A noite estava silenciosa, exceto pela tosse seca que sacudia a pequena casa de barro. O ar tinha o peso da doença e da pobreza. Em um canto, uma lamparina fraca tremeluzia e projetava sombras nas paredes rachadas. Na cama, a mãe respirava com dificuldade, o rosto pálido, os olhos já sem brilho.
— Não me deixe, Mama. A senhora prometeu que veria meu casamento. — sussurrou Adissa, segurando a mão magra com força.
A mãe tentou sorrir, mas uma nova crise de tosse tomou o corpo. Cada golpe parecia partir o peito por dentro. No outro canto, o irmão de apenas doze anos chorava em silêncio, as costas tremendo de frio e medo. Não havia nada na cozinha. As panelas estavam vazias. Os cobradores tinham passado cedo, deixando insultos que ainda ecoavam pelas paredes.
Adissa tinha apenas vinte anos, mas já carregava fardos de adulta. Desde o acidente que tirou a vida de seu pai, três anos antes, ela se tornara mãe, pai e escudo para o irmão. Sua mãe sustentou a família vendendo verduras na beira da estrada, até a doença lhe roubar toda a força.
Com o pouco de energia que restava, a mãe apertou a mão da filha e murmurou:
— Promete que vai cuidar do seu irmão. Não deixa ele sofrer.
As lágrimas queimaram os olhos de Adissa, mas ela respondeu sem hesitar:
— Eu prometo, Mama. Eu vou ser forte por ele.
O aperto afrouxou. O corpo ficou imóvel. O silêncio que seguiu foi mais alto do que um grito. Adissa desabou em soluços, sacudindo o ombro da mãe como se fosse possível acordá-la pela insistência. O irmão abraçou sua cintura e perguntou:
— Irmã, o que vamos fazer agora?
Ela quis responder, mas a verdade esmagava seu peito: não havia resposta. Nem dinheiro, nem comida, apenas uma promessa.
Os vizinhos vieram cobrir o corpo e cochicharam que aquelas crianças eram azaradas, que a miséria já havia engolido a família. Naquela noite, Adissa não conseguiu dormir. Sentou-se à porta da casa e olhou o céu. Murmurou a Deus um pedido simples, de quem já não tem mais armas:
— Se o Senhor me vê, mostra um caminho. Eu não posso deixar meu irmão morrer assim.
Na manhã seguinte, enquanto preparavam o enterro, um grupo de mulheres passou conversando. Adissa ouviu palavras que se acenderam como fósforo: “Agência”, “visto”, “acomodação”, “trabalho no exterior”.
Mais tarde, ela pegou emprestado o celular velho da vizinha e pesquisou. “Ajudamos africanos a encontrar empregos na Coreia. Pagamos viagem, visto e moradia. Inscreva-se agora.” Parecia milagre, parecia armadilha. Mas a fome e a promessa pesaram mais que a dúvida.
Ela se inscreveu. Horas depois, a resposta chegou: “Parabéns, você foi aceita.”
O coração de Adissa disparou. Pela primeira vez em anos, ela sorriu. Imaginou o irmão de uniforme, três refeições por dia, estudando sem preocupações. Começou a arrumar sua sacola quando uma velha do bairro a chamou de canto:
— Cuidado, minha filha. Nem tudo que brilha é ouro. Já ouvi histórias sombrias sobre essas agências.
— Eu não tenho escolha, Mama. Se eu morrer tentando, que seja.
A velha suspirou um “Deus te acompanhe” que ficou martelando na cabeça da jovem até o avião levantar voo. Era a primeira vez que Adissa via nuvens de cima. Junto com a esperança, havia um medo que não mostrava o rosto.
Quando chegou a Seul, o ar frio e a pressa da cidade a deixaram atordoada. No aeroporto, uma mulher alta, de casaco preto, segurava um cartaz com seu nome. Seu rosto era duro e não esboçou um sorriso.
— Follow me. — disse apenas, em inglês quebrado.
O prédio para onde a levou era cinza, com corredores estreitos demais. O quarto tinha apenas uma cama e um espelho.
— A partir de amanhã, trabalho. — informou a mulher, que se apresentou como Madame Hyen.
Na manhã seguinte, Madame trouxe um vestido vermelho, curto e apertado.
— Vista isso.
Adissa ficou confusa.
— Eu pensei que fosse um trabalho normal. Em restaurante, fábrica…
— Este é o trabalho. Homens virão. Você sorri, obedece. Eles pagam. Eu fico com minha parte.
O sangue gelou nas veias de Adissa.
— Eu não posso. Eu sou virgem.
Um sorriso cruel se desenhou no rosto de Madame.
— Melhor ainda.
O tapa veio rápido quando a jovem jogou o vestido no chão. Vieram ameaças ainda mais duras: “Eu paguei sua passagem, seu visto, sua comida. Você é minha. Se tentar fugir, chamo a polícia. Eles te deportam e seu irmão passa fome.”
À noite, empurrada para o saguão dourado de um hotel luxuoso, Adissa entrou em um quarto maior do que sua casa. Um homem de terno escuro apareceu. Ele parecia mais cansado do que perigoso. A jovem caiu de joelhos, suplicando:
— Por favor, eu não quero. Eu não posso.
O homem tirou o paletó e o colocou sobre uma cadeira.
— Levante. Eu não vou te machucar.
Deitou-se no sofá e apontou para a cama.
— Durma. Amanhã você vai embora.
Na manhã seguinte, Adissa encontrou um envelope recheado e um bilhete: “Não deixe que te quebrem.”
Quando voltou para Madame, mostrou o dinheiro. Mas, em vez de alívio, recebeu mais tapas e insultos. Foi trancada em um quarto sem água nem comida.
Horas depois, ouviu passos pesados. A porta se abriu. Era o mesmo homem. Atrás dele, dois seguranças de preto.
— Onde ela está? — gritou.
Madame tentou argumentar, mas a voz dele cortou como lâmina:
— Ela não é sua propriedade. Se abrir a boca de novo, vai responder por tráfico.
Ele levou Adissa dali sem olhar para trás. Em sua mansão, cercada de jardins e seguranças, disse apenas:
— Você está segura aqui.
— Mas por que eu? O senhor nem me conhece.
— Porque um dia eu também fui prisioneiro. Alguém me ajudou. Agora eu ajudo.
Nos meses seguintes, o homem, que se chamava Senhor Jun, matriculou Adissa em cursos de língua, matemática e informática. Apresentou-lhe africanos que trabalhavam legalmente no país. A jovem começou a reconstruir a vida.
No entanto, as sombras não desapareceram. Notícias circularam: bordéis foram fechados, mas Madame Hyen havia escapado.
— Ela não vai parar. — disse Senhor Jun certa noite. — Amanhã vamos levá-la à justiça.
No tribunal, Adissa contou sua história diante de jornalistas, juízes e policiais. Sua voz tremia no início, mas ganhou firmeza:
— Eu vim por desespero. Ela me prometeu trabalho e tentou me vender. Se não fosse pelo Senhor Jun, eu teria sido destruída.
O martelo bateu. Madame foi condenada a anos de prisão. Saiu gritando maldições, mas já não tinha poder.
O tempo passou. Adissa abriu um restaurante africano em Seul. O cheiro de ensopados e banana-da-terra frita atraía clientes de toda parte. Com parte do lucro, criou uma fundação para ajudar mulheres vítimas de tráfico.
No verão seguinte, voltou à sua aldeia. Construiu uma casa de pedra para o irmão, agora estudante de uma boa escola. Os vizinhos, que antes murmuravam pena, agora a olhavam com admiração.
Diante do túmulo da mãe, colocou flores frescas e sussurrou:
— Mama, eu cumpri minha promessa. Ele nunca mais vai sofrer. Eu também não.
Atrás dela, Senhor Jun observava em silêncio. Para ele, não era sobre salvar alguém, mas devolver a liberdade.
Adissa entendeu que sobreviver era apenas o começo. Viver exigia coragem, trabalho e esperança. Da dor, nasceu força. Do cativeiro, nasceu liberdade. E da promessa, nasceu uma vida nova.