A sala de cuidados paliativos estava envolta em um silêncio profundo. O único som que podia ser ouvido era o suave e irregular bip do monitor cardíaco, que soava como se estivesse tentando captar os últimos vestígios da vida que ainda restavam no corpo daquele homem de 82 anos.
Ele já sabia o que estava acontecendo, sabia desde muito tempo: metástases extensas, mudanças irreversíveis no corpo. Os médicos foram claros, francos até: “Tem poucos dias, talvez algumas horas.” Mas não era o medo da morte que o angustiava. Não. Era o medo da separação. Era a dor de saber que não veria mais seu velho amigo. Ele sentia uma angústia profunda ao perceber que não poderia mais tocar naquele ser fiel que o acompanhara por tantos anos, que lhe dera tanto amor e conforto.
Todos os dias, enquanto estava na cama, ele olhava pela janela do hospital e sussurrava com voz rouca e cheia de saudades:
— Ritchie… Onde você está, meu pequeno?
Ritchie, seu cachorro, seu companheiro inseparável. Um cão que ele havia encontrado ainda filhote, abandonado junto a uma estrada. Quase quinze anos haviam se passado desde aquele encontro. Quatro anos antes, ele perdera a esposa e o filho, sua casa e seus amigos… tudo. Mas Ritchie ainda estava ali, ao seu lado, firme, como sempre fora. O cão nunca o abandonara, fosse no pior ou no melhor dos momentos.
A enfermeira entrou na sala para trocar a intravenosa do paciente, mas, antes que ela pudesse se mover, o velho homem agarrou sua mão com força, como se uma última energia tivesse se despertado nele. O rosto dele estava pálido, os olhos com uma mistura de desespero e tristeza.
— Por favor… me deixe ver o Ritchie. Ele está sozinho… Eu não posso partir sem abraçá-lo uma última vez.
A enfermeira ficou paralisada. Ela sabia das regras do hospital. Não eram permitidos animais nas salas dos pacientes. Mas, ao olhar para os olhos daquele homem, algo se agitou dentro dela. Um sentimento de empatia, de humanidade, que a fez pensar além das regras. Com um suspiro, ela foi até o chefe médico, e ele, ao ouvir o pedido, olhou para ela como se estivesse ouvindo uma loucura.
— Isto é um hospital, mas… Se este é o último desejo dele…
Era uma permissão que não se dava todos os dias, mas, naquele momento, o homem estava prestes a partir. Eles podiam dar-lhe aquilo. Era o mínimo.
Duas horas depois, o som de um latido fraco foi ouvido na entrada do hospital. Ritchie estava lá. Um cão magro, com o pelo ralo e o focinho já tingido de cinza, estava parado na porta do hospital, como se soubesse exatamente onde deveria ir.
A enfermeira abriu a porta da sala e, sem hesitar, Ritchie saltou para a cama. Com um movimento suave, ele se deitou sobre o peito do seu dono, encostando a cabeça no ombro dele, como se quisesse ficar ali para sempre. O velho homem, com os olhos cheios de lágrimas, sussurrou:
— Sinto muito… Sinto por não ter estado lá para você… Meu pequeno… Obrigado…
Ele acariciou o cão, beijou sua cabeça enrugada. Ritchie, com seu olhar sereno e afetuoso, gemeu suavemente, como se dissesse:
— Eu estou aqui. Eu estou com você. Até o fim.
Eles estavam ali, em silêncio. O homem chorava, com as mãos trêmulas acariciando os pelos do velho amigo. O cão, por sua vez, parecia sentir a dor do seu dono e, ao mesmo tempo, dar-lhe o consolo que só ele poderia oferecer. Não havia mais palavras, apenas o som do carinho, da presença. Nenhuma outra palavra era necessária.
Horas depois, quando a enfermeira voltou à sala para verificar o estado do paciente, ela parou na porta, congelada, sem fôlego. A cena diante dela parecia irreconhecível, mas ao mesmo tempo, cheia de uma calma inexplicável.
Ali, na cama, estava o homem, mas algo havia mudado. O monitor cardíaco, que antes emitia seus bips tristes, estava em silêncio. O homem não estava mais vivo. Ele havia partido.
Mas, naquelas mãos já sem vida, o velho amigo ainda estava ali. Ritchie, o fiel cão, havia se deitado no peito do homem e não se afastara mais. O focinho dele estava pressionado contra o pescoço de seu dono, como se tentasse abraçá-lo, como se sentisse que ele precisava estar ali até o fim.
O coração do cachorro não resistiu à separação. Ele também partiu. Juntos, eles foram embora, sem um único som, sem resistência. Apenas o amor e a lealdade deles eram tudo o que restava.
Naquela noite silenciosa, dois seres, que haviam sido inseparáveis ao longo dos anos, partiram juntos. Não havia mais dor. Não havia mais medo. Só o consolo do último abraço, o consolo da lealdade silenciosa que transcende a vida e a morte.