Naquela madrugada gelada perto de Castel no Ovo de Garfanhna, no inverno de 1944, um rumor começou a circular pelas trincheiras brasileiras. Tem alemão que prefere se entregar pra gente do que pros americanos ou ingleses. Ninguém sabia ao certo se era exagero de corredor de trincheira ou verdade, até o dia em que uma simples patrulha de reconhecimento da FEB voltaria trazendo uma história que deixaria todo mundo em silêncio.

A Itália vivia o fim de 1944 entre ruínas e incerteza. A linha gótica, o último grande sistema defensivo alemão nos Apeninos, ainda resistia. A primeira divisão de infantaria expedicionária brasileira guardava setores de montanha, vales frios, estradas estreitas, vilarejos sem luz e cheios de casas destruídas.
Para além dos grandes nomes, como Monte Castelo ou Montese, havia uma guerra menos falada. A guerra das patrulhas noturnas, dos passos na neve, do medo de pisar numa mina, do silêncio cortado apenas por um galho que se quebra no escuro. As patrulhas eram pequenas, meia dúzia de homens, às vezes menos, avançando por trilhas lamacentas perto de lugares como Galicano, Barga, Pianoro ou encostas acima de porreta Terme.
Missões que pareciam simples. Observar posições inimigas, tentar capturar um prisioneiro para obter informações, conferir se os alemães estavam recuando ou preparando contra-ataques. Na prática, era um jogo constante de nervos, cansaço e decisões em segundos. Entre esses brasileiros havia homens de todas as regiões do país, mineiros, paulistas, cariocas, baianos, todos usando o mesmo uniforme verde oliva, o mesmo capacete, os mesmos fuzis, a mesma mistura de medo e teimosia. Eles já tinham entendido que o inimigo à frente
não era um monstro abstrato, mas homens famintos, exaustos, às vezes tão assustados quanto eles. É nesse cenário que nasce a história do soldado alemão que implorou para ser prisioneiro dos brasileiros. Não como uma lenda exagerada, mas como um episódio que revela algo profundo.
Por que um inimigo escolheria se render justamente aos soldados de um país distante? recémchegado à guerra, falante de uma língua que ele mal compreendia. O que a conduta dos pracinhas fez com que, em meio ao caos, alguém visse neles a chance de sobreviver com dignidade. É nessa noite de patrulha, neve rala cobrindo o chão e o som distante da artilharia eando pelos apeninos, que a verdade dessa rendição chocante começa a ser escrita.
A companhia de infantaria estava instalada nos arredores de Castel Novo de Garfaniana, espalhada entre casas de pedra danificadas e abrigos cavados à pressa na encosta. O frio entrava por frestas invisíveis e os cobertores não davam conta da humidade que subia do chão. Entre os homens destacados para as patrulhas noturnas, alguns nomes eram repetidos com frequência pelos oficiais.
aqueles que, mesmo com medo, conseguiam seguir em frente. Um deles era o Cabo Almeida, mineiro de juiz de fora, rosto magro, bigode ralo e olhos que pareciam sempre avaliando o terreno. Antes da guerra, trabalhava em oficina mecânica, agora ajustava cintos de munição e checava fuzis em 1903, como quem revisa um motor prestes a pegar estrada.
guardava dentro da blusa uma fotografia amarelada da família, dobrada tantas vezes que já começava a rasgar nas bordas. Ao lado dele costumava ir o soldado nascimento, baiano, exestivador de porto, mãos grandes e calejadas, sempre carregando um pouco mais de munição do que o necessário. O peso extra era um incômodo constante, mas ele preferia assim.
sentia que, de algum modo, o excesso de cartuchos lhe dava uma sensação de controle num mundo que parecia ter enlouquecido. O líder de patrulha era o sargento Ribeiro de São Paulo, mais velho que a maioria, olhar duro, mas voz baixa. Não era de discursos. Dava ordens curtas, claras e cobrava silêncio. Já tinha visto de perto o efeito de uma emboscada mal prevista em outra área próxima à barga.
Desde então, cada passo no escuro vinha acompanhado de um cálculo mental de risco. À distância, os brasileiros ouviam o estalar esporádico de tiros vindos de posições alemãs em pontos elevados dos apeninos. Sabiam que do outro lado havia soldados com a mesma idade, talvez pensando nos mesmos temas, comida, sono, casa, se sairiam vivos daquele inverno.
Alguns relatos de civis italianos de vilas próximas, como Piev Fciana, já tinham chegado às fileiras, diziam que certos alemães estavam cansados da guerra, desconfiados do próprio como, e temiam cair prisioneiros de algumas forças aliadas específicas, consideradas mais duras no tratamento. As pracinhas não sabiam todos os detalhes, mas percebiam algo. Em meio à neve, à lama e ao barulho distante da artilharia, a reputação dos brasileiros começava a se espalhar e não apenas pelos tiros que sabiam disparar.
A ordem chegou no fim da tarde, quando o sol já se escondia atrás das montanhas. Naquela noite, uma patrulha sairia das posições próximas a Castel Novo de Garfaniana, avançaria em direção a um trecho de mata entre as estradas que levavam na direção de Piev Fociana e Galicano para verificar movimentação inimiga.
Havia suspeitas de que os alemães estivessem reorganizando linhas de defesa e talvez preparando um recuo controlado. O comando brasileiro precisava de um prisioneiro para confirmar as informações. O sargento Ribeiro recebeu o briefing em um abrigo improvisado com um mapa amassado sobre uma mesa de madeira.
As linhas de lápis marcavam as rotas possíveis, áreas suspeitas de minas, pontos onde já tinham sido observadas metralhadoras alemãs. Os nomes dos vilarejos italianos, escritos com caligrafia apressada, contrastavam com o português dos comentários ao lado: “Cuidado, provável sniper, ponto de retorno. À noite, a patrulha se formou. Ribeiro à frente, Almeida logo atrás.
Nascimento fechando a coluna, mais três pracinhas espalhados entre eles. Fuzis ajustados, baionetas presas, granadas contadas. A lua aparecia e sumia por trás de nuvens grossas. Um vento gelado cortava o rosto e fazia os olhos lacrimejarem. Cada respiração soltava uma pequena nuvem branca no ar. avançaram em silêncio, seguindo uma trilha estreita que serpenteava por entre árvores escuras.
O barulho distante da artilharia aliada ecoava como trovão abafado. De vez em quando o grupo parava. Ribeiro erguia o punho fechado, todos congelavam. O cabo Almeida examinava o terreno à frente, procurando fios, marcas no chão, qualquer traço de minas ou armadilhas. Em certo ponto, já mais próximos de uma área onde se acreditava haver postos avançados alemães, encontraram restos de latas de conserva, bitucas de cigarro e marcas recentes de botas.
3
Sinal claro de que havia homens por perto, talvez patrulhas inimigas, talvez sentinelas em retirada. O coração dos brasileiros passou a bater mais rápido, mas os passos seguiram firmes. Quando alcançaram um pequeno descampado parcialmente coberto por neve e rala, o sargento ordenou que se espalhassem, ocupando posições atrás de rochas e troncos caídos. ficaram ali escutando. O vento uivava entre as árvores.
De repente, um som diferente, passos cuidadosos, não muito longe. Não pareciam correr. Era alguém se aproximando. Sozinho. A silhueta surgiu devagar, recortada contra o branco irregular da neve. O homem vinha com os braços levemente erguidos, sem arma aparente, mas com o capacete ainda na cabeça e o pesado, sobretudo do exército alemão.
Parou a alguns metros do limite do descampado, como se sentisse que havia olhos sobre ele, mesmo sem ver ninguém. O silêncio ali tinha peso. Ribeiro fez um gesto mínimo com a mão e os brasileiros se espalharam melhor, cobrindo setores. O cabo Almeida apoiou o fuzil no tronco caído, o cano apontando poucos centímetros ao lado do peito do estranho. Nascimento sentiu a mão suar dentro da luva.
A situação era estranha demais. Um homem sozinho vindo da direção inimiga, em linha quase reta para as posições brasileiras. O alemão deu mais dois passos devagar, depois parou e levantou as mãos de vez acima da cabeça. A voz dele quebrou o silêncio com um chamado curto em alemão, que nenhum deles entendeu direito.
Não era grito de ataque, soava mais, como alguém chamando por atenção de forma quase suplicante. Ribeiro decidiu, deu um assobio baixíssimo, sinal combinado. levantou-se apenas o suficiente para mostrar a sombra do próprio capacete por trás de uma pedra. O alemão se sobressaltou, mas não correu.
Pelo contrário, ergueu ainda mais as mãos numa postura clara de rendição. Ao se aproximar na curta distância em que as feições ficaram visíveis, viram que ele não era muito mais velho do que eles. Rosto magro, barba por fazer, olheiras profundas, os olhos claros, vermelhos de cansaço procuravam os deles como se tentassem medir se ali havia alguma chance de sobrevivência.
Quando o trouxeram para trás da linha improvisada de cobertura, revistaram-no com rapidez, sem arma, sem granadas, apenas um cantil quase vazio, alguns papéis amassados, um pedaço de pão duro dentro de um bolso interno do casaco. Ao ver que ninguém o golpeava, ninguém o empurrava com brutalidade gratuita, o alemão pareceu relaxar só um pouco, o suficiente para que suas mãos parassem de tremer.
Enquanto isso, na cabeça dos brasileiros, outras questões surgiam. Seria ele uma isca? Teria outros à espreita esperando que a patrulha se expusesse? Ou estariam de fato diante de algo raro? Um inimigo que não apenas aceitava ser capturado, mas parecia ter vindo por vontade própria procurá-los.
Foi só quando conseguiram recuar alguns metros para dentro da mata, afastando-se do descampado exposto que o sargento Ribeiro fez sinal para todos pararem. Ali, semiabrigados por troncos e rochas, a patrulha formou um pequeno círculo irregular, com o alemão sentado no chão, as costas encostadas num pinheiro fino.
A respiração de todos ainda vinha acelerada pelo risco recente. A barreira da língua surgiu de imediato. O prisioneiro arriscou algumas palavras em alemão, depois em um italiano arrastado. Ninguém respondeu. Então, o soldado Silva pracinha da mesma companhia que antes da guerra tinha trabalhado com imigrantes em São Paulo e entendia um pouco de alemão e italiano, se aproximou, ajoelhou diante do prisioneiro e começou um diálogo hesitante, costurando alemão, italiano e gestos. Aos poucos, fragmentos de sentido começaram a surgir. O alemão tinha nome, sobrenome, família em
Hamburgo. Estava há meses na Itália, entre posições perto de Bolônia e depois deslocado para aquela região dos apeninos. tinha visto comboios destruídos, colegas congelarem na neve, vilas inteiras ficarem no meio do fogo cruzado. O ponto de virada veio quando Silva, tentando seguir as orientações de Ribeiro, perguntou porque ele estava sozinho, avançando naquela direção.
A resposta traduzida aos poucos, caiu sobre o grupo como algo difícil de encaixar na lógica da guerra. Ele não tinha sido capturado. Ele tinha procurado os brasileiros. Silva traduziu com cuidado. O alemão explicava que ouvira de civis de Piev Fciana e Galicano que os brasileiros tratavam prisioneiros de forma diferente. Falavam de gestos simples: dividir comida, deixar que escrevessem cartas, permitir que mantivessem alguns pertences pessoais.
Nada de torturas sistemáticas, nada de vingança gratuita. A reputação tinha corrido pelas trilhas, pelos porões das casas, pelas conversas sussurradas entre soldados exaustos. Quando Ribeiro, desconfiado, perguntou se ele não preferiria se entregar aos americanos ou ingleses, a resposta veio rápida, com um olhar quase desesperado.
Silva, resumiu em português, sem adornos. Ele está pedindo, quase implorando para ficar com a gente. Diz que tem medo de cair nas mãos de outros, que ouviu dizer que brasileiro ainda lembra que o outro é ser humano. Naquele instante, a patrulha deixou de estar apenas diante de um prisioneiro qualquer.
O inimigo à sua frente se tornava alguém que, no meio do colapso da própria Frente de Batalha, escolhera a quem se render. E junto com essa escolha, empurrava sobre aqueles homens cansados uma responsabilidade que ia muito além do mapa e das ordens do dia. O caminho de volta até as linhas brasileiras pareceu mais longo do que a ida. Não era só o frio, nem o peso do equipamento.
Agora, além de cuidar do próprio silêncio e do terreno, a patrulha precisava proteger o prisioneiro, aquele mesmo homem que horas antes seria alvo legítimo de qualquer tiro. Ribeiro ordenou que ele fosse colocado no meio da coluna, sempre vigiado, mas sem empurrões ou agressões desnecessárias, prudência e controle. Em certos trechos, quando o solo ficava mais escorregadio pela mistura de neve e lama, Nascimento notou que o alemão cambaleava. O cansaço era visível.
Em vez de acelerar o passo para ensinar dureza, ele apenas diminuiu um pouco o ritmo, fazendo com que o resto da patrulha o acompanhasse. Ninguém comentou. Não era bondade exibida, era apenas uma decisão silenciosa de não transformar aquela caminhada em humilhação. Quando se aproximaram das posições próximas a Castel Novo de Garfanh, os sentinelas brasileiros os receberam com atenção habitual.
O aviso correu rápido: “Patrulha voltou com alemão. Em poucos minutos, um oficial apareceu para assumir o interrogatório formal. O prisioneiro foi conduzido para um abrigo adaptado, onde mapas e relatórios se acumulavam sobre mesas improvisadas. Dentro da companhia, porém, o efeito foi imediato.
Alguns pracinhas, ao saberem que o alemão tinha vindo por vontade própria, estranharam, riram com incredulidade, depois ficaram sérios. Outros perguntaram em voz baixa se aquilo não significava que o inimigo estava realmente por um fio, que a estrutura de comando alemã estava rachando. Para a Almeida, a situação trouxe um desconforto diferente.
Ele observou à distância o prisioneiro sentado numa cadeira, recebendo um copo de café ralo e um pedaço de pão. Não era um convidado, era um inimigo capturado. Mas ao mesmo tempo ali estava um homem que tinha colocado a própria vida nas mãos de brasileiros desconhecidos por acreditar que ali havia ainda algum resquício de humanidade.
As informações colhidas com ele seriam usadas para planejar movimentos, ajustar artilharia, proteger outras patrulhas. Porém, entre os soldados comuns ficava a pergunta silenciosa: o que significa, na prática, ser visto como o lado menos cruel numa guerra? Nos dias seguintes, a rotina da companhia voltou a se encher de ordens, formaturas apressadas, revisões de equipamento e novas patrulhas em direção às encostas, acima de Casteluovo, de Garfaniana e das estradas que levavam a Piev Fociana. Mas por baixo do ruído constante da guerra, algo tinha mudado
na forma como aqueles homens olhavam para o próprio papel ali. O cabo Almeida percebeu isso de maneira quase silenciosa. Na primeira noite depois da rendição, ele mal dormiu. O frio era o mesmo, o desconforto no abrigo também, porém a imagem que voltava sempre era a do alemão sentado no chão da mata, mãos trêmulas.
pedindo, sem palavras diretas para ser deixado nas mãos dos brasileiros. Almeida, acostumado a dividir o mundo em linhas claras, de um lado nós, do outro eles, passou a sentir uma fissura nessa divisão. Num dos dias, ao acompanhar um pequeno grupo até as proximidades de Galicano para reforçar um ponto de observação, a patrulha cruzou com civis italianos carregando lenha, olhares cansados, roupas pesadas, rostos marcados.
Um dos mais velhos em italiano misturado com alguns termos em português já aprendidos, comentou que os brasileiros não batiam nos prisioneiros, como ouvira dizer de outros exércitos. A frase ficou ecoando na cabeça de Almeida mais do que qualquer elogio à pontaria ou a disciplina. Nascimento, por sua vez, começou a encarar as patrulhas com um tipo diferente de responsabilidade.
Antes, a meta principal era voltar vivo, cumprir a missão tática e ponto final. Agora, ele carregava também a consciência de que a forma como tratavam quem caía em suas mãos ajudava a moldar o que a FEB representaria para aqueles montes e vilas italianas. Ao ajustar a correia do fuzil antes de sair para outra incursão noturna, pensou que de algum modo carregava não só as ordens do dia, mas também a reputação de um país inteiro.

O sargento Ribeiro, mais experiente, não virou sentimental de repente. Continuou exigente, atento a minas, emboscadas, possíveis contra-ataques. Porém, ao instruir novas patrulhas, passou a incluir, junto das recomendações técnicas, uma linha que ninguém anotava no papel, mas todos registravam na memória. Prisioneiro é fonte de informação, mas também é teste para saber que tipo de soldado a gente é.
Aquele alemão levado depois para a retaguarda desapareceu na burocracia da guerra. Relatórios, interrogatórios, campos de prisioneiros. Mas a escolha que ele fizera, procurar os brasileiros, implorar para ser prisioneiro deles, ficaria impregnada na memória da companhia como um espelho incômodo e, ao mesmo tempo, um norte discreto.
Era uma lembrança de que em meio ao caos ainda era possível decidir apenas por quem lutar, mas também como lutar. As semanas avançaram e com elas a sensação de que a linha alemã à frente estava cedendo pouco a pouco. Os boatos de recuo aumentavam, mas ao mesmo tempo a possibilidade de uma resistência desesperada também.
A região entre Castel Novo de Garfaniana, Piev Fociana e os acessos para áreas mais ao norte permanecia tensa, pontilhada por explosões ocasionais, tiros isolados e movimentações noturnas difíceis de interpretar. O comando brasileiro decidiu intensificar a coleta de informações. Novos mapas chegavam com anotações sobre possíveis pontos de retirada alemã, estradas secundárias, trilhas por onde pequenas unidades inimigas poderiam tentar escapar para contar com reforços mais ao norte.
Entre essas trilhas havia uma estreita e mal conservada, subindo por um trecho de mata densa antes de se conectar com uma estrada vicinal usada por comboios. Estava marcada com um círculo discreto e uma anotação em português. Possível rota de fuga confirmar.
A companhia de Almeida, Nascimento e Ribeiro recebeu a missão. Uma nova patrulha deveria avançar até aquela área, verificar a presença de grupos em retirada e, se possível, impedir que escapassem sem ao menos serem observados. Não se tratava de uma grande ofensiva, mas de uma dessas ações aparentemente pequenas, que definiam na prática, o ritmo da guerra nas montanhas. Na preparação, o clima no abrigo era diferente das outras vezes.
O episódio do alemão que se entregara permanecia recente demais para ser esquecido. Agora, ao checar munição, ajustar capacetes e apertar cintos, os homens sabiam que poderiam encontrar não apenas inimigos dispostos a lutar até o fim, mas também soldados em frangalhos, divididos entre a obediência às ordens e o desejo de sobreviver.
O sargento Ribeiro revisou a rota traçada, marcando mentalmente pontos de possível emboscada. Lembrava-se bem de como naquela outra noite um único homem havia surgido da escuridão e mudado o significado da patrulha. Agora, se cruzassem novamente com alemães, teria de decidir com ainda mais rapidez. Quando atirar, quando avançar, quando aceitar um gesto de rendição e em que condições? Ao cair da tarde, enquanto o frio voltava a se espalhar como uma película invisível sobre o vale, a patrulha se formou mais uma vez. O
horizonte distante, pontilhado por vilas silenciosas e montes escuros, parecia esperar. A trilha estreita à frente prometia respostas, mas não dizia a forma como viriam. A subida pela trilha era lenta. A terra, misturada à neve pisoteada, formava uma massa fria sobre as botas.
A patrulha avançava em fila, olhos atentos às bordas do caminho. O som do vale ia ficando distante, substituído pelo estalar de galhos, pelo assobio irregular do vento, atravessando as copas das árvores. Em certo ponto, o sargento Ribeiro levantou o punho. Todos pararam.
A frente, quase imperceptível, veio um ruído metálico, algo como o choque de equipamento contra pedra. Depois um murmúrio baixo em língua estrangeira. Não era italiano, alemão. Mais de uma voz. Ribeiro fez sinais rápidos. Dois homens se deslocaram pela direita, buscando cobertura atrás de rochas. Almeida e Nascimento avançaram alguns metros pela esquerda, agachados. Os fuzis agora eram extensão do próprio corpo.
O cheiro de terra úmida misturava-se ao de fumaça antiga de alguma fogueira apagada dias antes. Quando o primeiro capacete apareceu entre as árvores, ninguém atirou. Era só um vulto rápido, cruzando a trilha mais acima. Logo surgiram outros. Eram ao menos cinco, talvez seis soldados alemães descendo em direção à zona onde se acreditava estar a rota de fuga.
carregavam mochilas, alguns tinham bandagens no braço, um coxeava. Não pareciam informação de ataque, mas ainda estavam armados. Foi então que um galho se quebrou sob a bota de um brasileiro. O som seco cortou o ambiente. Um dos alemães se virou na mesma hora, levando o fuzil ao ombro.
O primeiro disparo ecoou alto, arrancando lascas de árvore próximo à posição de nascimento. Em segundos, a mata explodiu em tiros cruzados. A patrulha se espalhou buscando abrigo. Almeida sentiu a madeira da árvore vibrar quando uma bala passou perto demais. Tudo se reduziu a breves janelas de visão.
Um casaco cinza surgindo entre duas pedras, um clarão de disparo, respirações aceleradas. A metralhadora que todos temiam não apareceu. Os alemães respondiam com fuzis, mas em ritmo irregular, como quem atira mais por reflexo do que por confiança. No meio da troca, uma voz se elevou: áspera em alemão. Depois outra mais urgente. Os tiros começaram a rarear.
Entre ecos de disparos isolados, surgiu um som diferente, um chamado repetido, misturado a palavras que os brasileiros não entendiam. Até que Silva, ofegante atrás de um tronco, reconheceu uma delas, Brasilianer. Os alemães gritavam algo como um pedido de cessar fogo. Um deles surgiu parcialmente por trás de uma rocha com um pedaço de pano claro erguido.
Ainda havia armas com eles, ainda havia risco. Ribeiro teve segundos para decidir. Podia mandar continuar atirando até silenciar qualquer ameaça naquela encosta. ou podia arriscar confiar que daquele outro lado havia homens chegando ao limite. Lembrou do prisioneiro anterior, da notícia espalhada pelos civis, do peso que aquilo tinha colocado sobre todos.
Ele respirou fundo, sentindo o ar gelado arranhar a garganta, e deu o comando que decidiria não só o fim daquela patrulha, mas também o tipo de história que eles contariam depois. Ribeiro ergueu a voz firme em português, ordenando cessar fogo. O eco dos tiros sumiu aos poucos, como se a montanha respirasse aliviada. Depois apontou para Silva, que com o peito ainda arfando, gritou em italiano e algumas palavras em alemão, tentando deixar claro: “Os brasileiros aceitariam a rendição desde que as armas fossem largadas e ninguém tentasse qualquer movimento brusco.
Por alguns segundos, o silêncio pareceu mais perigoso do que os tiros. Então, um fuzil alemão caiu no chão, seguido de outro e outro. Um a um saíram de trás das pedras e árvores, rostos pálidos, uniformes sujos de lama seca, olhares cansados demais para fingir bravura. Um deles tinha o braço enfaixado, outro mancava visivelmente.
Todos ergueram as mãos. A patrulha se aproximou com cautela, fuzis ainda apontados, mas sem agressões gratuitas. Revistaram-nos com rapidez, recolhendo armas, munições, mapas amassados. Não havia armadilhas, nem explosivos prontos para serem detonados. Havia só homens exaustos que olhavam para aqueles soldados de uniforme verde oliva, como quem olha para a última chance de sair vivo de uma guerra que já não entendiam.
Na descida de volta, agora com vários prisioneiros sob vigilância, o peso da missão ganhou outro tom. Almeida percebeu que mais uma vez alguém tinha escolhido se render aos brasileiros, não por medo da pontaria deles, mas por causa da forma como corriam os boatos, de que ali, entre o barulho da artilharia e a dureza das montanhas, ainda havia quem lembrasse que o inimigo também sentia fome, frio e saudade.
Quando mais tarde a patrulha entregou os prisioneiros ao comando, os relatórios destacaram rotas, posições, possibilidade de recu alemão. Nada disso registrava o que ficara gravado dentro de cada pracinha. A certeza de que entre matar, sobreviver e decidir como tratar quem se rendia, havia um espaço estreito onde a humanidade ainda podia respirar.
Mesmo no inverno de guerra da Itália, nos meses que se seguiram, à medida que a frente italiana avançava e nomes como Montese entravam para os mapas da vitória, aqueles pracinhas espalhados entre Castel Novo de Garfaniana e Pieve Fociana, carregaram consigo uma lembrança que não cabia em medalhas ou relatórios.
não lembravam apenas dos tiros trocados, mas dos olhos de quem escolheu se entregar a eles. Anos depois, ao contarem a guerra, muitos perceberam que às vezes o verdadeiro campo de batalha era a própria consciência. Se essa história da FEB na Itália te marcou de alguma forma, não deixa ela morrer aqui no vídeo. Deixa o like para esse conteúdo alcançar mais pessoas.
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