Em 1848, um escravo chamado Joaquim criou uma armadilha tão simples que ninguém levou a sério. 7 meses depois, 214 capitães do mato estavam mortos. E o pior, eles mesmos se mataram. Se você gosta de histórias reais que parecem impossíveis, se inscreve no canal e deixe o like, porque aqui você vai encontrar relatos que os livros de história tentaram esconder.
E me conta nos comentários de onde você está assistindo. Deixa eu te contar como tudo começou. Joaquim não era um escravo qualquer. Ele tinha sido capturado em Angola quando tinha apenas 12 anos e foi trazido pro Brasil, acorrentado num navio negreiro. A viagem durou 47 dias. 47 dias. trancado no porão de um navio, acorrentado no pescoço e nos pés, comendo uma vez por dia, vendo pessoas morrerem ao lado dele de doença, fome e desespero.
Dos 312 africanos que entraram naquele navio, só 198 chegaram vivos no porto do Rio de Janeiro. Joaquim era um deles. Quando chegou na fazenda do coronel Mendes, no interior de Minas Gerais, ele viu algo que marcou sua vida para sempre. um capitão do mato chicoteando um homem até a morte, só porque ele tinha tentado fugir. O corpo ficou pendurado na árvore por três dias, como exemplo.
Joaquim tinha 19 anos nessa época e jurou para si mesmo que um dia ia encontrar um jeito de acabar com aqueles homens, mas ele não tinha armas, não tinha força física para enfrentar homens armados até os dentes. O que ele tinha era algo que ninguém esperava, paciência e conhecimento sobre a floresta. Vou te explicar uma coisa sobre Joaquim que faz toda a diferença nessa história.
Antes de ser capturado em Angola, ele tinha crescido numa aldeia chamada Embanza, no interior do país. O pai dele era caçador. Desde os 6 anos de idade, Joaquim aprendia a criar armadilhas para caçar animais. armadilhas de corda, de estaca, de buraco coberto, de laço.
Ele sabia exatamente como fazer um animal seguir um caminho específico, como criar iscas que pareciam naturais, como esconder uma armadilha tão bem que nem o animal mais esperto conseguia perceber. Essas habilidades ficaram guardadas na memória dele durante todos aqueles anos de escravidão.

E agora, 7 anos depois de chegar no Brasil, ele finalmente ia usar esse conhecimento, mas não para caçar animais, para caçar homens. Agora vem a primeira coisa que você precisa entender sobre o que Joaquim fez. Ele percebeu uma falha fatal no sistema dos capitães do mato. A ganância. Esses homens eram pagos por cada escravo que capturavam vivo ou morto.
Vivo valia mais, claro, porque o escravo podia ser devolvido pro dono e continuar trabalhando. Mas morto também dava dinheiro, desde que eles trouxessem alguma prova, tipo uma orelha ou um dedo. Era um sistema brutal que incentivava esses homens a serem cada vez mais violentos.
E quanto mais escravos fugiam, mais dinheiro eles faziam. Então, Joaquim bolou o seguinte. Ele começou a espalhar um boato entre os escravos da região. Dizia que tinha descoberto uma rota secreta na floresta que levava direto pro quilombo mais protegido da área, um lugar chamado quilombo da Serra Negra, onde nenhum capitão do mato conseguia entrar porque era protegido por guerreiros armados e ficava no alto de um morro impossível de escalar, sem conhecer o caminho certo.
Mas essa rota tinha uma marca especial que só os escravos conseguiam ver. Uma série de arranhões específicos nas árvores que formavam um padrão, três linhas horizontais, duas verticais, formando uma espécie de escada desenhada na casca da árvore. O truque, esse padrão, não existia. Joaquim inventou tudo, mas ele sabia que os capitães do mato tinham informantes entre os escravos, aqueles que trocavam informação por comida ou tratamento melhor.
Tinha sempre um ou dois em cada fazenda. Homens e mulheres que estavam tão quebrados pelo sistema que faziam qualquer coisa para ter um dia de sofrimento a menos. Joaquim não julgava essas pessoas. Ele entendia, mas ele ia usar elas pro plano dele. Ele começou a contar a história da rota secreta pro escravo, certo, um homem chamado Damião, que todo mundo sabia que passava informação pro feitor em troca de cachaça.
Joaquim fingiu que estava bêbado uma noite e contou para Damião, fazendo parecer que era um segredo enorme, que ele tinha descoberto aquelas marcas por acaso quando foi buscar lenha na floresta e que vários escravos de outras fazendas já tinham usado aquela rota para fugir com sucesso.
Ele até inventou nomes de pessoas que tinham conseguido chegar no quilombo. Damião mordeu a isca completamente. No dia seguinte, ele foi direto pro feitor contar tudo. Feitor contou pro Coronel Mendes. O Coronel Mendes contou pros capitães do mato que ele contratava. E foi exatamente isso que Joaquim queria. Em menos de duas semanas, todos os capitães do mato da região sabiam sobre a rota secreta e as marcas nas árvores.
Eles começaram a procurar por essas marcas em cada patrulha que faziam. Aqui é onde a história fica assustadora. Joaquim não parou por aí. Ele começou a segunda fase do plano. Durante meses, ele estudou cada trilha que os capitães do mato usavam para caçar escravos fugitivos. Toda vez que ele era mandado para trabalhar na roça mais distante, toda vez que ia buscar água no rio, toda vez que tinha qualquer desculpa para se aproximar da floresta, ele observava.
Ele sabia onde eles acampavam, sabia por onde passavam, sabia até que horas eles costumavam fazer ronda. Ele memorizou cada árvore grande, cada pedra marcante, cada curva das trilhas. Joaquim tinha uma memória fotográfica. Uma vez que ele via um lugar, nunca mais esquecia. E ele usou isso a favor dele.
Então, numa noite de lua nova, em março de 1848, Joaquim colocou o plano em ação. A lua nova era importante porque significava escuridão total. Ninguém ia conseguir ver ele trabalhando. Ele esperou até todo mundo na senzala estar dormindo. Esperou até os feitores terminarem a última ronda.
E então, por volta das 2as da manhã, ele se arrastou para fora da cenzala, passou pelos guardas como uma sombra e entrou na floresta com ferramentas que ele tinha roubado aos poucos da fazenda durante meses. três facões velhos que tinham sido descartados, pedaços de corda feita de fibra de palmeira que ele mesmo tinha trançado escondido, estacas de madeira que ele tinha afiado usando pedra. Ele tinha escondido tudo isso num buraco na base de uma árvore específica, coberto com folhas e terra, esperando pelo momento certo. Joaquim passou aquela noite inteira trabalhando.
Ele tinha planejado tudo nos mínimos detalhes. Primeiro, ele encontrou a trilha principal que os capitães do mato mais usavam. Uma trilha que cortava a floresta de leste a oeste e que levava direto para as fazendas da região. Ele escolheu 10 árvores ao longo dessa trilha. árvores grandes e velhas que chamavam atenção. E em cada uma dessas árvores, ele fez as marcas.
Três linhas horizontais, duas verticais, a escada falsa. Ele usou o facão para cortar a casca das árvores, mas fez de um jeito que parecesse que as marcas tinham sido feitas com pressa, como se alguém tivesse passado correndo e marcado o caminho rapidamente. Tinha que parecer real. Tinha que parecer que escravos fugitivos realmente tinham feito aquilo.
Mas aqui vem a parte genial. Joaquim não fez as armadilhas logo depois das marcas, onde qualquer pessoa esperaria. Ele fez as armadilhas uns 30 ou 40 m antes de cada árvore marcada. Por quê? Porque ele sabia que quando os capitães do mato vissem a marca na árvore, eles iam acelerar o passo, iam correr na direção da próxima marca, animados por estarem seguindo a trilha dos escravos fugitivos.
E eles iam estar olhando pra frente, procurando a próxima árvore marcada, não olhando pro chão logo abaixo dos pés deles. Foi nisso que Joaquim contou. Na distração causada pela própria descoberta deles, ele cavou o primeiro buraco com as próprias mãos. A terra estava macia por causa das chuvas recentes, o que facilitou o trabalho.
Ele cavou fundo, quase 2 m de profundidade, num formato afunilado, que ficava mais estreito conforme descia. No fundo, ele fcou seis estacas de madeira que ele tinha afiado até ficarem como lanças. Ele inclinou as estacas ligeiramente para cima, de forma que qualquer pessoa que caísse ali seria empalada em pelo menos duas ou três delas.
Depois, ele cobriu o buraco com galhos finos arranjados numa espécie de grade frágil, cobriu os galhos com folhas secas e por cima das folhas ele jogou terra fresca e mais folhas, fazendo tudo parecer chão firme. Quando terminou, nem ele mesmo conseguia ver onde estava a armadilha. E ele sabia exatamente onde tinha cavado. Era perfeito. Ele repetiu o processo nove vezes naquela primeira noite, criando 10 armadilhas ao longo da trilha principal.
Quando o sol começou a clarear, por volta das 5:30 da manhã, Joaquim voltou para Senzala, escondeu as ferramentas de novo no buraco da árvore, limpou a terra das mãos e dos pés num riacho próximo e se deitou na cama de palha dele, como se tivesse dormido a noite inteira. Duas horas depois, o sino tocava, acordando todo mundo pro trabalho.
Joaquim se levantou com os outros, tomou a água com farinha que servia de café da manhã e foi trabalhar na lavoura de café. Como em qualquer outro dia, ninguém suspeitou de nada. Ninguém notou as olheiras, o cansaço, a terra ainda grudada debaixo das unhas dele. Três dias depois aconteceu a primeira morte. O capitão do mato se chamava Bento da Silva.
Ele tinha 34 anos e trabalhava caçando escravos fugitivos há quase 12 anos. Era conhecido na região por ser particularmente cruel. tinha o hábito de cortar a orelha dos escravos que capturava, mesmo quando eles não resistiam, só para deixar uma marca que todo mundo pudesse ver. Naquele dia, Bento estava perseguindo um escravo que tinha fugido da fazenda vizinha.
Ele tinha dois cães de caça com ele e estava seguindo o rastro pela floresta quando viu a primeira marca na árvore. Os três riscos horizontais, os dois verticais. Ele parou, olhou ao redor, sorriu. Ele tinha ouvido falar sobre aquelas marcas, sobre a tal rota secreta pro quilombo e agora ele tinha encontrado. Bento amarrou os cães numa árvore.
Ele não queria que os latidos assustassem outros escravos que pudessem estar usando a rota. Ele queria pegar todo mundo de surpresa. Ele seguiu andando pela trilha, procurando pela próxima marca. quando viu a segunda árvore marcada uns 60 m à frente, ele acelerou o passo, depois começou a correr. Estava animado. Estava imaginando a recompensa que ia ganhar quando capturasse todos aqueles escravos fugitivos de uma vez.
Estava tão focado na árvore marcada que não percebeu que o chão à frente dele parecia ligeiramente diferente. Não percebeu que as folhas estavam arranjadas de forma artificial. não percebeu nada até o momento em que pisou na armadilha e o chão cedeu embaixo dos pés dele. Bento caiu dois m. As estacas atravessaram o corpo dele em quatro lugares diferentes.
Uma entrou pela coxa esquerda e saiu pelas costas. Duas perfuraram o abdômen e uma entrou pelo ombro direito. Ele não morreu na hora. ficou preso ali, empalado nas estacas, sentindo uma dor que nenhum ser humano deveria sentir. Ele tentou gritar, mas o sangue encheu a garganta dele. Tentou se mexer, mas cada movimento fazia as estacas rasgarem mais a carne.
Os cães que ele tinha deixado amarrados começaram a latir ao longe, ouvindo os sons agônicos do dono. Mas ninguém veio. Ento levou quase uma hora para morrer, sozinho no fundo daquele buraco, olhando pro pequeno círculo de céu azul acima da cabeça dele. Encontraram o corpo dois dias depois.
Os cães tinham conseguido se soltar e voltaram pra cidade latindo e agitados. Um grupo de quatro capitães do mato voltou pra floresta para procurar por Bento. Quando acharam ele, ficaram chocados. Nunca tinham visto nada parecido. Assumiram que tinha sido uma armadilha feita por escravos. fugitivos para se defender. A morte foi registrada como acidente durante patrulha.
O delegado da cidade escreveu no relatório: “O capitão do Mato Bento da Silva faleceu em decorrência de queda em armadilha, possivelmente construída por negros fugitivos. Recomenda-se cautela redobrada nas patrulhas. E foi só isso. Ninguém imaginou que aquilo era só o começo. Ninguém imaginou que tinha um plano maior acontecendo. Joaquim soube da morte de Bento no mesmo dia em que encontraram o corpo. A notícia se espalhou rápido entre os escravos.
Alguns ficaram com medo, achando que os capitães do mato iam ficar ainda mais violentos em retaliação. Mas Joaquim não demonstrou nenhuma reação. Continuou trabalhando normalmente, cortando cana, carregando sacos, obedecendo todas as ordens. Por dentro, porém, ele estava sentindo uma mistura estranha de satisfação e horror.
Era a primeira vez que ele matava alguém, mesmo que indiretamente, mas quando lembrava da cena que tinha visto 7 anos atrás, do homem sendo chicoteado até a morte, do corpo pendurado na árvore, a satisfação vencia o horror. Um capitão do mato a menos significava menos sofrimento pro povo dele.
significava justiça, do jeito que ela podia existir naquele mundo cruel. Uma semana depois, dois capitães do mato morreram do mesmo jeito. Eles estavam patrulhando juntos quando viram as marcas. Decidiram seguir a trilha. O primeiro caiu na armadilha. O segundo, ao ouvir o grito do parceiro, correu na direção do som, sem olhar pro chão, e caiu na armadilha seguinte, que ficava só alguns metros de distância.
Ambos morreram antes de conseguir qualquer ajuda. Depois foi a vez de três capitães do mato de uma cidade vizinha. Eles tinham vindo especialmente para investigar as mortes estranhas e acabaram virando vítimas também. Depois mais cinco de uma vez porque estavam em grupo e o primeiro que caiu gritou, fazendo os outros correrem na direção do grito, sem pensar, caindo nas armadilhas seguintes como peças de dominó.
Em 2 meses, 37 capitães do mato estavam mortos. A notícia começou a se espalhar pela província inteira. Jornais de Ouro Preto e do Rio de Janeiro publicaram artigos sobre as mortes misteriosas. Um jornal chamado A Sentinela do Império escreveu: “Uma série de tragédias tem assolado os homens do mato na região de Minas.
Armadilhas mortais de origem desconhecida, t ceifado a vida de nossos bravos caçadores. As autoridades investigam se há uma organização criminosa por trás dos ataques. Era engraçado como eles chamavam os capitães do mato de bravos caçadores, como se fossem heróis, quando na verdade eram homens que ganhavam a vida torturando e matando pessoas escravizadas. Aqui é onde você precisa entender a genialidade do que Joaquim fez.
Ele não estava apenas matando capitães do mar, ele estava usando o próprio sistema deles contra eles mesmos. Quanto mais capitães morriam, mais novos capitães eram contratados para substituir os mortos. O trabalho pagava bem, especialmente com tantas vagas abrindo. Então, sempre tinha homem desesperado por dinheiro disposto a arriscar.
E esses novos capitães chegavam ansiosos para provar seu valor, para ganhar dinheiro rápido, para mostrar que eram melhores que aqueles que tinham morrido. Então, quando viam as marcas nas árvores, quando escutavam sobre a tal rota secreta do quilombo, eles corriam direto pras armadilhas. Era como um ciclo vicioso que se alimentava sozinho. Quanto mais homens morriam, mais homens vinham.
Quanto mais homens vinham, mais morriam. E tinha mais. Os capitães do mato que sobreviviam, aqueles que tinham sorte suficiente para nunca encontrar as marcas ou que eram cautelosos demais para seguir a trilha, começaram a ficar paranoicos. Eles não sabiam onde estavam as armadilhas exatamente, não sabiam quantas eram.
Não sabiam se aquela trilha era segura ou se o próximo passo seria o último. O medo se espalhou mais rápido que qualquer doença. Alguns começaram a andar tão devagar que ficavam horas para percorrer distâncias curtas, tornando muito mais fácil pros escravos fugirem sem serem pego. Outros começaram a atirar em qualquer coisa que se mexia na floresta, matando uns aos outros por engano em pelo menos três ocasiões diferentes.
O capitão do mato chamado Francisco matou o próprio irmão assim, pensando que era um escravo fugitivo se escondendo atrás de uma árvore. Enquanto isso, Joaquim continuava seu trabalho silencioso. Toda a lua nova ele saía da cenzala e passava a noite criando mais armadilhas, expandindo a área coberta. Ele começou a fazer armadilhas em outras trilhas também, sempre colocando as marcas falsas nas árvores, sempre cavando os buracos nos lugares mais estratégicos. Ele desenvolveu um sistema quase industrial.
Conseguia cavar um buraco completo, com estacas e cobertura em menos de 40 minutos. Numa noite boa, ele criava até oito armadilhas novas e ele começou a fazer variações também. Algumas armadilhas eram mais rasas, mas tinham mais estacas. Outras eram muito fundas e estreitas, fazendo a pessoa ficar presa lá embaixo sem conseguir subir.
Ele até criou algumas armadilhas duplas, onde tinha uma armadilha falsa e óbvia, e quando a pessoa desviava dela, caía na armadilha real que estava do lado. Joaquim observava tudo de longe, continuando seu trabalho na fazenda como se nada tivesse acontecido. dia. Ele era o escravo perfeito, obediente, trabalhador, quieto, nunca reclamava, nunca questionava ordens, nunca causava problemas.
O coronel Mendes até comentou uma vez com a esposa que Joaquim era um dos melhores escravos que eles tinham, sempre prestativo e confiável. Se ele soubesse que aquele mesmo homem era responsável pela morte de dezenas de capitães do mato, provavelmente teria um ataque do coração ali mesmo, mas ninguém suspeitava. Como poderiam? Joaquim era apenas mais um escravo entre centenas.
Era invisível e ele usava essa invisibilidade como proteção. Os meses foram passando e o número de mortes só aumentava. Março, 37 mortos. Abril 41 mortos. Maio, 53 mortos. Junho, 38 mortos. As autoridades locais começaram a perceber que algo estava muito errado. 20 capitães do mato mortos em um mês já seria alarmante, mas 50, isso era uma catástrofe.
O delegado de polícia da região, um homem chamado Capitão Augusto Ferreira da Cunha, decidiu que tinha que agir. Ele escreveu um relatório detalhado pro presidente da província, explicando a situação e pedindo reforços. dizia que claramente havia uma organização criminosa complexa operando na região, provavelmente liderada por algum escravo fugitivo experiente que tinha conhecimento militar.
Ele estimava que pelo menos 20 a 30 pessoas estariam envolvidas na criação de tantas armadilhas. A resposta veio duas semanas depois. O presidente da província mandou um destacamento de 15 soldados do exército para investigar e resolver a situação. Eram soldados experientes, a maioria veteranos da guerra da cisplatina.
Homens que tinham visto combate real, que sabiam como rastrear inimigos, que conheciam táticas militares. Eles chegaram na região com confiança total de que iam descobrir quem estava por trás das mortes e acabar com aquilo em questão de dias. O comandante do grupo, um sargento chamado Teodoro, até fez um discurso público na Praça da cidade, dizendo que os responsáveis seriam capturados e enforcados em menos de uma semana.
Joaquim assistiu esse discurso de longe. Ele tinha sido mandado pra cidade pelo feitor para buscar suprimentos e estava na praça quando Teodoro falou. Ele olhou pro sargento nos olhos. Um homem branco, alto, forte, com uniforme impecável e uma espada na cintura. Um homem acostumado a dar ordens e ser obedecido.
Um homem que provavelmente nunca tinha imaginado que pudesse ser derrotado por um escravo. Joaquim quase sorriu, mas se controlou. Ele sabia que precisava continuar invisível. Então abaixou os olhos, fingiu ser o escravo submisso que todos esperavam ver, e voltou pra fazenda com os sacos de farinha que tinha ido buscar.
Os soldados começaram a investigação entrando na floresta em formação militar, com scouts avançados, checando cada trilha, cada árvore, cada pedaço de chão. Eles acharam as marcas nas árvores. Acharam até algumas armadilhas, porque Joaquim tinha deixado algumas mais óbvias de propósito, sabendo que seriam descobertas.
Os soldados acharam aquilo e ficaram aliviados, pensando que tinham resolvido o problema. desmancharam cinco armadilhas numa tarde e reportaram pro sargento Teodoro, que tinha achado e destruído as armadilhas dos criminoso. Teodoro ficou satisfeito. Escreveu um relatório dizendo que a situação estava sob controle. Dois dias depois, oito soldados estavam mortos.
Eles tinham entrado numa parte da floresta que achavam que estava segura numa trilha que parecia não ter marcas. Mas Joaquim tinha criado armadilhas ali também, sem marcas nas árvores, justamente para pegar quem estivesse procurando pelas marcas e evitando aquelas trilhas. Foi uma emboscada perfeita. Os soldados estavam andando em fila quando o primeiro caiu.
Os outros correram para ajudar e mais três caíram. Os quatro restantes daquele grupo conseguiram voltar, mas um deles tinha ferimentos tão graves nos órgãos internos que morreu no dia seguinte. Dois outros ficaram aleijados permanentemente. Só um saiu sem ferimentos graves.
O sargento Teodoro ficou furioso, mandou chamar reforços, mas 12 soldados foram enviados. E dessa vez Teodoro decidiu usar uma tática diferente. Se as armadilhas estavam escondidas no chão, ele ia queimar a floresta inteira. Ordenou que os soldados trouxessem pólvora e tochas. A ideia era simples, incendiar grandes áreas da mata. Forçar os responsáveis pelas armadilhas a saírem do esconderijo foi um plano desesperado e brutal que colocaria em risco não só os escravos fugitivos, mas também fazendeiros da região, cujas propriedades ficavam perto da floresta. Mas Teodoro não ligava. Ele só queria
resolver aquele problema que tinha virado uma humilhação pessoal para ele. Joaquim soube do plano através da mesma escrava que trabalhava na Casagre, uma mulher chamada Rosa, que limpava os quartos e ouvia as conversas entre o coronel Mendes e os militares. Rosa contou discretamente para Joaquim o que estava sendo planejado.
Joaquim ficou preocupado pela primeira vez desde que tinha começado tudo aquilo. Um incêndio poderia destruir tudo. poderia matar escravos inocentes que realmente viviam em quilombos na região. Poderia devastar a floresta inteira, acabando com a fonte de água e comida de muita gente. Ele precisava fazer alguma coisa. Foi aí que Joaquim tomou a decisão mais arriscada da vida dele.
Em vez de parar, em vez de deixar os soldados queimarem a floresta, ele decidiu atacar de forma mais direta. Ele esperou até saber onde os soldados estavam acampados. num claro da floresta perto de um rio. E então, numa noite sem lua, ele se aproximou do acampamento. Tinha seis soldados de guarda e mais 15 dormindo em barracas.
Joaquim não chegou perto o suficiente para ser visto. Ele ficou a uns 100 m de distância, escondido atrás de árvores grossas, e então fez algo simples, mas eficaz. começou a fazer barulhos. Bateu galhos contra árvores, imitou sons de animais, jogou pedras em direções diferentes. Os guardas ficaram alertas, acordaram os outros soldados, pegaram as armas e começaram a investigar.
Joaquim foi recuando lentamente, fazendo barulhos em intervalos regulares, criando uma trilha sonora que os soldados seguiram. Ele os levou direto pra área da floresta, onde tinha criado as armadilhas mais mortais, um trecho onde tinha 12 armadilhas num espaço de apenas 50 m. Os soldados estavam focados em encontrar quem estava fazendo os barulhos.
Estavam com as armas em punho, os olhos fixos na escuridão à frente e não estavam olhando pro chão. Cinco deles caíram em armadilhas em menos de 3 minutos. Os gritos ecoaram pela floresta. Os soldados restantes entraram em pânico, começaram a atirar para todos os lados, gritando ordens confusas uns pros outros. Três deles atiraram em companheiros por engano na confusão e na escuridão. Dois caíram em mais armadilhas, tentando recuar.
No final, só quatro soldados conseguiram voltar para acampamento, e esses quatro estavam tão traumatizados que dois deles desertaram na manhã seguinte, fugindo de volta pra cidade e depois desaparecendo completamente. O sargento Teodoro percebeu que tinha perdido. Ele tinha chegado com 27 homens, agora tinha oito vivos. E desses oit, três estavam feridos demais para continuar lutando.
Ele escreveu um último relatório pro presidente da província, dizendo que a situação estava além do controle dele, que precisavam de um batalhão inteiro para resolver aquilo, que havia uma força organizada e extremamente eficiente operando na região. Ele usou palavras como táticas avançadas e conhecimento militar superior.
Nunca passou pela cabeça dele que podia ser o trabalho de uma pessoa só, muito menos de um escravo. Teodoro deixou a região uma semana depois, com os homens que sobraram, a notícia da derrota do exército se espalhou rapidamente. Os jornais publicaram artigos dramáticos sobre a misteriosa força rebelde que estava derrotando até soldados treinar.
Alguns jornalistas começaram a especular que podia ser um movimento abolicionista secreto financiado por estrangeiros. Outros achavam que eram ex-soldados brasileiros que tinham se juntado aos escravos fugitivos. Ninguém chegou perto da verdade. No quinto mês do plano de Joaquim, aconteceu o evento que quase mudou tudo.
Um grupo de 12 capitães do mato decidiu que ia acabar com aquilo de uma vez. eram homens de diferentes cidades que tinham se unido especificamente para essa missão. O líder deles era um homem chamado Sebastião Borges, conhecido em toda a província por ser o capitão do mato mais eficiente e mais cruel que existia. Ele tinha capturado pessoalmente mais de 400 escravos fugitivos ao longo de 15 anos de carreira. Era famoso por nunca desistir de uma caçada.
Dizia que tinha um sexto sentido para encontrar escravos, que conseguia farejar um rastro melhor que qualquer cão. Sebastião e seu grupo entraram na floresta com cães farejadores, tochas, armas e até dinamite que tinham conseguido com contrabandistas. A ideia deles era simples, explodir todas as armadilhas que encontrassem e matar qualquer pessoa que cruzasse o caminho.
Eles não iam investigar, não iam tentar capturar ninguém vivo. Era uma missão de extermínio. Sebastião tinha anunciado publicamente que ia trazer de volta as cabeças dos responsáveis pelas mortes, não importava quantos fossem. Joaquim soube disso através de Rosa. Três dias antes da caçada acontecer. Ela tinha ouvido o coronel Mendes conversando com Sebastião na sala de jantar, oferecendo uma recompensa extravesse o problema. Joaquim teve três dias para se preparar.
Três dias que ele usou da forma mais inteligente possível. Em vez de criar mais armadilhas do mesmo tipo, ele decidiu fazer algo diferente, algo que levaria em conta que Sebastião e seu grupo estariam procurando especificamente por armadilhas de buraco no chão.
Joaquim passou as três noites criando o maior campo minado que já tinha feito, mas dessa vez ele diversificou as armadilhas. Além dos buracos no chão, ele amarrou cordas finas entre as árvores na altura do pescoço, quase invisíveis na escuridão da floresta. Cordas feitas com fibras de palmeira trançadas que ele tinha preparado durante semanas. Essas cordas eram fortes o suficiente para derrubar um homem correndo, mas finas o suficiente para serem praticamente invisíveis mesmo de dia.
Ele posicionou as cordas estrategicamente nos lugares onde sabia que pessoas correndo passariam, especialmente perto das árvores marcadas que atraíam atenção. Mas Joaquim não parou aí. Ele também espalhou pedras soltas nas trilhas, pedras que faziam barulho quando pisadas, criando uma espécie de sistema de alarme natural. Qualquer um que passasse por ali faria barulho.
E esse barulho atrairia os outros do grupo que viriam correndo. E quando viessem correndo, caiririam nas armadilhas. Era um sistema em cascata, onde cada elemento levava ao próximo. Então Joaquim fez algo que mostrava o quanto ele tinha aprendido sobre psicologia humana nesses meses todos. Ele criou armadilhas falsas, buracos vazios sem estacas.
apenas buracos fundos cobertos com folhas. A ideia era que quando os capitães do mato encontrassem essas armadilhas falsas, iam pensar que tinham descoberto o truque todo. Iam baixar a guarda, iam ficar confiantes e então iam tropeçar nas armadilhas reais. Logo à frente, Joaquim trabalhou 18 horas seguidas durante aquelas três noites. Quase não dormiu.
Suas mãos sangravam de tanto cavar. Suas costas doíam de tanto se curvar, mas ele continuou porque sabia que essa era a hora da verdade. Se Sebastião e seu grupo conseguissem descobrir que era ele, se conseguissem rastrear as armadilhas até a origem, tudo acabaria, não só para ele, mas para todos os escravos da região, porque a retaliação seria brutal.
Então, Joaquim trabalhou com uma intensidade que beirava a insanidade, criando um labirinto mortal de armadilhas interligadas numa área de aproximadamente 2 km². Quando terminou, até ele mesmo tinha dificuldade de lembrar onde estava cada armadilha. Ele teve que criar um mapa mental muito detalhado para não cair nas próprias armadilhas quando precisasse voltar ali.
A caçada começou numa quinta-feira de manhã, 15 de julho de 1848. Sebastião e seus 11 homens entraram na floresta confiantes, gritando ameaças, dizendo que iam acabar com todos os escravos fugitivos da região, que iam queimar o quilombo inteiro. Os cães latiam ferozmente, as tochas iluminavam o caminho, mesmo sendo dia claro, porque Sebastião queria que todos vissem ele chegando. Queria causar terror. Eles marchavam em formação.
Três linhas de quatro homens cada. Sebastião ia na frente comandando. Eles tinham mapas das áreas onde tinham acontecido mais mortes. Tinham estudado os padrões. Achavam que sabiam o que estavam procurando. Duas horas depois de entrarem na floresta, eles encontraram a primeira árvore marcada. Sebastião examinou as marcas com cuidado. Três linhas horizontais, duas verticais.
A famosa escada. Ele sorriu. Finalmente tinham encontrado a tal rota secreta. Ele ordenou que os homens avançassem devagar, checando o chão a cada passo. Eles andaram uns 20 m e encontraram a primeira armadilha. Era uma das falsas que Joaquim tinha criado, um buraco fundo mais vazio. Sebastião riu alto, mandou dois homens descerem no buraco para verificar.
Confirmaram que não tinha estacas, nada. Era só um buraco. Sebastião ficou decepcionado. Pensou que talvez as histórias sobre as armadilhas mortais fossem exageradas. que talvez os capitães do mato anteriores eram incompetentes que tinham caído em buracos simples. Ele ordenou que o grupo continuasse, mas agora com mais confiança. Eles achavam que sabiam como as armadilhas funcionavam.
Era só olhar pro chão e evitar os buracos. Fácil. Eles aceleraram o ritmo e foi exatamente o que Joaquim tinha previsto. Sebastião estava na frente quando pisou nas pedras soltas que Joaquim tinha espalhado. O barulho ecoou pela floresta. Sebastião olhou para baixo confuso e nesse momento de distração, ele não viu a corda na altura do pescoço.
Ele continuou andando e a corda pegou ele no pescoço com tanta força que o jogou para trás. Sebastião caiu de costas, batendo a cabeça numa pedra. Não morreu, mas ficou atordoado, meio consciente, sangrando da cabeça. Os homens atrás dele viram o líder cair e correram para ajudar. Três deles tropeçaram na mesma corda que tinha derrubado Sebastião.
Um quarto desviou da corda, mas pisou numa armadilha real, caindo num buraco de 2 m de profundidade com seis estacas no fundo. As estacas perfuraram o corpo dele em cinco lugares. Ele morreu gritando. Os gritos fizeram os outros homens entrarem em pânico. Os cães começaram a latir descontroladamente. Dois homens tentaram pegar as armas, mas estavam tão nervosos que derrubaram as tochas, que caíram em folhas secas e começaram um pequeno incêndio.
O fogo se espalhou rapidamente porque era julho, época seca, e a floresta estava cheia de folhas e galhos secos. O fogo forçou o grupo a recuar, mas ao recuar eles entraram numa área onde Joaquim tinha concentrado várias armadilhas próximas umas das outras. Era uma espécie de campo minado. O primeiro homem a recuar caiu numa armadilha.
O segundo pulou pro lado para desviar e caiu em outra. O terceiro ficou paralisado de medo, sem saber para onde ir, e acabou sendo atingido por um galho em chamas que caiu de uma árvore, queimando o rosto e os braços dele severamente. Ele correu cegamente e caiu numa armadilha também. Em questão de 10 minutos, cinco homens estavam mortos.
Três estavam gravemente feridos, incluindo Sebastião, que ainda estava seminconsciente no chão, e apenas quatro estavam ilesos, mas completamente apavorados. Os quatro que ainda podiam andar tentaram carregar os feridos, mas o fogo estava se espalhando rápido demais. Eles tiveram que tomar uma decisão horrível, abandonar os feridos para salvar as próprias vidas.
Eles pegaram Sebastião porque ele era o líder e tinha que sobreviver para contar o que aconteceu. E deixaram os outros três feridos para trás. Esses três morreram, dois queimados pelo fogo e um que sangrou até morrer de ferimentos das estacas. Os quatro que fugiram carregando Sebastião, encontraram mais armadilhas no caminho de saída. Um deles caiu e morreu.
Os três restantes, incluindo Sebastião, que estava começando a recuperar a consciência, finalmente conseguiram sair da floresta mais de 5 horas depois de terem entrado. O fogo que começou naquele dia queimou por três dias antes de ser controlado pela chuva. destruiu uma área grande da floresta, mas ironicamente acabou servindo aos propósitos de Joaquim de certa forma, porque destruiu muitas das armadilhas que ele tinha criado, eliminando evidências.
E mais importante, o fogo traumatizou tantos sobreviventes que nenhum capitão do mato queria mais entrar naquela floresta. Começaram a circular histórias de que a mata estava amaldiçoada, que espíritos vingativos protegiam os escravos fugitivos, que qualquer um que entrasse lá estava destinado a morrer de forma horrível.
Sebastião Borges sobreviveu, mas nunca mais foi o mesmo. A queda tinha causado danos cerebrais. Ele começou a ter convulsões frequentes e perda de memória. Teve que se aposentar como capitão do mato. Passou os últimos anos da vida dele numa cadeira babando, sendo cuidado pela irmã. Morreu 3 anos depois, em 1851.
Os outros dois sobreviventes da caçada também abandonaram a profissão. Um virou agricultor, o outro se mudou para outra província, querendo ficar o mais longe possível daquela região. Agora, deixa eu te explicar o que aconteceu nos dois últimos meses dessa história. Júlio tinha terminado com o desastre da caçada de Sebastião.
Agosto chegou e as mortes diminuíram um pouco, porque menos capitães do mato estavam dispostos a entrar na floresta. Mas ainda tinha alguns corajosos ou desesperados o suficiente. Mas 28 morreram em agosto. Setembro viu mais 31 mortes e então chegou outubro. E foi nesse mês que tudo mudou. As autoridades finalmente decidiram que tinham que fazer algo drástico.
O presidente da província, Dom Pedro de Alcântara Cerqueira e Silva, emitiu um decreto, oferecendo uma recompensa enorme para qualquer um que descobrisse quem estava por trás das mortes. A recompensa era de cinco contos de réis, uma fortuna na época, o equivalente a 5 anos de salário de um trabalhador comum.
Além do dinheiro, ofereciam terras, 50 alqueires de terra fértil para quem trouxesse informação que levasse a captura dos responsáveis. E a oferta mais tentadora de todas, liberdade completa e imediata para qualquer escravo que entregasse informação válida. Não só liberdade pro escravo, mas também pra família dele, esposa e filhos. Quando o decreto foi lido publicamente nas praças de todas as cidades da região, Joaquim estava lá.
Ele tinha ido à cidade para buscar suprimentos de novo. Ele ouviu cada palavra do decreto, viu os olhares de outros escravos e soube que estava em perigo, porque cinco contos de réis, mais terras, mais liberdade, era uma oferta que nenhum escravo no mundo recusaria se tivesse informação real para dar.
E Joaquim sabia que, apesar de ter sido muito cuidadoso, sempre existia a possibilidade de alguém ter visto algo, ter notado algo estranho, ter conectado os pontos. Foi exatamente o que aconteceu. Tinha um escravo na fazenda do coronel Mendes, chamado Miguel. Ele tinha 43 anos e trabalhava como ferreiro. Tinha uma filha de 16 anos chamada Benedita, que trabalhava como muerciante da cidade.
Miguel amava a filha mais que tudo no mundo. era viúvo.