Toto Cutugno: A História Secreta de Glória, Dor e Tragédias Que a Lenda de “L’Italiano” Nunca Contou

Toto Cutugno: A História Secreta de Glória, Dor e Tragédias Que a Lenda de “L’Italiano” Nunca Contou

Toto Cutugno, addio all'“Italiano vero” - Il Sole 24 ORE

Quando uma lenda nos deixa, o mundo parece parar por um instante. O eco das suas canções ressoa com uma nostalgia mais profunda, e as memórias que nos deixaram tornam-se relíquias sagradas. A notícia da morte de Salvatore “Toto” Cutugno, aos 80 anos, no hospital San Raffaele, em Milão, foi uma dessas ondas de choque que atravessou a Itália e o mundo, deixando um rasto de tristeza e saudade. Mas por trás do ícone, do embaixador da música italiana que vendeu mais de 100 milhões de discos, existia um homem cuja vida foi um complexo mosaico de triunfos retumbantes e dores lancinantes, uma história muito mais profunda do que os acordes cativantes de “L’Italiano” poderiam alguma vez sugerir.

Nascido em Fosdinovo, a 7 de julho de 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, a sua infância foi marcada pela música e pela mudança. A família estabeleceu-se em La Spezia, e foi ali que o seu pai, um suboficial da Marinha com paixão pelo trompete, lhe incutiu o amor pela melodia. O jovem Salvatore era um prodígio. Aos nove anos, já dominava a bateria na banda da cidade, um talento precoce que rapidamente evoluiu para o acordeão e, mais tarde, para o piano. A música não era apenas um passatempo; era a sua linguagem, a sua forma de navegar num mundo que, desde cedo, lhe mostrou a sua face mais cruel.

A década de 60 viu-o mergulhar na cena musical com a sua banda, Toto y Rockers, mas foi na década seguinte que o seu génio como compositor começou a brilhar intensamente. Antes de se tornar o rosto que todos conheciam, Toto Cutugno era a força criativa por trás de alguns dos maiores sucessos da música francesa e italiana, compondo para gigantes como Joe Dassin, Mireille Mathieu, Dalida e, claro, o lendário Adriano Celentano. A sua capacidade de criar melodias que se alojavam no coração do público era inegável.

O palco do Festival de Sanremo tornou-se o seu coliseu. Com 15 participações, ele era uma presença constante, um veterano amado e, por vezes, incompreendido. A vitória chegou em 1980 com “Solo noi”, uma balada poderosa que selou o seu estatuto de estrela. No entanto, foi a sua canção mais icónica, “L’Italiano”, apresentada em Sanremo em 1983, que o imortalizou. Embora não tenha vencido o festival nesse ano, a canção tornou-se um hino não oficial de italianidade em todo o mundo, um retrato sincero e apaixonado da alma de um país.

O clímax da sua carreira internacional chegou em 1990, quando, em Zagreb, venceu o Festival Eurovisão da Canção com “Insieme: 1992”, um apelo à unidade europeia que capturou o espírito da época. Toto Cutugno estava no topo do mundo. As suas canções eram cantadas de Moscovo a Montreal, e a sua imagem, a do italiano autêntico com a sua guitarra, tornou-se um símbolo global.

Contudo, longe das luzes e dos aplausos, a vida de Toto era uma batalha constante. Em janeiro de 2007, o destino desferiu-lhe um golpe terrível: um diagnóstico de cancro na próstata. A notícia foi devastadora, mas o seu amigo e médico, Al Bano, insistiu para que procurasse os melhores especialistas. Seguiu-se uma cirurgia delicada e um longo período de terapia. A doença deixou marcas, mas não quebrou o seu espírito. Com uma coragem extraordinária, regressou a Sanremo em 2008, apresentando “Un falco chiuso in gabbia” (Um falcão fechado numa gaiola), uma canção que parecia refletir a sua própria luta pela liberdade contra as correntes da doença.

Toto Cutugno, la morte arrivata per soffocamento “Stava mangiando e…” -  YouTube

Mas as batalhas de saúde, por mais duras que fossem, eram apenas uma parte das provações que a vida lhe reservara. As feridas mais profundas foram infligidas na sua infância, tragédias familiares que o assombraram para sempre e que raramente partilhava com o público. A mais traumática foi a morte da sua irmã Anna, com apenas sete anos. Numa entrevista comovente, Toto recordou o momento com uma dor palpável. Estavam a almoçar, e Anna, ao comer gnocchi, engasgou-se. O pânico, a impotência, a imagem da sua irmã a sufocar diante dos seus olhos, tornaram-se uma cicatriz indelével na sua alma.

Como se essa perda não fosse suficiente, a sua outra irmã, Rosanna, enfrentou uma provação de vida ou morte, tornando-se uma das primeiras crianças em Itália a ser submetida a uma cirurgia cardíaca complexa. O seu irmão, Roberto, também sofreu com uma meningite grave. A casa dos Cutugno, que deveria ser um refúgio de música e alegria, tornou-se um lugar onde a dor e o medo eram presenças constantes. Estas experiências moldaram a sua sensibilidade, infundindo na sua música uma melancolia subjacente, uma compreensão da fragilidade da vida que ressoava com milhões de pessoas.

Toto Cutugno era um homem de contrastes. O artista que cantava o orgulho de ser italiano era o mesmo homem que carregava o peso de perdas indizíveis. O compositor de melodias alegres era o mesmo que lutava silenciosamente contra uma doença implacável. A sua vida ensina-nos que, por trás de cada grande sucesso, existe muitas vezes uma história de resiliência, uma tapeçaria tecida com fios de alegria e de uma tristeza profunda.

A sua partida deixa um vazio imenso na música italiana e no coração de todos aqueles que se viram nas suas canções. Ele não era apenas um cantor; era um cronista da vida italiana, um poeta do quotidiano que deu voz aos sonhos, às esperanças e às dores de um povo. A sua música continuará a ser a banda sonora de inúmeras vidas, um lembrete eterno de que, mesmo nas maiores adversidades, a beleza e a paixão podem florescer. Adeus, Toto. Deixa-nos a tua guitarra, as tuas canções e a lição de uma vida vivida com uma força extraordinária.

 

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