
O vento frio do final do outono uivava através das planícies áridas como um lobo faminto, procurando presas, arrastando poeira e folhas secas pelas casas de madeira desgastadas que ficavam espalhadas pelo solitário território de Wyoming, onde fome e esperança muitas vezes compartilhavam a mesma mesa. Em uma pequena cabana em ruínas, perto da beira de um bosque de choupos moribundos, vivia Whitlock, uma jovem viúva de não mais que 27 anos.
Embora a tristeza tivesse esculpido linhas em seu rosto que a faziam parecer mais velha que as colinas. Seu marido outrora forte, Thomas Whitlock, havia morrido seis meses antes, de febre e uma queda de um cavalo assustado enquanto tentava trazer suprimentos da cidade. Desde então, o mundo não mostrava misericórdia. As colheitas haviam falhado devido à seca. As galinhas foram levadas por raposas.
A última vaca jazia morta perto do leito seco do riacho, costelas salientes contra sua pele. Os filhos de Aara, Ruth, com apenas oito anos, e Samuel, com apenas cinco, permaneciam quietos a maior parte dos dias, não por obediência, mas por fome profunda demais para até mesmo chorar. Suas bochechas eram ocas, cabelos emaranhados, olhos grandes demais para seus pequenos rostos.
Todas as manhãs, Aara levantava-se antes do nascer do sol, na esperança de encontrar algo, qualquer coisa, para alimentá-los. Procurava peixes no riacho pequenos demais para serem pescados, colhia o pouco de folhas de dente-de-leão que cresciam entre as pedras apenas para fervê-las na água e chamar aquilo de sopa. Mas ontem, Samuel desmaiou enquanto tentava recolher lenha. Hoje, Ruth tossiu sangue em um lenço rasgado.
Aara não tinha mais nada para oferecer além de suas lágrimas, e mesmo essas estavam se tornando escassas. Naquela manhã, geada cobria os cantos das janelas da cabana, e o vento escapava pelas frestas entre os troncos como um sussurro de morte. Aara estava junto à pequena mesa de madeira, joelhos fracos, mãos trêmulas enquanto olhava para os dois pedaços de pão de milho duro que restavam de três dias atrás.
“Eles são duros demais para mastigar, pequenos demais para compartilhar”, sussurrou ela, colocando-os suavemente diante de seus filhos com um sorriso cansado. “Comam devagar.”
Ela mesma não comia há dois dias. Seu vestido, antes verde intenso, agora pendia de seus ombros como cortinas esfarrapadas, e suas botas eram mantidas juntas com corda e oração.
Ela olhou para a porta, a mente pesada com a decisão que vinha ponderando há semanas. Havia apenas uma pessoa a até 80 km que tinha o poder de salvar seus filhos da morte: Cassian Hayes, o fazendeiro mais rico do território de Wyoming, dono da extensa Silverhorn Ranch, um homem temido por alguns, respeitado por muitos.
Dizia-se que seu coração era feito de pedra. Ainda assim, outros juravam ter visto um lampejo de bondade atrás de seus olhos cinza-azulados frios como aço. Aara nunca havia falado mais que uma saudação educada com ele na loja geral da cidade. Mas a vira cavalgar pelo assentamento, alta e ereta na sela, o casaco escuro esvoaçando atrás dele, o chapéu puxado contra o sol, sua presença tão imponente quanto as montanhas que se erguiam ao longe.
Dizia-se que ele possuía mais de 8.000 hectares de terra, 500 cavalos e mais gado do que qualquer homem poderia contar. Seus peões seguiam-no com lealdade, e sua palavra valia mais que o distintivo do xerife. Mas não era conhecido por sua caridade, e Aara temia aproximar-se dele mais do que temia a própria morte.
Ainda assim, toda vez que olhava para os rostos emagrecidos de seus filhos, a decisão tornava-se mais clara. Naquela manhã, enquanto Ruth e Samuel mordiscavam as migalhas secas, Aara amarrou seu xale gasto em torno dos ombros, beijou a testa de cada um e sussurrou: “Mamãe voltará antes do anoitecer. Sejam corajosos.”
Os olhos de Ruth, vidrados de fome e preocupação, procuraram o rosto da mãe.
“Para onde você vai, mamãe?”, perguntou.
Aara hesitou, uma dor cortando seu peito, mas forçou um sorriso. “Para buscar ajuda.”
Aara saiu naquela manhã fria, o chão duro sob suas botas gastas, a geada rangendo a cada passo como se a própria terra se encolhesse. O céu estava cinza ferro, pesado de nuvens que ameaçavam neve, e o ar tinha gosto de vento amargo e solidão.
Ela apertou o xale ao redor do corpo, embora pouco ajudasse contra o frio, e começou a longa caminhada em direção à Silverhorn Ranch, quase 24 km por terras abertas, pastagens quebradiças e velhos rastros de carroça, passando por fazendas silenciosas onde a fumaça não subia mais das chaminés, pois não havia mais lenha para queimar. Sua respiração saia em pequenas nuvens, e seus passos eram lentos, mas determinados.
Cada milha percorrida parecia uma confissão. Ela havia falhado com o legado do marido, falhado com a promessa feita em seu leito de morte de manter seus filhos a salvo. Mas o orgulho não enchia estômagos, e aprendera que dignidade era um luxo que a fome não podia pagar. Enquanto caminhava, sua mente revisava memórias de dias melhores.
Thomas rindo enquanto levantava Samuel para sentar nas costas de um cavalo pela primeira vez. Ruth perseguindo vagalumes no crepúsculo de verão, fitas nos cabelos. O cheiro de pão fresco esfriando na janela. O calor de uma lareira crepitando. Aqueles dias pareciam pertencer a outra vida, a outro mundo onde ainda existiam amor e esperança.
Agora, apenas vento e tristeza a faziam companhia. Horas se passaram. O vento tornou-se mais feroz, perfurando suas roupas até que a pele queimava e ficava dormente. Seus pés doíam, bolhas se formaram, depois silenciaram com o frio. Ao meio-dia, ela podia ver a fumaça distante subindo das chaminés da Silverhorn Ranch, fileiras de cercas atravessando a terra como costelas de uma besta antiga, e além delas grandes celeiros vermelhos, currais cheios de cavalos e trabalhadores movendo-se como pequenos pontos escuros na terra coberta de neve. A casa principal da fazenda se erguia acima de tudo, grande, feita de madeira e pedra, orgulhosa contra o pano de fundo das montanhas roxas.
Ela parou por um momento, o coração batendo forte com uma mistura de medo e desespero. O que diria? Ele ouviria? A rejeitaria antes que pudesse falar? Engoliu em seco, sussurrando uma oração sem saber se alguém a escutava, e forçou seus pés a continuar até a cerca externa.
Um peão, homem alto e robusto, com casaco grosso, cachecol e chapéu, aproximou-se, olhos estreitos.
“Você se perdeu, senhora?”, perguntou, voz áspera, mas não cruel.
Os lábios de Aara tremeram ao negar com a cabeça. “Preciso falar com o Sr. Hayes.”
O peão franziu o cenho. “O Sr. Hayes não recebe visitantes sem motivo.”
Ela encontrou os olhos dele, e o que quer que ele visse ali — dor, fome, determinação — fez-o hesitar. Ele assentiu uma vez, então fez sinal para que ela o seguisse.
Eles atravessaram o quintal, passando por fardos de feno empilhados e cavalos batendo os cascos no chão frio, peões consertando cercas e selando cavalos. Alguns olhavam com curiosidade, outros com pena, outros indiferentes.
Ela sentiu cada olhar como uma agulha contra sua pele, mas manteve a cabeça erguida, mesmo com lágrimas nos olhos. O peão a conduziu até os degraus da grande casa e desapareceu para buscar seu chefe. Aara ficou sozinha na varanda. Mãos doloridas entrelaçadas à frente, coração batendo como um tambor. Minutos passaram, como horas.
Então a porta se abriu. Cassian Hayes entrou, alto, feições marcantes. Seu cabelo escuro tinha pontas congeladas, casaco aberto o suficiente para revelar o colete fino por baixo. Os olhos, cinza como céus de inverno, repousaram sobre ela, indecifráveis.
“Você me chamou?”, disse, voz baixa, firme.
Aara tentou falar, mas a garganta apertou. Baixou o olhar, respirando com dificuldade.
“Sr. Hayes, perdoe-me por vir sem convite.”
Ele nada disse, apenas esperou.
Ela ergueu os olhos, desespero cru e evidente. “Meu nome é Aara Whitlock. Meu marido, Thomas Whitlock, morreu há seis meses.”
Os olhos de Cassian brilharam. O nome de seu marido era conhecido na região.
“Lembro-me”, murmurou.
Aara engoliu em seco, lágrimas brotando. “Meus filhos, Ruth e Samuel, estão morrendo de fome. Não tenho mais nada. Nenhuma colheita, nenhum gado. Não consigo.”
Sua voz quebrou. Ela cobriu a boca, ombros trêmulos. Cassian permaneceu em silêncio, lábios pressionados numa linha fina, mas seu olhar não a abandonou.
Finalmente, com lágrimas escorrendo, sussurrou as palavras que rasgavam sua alma:
“Por favor, leve meus filhos. Alimente-os. Salve-os. Eles são bons, gentis. Não merecem morrer por minha falha.”
Sua voz falhou novamente. Baixinho, acrescentou: “Leve-os, mesmo que não me leve a mim.”
O vento ficou parado, como se o mundo prendesse a respiração.
A expressão de Cassian mudou, embora sutilmente. Algo suavizou em seus olhos. Ele deu um passo mais próximo, estudando aquela mulher frágil de pé contra a tempestade, oferecendo seu coração para salvar os filhos.
“Você veio até aqui para entregar seus filhos?”, perguntou baixinho.
Ela assentiu. A vergonha e o sofrimento a envolviam como correntes.
“Se isso significa que eles viverão”, sussurrou.
O silêncio se prolongou. Então, para seu choque, Cassian disse, voz firme e baixa:
“Eu os levarei. Mas também a levarei.”
Aara prendeu a respiração, olhando confusa e trêmula.
“O quê?”
A mandíbula de Cassian se apertou. “Não vou separar mãe e filhos. Se eles forem para minha fazenda, você vem com eles.”
Aara caiu de joelhos, sobrecarregada, lágrimas escorrendo livremente — lágrimas de alívio, incredulidade e esperança.
Cassian estendeu-lhe a mão enluvada.
“Levante-se”, disse suavemente. “Esta terra não é lugar para mendigar.”
Ela colocou sua mão congelada na dele, e ele ajudou-a a se levantar. Aara permaneceu ali, trêmula, mão ainda na palma enluvada de Cassian, tentando entender se estava sonhando ou se Deus finalmente ouvira suas preces.
Sua mão estava quente e firme apesar do vento frio. Por um instante, ela esqueceu de respirar. Cassian soltou sua mão com delicadeza, como se ela fosse algo frágil que pudesse quebrar se tocado com força. Seus olhos ainda duros como aço forjado, escondiam uma tempestade silenciosa de pensamentos.
Ele se virou ligeiramente e chamou um peão próximo:
“Selar um cavalo e preparar a carroça”, disse firmemente. “Vamos até a propriedade Whitlock.”
O peão assentiu rapidamente, olhando curioso para Aara antes de se apressar.
Aara piscou, atônita. “Você… você vai comigo?”, perguntou em voz baixa.
Cassian olhou para ela com uma calma que ela não compreendia. “Você veio sozinha. Não vou fazer seus filhos fazerem o mesmo.”
As palavras eram simples, mas atingiram seu coração como um sino de igreja na madrugada silenciosa. Ninguém falava por ela ou a protegia há muito tempo. Ela abriu a boca para agradecer, mas as palavras presas na garganta não saíram.
Cassian ajustou o chapéu e desceu da varanda.
“Entrem”, disse por sobre o ombro. “Precisa comer antes de partirmos. Não ajuda ninguém se desmaiar de fome.”
Aara hesitou à porta da grande casa da fazenda. As botas deixavam marcas suaves de lama e geada na madeira polida da varanda.
A porta permaneceu aberta, luz quente derramando como mel derretido, convidativa, porém estranha. Ela entrou devagar, coração acelerado. O interior cheirava a fumaça de madeira, pão fresco, couro e pinho. Uma grande lareira de pedra crepitava, projetando sombras dançantes nas paredes, adornadas com galhadas montadas, rifles polidos e retratos de ancestrais de aparência severa, lembrando-a de que estava na casa do poder, de um homem que construíra sua vida a partir de disciplina e decisões pesadas como balas.
Cassian assentiu para uma mulher de meia-idade, cabelo grisalho trançado, rosto calmo e firme, Sra. Marbel Foster, a governanta.
“Dê-lhe pão e caldo”, disse.
A Sra. Foster olhou demoradamente para Aara, entre suspeita e compaixão, então a guiou até uma mesa de madeira resistente. Momentos depois, uma tigela fumegante de caldo e uma fatia grossa de pão foram colocadas diante dela.
O aroma atingiu-a como algo sagrado. As mãos tremiam enquanto quebrava o pão, e as lágrimas borravam sua visão ao levá-lo aos lábios. Ela sussurrou:
“Muito obrigada. Obrigada.”
Ainda não sabia se falava com a governanta, com Deus ou com Cassian.
Cassian ficou alguns passos afastado, braços cruzados, observando-a, não com julgamento, mas como alguém que tenta medir o peso de uma história que ainda não ouviu completamente.
“Coma”, disse ele calmamente, devagar. “Você não está acostumada com comida, Aara.”
Cada mordida trazia alívio e dor, enquanto seu corpo vazio lutava para receber nutrição.
Após alguns momentos, quando suas mãos pararam de tremer, Cassian falou novamente:
“Quão longe fica sua casa daqui?”
Aara limpou os lábios com as costas da mão.
“A 11 km a leste, além do riacho e dos choupos mortos.”
Cassian assentiu, permanecendo em silêncio por um tempo, como se peneirasse suas próprias memórias. Então disse:
“Seu marido uma vez ajudou um dos meus peões. Tirou-o de um rio congelado no inverno passado, quando o cavalo escorregou no gelo. Salvou a vida do homem.”
Todos olharam surpresos.
Thomas nunca lhe contara. Cassian continuou:
“Não esqueço dívidas.”
Aara engoliu em seco.
“Não vim por uma dívida a ser paga”, disse suavemente. “Vim porque não tinha outra escolha. Preferiria morrer a ver meus filhos…”
Sua voz quebrou novamente. Cassian não deixou que ela terminasse:
“Você não precisará fazê-lo”, disse firme como pedra.
Pouco depois, o som de cascos e rodas de carroça ecoou lá fora. A Sra. Foster envolveu Aara com um manto de lã antes de voltar para o frio.
Lá fora, um cavalo robusto estava selado para Cassian, e uma pequena carroça com cobertores grossos havia sido preparada para sua viagem de volta. Cassian montou seu cavalo com facilidade.
Todos subiram na carroça, seu corpo cansado, mas impulsionado por uma fagulha de esperança que não sentia há meses.
Enquanto seguiam para fora da Silverhorn Ranch, os peões paravam para observar, sussurros flutuando no ar gelado. Alguns perguntavam por que seu patrão cavalgava com uma viúva quase desnutrida em sua carroça. Outros nada diziam, pois confiavam nas decisões do patrão como confiavam no nascer do sol.
O vento os pressionava, mordendo e frio, mas não tão frio quanto o desespero que enfrentaram antes. Flocos de neve começaram a cair preguiçosamente, pousando na crina do cavalo, no casaco escuro de Cassian, nas bordas do xale de Aara. A terra se estendia ao redor em tons de cinza e branco, árvores nuas como dedos esqueléticos alcançando o céu.
Montanhas distantes sombreavam na névoa. O riacho congelado serpenteava como linha prateada pelas planícies. Cassian seguia à frente ligeiramente ereto, chuva constante em suas mãos enluvadas.
Aara o observava silenciosa, pensamentos confusos. Quem era aquele homem que falava pouco, mas agia com tal força silenciosa? Por que um rico fazendeiro se preocupava com uma viúva e seus filhos famintos? Ela não sabia se devia temê-lo ou confiar nele.
Mas toda vez que pensava em Ruth e Samuel, esperando naquela cabana fria, com nada além de cobertores gastos e a última esperança, seu coração batia mais rápido, impulsionando a carroça.
Após quase duas horas, as formas retorcidas dos choupos mortos surgiram, marcando a beira de sua propriedade. Além deles, a fumaça não subia mais da chaminé de sua casa.
Um arrepio de medo passou
por ela. “Por favor, Deus, que estejam vivos”, sussurrou ao vento.
A carroça rangia suavemente sobre o chão congelado. A respiração de Cassian formava pequenas nuvens de vapor contra o ar cortante. O coração de Aara disparava ao ver o contorno familiar de sua cabana através das árvores finas, pequena, desgastada, sem fumaça e silenciosa.
As janelas estavam embaçadas de geada por dentro, sem sinal de movimento. Ela não esperou a carroça parar completamente. Assim que desacelerou perto de um poste de cerca quebrado, ela saltou, suas pernas fracas quase cedendo.
“Ruth! Samuel!”, gritou, voz quebradiça como gelo fino.
Ela correu para a porta, neve rangendo sob as botas. Cassian desmontou suavemente, amarrando seu cavalo à cerca antes de acompanhá-la, passos largos alcançando-a quando ela abriu a porta da cabana.
O interior estava frio e imóvel. O fogo havia se extinguido, restando apenas cinzas frias. Eles estavam encolhidos juntos sob um cobertor gasto, perto da lareira. Por um instante, o mundo parou.
Então Samuel se mexeu, levantando a cabeça fraca, voz quase um sussurro: “Mamãe!”
Aara caiu de joelhos, soluçando de alívio, reunindo os dois filhos em seus braços. Ruth piscou, olhos ocos, mas vivos.
“Você voltou”, sussurrou.
Cassian permaneceu silencioso à porta, expressão indecifrável, olhos ainda nos rostos finos das crianças, na frieza de um lar esquecido pela misericórdia.
Samuel olhou além da mãe para o estranho alto, confuso, mas fraco demais para falar. Ruth agarrou o vestido da mãe.
“Mamãe, ele… ele está aqui para nos levar?”, perguntou, voz trêmula.
Aara acariciou suavemente o cabelo de Ruth. “Ele veio para nos ajudar”, sussurrou. “Vamos sair deste lugar.”
Cassian avançou, botas batendo suavemente nos tábuas de madeira. Ajoelhou-se ao lado deles, uma rara suavidade nos olhos cinza-escuros.
Ele retirou debaixo do casaco um pequeno pacote de pano, ainda quente. Dentro, dois pedaços de pão e um pequeno pote de pêssegos conservados.
Os olhos de Ruth se arregalaram. Samuel estendeu a mão hesitante. Cassian entregou o pão a eles com delicadeza.
“Comam”, disse simplesmente.
Eles comeram com mãos trêmulas, há tanto tempo seus corpos não conheciam gentileza. Aara os observava, gratidão silenciosa enchendo seu peito como fogo no inverno.
Cassian permaneceu, olhando ao redor da cabana — cadeira quebrada, janela rachada, armários vazios.
“Reúnam o que precisarem”, disse baixinho. “Partimos em 10 minutos.”
Aara assentiu, limpando o rosto com a mão. Ajudou gentilmente os filhos a se levantarem, envolvendo Ruth no xale e Samuel em um cobertor remendado. Reuniram apenas o essencial: uma Bíblia desbotada, um cavalo de madeira que Thomas havia esculpido para Samuel, um medalhão com foto de casamento e uma colcha feita por sua mãe.
Lá fora, o céu clareava, neve caindo mais intensamente. Cassian ajudou a carregar um pequeno baú na carroça. Mãos enluvadas, firmes. Ruth se agarrou a Aara, ainda insegura, enquanto Samuel observava com olhos arregalados o grande cavalo, Silver, paciente ao lado da carroça.
Aara colocou Samuel na carroça e guiou Ruth ao lado dele, envolvendo-os bem com cobertores. Antes de subir, voltou-se para a cabana pela última vez.
A porta pendia ligeiramente aberta, o vento agitava os galhos nus dos choupos como despedidas sussurradas. Um lugar cheio de memórias, algumas belas, outras insuportáveis. Ela sussurrou um adeus silencioso, mais para o espírito de Thomas do que para a madeira e pedra em decomposição.
Cassian observava, sem invadir, mas sem ignorar. Quando finalmente Aara subiu na carroça, ele montou seu cavalo e clicou a rédea. A carroça avançou, afastando-se do único lar que ela conhecera.
Flocos de neve flutuavam ao redor, a viagem de volta à Silverhorn Ranch agora era mais lenta. As crianças, envoltas em cobertores, encostadas na mãe, entre sono e vigília, mãos pequenas segurando as dela.
Aara observava Cassian à frente, figura escura contra o horizonte branco, e perguntava-se quem ele realmente era sob aquela aparência estoica. Poucos homens teriam feito o que ele fizera naquele dia. Poucos possuíam tanto poder, e ainda menos o usariam para levantar os caídos.
À medida que as montanhas se aproximavam e o sol baixava, pintando o mundo de prata e azul, Aara sentiu algo desconhecido surgindo em seu peito: não certeza, não segurança, mas esperança. Uma esperança frágil, vacilante, que não ousara sentir desde antes da morte de Thomas.
Quando a carroça atravessou a cerca externa da Silverhorn Ranch, a fumaça subia das chaminés, e o brilho quente das lanternas iluminava as janelas. Cassian desmontou e dirigiu-se à carroça, estendendo a mão a Aara mais uma vez.
Ela hesitou, então colocou a mão na dele. Seus dedos eram quentes e firmes enquanto ajudava a levantar Samuel, com surpreendente gentileza. Carregando o menino em direção à casa, Ruth seguia de perto, segurando a saia da mãe.
Os peões pararam em seus afazeres, olhos arregalhados. Cassian Hayes, o fazendeiro de coração de ferro, carregando uma criança faminta em seus braços como algo precioso.
A Sra. Foster correu para ajudá-los, choque estampado no rosto, mas logo substituído por determinação.
“Levem-nos até a lareira”, ordenou. “Preparem água para banho, esses bebês estão congelados.”
A grande lareira na sala principal queimava intensamente. Aara, Ruth e Samuel sentiram o calor. O gelo começou a derreter do cabelo, das roupas e talvez dos corações. Pela primeira vez em meses, Aara sentiu o calor penetrar sua pele, o peso do medo constante começar a ceder.
Samuel adormeceu em seu ombro. Ruth sentou-se silenciosa, olhos fixos nas chamas. Cassian permaneceu por perto, chapéu nas mãos, olhar alternando entre as crianças e a janela escurecida pelo anoitecer.
Aara olhou para ele, lábios trêmulos, palavras presas na garganta. Finalmente sussurrou:
“Muito obrigada por tudo.”
Os olhos de Cassian encontraram os dela. Algo não dito passou entre eles, compreensão de dor, perda, promessas silenciosas. Ele apenas disse:
“Descanse agora. Aqui vocês estão seguros.”
Mas no tom havia uma promessa que ela podia sentir nos ossos. Ela assentiu, segurando os filhos próximos enquanto o fogo crepitava.
Lá fora, o vento uivava pelas planícies. Mas dentro, pela primeira vez em muito tempo, havia calor. Havia vida. E, em algum lugar nas paredes da Silverhorn Ranch, o destino ocupava seu lugar silencioso.