez. Ficou quieto. Elena deixou que seus dedos seguissem um pouco mais, como se estivesse lendo uma palavra escrita em sua pele.
“Te dói?”, perguntou em voz baixa. Ele demorou alguns segundos para responder. “Já não”, disse por fim. “O que dói não deixa marcas por fora.” Elena retirou a mão com o coração agitado. Não era uma frase amável, mas também não era a voz dura com que falava com os outros. Era a primeira fenda na couraça.
Um par de semanas depois do casamento, Ramona chegou uma tarde ao quarto de Elena com uma timidez inusitada. “Senhora, o general pediu algo.” “Diga-me”, respondeu Elena, sentando-se na beira da cama. “Ele quer que…” a criada limpou a garganta “…que a senhora o ajude com o banho.”
Elena sentiu o calor subir ao rosto. “Eu?”, sussurrou. “É a esposa dele”, disse Ramona. “E o médico disse que a água quente o ajuda com as dores. Antes os soldados ou os moços faziam isso, mas agora ele quer que seja a senhora.” A ideia a assustava e, ao mesmo tempo, a incendiava por dentro. Nunca tinha visto um corpo nu, nem sequer o seu, além do que suas mãos alcançavam reconhecer. Pensar nas cicatrizes, na pele marcada do general sob a água, a fazia tremer.
“Está bem”, disse, depois de um momento. “Diga a ele que irei.” O banheiro do general cheirava a sabão de soda, a madeira úmida e a metal quente. Elena entrou devagar, guiada por Ramona até a mesa onde estavam a bacia, as jarras e as toalhas. “Eu a deixo aqui, senhora”, sussurrou a criada. “O general está dentro da banheira.”
Quando Ramona se foi, o silêncio pesou de uma forma nova. Elena ouviu o ranger da água quando ele se movia. O leve chapinhar, o som de sua respiração. “Pode se aproximar”, disse Aurelio. Com aquela voz grave que poucas vezes lhe dirigia diretamente, Elena avançou devagar com as mãos estendidas até que seus dedos tocaram a borda de pedra da banheira.
A água estava quente. O vapor subia enchendo o ar. “Diga-me, o que quer que eu faça?”, murmurou ela. Houve um instante de hesitação. “Apenas lave minhas costas”, respondeu ele. “Só isso.” Elena tomou uma esponja, mergulhou-a na água, escorreu-a com cuidado e a apoiou sobre a pele do general.
Não via nada, mas suas mãos viam tudo. Sentiu os ombros largos, duros como pedra; as cicatrizes, algumas finas como fios, outras grossas como cordas. A tensão no pescoço cada vez que passava perto de uma marca; movia-se devagar, com respeito, como se tocasse uma história proibida. Em um momento, a esponja escorregou um pouco para o lado, descendo mais do que ela pretendia.
Seus dedos, úmidos, roçaram a cintura dele. A linha onde o corpo começava a ser mais íntimo. Aurelio tensionou de golpe. Sua mão saiu da água e agarrou o pulso dela com força. Não a machucou, mas a conteve. Elena aspirou uma lufada de ar. Estavam perto, muito perto. Ele puxou suavemente o pulso dela para si, de modo que ela perdeu o equilíbrio e teve que se inclinar, apoiando a outra mão na borda da banheira.
Podia sentir o calor do corpo dele sob a água, podia cheirar sua pele, mistura de sabão, suor e algo profundamente masculino. “Não tem que fazer isso”, disse ele com a voz rouca. “Não toque onde não te pedi.” Não era uma ordem gritada. Soava mais como uma súplica mal disfarçada. Elena engoliu em seco. “Sou sua esposa”, sussurrou quase sem pensar.
Houve um silêncio denso. “Por isso mesmo”, respondeu ele, aproximando o rosto do dela, embora ela não pudesse vê-lo. “Porque você é, e não quero te tratar como me trataram a vida inteira.” Seu hálito chocou-se com o dela. Por um segundo, ela acreditou que ele iria beijá-la. Sua mão continuava segurando o pulso dela, seus corpos muito perto, a água quente respingando em seus braços, mas Aurelio afrouxou a pressão, afastou-se um pouco e murmurou: “Isso é suficiente por hoje. Pode ir.”
Elena ficou quieta, sentindo como o coração lhe golpeava o peito. Seu corpo inteiro estava desperto, como se a pele tivesse se enchido de faíscas. Não se deitaram, ele não a tocou de forma explícita. Mas algo havia se acendido e ela sabia que não iria se apagar facilmente.
Nos dias seguintes, o general evitou chamá-la para o banho. Elena notou a distância. Não era apenas física. Era como se ele temesse se aproximar demais, não por ela, mas pelo que despertava em si mesmo. Ela, por sua parte, descobriu-se pensando no corpo dele mais frequentemente do que queria admitir. Recordava a largura de seus ombros sob a esponja, a textura das cicatrizes, a força contida na mão que segurou seu pulso.
Pelas noites, sozinha em sua cama, repensava a cena uma e outra vez. Sentia o calor subir-lhe ao rosto, ao pescoço, ao peito. Dizia a si mesma que era vergonhoso, mas não podia evitar. Supunha-se que deveria compartilhar a cama com ele. Supunha-se que, como esposa, seu dever era entregar o corpo sem perguntas, mas ele dormia em outro quarto e o único contato que haviam tido, além de uma mão sobre a outra, havia sido aquele banho interrompido pela metade.
Havia algo quebrado no general, algo que não lhe permitia se aproximar, embora sua respiração se agitasse cada vez que ela estava por perto. Ele se via como um animal. Ela ainda não sabia, mas iria descobrindo através de pequenos gestos, como quando a ouviu tropeçar no jardim e acudiu correndo, sem pensar, para segurá-la.
Ou quando mandou trazer um cavalo manso de passo lento e o ofereceu apenas a ela. “Não quero que viva na escuridão dentro de casa”, disse. “Este cavalo te levará pelos caminhos. Aprenderá a se orientar com o vento e o terreno.” Não soava doce, mas o gesto era. Uma tarde, Elena sentiu a necessidade de água quente na pele.
Havia passado o dia percorrendo a fazenda com a ajuda de Ramona, memorizando portas, esquinas, degraus. Pediu que preparassem a banheira do quarto que lhe correspondia. Ramona a ajudou a se despir com delicadeza. Elena nunca via seu próprio corpo, mas o conhecia através do tato. Os braços delgados, o peito que subia e descia mais rápido desde que chegou à fazenda, a curva da cintura. Entrou na água com um suspiro.
Fechou os olhos, embora ver ou não ver não mudasse nada. Ficou assim, com o cabelo solto flutuando, a pele ardendo e esfriando por vezes com cada movimento, quando ouviu algo que não esperava: a porta se abrindo. “Pensei que…” a voz de Aurelio parou. Elena cobriu-se instintivamente com os braços, embora a água já a escondesse.
“Perdão”, murmurou. “Não sabia que estava aqui.” O silêncio encheu-se de gotas caindo do teto, de estalidos de madeira. Elena sentia-se exposta e, ao mesmo tempo, estranhamente forte. “É o meu banho”, disse. “E o meu corpo.” Não foi uma reclamação, mas uma simples verdade. Aurelio não se foi. Fechou a porta atrás de si e se aproximou alguns passos. “Tem razão”, concedeu.
“Mas sou um homem, Elena. Não me acostumo a entrar em um quarto e…” interrompeu-se. “Não quero te olhar como não devo.” Elena sorriu apenas. “Sou sua esposa”, disse com voz suave. “Como deve me olhar então?” Ele soltou uma risada baixa, sem alegria. “Aí está o problema”, respondeu. “Que não estou seguro de merecer te olhar como se olha uma esposa.”
Aproximou-se o suficiente para que ela sentisse sua presença logo ao lado da banheira. Sua mão calosa pousou na borda de pedra, muito perto de onde repousava a dela. “Se não quiser que eu fique, vou-me agora mesmo”, acrescentou. Elena hesitou. Seu coração a empurrava para um lado, a educação para outro. “Fique”, sussurrou ao final. “Não vou me quebrar porque você está perto.”
Ele não se moveu durante alguns segundos. Logo, com muito cuidado, tomou uma jarra pequena, encheu-a de água e a despejou sobre os ombros dela. A água quente caiu em cascata pelas costas dela. Sua pele arrepiou. “Diga-me se te incomoda”, disse Aurelio. “Só quero te ajudar a enxaguar o sabão.” Elena deixou que a água caísse, fechou os olhos, inclinou a cabeça para frente, deixando o pescoço exposto.
Sentia o percurso do líquido baixar por sua nuca, escorregar pela coluna, perder-se sob a superfície. A mão dele, ainda com a jarra, roçou por acidente seu ombro nu. Foi um toque mínimo, mas despertou algo tão intenso quanto a cena do primeiro banho. Seu peito começou a subir e descer mais rápido. Elena percebeu, pelo silêncio dele, que o general também havia notado a mudança em sua respiração.
A tensão tornou-se quase insuportável. A sensação de estar nua, rodeada de água com esse homem tão perto, era uma mistura de medo, desejo e algo profundamente desconhecido. Então, antes que nada fosse longe demais, ele afastou a mão. “Já está”, disse com a voz mais rouca. “Não deveria. Não quero me aproveitar de sua confiança.” E se foi. Elena ficou sozinha na banheira tremendo, não de frio, mas de algo que levava muitos anos adormecido.
O tempo na fazenda foi medido em pequenos gestos. Elena começou a conhecer os passos do general. Sabia quando vinha cansado, quando estava de mau humor, quando havia acontecido algo nos povoados próximos. Às vezes, no refeitório, ele rompia subitamente o silêncio. “Já se acostumou aos corredores?”, perguntava. “Quase”, respondia ela. “Ainda me perco perto da galeria do fundo.”
Ele estalava a língua, incomodado consigo mesmo. “Deveria mandar colocar um corrimão ali”, murmurava. Não dizia “eu te amo”, mas aquela frase “não quero que você caia” carregava mais preocupação do que muitas declarações. Outras vezes, a aproximação tornava-se rejeição. Uma noite, Elena, armando-se de coragem, caminhou até a porta do quarto de Aurelio, parou frente a ela, tomou ar e bateu com os nós dos dedos.
“O que houve?”, disse ele de dentro. “Só queria conversar”, respondeu ela. Ouviu passos se aproximando. A porta se abriu e lhe veio um golpe de cheiro de tabaco, papel e couro molhado. “É tarde”, disse ele. “Deveria dormir.” “Sou sua esposa”, atreveu-se a dizer. “Não sei se deveria dormir sozinha todas as noites.” Houve um silêncio pesado.
“Precisamente porque você é”, contestou ele com dor na voz. “Não quero te tratar como me trataram a vida toda. Não quero usar o seu corpo para esquecer o que carrego na cabeça.” Elena sentiu que algo se apertava em seu peito. “Nem todos os homens que tocam uma mulher o fazem para esquecer”, murmurou. “Alguns o fazem para lembrar que continuam vivos.” Ele deu um passo atrás.
A distância cresceu de novo. “Boa noite”, Elena disse e fechou a porta com suavidade. Ela ficou ali alguns segundos com a mão no ar, tocando o vazio onde poderia ter estado o peito dele. O cavalo que ele lhe presenteou chamava-se Lumbre. Era um animal nobre de passo seguro, que parecia entender que a jovem que o montava não via o caminho.
Deixava-se guiar pelo tato das mãos dela, pela voz suave com que ela falava com ele. “Você é o único que me deixa sentir o mundo sem medo”, dizia Elena acariciando a crina. Ele a levava para passear pelos arredores da fazenda, sempre com um moço perto, por via das dúvidas, embora muitas vezes o general observasse de longe sem que ela soubesse.
Uma tarde, o céu começou a escurecer antes do tempo. As nuvens carregaram-se de um cinza pesado. O vento mudou de direção e o cheiro de terra tornou-se mais intenso. Os trovões não demoraram a chegar. “Melhor que hoje não monte, senhora”, advertiu Ramona. “Parece que vem tempestade.” Mas Elena estava inquieta. Sentia o peito apertado, como se precisasse respirar um ar diferente do dos quartos.
“Só vou até as cavalariças”, respondeu. “Quero me assegurar de que Lumbre está tranquilo.” Tomou seu bastão e, guiando-se pelo som da chuva que começava a cair, desceu as escadas, cruzou o pátio e seguiu o caminho de pedra que levava às cavalariças. A água bravia golpeava o telhado de telhas. Os relâmpagos, embora ela não os visse, iluminavam por um segundo o interior, segundo lhe disse um moço que terminou correndo para a casa para avisar que a senhora estava ali.
Os cavalos resfolegavam, inquietos. Lumbre golpeava o chão com as patas, nervoso. Elena entrou no estábulo e se aproximou dele, guiando-se pelo som. “Tranquilo, Lumbre”, sussurrou. “Sou eu. Aqui não acontece nada.” Acariciou-lhe o pescoço sentindo a pele úmida, quente; o cheiro de animal, de feno molhado, de madeira encharcada enchia tudo.
Um trovão especialmente forte fez a estrutura tremer. Elena apertou a mandíbula para não se sobressaltar, mas sua mão tremeu sobre o cavalo. “Tudo está bem, tudo está bem”, repetiu, mais para ela do que para ele. Na casa, alguém se aproximou do general com a voz agitada: “Meu general, a senhora está nas cavalariças. A tempestade está forte, talvez…”
Não terminaram a frase. Aurelio levantou-se da cadeira de golpe. O coração lhe deu um salto raro, um daqueles que não tinha nem sequer no meio de uma batalha. Sem pensar muito, tomou sua jaqueta, mas não chegou a vesti-la totalmente. Saiu ao pátio sob a chuva com o uniforme meio desabotoado.
A água lhe golpeava o rosto, escorregava pelas cicatrizes, entrava pelo colarinho da camisa, mas ele não parou. Cada passo que dava em direção às cavalariças era um eco do medo de perder algo mais. Já havia perdido demais na vida; não estava preparado para somar a essa lista a mulher que tinha por esposa, embora não se permitisse tocá-la.
Quando entrou no estábulo, a mistura de cheiros o golpeou de imediato: feno molhado, suor de cavalo e o perfume suave dela. “Elena!”, chamou. Sua voz foi mais suave do que nunca. Ela se voltou para onde acreditava que ele estava, embora seus olhos vazios não pudessem vê-lo. “Estou aqui”, respondeu. “Lumbre está assustado.”
Aurelio se aproximou guiado pela voz dela. O cavalo resfolegava, mas se acalmou um pouco ao reconhecer a presença do general. Elena estava empapada. O vestido colava-se ao corpo, marcando curvas que ele sempre havia evitado imaginar demais. O cabelo solto pelo vento caía ao redor de seu rosto como uma cortina escura.
“Você está louca?”, disse ele com um tom áspero que escondia mais medo do que raiva. “Poderia ter caído algo sobre você; um raio, uma viga, qualquer coisa.” Ela levantou o queixo, orgulhosa. “Não quis deixar o Lumbre sozinho”, respondeu. “A escuridão não me dá medo. Estou acostumada.” Outro trovão fez o lugar vibrar. Elena deu um pequeno salto involuntário.
Aurelio notou. “Mas o ruído sim”, disse, mais suave. Aproximou-se um pouco mais. Ela sentiu a proximidade do corpo dele, o calor que emanava apesar de quão molhado ele estava. “Você está bem?”, perguntou ele. Elena engoliu em seco. Sentiu um nó na garganta. “Sim e não”, sussurrou. “Estou cansada de sentir que vivo nesta casa como se fosse um objeto, como se não fosse suficiente, como se fosse um estorvo.” Sua voz quebrou.
“Sinto que você não me ama”, acrescentou, com um fio de voz apenas audível. A pergunta flutuou no ar como um relâmpago mudo. Aurelio sentiu que algo dentro de seu peito se dilacerava. “Não diga isso”, murmurou. Elena apertou os lábios. “Então, por que não me toca?”, perguntou. “Por que dorme longe? Por que se afasta cada vez que me aproximo?” O general fechou os olhos por um segundo, como se lhe doesse até respirar.
“Porque te amo mais do que deveria”, confessou enfim. “E porque tenho medo.” Elena franziu a testa. “Medo de quê?”, sussurrou. Ele deu mais um passo, encurtando a distância. Agora estavam tão perto que ela podia sentir as gotas escorrendo pelo peito dele sob a camisa. Podia cheirar a mistura de chuva, couro e pele quente. “Medo de ser o que sei que posso ser”, disse ele.
“Um animal, um homem que se deixa levar pelo que arde no corpo e se esquece do que sente o coração do outro.” Ele ergueu uma mão e, com uma delicadeza que ninguém teria acreditado possível em alguém como ele, afastou uma mecha de cabelo molhado da testa dela. “Eu sei como se trata uma mulher quando você só quer apagar o fogo que carrega dentro”, continuou.
“Eu vi, eu fiz e não quero que você seja parte disso. Não quero te transformar em mais uma ferida.” Elena sentiu que os olhos se enchiam de lágrimas. Não tinha luz, mas tinha água. “Você não é um animal”, disse ela. “Não quando me presenteia com um cavalo para que eu conheça o mundo. Não quando se preocupa com os corredores. Não quando me deixa tocar suas cicatrizes sem se afastar.”
Suas mãos tremendo buscaram o peito dele, encontraram-no. A camisa molhada estava colada à pele. Sentiu a textura de uma cicatriz grossa sob sua palma. “Isto”, disse pressionando suavemente, “isto não é apenas dor; são histórias, batalhas, decisões. E, mesmo com tudo isso, você continua aqui de pé, mudado, mas aqui.” Aurelio tremeu sob a mão dela.
O ruído da tempestade pareceu se afastar por um momento. Só restavam eles, o cavalo respirando perto, o feno úmido sob seus pés e o silêncio carregado de algo que havia demorado demais para nascer. Elena estava empapada. O vestido colado ao corpo subia e descia com cada respiração. O general notava. Notava também o calor que lhe subia do estômago até o pescoço.
O desejo, contido por tanto tempo, lutava para sair. “Você não sabe o que diz”, murmurou ele. “Não viu do que sou capaz?” Ela sorriu. “Tristemente, não vejo nada”, respondeu. “Mas sinto tudo, e o que sinto agora não é medo.” Seus dedos deslizaram um pouco mais, roçando a linha onde o peito se unia ao pescoço. O pulso dele batia rápido, descontrolado.
“Se de verdade me ama”, disse Elena, “não me deixe sozinha nesta escuridão que não é apenas dos meus olhos. Fique aqui comigo, não como um general, mas como um homem.” O trovão seguinte soou longe. A tempestade começava a ir embora; dentro do estábulo, em contrapartida, estava apenas começando. Aurelio levantou a mão e, desta vez, não parou no meio do caminho.
Seus dedos roçaram a bochecha de Elena, seguiram a linha até o queixo e pararam ali, sustentando-lhe o rosto. Ela, incapaz de vê-lo, inclinou a cabeça para a mão dele. Buscou o contato como se busca um lugar seguro em plena noite. Ele deu mais um passo. Seus corpos se encontraram, colados pela roupa molhada.
Elena podia sentir o peito firme dele contra o seu. O calor que trespassava o tecido encharcado, o leve tremor que traía o homem que sempre parecia tão seguro. “Não quero te machucar”, sussurrou ele. “Então, não me solte”, respondeu ela. Foi um beijo lento, desajeitado no início, cheio de anos de contenção, medo e desejo reprimido.
Não houve pressa, não houve brutalidade. Apenas lábios se encontrando pela primeira vez, mãos inseguras que buscavam onde pousar sem quebrar nada. Respirações entrecortadas que se mesclavam com o cheiro de feno e chuva. Elena se agarrou à camisa dele, sentindo como o tecido se colava ainda mais à pele. Aurelio deixou que uma de suas mãos descesse pelas costas dela, seguindo a curva até a cintura.
Deteve-se por um segundo. Como pedindo permissão em silêncio, ela respondeu aproximando-se mais. Não foi preciso dizer nada. Ali, entre cavalos inquietos que pouco a pouco se acalmavam com a tempestade se apagando lá fora, a filha cega e o general cruel deixaram de ser dois desconhecidos unidos por um papel. Tornaram-se, por fim, marido e mulher.
Não houve palavras explícitas. Não foram necessárias. O feno foi testemunha, a chuva cúmplice e seus corpos, até então contidos, encontraram um ritmo próprio, íntimo, que apenas eles dois conheceram. A vida na fazenda não mudou de golpe. Não houve avisos, nem anúncios, nem grandes gestos diante dos outros.
Mas Elena sentiu a diferença nas pequenas coisas. Aurelio começou a bater em sua porta pelas noites. Às vezes entrava apenas para se sentar ao seu lado enquanto ela descansava; tomava sua mão em silêncio e ficava ali até que a respiração dela se tornasse mais lenta. No pátio, as ordens continuavam sendo firmes, mas menos cruéis.
Os castigos exagerados desapareceram pouco a pouco. Os servos murmuravam que o general havia amolecido. Ninguém sabia que a noite nas cavalariças havia sido o ponto exato em que a couraça rachou por dentro. Elena, por sua parte, já não se sentia um objeto entregue para saldar uma dívida.
Sentia-se escolhida, não por obrigação, mas pelo que era capaz de despertar em um homem que se considerava a si mesmo um animal. Às vezes, quando o vento soprava forte, ela pedia para descer às cavalariças com ele. Nem sempre acontecia algo. Às vezes apenas ficavam ali de pé, respirando o mesmo ar, lembrando, sem dizer, que foi aquele lugar que lhes deu uma oportunidade. Fim.