Enquanto o milionário chorava no túmulo da filha, ela o observava, viva. Ele a enterrou há um ano. O que aconteceu quando ele a viu é de parar o coração.

Ele construiu um império, mas perdeu a única coisa que o tornava humano.

A chuva não parava há horas naquela noite. Relâmpagos cintilavam sobre a mansão Hail como um aviso que ninguém ouviu. Lá dentro, as vozes colidiam, mais altas que a tempestade.

“Ela é minha filha, Grace, não sua!” A voz de Richard Hail falhou quando ele bateu a palma da mão no balcão de mármore. O terno ainda estava no corpo, a gravata torta, os olhos injetados de sangue.

“Eu nunca disse que ela não era.” A voz de Grace tremeu. “Mas você mal fala com ela. Você a trata como um contrato, não como uma criança.”

O maxilar de Richard se contraiu. “Não se atreva a me dar lições sobre amor. Você é paga para cuidar dela, não para substituir a mãe dela.”

Grace se aproximou, tremendo de raiva e tristeza. “Alguém tem que fazer isso, Richard. Você não olha nos olhos dela desde que sua esposa morreu. Você passa por ela como se ela fosse uma lembrança, e não uma batida do coração.”

As palavras o atingiram mais fundo do que ela pretendia. Richard desviou o olhar, o peito arfando.

“Saia”, disse ele finalmente, a voz pesada e definitiva. “Você está despedida.”

Grace congelou. “Você não está falando sério.”

“Estou. Saia esta noite.”

Lágrimas queimaram os olhos dela. “E quanto a Lily? Ela está dormindo lá em cima. Como eu me despeço dela?”

“Não se despeça. Apenas vá.”

Uma hora depois, Grace estava na porta com uma mala e as mãos trêmulas. A tempestade lá fora rugia. No andar de cima, Lily, de seis anos, se mexeu. A menina desceu correndo, descalça, agarrando a cintura de Grace. “Você está indo embora, Srta. Grace?”

Grace engoliu em seco. “Apenas para um passeio, querida. Eu volto, ok?”

Os dedinhos de Lily se apertaram ao redor dos dela. “Posso ir?”

Ela não deveria ter dito sim. Mas a culpa, a raiva e a dor a fizeram assentir. “Só por um tempinho.”

Ela pegou um cobertor, enrolou Lily nele e a levou para a chuva.

Os faróis do carro cortavam lençóis de água. A visão de Grace estava turva pelas lágrimas. Em uma curva fechada, os pneus derraparam. Lily gritou. Metal raspou em pedra. E então o mundo ficou branco, envolto em fogo.

Grace acordou com o silêncio. Dor rasgava seu peito. Fumaça, chuva, o cheiro de gasolina. Ela se arrastou pelo vidro quebrado, tossindo. “Lily!”, ela gritou. “Lily!”

Não houve resposta. Apenas chamas engolindo o carro.

Uma sombra correu em sua direção, um homem de casaco. “Não se mova. Minha menina… ela está lá dentro!”

“Ela se foi”, o homem a interrompeu, segurando seus ombros. “Eu vi explodir. Ninguém sobreviveria.”

Grace desmaiou, soluçando na lama.

Dias depois, no hospital, Grace estava envolta em bandagens. A enfermeira hesitou. “Eles encontraram restos mortais… muito queimados para identificar.” Grace gritou.

Naquela noite, o homem do incêndio a visitou. “Sou Harold. Eu vi o acidente. Você tem sorte de eu tê-la tirado de lá.”

“Você a viu?”, a voz de Grace falhou.

Ele balançou a cabeça. “Eu vi algo, mas não era mais humano. Você precisa deixar para lá. A polícia já está falando em acusações… sequestro, negligência. Você vai apodrecer na prisão se não desaparecer.”

Grace o encarou, o coração batendo forte. “Por que está me dizendo isso?”

Ele deu um sorriso torto. “Porque eu posso te ajudar a sumir.”

As semanas passaram. Grace desapareceu, pagando a Harold com o resto de suas economias. A cada encontro, ele pedia mais. Até que uma noite, ele disse algo que congelou seu sangue.

“Fico pensando naquela garota. Bonita, cabelo castanho, olhos azuis. Uma pena, não?”

Grace piscou. “Como você sabe a cor dos olhos dela?”

Harold se inclinou. “Talvez porque ela não esteja morta.”

A garganta de Grace secou. “O que você está dizendo?”

“Eu a encontrei depois do fogo. Inconsciente, sangrando, mas respirando. Eu a peguei.” Ele deu de ombros. “Não achei que ganharia muito com isso… até você começar a me pagar.”

“Desgraçado!”, ela gritou, avançando. “Onde ela está?”

Ele a empurrou. “Calma. Se você abrir a boca, eu digo aos policiais que você causou o acidente. Você quer que ela fique segura? Continue pagando.”

O mundo de Grace se despedaçou. “Por favor, cuide dela. Não a machuque.”

“Relaxe. Ela tem comida, um teto.”

Meses se transformaram em um borrão. Grace vivia em motéis baratos, assombrada por pesadelos. Harold exigia mais, até que ela não tinha mais nada. Na última vez que o viu, ele disse: “Os policiais estão farejando. Vou esconder a garota em um lugar seguro.”

Grace nunca mais o viu. Quando a polícia encontrou o trailer abandonado de Harold, dois meses depois, ele estava vazio. Exceto por um pequeno cobertor. O cobertor de Lily.

Naquela mesma semana, Richard Hail ficou diante de um pequeno caixão branco, seu rosto vazio. O legista havia confirmado restos mortais carbonizados compatíveis com a idade da criança. O relatório de DNA, embora inconclusivo, foi suficiente.

Ele nem mesmo abriu o caixão. Pressionou a mão na tampa. “Me desculpe, querida. Eu deveria ter ido atrás de você.”

Enquanto a terra caía, seu relógio de pulso tique-taqueava suavemente. O mesmo tique-taque que, um dia, guiaria Lily de volta para ele.

Richard não era mais o mesmo homem. Após o funeral, ele se retirou de tudo. Vendeu metade de suas empresas, demitiu sua equipe e recusava todas as entrevistas. A mansão mergulhou no silêncio. Ele se culpava por tudo.

A culpa o convencera de que não havia mais nada a encontrar.

Enquanto isso, Grace estava viva, mas irreconhecível. Trabalhava como garçonete sob um nome falso. A cada noite, ela passava pela agência dos correios onde os pôsteres de “DESAPARECIDA” ainda estavam pendurados. O rosto de Richard ao lado do de Lily. O medo a manteve em silêncio por um ano.

Até que, uma manhã, ela viu uma manchete de jornal: “FUNDAÇÃO HAIL FINANCIARÁ NOVO HOSPITAL INFANTIL EM MEMÓRIA DA FILHA”. A foto abaixo mostrava Richard ao lado de um túmulo de mármore.

Grace percebeu, com um arrepio, que ele ainda estava de luto. E se ele estava de luto, significava que Lily ainda poderia estar lá fora.

Meses antes, um padre encontrou uma menina encolhida nos degraus da Igreja de Santa Maria. Seu cabelo estava emaranhado, o rosto machucado. Quando ele perguntou seu nome, ela sussurrou: “Lily”. Então balançou a cabeça. “Não… Laya. Acho.”

Ela não conseguia se lembrar de muita coisa. Apenas flashes: chuva, o grito de uma mulher e um som de tique-taque perto de seu ouvido. Quando o padre se inclinou, ela acrescentou baixinho: “O relógio do meu papai. Ele canta.”

As autoridades registraram: “Criança desconhecida, amnésia parcial.” A foto que circularam não parecia em nada com a herdeira Hail desaparecida. O trauma e o tempo a haviam mudado. Quando Richard viu a foto no noticiário, ele balançou a cabeça. “Não é minha filha.”

O caso foi encerrado.

No dia do memorial de um ano, o orfanato da cidade levou um pequeno grupo de crianças ao cemitério para um evento de caridade. “Laya” estava entre elas, segurando uma flor de papel.

O vento levantou seu cabelo, revelando a leve cicatriz acima de sua têmpora. Ela congelou quando viu um rosto familiar do outro lado do caminho. Um homem, ajoelhado diante de uma lápide.

Em seu pulso, um relógio de prata tique-taqueava suavemente.

O mesmo ritmo que ela ouvia em seus sonhos.

As outras crianças seguiram em frente, mas Laya não se moveu. Seu peito apertou. Algo dentro dela sussurrou: É ele.

Richard Hail estava ajoelhado, sussurrando para o mármore. “Lily, eu falhei com você. Eu deveria ter ido atrás de você naquela noite. Se eu pudesse trocar de lugar com você, eu trocaria.” Sua voz falhou.

De trás de uma árvore, a menina observava, os olhos arregalados, tremendo. O som do tique-taque preencheu seus ouvidos.

Ela queria correr para ele, gritar “Papai!”, mas o medo a prendeu. O orfanato a ensinara o que acontecia com crianças que não pertenciam a lugar nenhum.

Richard finalmente se levantou, enxugando os olhos. “Adeus, querida. Talvez agora eu possa descansar também.” Ele se virou, os ombros caídos, e congelou.

Um leve farfalhar. Não era o vento. Um pequeno soluço.

“Olá?”, ele chamou.

Ele deu um passo mais perto, espiando atrás do tronco, e a viu. Uma menina, encharcada, segurando uma flor de papel murcha. Por um segundo, sua mente se recusou a conectar o que seus olhos viam. Ela parecia mais velha, mais magra. Mas aqueles olhos…

“Lily?”, ele sussurrou.

A menina congelou, tremendo. “É Laya”, ela sussurrou de volta.

O peito de Richard se contraiu. Sua mão tremeu enquanto ele se estendia, com medo de que ela desaparecesse. “Venha aqui, por favor.”

Ela balançou a cabeça. “Você está bravo comigo.”

“Bravo?” Ele caiu de joelhos, a voz quebrando completamente. “Oh, querida… eu rezei por este momento todas as noites. Eu pensei que nunca mais a veria.”

A flor de papel escorregou dos dedos da menina enquanto ela dava um passo à frente, incerta. Então, ela correu. Correu a toda velocidade direto para os braços dele.

Ele a pegou, apertando seu pequeno corpo, pressionando o rosto contra seu cabelo molhado. O cheiro dela, o calor de sua pele. Era real.

“Eu pensei que você não me queria mais”, ela soluçou. “Eles disseram que você me esqueceu.”

“Nunca”, ele sussurrou no cabelo dela. “Nunca. Eu só não sabia que você estava viva. Eu teria vasculhado o mundo inteiro se soubesse.”

Ele a afastou o suficiente para ver seu rosto. A cicatriz. “O que aconteceu com você?”

“Eu não lembro. Só fogo. Depois um homem. Depois uma moça que chorava muito. Depois a igreja.”

Richard engoliu em seco. Grace. O acidente. O legista. A mentira. Oh, meu Deus.

Horas depois, os carros da polícia cercavam o cemitério. O DNA foi coletado. O resultado veio naquela noite: inegável. Ela era dele.

Grace foi encontrada no dia seguinte. Ela não correu. Quando os policiais a levaram para a mansão Hail, Richard estava esperando, com Lily em seus braços.

Grace desabou no momento em que os viu. “Eu não queria… Eu pensei que ela estava morta… Harold mentiu…”

Richard ergueu a mão. “Pare. Você a salvou uma vez. Depois a perdeu. Eu não posso te perdoar ainda. Mas também não posso te odiar.”

Semanas depois, pai e filha voltaram ao cemitério. A lápide de mármore brilhava. “Aquela sou eu mesmo?”, ela perguntou.

Richard assentiu. “Era.”

“O que vamos fazer com ela?”

Ele olhou para a pedra por um longo tempo. “Deixá-la aí”, disse ele. “Ela me lembra o que eu quase perdi. E o que eu recuperei.”

Ela sorriu, encostando a cabeça em seu braço. “Então vamos trazer flores. Mas flores felizes. Amarelas.”

Ele sorriu levemente. “Amarelas. Combinado.”

Enquanto se afastavam, a chuva havia parado. O céu se abriu em um azul pálido. E pela primeira vez em um ano, Richard sentiu o calor do sol sem culpa. Ele olhou para a filha e sussurrou: “Vamos para casa.”

Enquanto caminhavam pelo portão, de mãos dadas, seu relógio de prata tique-taqueava suavemente. A mesma melodia que ela seguiu de volta da escuridão. A música que a levou para casa.

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