Vocês já ouviram falar de uma criança que conseguiu destruir 12 famílias inteiras? Pois bem, preparem-se para conhecer uma das histórias mais perturbadoras do Brasil imperial. Se vocês ficarem até o final, vão descobrir um segredo que mudou para sempre o destino de uma fazenda em São Paulo. Não esqueçam de se inscrever no canal, compartilhar este vídeo e comentar de onde estão assistindo.
Quero saber se vocês têm coragem de ouvir esta história até o fim. Era março de 1856, quando tudo começou na fazenda Santa Gertrudes, no interior de São Paulo. Eu era apenas um menino de 12 anos, filho do capataz, quando presenciei a chegada daquele que mudaria nossas vidas para sempre.
O solva se pondo atrás dos cafezais quando ouvi o barulho das rodas da carroça se aproximando pela estrada de terra. Meu pai, João Batista estava ao meu lado verificando os últimos trabalhos do dia quando vimos o comerciante de escravos, seu Antônio Ferreira, descendo do veículo com um sorriso que não chegava aos olhos. Coronel Rodrigues! Gritou ele, acenando para o dono da fazenda que se aproximava da varanda da Casagre.
Trouxe o que o senhor pediu. Lembro-me perfeitamente do momento em que vi Bento pela primeira vez. Ele desceu da carroça com movimentos lentos, quase calculados. Era um garoto negro, aparentando ter uns 10 anos, magro como um galho seco, mas havia algo em seus olhos que me gelou o sangue.
Não era medo, não era tristeza, era uma frieza que jamais havia visto em uma criança. Este aqui é órfão! Explicou seu Antônio, empurrando levemente o menino para a frente. Pais morreram de febre amarela numa fazenda lá em Campinas. O menino é esperto, aprende rápido e o preço está bom.
Coronel Rodrigues, um homem robusto, de bigodes grisalhos, desceu os degraus da varanda, examinando Bento como se fosse uma peça de gado. “Parece franzino demais para o trabalho pesado”, murmurou caminhando ao redor do garoto. “Ah, mas o senhor vai ver”, insistiu o comerciante. “Este aqui tem uma inteligência diferente, sabe ler algumas palavras? consegue fazer conta simples, pode ser útil na casa grande ou ajudando com os registros. Foi então que Bento ergueu os olhos e fitou diretamente o coronel.
Mesmo à distância, pude ver o fazendeiro dar um passo para trás, como se tivesse levado um susto. Havia algo naquele olhar que perturbava até os adultos. “Qual é o seu nome, menino?”, perguntou o coronel, tentando manter a autoridade na voz. Bento, senhor”, respondeu o garoto com uma voz baixa, quase sussurrada, mas que carregava uma estranha maturidade. “Bento? Como? Só Bento, senhor, não tenho mais nada.
” Meu pai se aproximou de mim e sussurrou: “Esse menino me dá arrepios, filho. Tem algo errado com ele?” E meu pai estava certo. Desde o primeiro momento, todos na fazenda sentiram que Bento era diferente. Não era apenas sua aparência ou sua origem. misteriosa. Era como se ele carregasse consigo uma sombra que se estendia sobre todos nós.
O negócio foi fechado por R$ 40.000, um preço baixo até para um garoto órfão. Seu Antônio parecia ansioso para se livrar de Bento e isso deveria ter sido um sinal de alerta para todos nós. “Leve-o para a cenzala”, ordenou o coronel ao meu pai. Que tia Rosa cuide dele esta noite. Amanhã vemos onde ele pode ser útil.

Enquanto caminhávamos em direção à Senzala, observei Bento mais de perto. Ele não demonstrava nenhuma emoção, nem medo, nem curiosidade, nem tristeza. simplesmente caminhava, absorvendo tudo ao seu redor, com aqueles olhos penetrantes. A senzala da fazenda Santa Gertrudes abrigava cerca de 50 escravos. Era um conjunto de casebres de pau a pique com telhados de sapé organizados em duas fileiras paralelas.
No centro havia um pequeno terreiro onde as crianças costumavam brincar e os adultos se reuniam após o trabalho. Quando chegamos, tia Rosa, uma mulher negra de uns 60 anos que cuidava das crianças órfã e doentes, veio ao nosso encontro. Ela tinha fama de ser sábia e bondosa, conhecida por suas ervas medicinais e suas histórias que acalmavam os pequenos nas noites difíceis.
Este é Bento”, anunciou meu pai. “Vai ficar aqui a partir de hoje.” Tia Rosa se aproximou do menino com seu sorriso maternal habitual, mas quando seus olhos encontraram os de Bento, sua expressão mudou completamente. Vi suas mãos tremerem levemente enquanto ela fazia o sinal da cruz. “Meu Deus”, murmurou ela, quase inaudível. “Algum problema, tia Rosa?”, perguntou meu pai.
Não, não, senhor”, ela respondeu rapidamente, mas eu notei como ela evitava olhar diretamente para Bento novamente. “Vou cuidar bem do menino.” As outras crianças da Senzala se aproximaram curiosas para conhecer o recém-chegado. Havia Joaquim, de 8 anos, sempre sorridente, Maria, de nove, tímida, mas carinhosa, e Pedro, de 11, o líder natural do grupo.
Todos eles tentaram conversar com Bento, mas ele respondia apenas com monossílabos, mantendo sempre aquela expressão indecifrável. “De onde você veio?”, perguntou Pedro, tentando ser amigável. “De longe”, foi a única resposta de Bento. “Quer brincar com a gente?”, ofereceu Maria, estendendo uma boneca de milho que havia feito.
Bento olhou para a boneca por um longo momento, depois para Maria e simplesmente balançou a cabeça negativamente. Durante o jantar na cenzala, uma mistura de feijão, farinha de mandioca e alguns pedaços de carne seca, observei como Bento comia. Ele mastigava lentamente, metodicamente, como se estivesse saboreando cada pedaço, mas seus olhos permaneciam fixos em algum ponto distante, como se estivesse vendo algo que nós não conseguíamos enxergar.
Tia Rosa tentou algumas vezes puxar conversa com ele, perguntando sobre sua família, sobre a fazenda onde morava antes, mas Bento respondia sempre da mesma forma. Não lembro. Sim. Ah, quando chegou a hora de dormir, tia Rosa preparou uma esteira para Bento num canto da cenzala, próximo às outras crianças.
Eu estava me preparando para voltar para casa quando ouvi Joaquim sussurrar para Pedro. Ele não chorou nenhuma vez. Todos os meninos novos choram na primeira noite. Talvez ele seja corajoso respondeu Pedro, mas sua voz carregava incerteza. Ou talvez ele não sinta nada. murmurou Maria, puxando sua esteira para mais longe de Bento. Enquanto eu caminhava de volta para a casa do Capataz com meu pai, ele me disse algo que jamais esqueci.
Filho, em 30 anos trabalhando com escravos, nunca vi uma criança como aquela. É como se ela não fosse completa. O que o Senhor quer dizer, Pai, é como se faltasse algo nela, algo importante que todas as crianças têm. Naquela noite, deitado em minha cama, não consegui parar de pensar em Bento.
Havia algo profundamente perturbador naquele garoto, algo que ia além de sua aparência ou de sua origem misteriosa. Era como se ele carregasse consigo uma escuridão que ameaçava engolir tudo ao seu redor. não sabia naquele momento que estava presenciando apenas o início de uma série de eventos que transformariam a fazenda Santa Gertrudes num lugar de terror e desespero.
Não imaginava que aquele menino silencioso e de olhar frio seria responsável pela destruição de 12 famílias inteiras. Mas uma coisa eu já sabia, mesmo sendo apenas uma criança, Bento não era como os outros. E essa diferença traria consequências terríveis para todos nós. A primeira noite passou em silêncio, mas eu podia sentir que algo havia mudado na fazenda.
Era como se uma sombra tivesse se instalado entre nós, uma presença sinistra que cresceria a cada dia, alimentando-se de nossos medos e de nossos segredos mais sombrios. E tudo começou com a chegada daquele garoto de olhos frios e alma vazia, que em poucos meses mostraria do que era capaz.
Três semanas se passaram desde a chegada de Bento e a vida na fazenda Santa Gertrudes parecia ter voltado ao normal, ou pelo menos era isso que todos tentávamos acreditar. Mas eu notava pequenos detalhes que me deixavam inquieto. Os animais evitavam se aproximar de Bento. As outras crianças brincavam cada vez mais longe dele. E tia Rosa havia começado a rezar mais do que o costume.
Era uma manhã de abril, com o ar ainda fresco da madrugada, quando tudo mudou definitivamente. estava ajudando meu pai a verificar as ferramentas no galpão quando ouvimos gritos desesperados vindos da Casagre. Paulinho, Paulinho era a voz de dona Margarida, esposa do Coronel Rodrigues, ecoando pelos cafezais.
Onde está meu filho? Corremos em direção à Casagrande e encontramos uma cena de desespero total. Dona Margarida, uma mulher elegante de uns 40 anos, estava no meio do terreiro com os cabelos desalinhados e o rosto banhado em lágrimas. Ao seu lado, o coronel tentava acalmá-la, mas eu podia ver o pânico em seus olhos também.
O que aconteceu? Perguntou meu pai, aproximando-se respeitosamente. Paulinho desapareceu! Gritou dona Margarida. Ele estava brincando no quintal depois do almoço de ontem e agora não está em lugar nenhum. Paulo era o filho único do casal, um menino loiro de 8 anos, mimado e travesso, mas querido por todos na fazenda.
Era comum vê-lo correndo pelos cafezais ou brincando próximo ao rio que cortava a propriedade. “Já procuraram em todos os lugares?”, perguntou meu pai. “Revirei a casa inteira”, chorou dona Margarida. O quarto dele, a cozinha, o porão, o sótam, nada. É como se ele tivesse sumido no ar. O coronel, tentando manter a compostura, começou a organizar grupos de busca.
João Batista: pegue alguns homens e vasculhem os cafezais. Mandem outros verificarem o rio. E vocês, disse, apontando para alguns escravos, examinem cada canto da cenzala e dos galpões. Foi então que meus olhos encontraram Bento. Ele estava parado próximo ao poço, observando toda a movimentação com aquela expressão indecifrável de sempre. Mas havia algo diferente em seus olhos naquele momento.
Um brilho estranho, quase satisfeito. Bento chamei, aproximando-me dele. Você viu, Paulinho ontem? O garoto me olhou com aqueles olhos frios e assentiu lentamente. Vi sim, Shozinho. Onde? Quando? Ele estava brincando perto do rio depois do almoço. Disse que ia pegar sapinhos. Essa informação foi imediatamente repassada ao cor.
que ordenou que concentrassem as buscas na área do rio. Era um local perigoso, especialmente para uma criança, pois a correnteza era forte e havia várias pedras escorregadias. Juntei-me ao grupo de busca liderado pelo meu pai. Caminhamos pela margem do rio, gritando o nome de Paulinho, examinando cada arbusto, cada pedra, cada recanto onde uma criança poderia ter se escondido ou caído. Paulinho, Paulinho.
Nossas vozes ecoavam pela mata, mas só recebíamos o silêncio como resposta. Depois de duas horas de busca intensa, encontramos algo que gelou o nosso sangue. Na margem do rio, próximo a uma curva onde a água formava um pequeno remanço, havia pegadas pequenas na lama, claramente de uma criança. Mas o mais perturbador era que as pegadas simplesmente desapareciam na beira da água, como se Paulinho tivesse entrado no rio e nunca mais saído.
Meu Deus!”, murmurou meu pai, ajoelhando-se para examinar as marcas. Parece que ele entrou na água aqui. Imediatamente alguns homens mergulharam no rio, procurando desesperadamente pelo corpo do menino. Vasculharam cada pedra, cada tronco submerso, cada possível local onde uma criança poderia ter ficado presa, mas não encontraram nada, nem o corpo, nem qualquer peça de roupa, nem qualquer sinal de que Paulinho tivesse realmente se afogado ali.
Quando voltamos à Casa Grande com a notícia, dona Margarida desabou. Seus gritos de desespero ecoaram por toda a fazenda. Um som que jamais esquecerei. O coronel, tentando ser forte, organizou mais grupos de busca para vasculhar as fazendas vizinhas e a cidade mais próxima. Durante três dias, a busca continuou.
Cartazes foram espalhados, recompensas foram oferecidas, autoridades foram contactadas, mas Paulinho havia simplesmente desaparecido, como se a terra o tivesse engolido. Foi no terceiro dia que algo estranho aconteceu. Eu estava ajudando na cozinha quando ouvi tia Rosa conversando baixinho com outras escravas mais velhas. “Eu vi aquele menino Bento conversando com Paulinho perto do rio”, sussurrava ela.
estavam os dois juntos, bem próximos da água. “Tem certeza, tia Rosa?”, perguntou Joana, uma das cozinheiras. “Tenho sim. Vi com estes olhos que a terra há de comer.” Eles estavam conversando e Paulinho parecia hipnotizado. “Seguia Bento como um cachorrinho. Andy, você acha que não sei o que pensar”, interrompeu tia Rosa, fazendo o sinal da cruz. Mas desde que aquele menino chegou aqui, sinto um frio na espinha.
Tem algo muito errado com ele. Decidi investigar por conta própria. Naquela tarde, quando todos estavam ocupados com as buscas, aproximei-me de Bento, que estava sentado sozinho debaixo de uma mangueira. Bento? Chamei, sentando-me ao seu lado. Você pode me contar exatamente o que aconteceu quando viu Paulinho no rio? Ele me olhou com aqueles olhos penetrantes e respondeu com a mesma voz baixa de sempre: “Pulinho estava brincando na água, Shozinho.
Eu disse para ele ter cuidado que o rio era perigoso e depois depois ele entrou mais fundo na água. Eu gritei para ele voltar, mas ele não me ouviu. Por que você não chamou ajuda?” Bento ficou em silêncio por um longo momento, como se estivesse escolhendo cuidadosamente suas palavras.
Eu tentei, simzinho, mas quando voltei com ajuda, ele já tinha sumido. Havia algo na forma como ele contava a história que não me convencia. Sua voz era monótona demais. Suas palavras pareciam ensaiadas, mas eu era apenas uma criança e ninguém daria ouvidos às minhas suspeitas. Naquela noite, durante o jantar na Senzala, observei Bento mais atentamente.
Enquanto todos comentavam sobre o desaparecimento de Paulinho com tristeza e preocupação, ele comia em silêncio, com aquela mesma expressão indecifrável. Não demonstrava nem tristeza, nem preocupação, nem qualquer emoção humana normal diante de uma tragédia. “Bento”, disse Joaquim, tentando incluí-lo na conversa.
Você acha que Paulinho está bem? O garoto ergueu os olhos lentamente e respondeu: Paulinho está onde merece estar. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Todas as crianças olharam para Bento com uma mistura de medo e confusão. Até mesmo tia Rosa parou de comer e fitou o menino com uma expressão de horror.
“O que você quer dizer com isso?”, perguntou Pedro, o mais velho das crianças. Nada”, respondeu Bento, voltando a comer como se nada tivesse acontecido. Só disse que ele está onde merece estar. Mais tarde, quando todos já estavam deitados, ouvi sussurros vindos do canto onde dormiam as outras crianças. “Ele disse que Paulinho está onde merece estar”, murmurava Maria.
“Que tipo de criança fala isso?” “Eu não gosto dele,” confessou Joaquim. Tem algo errado com Bento. Vocês viram como ele olhou quando disse aquilo? Acrescentou Pedro. Era como se ele soubesse de algo que nós não sabemos e eles estavam certos. Havia algo que Bento sabia e que nós não sabíamos, algo terrível que ele guardava por trás daqueles olhos frios e daquela expressão impassível.
Uma semana depois do desaparecimento, as buscas foram oficialmente suspensas. Paulinho foi dado como morto, provavelmente afogado no rio, embora seu corpo nunca tivesse sido encontrado. Dona Margarida entrou em profunda depressão, raramente saindo de seu quarto, e o coronel se tornou um homem amargo e desconfiado. Mas eu sabia que aquilo era apenas o começo.
Havia algo em Bento que ia muito além de uma simples coincidência. O desaparecimento de Paulinho não havia sido um acidente. Eu tinha certeza disso e temia que outras tragédias estivessem por vir. Naquela noite, deitado em minha cama, ouvi um som estranho vindo da direção da senzala. Era uma voz baixa, quase sussurrando, como se alguém estivesse conversando.
Levantei-me silenciosamente e me aproximei da janela. Lá estava Bento, parado no meio do terreiro da cenzala, conversando com alguém que eu não conseguia ver. Suas palavras eram inaudíveis, mas seus gestos indicavam uma conversa animada, como se estivesse relatando algo importante para um interlocutor invisível.
E foi nesse momento que compreendi que o horror estava apenas começando na fazenda Santa Gertrudes. Duas semanas se passaram desde o desaparecimento de Paulinho e a fazenda Santa Gertrudes havia mergulhado numa atmosfera de luto e desconfiança. Dona Margarida raramente saía de seus aposentos. O coronel se tornara mais rígido com os escravos e todos nós caminhávamos como se pisássemos em ovos, temendo que algo mais terrível pudesse acontecer. Foi Joaquim quem primeiro me contou sobre as vozes na cenzala.
Era uma manhã de maio com o ar frio cortando nossa pele quando ele me procurou com os olhos arregalados de medo. “Sinhozinho”, sussurrou ele, olhando nervosamente ao redor. “Preciso contar uma coisa pro senhor. O que foi, Joaquim? É sobre Bento. Ele Ele conversa com alguém durante a noite. Senti um arrepio percorrer minha espinha.
Como assim? Toda noite, depois que todos dormem, ele levanta e fica conversando baixinho, mas não tem ninguém lá, senzinho. Ele fala sozinho, mas é como se tivesse alguém respondendo. Você tem certeza? Tenho sim. Ontem eu fingi que estava dormindo e fiquei observando. Ele ficou mais de uma hora conversando, rindo baixinho às vezes, como se estivesse contando piadas para alguém.
decidi investigar por conta própria. Naquela noite, depois que meus pais adormeceram, saí silenciosamente de casa e me escondi atrás do galpão de ferramentas, de onde tinha uma visão clara da cenzala. A lua estava quase cheia, iluminando o terreiro com uma luz prateada e fantasmagórica. Esperei pacientemente e, por volta da meia-noite, vi uma figura pequena emergir da cenzala. Era Bento.
Ele caminhou até o centro do terreiro e parou, olhando fixamente para um ponto específico à sua frente. Então começou a falar: “Eu fiz como você mandou.” Ouvi sua voz baixa carregada pelo vento noturno. “O menino não vai mais incomodar ninguém. Meu sangue gelou. Ele estava falando sobre Paulinho e com quem diabos estava conversando.
Bento ficou em silêncio por alguns momentos, como se estivesse ouvindo uma resposta. Então, assentiu com a cabeça e continuou. Sim, eu entendo. Mas quando vai ser a próxima vez? Estou ficando impaciente. Novamente, silêncio. Bento parecia estar ouvindo instruções de alguém que eu não conseguia ver nem ouvir. Suas expressões mudavam.
Às vezes ele sorria, outras vezes franzia a testa, como se estivesse numa conversa real. “A filha do capataz?”, perguntou ele, e meu coração quase parou. Ele estava falando de mim? Eu era filha única do meu pai. Não, ela ainda não. Primeiro os outros. Fiquei paralisado de terror. Bento estava planejando algo terrível e eu era aparentemente um dos alvos.
Mas quem estava dando ordens para ele? Quem era essa presença invisível que o orientava? A conversa continuou por mais alguns minutos, mas eu estava tremendo tanto de medo que mal conseguia me concentrar nas palavras. Quando finalmente Bento voltou para a cenzá-la, esperei mais alguns minutos antes de correr de volta para casa. Naquela noite não consegui dormir.
Ficei deitado, pensando no que havia presenciado, tentando encontrar uma explicação lógica. Talvez Bento fosse louco. Talvez a solidão e os traumas de sua vida o tivessem levado à insanidade. Mas havia algo na forma como ele conduzia aquelas conversas, que sugeria que realmente havia alguém ou algo respondendo a ele.
No dia seguinte, procurei tia Rosa. Ela estava lavando roupas no tanque próximo ao poço, quando me aproximei. Tia Rosa, comecei hesitante. A senhora já notou algo estranho com Bento durante a noite? Ela parou de esfregar a roupa e me olhou com uma expressão grave. Por que pergunta isso, menino? É que algumas crianças disseram que ele conversa sozinho.
Tia Rosa suspirou profundamente e olhou ao redor para ter certeza de que ninguém estava ouvindo. “Menino”, disse ela em voz baixa. “Aquele garoto não é normal. Desde que chegou aqui, sinto uma presença ruim rondando a cenzala. Que tipo de presença? Não sei explicar direito. É como se houvesse algo invisível caminhando entre nós, algo frio e malévolo.
E sempre que sinto essa presença, Bento está por perto. A senhora acha que ele está possuído? Tia Rosa fez o sinal da cruz rapidamente. Não sei, menino, mas sei que aquele garoto carrega algo sombrio consigo e tenho medo do que pode acontecer. Suas palavras confirmaram meus piores temores. Não era apenas imaginação minha.
Havia realmente algo sobrenatural acontecendo na fazenda. E Bento estava no centro de tudo. Nos dias seguintes, outros escravos começaram a relatar experiências estranhas. Zé do Carmo, um homem forte que trabalhava nos cafezais, disse que havia sentido alguém tocando seu ombro durante a madrugada, mas quando se virou não havia ninguém lá.
Maria das Dores, uma das cozinheiras, jurava que ouvia passos no telhado da cenzala todas as noites, como se alguém estivesse caminhando lá em cima. “É como se tivesse um fantasma rondando a cenzala”, murmurava ela tremendo. “Um fantasma malévolo que quer nos fazer mal”. Joaquim me procurou novamente, desta vez acompanhado de Pedro e Maria.
Todos estavam visivelmente abalados. Sinh Ozinho, disse Pedro. A gente não aguenta mais. Bento está assustando todo mundo. Mas o que mais aconteceu ontem à noite? Contou Maria com a voz trêmula. Eu acordei e vi ele parado do lado da minha esteira me olhando.
Quando perguntei o que ele queria, ele só sorriu e disse: “Sua hora ainda não chegou. E tem mais”, acrescentou Joaquim. Ele sabe coisas que não deveria saber. Ontem ele me disse que minha mãe estava doente, mas eu não tinha contado isso para ninguém. E realmente, quando fui visitá-la na enfermaria, descobri que ela estava com febre. “Como ele pode saber dessas coisas?”, perguntou Pedro claramente assustado.
Eu não tinha resposta para eles. Tudo o que sabia era que Bento estava se tornando cada vez mais perigoso e que suas misteriosas conversas noturnas pareciam estar-lhe fornecendo informações que uma criança normal não deveria ter. Decidi confrontá-lo diretamente. Naquela tarde encontrei Bento sentado sozinho debaixo da mangueira como sempre. Bento”, disse eu, tentando manter a voz firme.
“Com quem você conversa durante a noite?” Ele me olhou com aqueles olhos frios e sorriu a primeira vez que eu ouvia sorrir, e foi um sorriso que me arrepiou até os ossos. “Você me viu?”, perguntou ele, parecendo mais divertido do que preocupado. “Vi sim. Com quem você estava falando?”. com meu amigo”, respondeu ele simplesmente. “Que amigo? Não havia ninguém lá. Havia sim.
Você é que não consegue vê-lo.” Bento inclinou a cabeça, estudando minha expressão. “Mas ele pode ver você e ele me conta muitas coisas interessantes sobre você e sua família. Senti um calafrio percorrer todo o meu corpo.” “Que tipo de coisas?” Segredos”, disse Bento, seu sorriso se alargando.
“Todos têm segredos, Senhozinho, e meu amigo conhece todos eles.” “Que segredos!” Bento se levantou lentamente, aproximando-se de mim até ficar bem perto. Quando falou, sua voz era apenas um sussurro. Seu pai não é seu pai verdadeiro. Senti como se tivesse levado um soco no estômago. Isso não é verdade. Meu amigo nunca mente, disse Bento ainda sorrindo. Sua mãe teve um caso com o filho do fazendeiro vizinho há 13 anos.
Você é fruto desse caso. Você está mentindo gritei. Mas minha voz saiu trêmula. Pergunte para sua mãe sugeriu Bento, dando de ombros. Ou melhor, observe como ela fica nervosa quando o coronel Antônio da fazenda São José vem visitar. Observe como ela evita olhar nos olhos dele. Eu queria negar. Queria dizer que ele estava inventando tudo, mas havia algo na forma como ele falava que me fazia duvidar.
Como uma criança de 10 anos poderia saber de algo tão específico e íntimo sobre minha família. “Como você sabe disso?”, perguntei. Minha voz quase inaudível. Meu amigo, me conta tudo”, respondeu Bento. Ele vê tudo, ouve tudo, sabe de todos os segredos sujos desta fazenda e em breve todos vão pagar por seus pecados.
Que amigo é esse? Bento olhou por cima do meu ombro, como se estivesse vendo alguém atrás de mim. Ele está aqui agora, sussurrou. Quer conhecê-lo? Virei-me rapidamente, mas não havia ninguém lá. Quando me virei de volta, Bento havia desaparecido como se tivesse se dissolvido no ar. Naquela noite, observei minha mãe durante o jantar. Tentei encontrar algum sinal de que Bento estava mentindo, mas quanto mais eu observava, mais detalhes perturbadores eu notava.
A forma como ela desviava o olhar quando meu pai falava sobre nossa família, como suas mãos tremiam ligeiramente quando o assunto era o passado, como ela sempre mudava de assunto quando alguém mencionava a fazenda São José. E foi nesse momento que compreendi que Bento não estava apenas conversando com vozes imaginárias. Havia algo real, algo sobrenatural orientando-o, fornecendo-lhe informações que ele não deveria ter.
E esse algo tinha planos terríveis para todos nós. As vozes na noite não eram produto da loucura de uma criança traumatizada. eram instruções de uma entidade malévola que havia escolhido Bento como seu instrumento de vingança e destruição. E o pior de tudo era que eu sabia que aquilo era apenas o começo.
Junho chegou trazendo consigo um frio cortante e uma série de eventos que transformariam nossa região num verdadeiro pesadelo. O que começou como suspeita sobre Bento, logo se tornaria uma realidade aterrorizante que nenhum de nós estava preparado para enfrentar. Tudo começou na fazenda São José, propriedade do coronel Antônio, o mesmo homem que Bento havia mencionado em nossa conversa perturbadora.
Era uma manhã de sábado quando chegou a notícia que gelou o sangue de todos na região. “Indio!”, gritou um dos vaqueiros, chegando a galope até nossa fazenda. A casa grande da São José pegou fogo durante a madrugada. Meu pai e eu corremos até lá junto com outros homens da região. O que encontramos foi uma cena de devastação total.
A majestosa casa grande, que havia sido construída pelo avô do coronel Antônio, estava reduzida a escombros fumegantes. As chamas haviam consumido tudo: móveis, documentos, retratos de família, décadas de história. Mas o mais terrível não era a destruição material, era o que havia acontecido com a família.
Encontramos os corpos no quarto principal”, disse o delegado que havia vindo da cidade. Coronel Antônio, sua esposa, dona Helena e os dois filhos, todos mortos. “Como morreram?”, perguntou meu pai, horrorizado, aparentemente sufocados pela fumaça, mas há algo estranho. O delegado hesitou, como se não soubesse como explicar. As portas do quarto estavam trancadas por fora. Alguém os trancou lá dentro antes de atiar fogo na casa.
Um silêncio pesado se abateu sobre todos nós. Não havia sido um acidente, havia sido assassinato. Uma família inteira havia sido queimada viva por alguém que queria vê-los mortos. “Quem poderia fazer uma coisa dessas?”, murmurou alguém. Não sabemos, respondeu o delegado. Não há pistas, não há testemunhas.
É como se o assassino tivesse simplesmente desaparecido no ar. Durante o caminho de volta, não consegui parar de pensar na conversa que havia tido com Bento. Ele havia mencionado especificamente o coronel Antônio e minha mãe. Seria coincidência que justamente a família dele tivesse sido assassinada poucos dias depois? Quando chegamos à fazenda, procurei imediatamente por Bento.
Encontrei-o no mesmo lugar de sempre, debaixo da mangueira, com aquela expressão impassível que já me era familiar. “Você soube do que aconteceu na fazenda São José?”, perguntei, observando atentamente sua reação. “Soube”, respondeu ele simplesmente, sem demonstrar qualquer emoção. Uma família inteira morreu queimada. Eu sei.
Não parece te incomodar. Bento me olhou com aqueles olhos frios e deu de ombros. Por que deveria me incomodar? Eles mereciam. Como pode dizer isso? eram pessoas inocentes. “Ninguém é inocente”, disse Bento, sua voz carregando uma maturidade perturbadora para uma criança.
Todos têm pecados escondidos e todos devem pagar por eles. Você sabe quem fez isso? Não sabe? Bento sorriu. Aquele sorriso gelado que me arrepiava. Meu amigo me contou que seria apenas o começo. Há mais famílias que precisam pagar por seus pecados. Que famílias você vai descobrir em breve. e ele estava certo. Nos dias seguintes, uma série de tragédias inexplicáveis começou a atingir as fazendas da região.
Era como se uma maldição tivesse se abatido sobre todos nós. A segunda tragédia aconteceu na fazenda Santa Clara, propriedade da família Mendonça. Acordamos numa manhã de terça-feira com a notícia de que todos os animais da fazenda haviam morrido durante a noite. Cavalos, bois, porcos, galinhas, todos encontrados mortos, sem qualquer explicação aparente.
“Não há sinais de doença”, relatou o veterinário, que veio examinar os animais. “Não há ferimentos, não há sinais de envenenamento. É como se eles simplesmente tivessem parado de viver”. Sem os animais, a fazenda Santa Clara estava arruinada. A família Mendonça, que dependia da criação de gado para sobreviver, perdeu tudo numa única noite.
A terceira tragédia foi ainda mais bizarra. Na fazenda Boa Vista, todos os poços secaram simultaneamente. Numa região onde a água sempre havia sido abundante, de repente, não havia uma única gota disponível. A família oliveira foi forçada a abandonar a propriedade, pois era impossível manter uma fazenda sem água.
“É como se a própria terra tivesse se voltado contra nós”, murmurava seu João Oliveira enquanto carregava seus poucos pertences numa carroça. 40 anos trabalhando esta terra e nunca vi nada igual. A quarta tragédia atingiu a fazenda Esperança. Durante uma única noite, toda a plantação de café foi destruída por uma praga de insetos que ninguém conseguia identificar.
Milhares de pequenos besouros negros devoraram todas as plantas, deixando apenas terra nua, onde antes havia um cafezal próspero. “Nunca vi insetos como esses”, disse o especialista em pragas que veio da capital. É como se tivessem surgido do nada e desaparecido da mesma forma. E assim continuou, fazenda após fazenda, família após família.
Cada tragédia era diferente, mas todas tinham algo em comum. Eram inexplicáveis, devastadoras e pareciam ter uma origem sobrenatural. A quinta fazenda perdeu toda sua colheita para uma geada fora de época. A cesta foi atingida por um raio que incendiou apenas os galpões onde estava armazenado o café, deixando tudo mais intacto.
A sétima teve todos os seus escravos fugindo numa única noite, como se tivessem sido chamados por alguma força invisível. O pânico se espalhou pela região. As famílias que ainda não haviam sido atingidas começaram a abandonar suas propriedades, temendo ser as próximas. Padres foram chamados para benzer as terras, mas suas orações pareciam inúteis contra a força malévola que havia se abatido sobre nós.
Foi durante esse período de terror que comecei a notar um padrão perturbador. Sempre que uma nova tragédia acontecia, Bento parecia saber com antecedência. Eu ouvia conversando com sua presença invisível na noite anterior e no dia seguinte chegava a notícia de mais uma família destruída. “Como você sabe o que vai acontecer?”, confrontei-o após a oitava tragédia.
“Meu amigo, me conta”, respondeu ele com naturalidade. Ele planeja tudo com muito cuidado. Seu amigo? Quem é ele? Alguém que foi muito machucado por essas famílias? Alguém que quer justiça? Que tipo de justiça é essa? Pessoas inocentes estão sofrendo. Bento me olhou com uma expressão de pena, como se eu fosse uma criança ingênua. Não existem pessoas inocentes, Sinhzinho.
Todos participaram do que aconteceu. Todos merecem pagar. Do que aconteceu quando? Há muito tempo, antes de eu nascer. Mas meu amigo lembra de tudo. Tentei arrancar mais informações dele, mas Bento se recusou a dizer mais. Apenas sorriu e disse que eu entenderia tudo em breve. Naquela noite, decidi seguir Bento durante sua conversa noturna.

Escondido atrás do galpão, observei o caminhar até o centro do terreiro e começar sua misteriosa conversa. “Sim, eu entendo.” Ouvi a sua voz baixa. Nove famílias já pagaram. Faltam três. Meu sangue gelou. Nove famílias. Eu havia contado apenas oito tragédias. Isso significava que havia mais uma que ainda não sabíamos. A próxima será amanhã? Perguntou Bento.
Silêncio. Ele parecia estar ouvindo instruções. Entendi. A família Santos. Eles serão os próximos. A família Santos. Eles eram nossos vizinhos mais próximos. pessoas boas que sempre nos ajudaram quando precisávamos. Eu tinha que avisá-los, mas quando me levantei para correr até lá, senti uma presença gelada ao meu lado.
Era como se alguém tivesse colocado uma mão de gelo no meu ombro, me impedindo de me mover. Ele sabe que você está aí”, disse Bento sem se virar. “Ele não quer que você interfira. Tentei me mover, mas era como se meus pés estivessem grudados no chão. Uma força invisível me mantinha imobilizado enquanto uma sensação de terror absoluto tomava conta de mim.
Não tente lutar contra ele aconselhou Bento, finalmente se virando para me olhar. Ele é muito mais forte que você, muito mais forte que qualquer um de nós. Quem é ele? Consegui sussurrar. Minha voz tremendo de medo. Alguém que deveria estar morto há muito tempo”, respondeu Bento, mas que foi trazido de volta pela sede de vingança.
E agora ele não vai descansar até que todas as famílias responsáveis por sua morte paguem o preço. A presença gelada se afastou e eu consegui me mover novamente. Corri de volta para casa, o coração batendo descontroladamente, sabendo que no dia seguinte mais uma família seria destruída e que eu não podia fazer nada para impedir. E assim foi.
Na manhã seguinte, chegou a notícia de que a casa da família Santos havia desabado durante a madrugada, matando todos que estavam dentro. Não havia explicação para o desabamento. A casa era sólida e bem construída. Simplesmente havia ruído, como se a própria terra tivesse se aberto para engoli-la. Nove famílias destruídas. Faltavam três e eu sabia que nossa fazenda seria uma delas.
A décima tragédia atingiu a fazenda Bela Vista numa manhã de julho que jamais esquecerei. A família Carvalho foi encontrada morta em suas camas, sem ferimentos aparentes, como se tivessem simplesmente parado de respirar durante o sono. Cinco pessoas, pais, dois filhos e uma filha, todos mortos da mesma forma misteriosa. O médico que veio da cidade não conseguiu determinar a causa das mortes.
É como se a vida tivesse simplesmente se esvaído deles”, murmurou perplexo. Nunca vi nada igual em 30 anos de medicina. Agora eram 10 famílias destruídas e o terror havia se espalhado por toda a região. As poucas famílias que restavam estavam desesperadas, algumas já fazendo as malas para fugir antes que fosse tarde demais.
Foi nesse clima de desespero que tia Rosa me procurou. Era uma tarde chuvosa e ela estava visivelmente abalada quando me chamou para um canto reservado próximo ao tanque de lavar roupas. Menino disse ela, olhando nervosamente ao redor. Preciso contar uma coisa que deveria ter contado há muito tempo.
O que é tia Rosa? É sobre Bento, sobre quem ele realmente é. Ela fez o sinal da cruz e respirou fundo. Aquele menino não é órfão como todos pensam. Senti meu coração acelerar. Como assim? Há 15 anos eu trabalhava na casa grande como ama de leite. Dona Margarida havia acabado de se casar com o coronel e eu cuidava da casa enquanto ela se adaptava à vida de fazendeira. Tia Rosa parou como se estivesse reunindo coragem para continuar.
Naquela época, dona Margarida era muito jovem e ingênua. Ela se envolveu com práticas que não deveria ter se envolvido. Que tipo de práticas? Macumba menino. Rituais proibidos. Sua voz era apenas um sussurro. Havia uma escrava velha aqui chamada mãe Benedita, que conhecia os segredos antigos.
Dona Margarida procurou ela porque queria ter filhos, mas não conseguia engravidar. Comecei a entender para onde aquela história estava indo e um frio percorreu minha espinha. Mãe Benedita disse que podia ajudar, mas que seria preciso fazer um ritual especial. Um ritual que exigia sacrifícios. Que tipo de sacrifícios? Primeiro foram animais, galinhas, cabras, um bezerro.
Mas dona Margarida continuava sem engravidar. Foi então que mãe Benedita disse que seria preciso algo mais poderoso. Tia Rosa estava tremendo agora, suas mãos entrelaçadas numa oração silenciosa. Ela disse que seria preciso o sangue de uma criança inocente. E havia uma escrava jovem na fazenda chamada Joana, que tinha um filho pequeno.
“Meu Deus!”, murmurei, começando a compreender a magnitude do horror. O menino se chamava Benedito, tinha apenas 5 anos. Era uma criança doce, sempre sorrindo, sempre brincando com as outras crianças da cenzala. O que aconteceu com ele? Uma noite, mãe Benedita e dona Margarida levaram o menino para a mata. Disseram que era para colher ervas medicinais, mas eu sabia que era mentira.
Eu vi elas saindo com facas e tigelas e vi o terror nos olhos de Joana quando ela percebeu o que estava acontecendo. Tia Rosa começou a chorar, lágrimas silenciosas escorrendo por seu rosto enrugado. Elas mataram aquele menino inocente menino, cortaram sua garganta como se fosse um animal e usaram seu sangue no ritual maldito.
E sabe o que aconteceu depois? O quê? Dona Margarida engravidou meses depois. Nasceu Paulinho. A revelação me atingiu como um raio. Paulinho, o menino que havia desaparecido, era fruto de um ritual satânico que havia custado a vida de uma criança inocente. E Joana, o que aconteceu com a mãe do menino? Ela enlouqueceu de dor.
Ficou dias gritando o nome do filho, procurando por ele pela fazenda. Até que uma noite ela simplesmente desapareceu. Encontraram seu corpo no rio três dias depois. E mãe Benedita morreu poucos meses depois de uma doença estranha que a consumiu por dentro. Antes de morrer, ela disse que o ritual havia dado errado, que algo terrível iria acontecer.
Disse que o espírito do menino morto voltaria para se vingar. Agora tudo fazia sentido. Bento não era apenas um garoto órfão. Ele era a reencarnação de Benedito, o menino assassinado no ritual. Ele havia voltado para se vingar de todos os responsáveis por sua morte. “Tia Rosa?”, perguntei com a voz trêmula, “Quem mais sabia sobre o ritual? Todas as famílias da região sabiam, menino.
Elas participaram de uma forma ou de outra. Algumas forneceram animais para os sacrifícios, outras ajudaram a esconder o que havia acontecido. Todas foram cúmplices do assassinato daquela criança inocente. Por isso, ele está destruindo as famílias. Sim, menino. Benedito voltou para cobrar o preço do sangue derramado e ele não vai parar até que todos paguem.
Mas por que ele escolheu o corpo de Bento? Porque Bento morreu na mesma idade que Benedito foi assassinado? E porque ele morreu de forma violenta também. Os pais dele não morreram de febre amarela, como disseram. Eles foram mortos por capangas de uma das famílias que participaram do ritual, porque estavam ameaçando contar a verdade.
A complexidade da vingança era aterrorizante. Benedito havia encontrado um corpo adequado para sua volta e estava sistematicamente destruindo todos os responsáveis por sua morte. “Quantas famílias participaram do ritual?”, perguntei, embora já soubesse a resposta. 12 menino 12 famílias que sabiam do assassinato e se calaram. 12 famílias. 10 já haviam sido destruídas.
Faltavam duas. Tia Rosa, nossa família, nós participamos. Ela me olhou com uma expressão de profunda tristeza. Seu pai era o capataz na época, menino. Ele ajudou a esconder o corpo do menino na mata. E sua mãe, ela estava presente no ritual. Senti como se o mundo tivesse desabado sobre mim.
Meus próprios pais eram cúmplices do assassinato de uma criança inocente. Eles haviam participado de um ritual satânico e depois vivido normalmente como se nada tivesse acontecido. E a outra família, os próprios donos da fazenda, o coronel Rodrigues e dona Margarida. Eles foram os mandantes de tudo. Agora eu entendia porque Paulinho havia sido o primeiro a desaparecer.
Benedito havia começado sua vingança pela família que mais se beneficiou de sua morte, levando o filho que nasceu graças ao seu sangue derramado. “O que podemos fazer?”, perguntei desesperado. “Nada, menino. A vingança de Benedito é justa. Ele foi assassinado brutalmente e agora está cobrando o preço. Não há como parar um espírito sedento de justiça.
Mas há pessoas inocentes que vão morrer. Como Benedito era inocente quando foi morto? Replicou tia Rosa. Como Joana era inocente quando perdeu seu filho. A justiça divina não conhece piedade para com os culpados. Naquela noite não consegui dormir.
Ficei pensando em tudo o que tia Rosa havia me contado, tentando processar a magnitude do horror que havia sido cometido 15 anos atrás. Uma criança inocente havia sido assassinada em nome da ganância e do desespero e agora seu espírito havia voltado para cobrar o preço. Olhei pela janela e vi Bento no terreiro, conversando com sua presença invisível. Mas agora eu sabia quem era essa presença. Era o próprio Benedito, o menino morto, orientando sua reencarnação na busca por vingança.
Faltam duas famílias, ouvi sua voz carregada pelo vento noturno. Quando será a vez delas? A resposta veio como um sussurro gelado que pareceu ecoar diretamente em minha mente em breve. Muito em breve. E eu sabia que nossa família seria uma das próximas. Meus pais pagariam pelo que haviam feito 15 anos atrás e eu, inocente de qualquer culpa, pagaria junto com eles.
A vingança de Benedito estava quase completa e não havia nada que pudéssemos fazer para impedi-la. A revelação de tia Rosa se espalhou pela cenzala como fogo em palha seca. Em questão de dias, todos os escravos sabiam a verdade sobre Bento e sobre o ritual macabro que havia acontecido 15in anos atrás. O medo que já dominava a fazenda se transformou em terror absoluto.
Era uma manhã de agosto quando tudo explodiu. Eu estava ajudando meu pai no galpão quando ouvimos gritos vindos da cenzala. Corremos para ver o que estava acontecendo e encontramos uma multidão de escravos reunidos no terreiro, todos falando ao mesmo tempo, gesiculando nervosamente.
“Ele tem que sair daqui”, gritava Zé do Carmo, um homem normalmente calmo. “Esse menino vai acabar com todos nós.” “É o demônio em forma de criança”, acrescentou Maria das Dores, fazendo o sinal da cruz repetidamente. Desde que ele chegou, só desgraça acontece. No centro da multidão, Bento estava parado com aquela expressão impassível de sempre, como se toda aquela agitação não o afetasse minimamente.
Mas eu podia ver algo diferente em seus olhos, uma frieza ainda mais intensa, como se ele estivesse avaliando cada pessoa presente. “Onde está a tia Rosa?”, perguntou meu pai, tentando entender a situação. Ela contou tudo respondeu Joaquim correndo até nós. Contou sobre o ritual, sobre o menino morto, sobre Bento ser a reencarnação dele e agora todos querem se livrar dele”, acrescentou Pedro claramente assustado. Meu pai olhou para Bento e depois para a multidão agitada.
“Acalmem-se!”, gritou ele, usando sua autoridade de capataz. Não podemos tomar decisões precipitadas. Decisões precipitadas? Explodiu Antônio, um dos escravos mais velhos. Senhor João, esse menino é uma maldição. Ele trouxe a desgraça para toda a região. 11 famílias já foram destruídas, gritou outra voz.
E nós sabemos que a nossa vai ser a próxima. Ele conversa com espíritos malignos. acusou Maria das dores. Toda noite ele fala com o demônio. A multidão estava ficando cada vez mais agitada e eu podia sentir que a situação estava saindo de controle.
Bento, no entanto, permanecia calmo, como se estivesse esperando por aquele momento. Foi então que tia Rosa apareceu, abrindo caminho entre a multidão. Seu rosto estava grave e ela carregava um saco de pano nas mãos. Eu trouxe o que precisamos. anunciou ela, mostrando o conteúdo do saco. Eram ervas, velas, um crucifixo e outros objetos que eu não conseguia identificar. “O que você pretende fazer?”, perguntou meu pai.
“Um ritual de exorcismo”, respondeu ela com determinação. “Vamos expulsar o espírito maligno do corpo desse menino e mandá-lo de volta para onde pertence”. A multidão murmurou aprovação, mas eu senti um arrepio percorrer minha espinha. Havia algo terrivelmente errado naquela situação. “Tia Rosa”, disse eu, aproximando-me dela.
“Tem certeza de que isso vai funcionar?” “É a única chance que temos, menino”, respondeu ela. “Mas eu podia ver o medo em seus olhos. Se não fizermos nada, todos vamos morrer. Bento finalmente falou, sua voz baixa cortando através do barulho da multidão. Vocês podem tentar. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Havia algo na forma, como ele disse aquelas palavras que gelou o sangue de todos os presentes.
“Podem tentar”, repetiu ele, um sorriso frio se formando em seus lábios. Mas meu amigo não vai gostar. Como se suas palavras tivessem sido um sinal, o vento começou a soprar com força, levantando poeira e fazendo as folhas das árvores dançarem violentamente. O céu, que estava claro momentos antes, começou a escurecer com nuvens pesadas que surgiram do nada.
Façam o ritual agora!”, gritou Zé do Carmo, claramente apavorado. “Antes que seja tarde demais”. Tia Rosa começou a preparar o ritual no centro do terreiro, desenhou um círculo com sal ao redor de Bento, acendeu velas nos quatro cantos e começou a murmurar orações em latim que havia aprendido com um padre anos atrás.
Espíritos malign run puerum, gritava ela, erguendo o crucifixo em direção a Bento. Vá de retro, Satana. Mas em vez de parecer afetado pelo ritual, Bento começou a rir. Era uma risada baixa, gutural, que não parecia vir de uma criança de 10 anos. Vocês não entendem”, disse ele, sua voz ecoando estranhamente. “Eu não sou o demônio, eu sou a justiça.
” O vento se intensificou e as velas começaram a se apagar uma por uma, apesar de estarem protegidas. O crucifixo nas mãos de tia Rosa começou a esquentar tanto que ela foi forçada a largá-lo. “Ele é forte demais”, gritou ela, recuando. “O espírito é forte demais”. Foi então que algo ainda mais aterrorizante aconteceu.
O ar ao redor de Bento começou a distorcer, como se houvesse uma presença invisível se materializando. Não conseguíamos ver nada claramente, mas todos sentíamos que havia algo ali, algo antigo, poderoso e cheio de raiva. 15 anos, uma voz sussurrou, parecendo vir de todos os lugares ao mesmo tempo. 15 anos esperando por justiça, os escravos começaram a recuar, aterrorizados.
Alguns caíram de joelhos, outros correram para se esconder nos Cebres, mas a presença invisível não havia terminado. “Vocês sabiam?”, continuou a voz agora mais clara. “tos vocês sabiam o que aconteceu comigo e se calaram. “Nós não fizemos nada”, gritou Maria das Dores. “Éramos apenas escravos. Não podíamos fazer nada.
Podiam ter falado”, replicou a voz carregada de uma tristeza profunda. Podiam ter contado a verdade, mas escolheram o silêncio. Bento ergueu os braços e o vento se tornou um furacão. Telhas começaram a voar dos telhados dos Cazebres. Árvores se curvaram perigosamente e todos nós fomos forçados a nos agarrar em qualquer coisa sólida para não sermos arrastados.
“Mas vocês não são os verdadeiros culpados”, disse a voz, e o vento diminuiu ligeiramente. “Os verdadeiros culpados estão na casa grande e chegou a hora deles pagarem.” Bento baixou os braços e olhou diretamente para mim. Sua família será a próxima”, disse ele com naturalidade esta noite. “Não”, gritei correndo em direção a ele.
“Meus pais podem ter errado, mas eles não merecem morrer.” “Como eu não merecia morrer”, replicou Bento, sua voz voltando a ser de criança, mas carregada de uma dor infinita. Eu tinha 5 anos, era inocente e eles me mataram como um animal, mas eu sou inocente também. Eu não fiz nada. Bento me estudou por um longo momento, como se estivesse pesando minhas palavras. É verdade, disse finalmente.
Você é inocente como eu era. Então poupe minha família, por favor. Não posso respondeu ele, balançando a cabeça. A justiça deve ser feita. Mas ele hesitou como se estivesse ouvindo algo que só ele podia escutar. Você pode ser poupado se quiser.
Como? Venha comigo esta noite, seja testemunha da justiça e quando tudo terminar, você será livre para contar a verdade ao mundo. Era uma escolha impossível assistir à morte de meus pais ou morrer com eles. Mas eu sabia que se recusasse morreria de qualquer forma e a verdade morreria comigo. Eu aceito sussurrei, sentindo como se estivesse traindo minha própria família. Bento assentiu. Então prepare-se.
Quando o sol se pr, a justiça será feita. O resto do dia passou como um borrão. Os escravos se dispersaram, alguns tentando fugir da fazenda, outros se trancando em seus casebres e rezando: “Meu pai tentou organizar uma defesa, mas como se defender de algo sobrenatural? Quando contei a ele sobre minha conversa com Bento, vi o desespero tomar conta de seus olhos.
Filho”, disse ele, suas mãos tremendo. “O que fizemos foi terrível, mas éramos jovens, assustados. Dona Margarida nos ameaçou, diz que nos venderia se não ajudássemos.” “Isso justifica o assassinato de uma criança?”, perguntei, minha voz carregada de decepção. “Não, admitiu ele, lágrimas escorrendo por seu rosto. Nada justifica. Carregamos essa culpa por 15 anos.
E agora chegou a hora de pagar. Quando o sol começou a se pôr, Bento apareceu na porta de nossa casa. Não disse nada, apenas me fez um sinal para que o seguisse. Olhei para meus pais uma última vez, gravando seus rostos em minha memória, e saí. Onde vamos?, perguntei enquanto caminhávamos. Para a casa grande, respondeu Bento.
É lá que tudo começou. É lá que tudo vai terminar. E enquanto caminhávamos em direção ao nosso destino, eu podia sentir a presença invisível ao nosso lado, uma sombra de vingança que havia esperado 15 longos anos por este momento. A justiça de Benedito estava prestes a ser completada e eu seria a única testemunha sobrevivente do horror que estava por vir.
O sol estava se pondo atrás dos cafezais quando chegamos à casa grande, pintando o céu de um vermelho sangue que parecia prenunciar o horror que estava por vir. Bento caminhou até a varanda com passos firmes, enquanto eu o seguia com o coração batendo descontroladamente. Coronel Rodrigues! Gritou Bento, sua voz de criança ecoando pela propriedade. Dona Margarida, chegou a hora de acertarmos as contas.
As janelas da casa se iluminaram e logo viu o coronel aparecer na varanda, segurando uma espingarda. Dona Margarida estava atrás dele, pálida como um fantasma. “O que você quer, moleque?”, gritou o coronel, tentando manter a autoridade na voz. Mas eu podia ouvir o medo. “Justiça?”, respondeu Bento simplesmente, 15 anos de justiça adiada.
Não sei do que você está falando, sabe? Sim”, disse Bento, subindo lentamente os degraus da varanda. “Você sabe muito bem, Benedito, lembra dele?” “Vi dona Margarida cambalear, agarrando-se ao batente da porta. O nome havia atingido em cheio. “Benedito morreu há 15 anos”, murmurou ela, sua voz quase inaudível.
“Morreu?” Bento riu, aquela risada gelada que me arrepiava. ou foi assassinado. Foi um acidente, gritou o coronel, mas sua voz tremia. Acidente? A voz de Bento começou a mudar, ficando mais profunda, mais madura. Vocês me levaram para a mata, me amarraram numa árvore e cortaram minha garganta como se eu fosse um porco. O ar ao redor de Bento começou a distorcer novamente e eu podia sentir a presença invisível se materializando.
O vento começou a soprar, fazendo as folhas dançarem violentamente. “Eu tinha 5 anos”, continuou Bento. “Mas agora era claramente a voz de Benedito falando através dele. 5 anos e vocês me mataram para que ela pudesse ter um filho. Dona Margarida desabou, caindo de joelhos e soluçando descontroladamente. “Perdão!”, gritou ela.
“Perdão, eu era jovem, desesperada, queria tanto ter um filho. E teve”, disse Benedito através de Bento. “Teve Paulinho, meu sangue deu vida a ele e agora ele está comigo, onde deveria estar desde o início.” “Onde está meu filho? chorou dona Margarida. O que você fez com Paulinho? Ele está em paz, respondeu Benedito. Livre da maldição que carregava, livre do sangue inocente que corria em suas veias. O coronel ergueu a espingarda, apontando para Bento.

Saia da minha propriedade agora. Sua propriedade, Benedito Rio. Esta terra foi regada com meu sangue. Esta fazenda foi construída sobre minha morte. Ela me pertence mais do que a você. O coronel puxou o gatilho, mas a espingarda não disparou. Tentou novamente, mas a arma parecia ter emperrado.
Desesperado, ele atirou a espingarda longe e correu para dentro da casa, trancando a porta. “Não há lugar onde possam se esconder”, disse Benedito, aproximando-se da porta. “Não há lugar no mundo onde possam fugir de mim. Bento ou Benedito, colocou a mão na maçaneta da porta e eu ouvi o som de madeira se partindo.
A porta se abriu sozinha, como se uma força invisível a tivesse arrancado das dobradiças. “Venha”, disse ele, olhando para mim. “É hora de você ver como a justiça é feita”. Entramos na casa grande e imediatamente senti uma mudança no ar. Estava mais frio, mais pesado, como se a própria casa estivesse impregnada de maldade.
Ouvi passos correndo pelo andar de cima e vozes sussurrando desesperadamente. Eles estão no quarto principal, disse Benedito, onde planejaram minha morte, que apropriado. Subimos à escada lentamente, cada degrau rangendo sobs pés. As paredes pareciam pulsar, como se a casa fosse um organismo vivo. Quadros caíam sozinhos, velas se acendiam e se apagavam, e eu podia ouvir sussurros vindos de todos os cantos.
Quando chegamos ao quarto principal, encontramos o coronel e dona Margarida abraçados no canto, tremendo de medo. O quarto estava gelado e nossa respiração formava nuvens de vapor. “Por favor!”, implorou dona Margarida. Nós pagamos pelo que fizemos. Perdemos nosso filho. Não é suficiente? Suficiente? A voz de Benedito ecoou pelo quarto. Eu perdi minha vida.
Minha mãe enlouqueceu de dor. Minha família foi destruída. E vocês acham que perder um filho é suficiente? O que você quer? perguntou o coronel, tentando manter alguma dignidade. “Quero que sintam o que eu senti”, respondeu Benedito. “Quero que experimentem o terror de uma criança inocente sendo assassinada”.
As janelas do quarto se fecharam sozinhas e ouvi o som de tranca se fechando. Estávamos presos ali dentro. “Mas primeiro,” continuou Benedito, “quero que confessem, quero que admitam o que fizeram. Nós nós matamos você, sussurrou dona Margarida. Matamos uma criança inocente por ganância e desespero e e convencemos outras famílias a participar, admitiu o coronel.
Prometemos riqueza, proteção, favores. Fizemos todos se tornarem cúmplices. 12 famílias, disse Benedito. 12 famílias que sabiam da verdade e se calaram. Sim”, chorou dona Margarida. “1 famílias e agora todas pagaram o preço. Todas menos uma”, corrigiu Benedito. Foi então que ouvi gritos vindos da direção da casa do Capataz. Meus pais.
Benedito estava cumprindo sua promessa de destruir todas as famílias envolvidas. “Não!”, gritei correndo em direção à janela. Você disse que me pouparia e vou poupar, disse Benedito calmamente. Você viverá para contar esta história, mas seus pais devem pagar por seus crimes. Através da janela, vi chamas começando a subir da casa onde eu havia crescido.
Meus pais estavam lá dentro e eu não podia fazer nada para salvá-los. Agora disse Benedito, voltando-se para o coronel e dona Margarida, chegou a vez de vocês. O que aconteceu a seguir foi algo que jamais conseguirei esquecer, por mais que tente. O ar do quarto se tornou espesso, como melado, e uma escuridão sobrenatural começou a se espalhar pelas paredes.
Ouvi sussurros em línguas que não conseguia entender e vi sombras se movendo onde não deveria haver sombras. O coronel e dona Margarida começaram a gritar, mas seus gritos foram abafados por uma força invisível. Seus corpos se contorciam como se estivessem sendo torturados por mãos invisíveis, e eu podia ver o terror absoluto em seus olhos.
Sintam o que eu senti”, murmurava Benedito. “Sintam o desespero de uma criança inocente.” A agonia durou o que pareceram horas, mas provavelmente foram apenas minutos. Quando finalmente terminou, o coronel e dona Margarida estavam mortos, seus rostos congelados numa expressão de horror indescritível.
“Está feito”, disse Benedito, e sua voz voltou a ser de criança. A justiça foi feita. Bento se virou para mim e, por um momento vi não a frieza de sempre, mas uma profunda tristeza nos olhos dele. “Agora você sabe a verdade”, disse ele. “Conte ao mundo o que aconteceu aqui. Conte sobre Benedito, o menino que foi assassinado por ganância.
Conte sobre as 12 famílias que pagaram o preço de seu silêncio. E você? O que vai acontecer com você?” Bento sorriu e pela primeira vez foi um sorriso genuíno, quase pacífico. Eu vou descansar. Finalmente vou descansar. Ele caminhou até a janela e a abriu. Lá fora, as chamas haviam se espalhado por toda a fazenda.
A casa grande, a cenzala, os galpões, tudo estava pegando fogo. “A fazenda deve ser purificada”, explicou ele. “Deve ser limpa do sangue inocente que a manchou. Como vou sair daqui? Você vai encontrar um caminho”, disse Bento, já caminhando em direção às chamas. Você sempre encontra um caminho. E então ele desapareceu, engolido pelas chamas que consumiam tudo ao redor.
Eu consegui escapar por uma janela dos fundos, caindo numa pilha de feno que amorteceu minha queda. Passei a noite toda observando a fazenda Santa Gertrudes ser consumida pelas chamas. Quando o sol nasceu, não havia mais nada, apenas cinzas e escombros fumegantes. Nos dias seguintes, as autoridades investigaram o incêndio, mas nunca conseguiram explicar como ele havia começado ou por havia se espalhado tão rapidamente.
Eu contei minha versão dos fatos, mas ninguém acreditou na história sobre espíritos vingativos e rituais satânicos. Fui enviado para viver com parentes distantes em outra cidade e durante anos tentei esquecer o que havia presenciado. Mas a história de Benedito, o garoto escravo que destruiu 12 famílias inteiras, nunca me abandonou. Agora, 60 anos depois, decidi finalmente contar a verdade. Benedito não era cruel.
Ele era justiça. Justiça atrasada, mas justiça mesmo assim. Ele havia voltado para cobrar o preço de um crime ediondo e não descansou até que todos os culpados pagassem. E assim termina a história do garoto escravo mais temido que já existiu.
Não porque era malévolo, mas porque representava algo que todos tememos, a justiça inevitável pelos nossos pecados. Que Benedito finalmente descanse em paz e que sua história sirva de lembrete de que nenhum crime, por mais bem escondido que seja, fica impune У.