“Ah, meu amor, por que você teve que partir desse jeito? Por quê? Você é tão novo, tão pequeno. Como eu vou suportar viver sem você, meu filho? Como?”
A voz de Marilda estava embargada, mal se sustentava. Suas mãos tremiam ao acariciar o rosto gelado do pequeno Henrique.
Ele estava ali, deitado, imóvel, naquele caixão branco. Não esboçava um sorriso, não emitia um som. A ausência de vida era uma cena que nenhuma mãe deveria presenciar, mas ali estava ela, diante da dor mais aguda de sua existência.
Os dedos de Marilda percorriam com delicadeza o rosto pálido do filho, numa tentativa desesperada de aquecê-lo com o toque do amor materno. Mas não havia calor, não havia resposta.
Era o fim.
Marilda caiu de joelhos. Seu corpo foi vencido por um desespero que a rasgava de dentro para fora.
“Meu Deus, por quê? O que eu fiz para o Senhor levar meu filho? Meu Henrique é tão novo. Por que não levou a mim, que sou velha, que já vivi tanto? Por que levou ele? Por quê?”

Seu grito rasgado ecoou pelo salão do velório, obrigando os presentes a abaixarem a cabeça em respeito. A tristeza pairava como uma nuvem densa, pesada e sufocante.
O silêncio era a única resposta.
Tiago, seu marido e padrasto de Henrique, aproximou-se cauteloso. Colocou a mão sobre o ombro da esposa e a envolveu num abraço firme. Ele tentava acalmá-la.
“Você precisa ser forte, meu amor. Precisa se acalmar para que possamos fazer uma despedida linda para o Henrique. Era isso que ele queria, te ver bem.”
Marilda, no entanto, não respondeu. Estava paralisada. Seus olhos permaneciam presos ao corpo do filho, como se sua alma estivesse igualmente aprisionada naquele caixão.
Tiago olhou discretamente para o cerimonialista, Ricardo, um homem de cerca de 30 anos, e fez um pequeno sinal com a cabeça. Ricardo entendeu o recado. Era hora de encerrar a cerimônia.
“Peço que façam suas últimas despedidas ao pequeno Henrique. Em instantes, iremos fechar o caixão para seguir com a cremação”, anunciou ele, com a voz firme e respeitosa.
Os convidados se aproximaram. Familiares, amigos, colegas de trabalho. Todos vieram dar o último adeus ao menino que, dias atrás, corria alegre pelos corredores da casa.
Quando a última pessoa se afastou, Tiago olhou para Marilda. Ela sabia o que viria a seguir, mas seu corpo resistia àquela despedida cruel.
“Fale tudo que estiver no seu coração, amor. Tenho certeza que, onde quer que o Henrique esteja, ele está te ouvindo agora”, disse o padrasto, tentando dar à esposa a pouca força que lhe restava.
Marilda deu dois passos trêmulos em direção ao caixão.
“Meu filho, meu filho, me perdoa… me perdoa por não estar quando você mais precisou. A mamãe te ama. Eu nunca, nunca vou te esquecer.”
Ela desabou sobre o pequeno corpo, agarrando-se a ele, chorando compulsivamente. Seus soluços sacudiam seu corpo com violência.
Tiago, percebendo que a situação se prolongava demais, mais uma vez a envolveu nos braços e tentou afastá-la com carinho, mas com firmeza.
Ricardo e outro funcionário do crematório se aproximaram carregando a tampa do caixão. Era o momento.
Mas antes que pudessem completar a tarefa, Marilda se desvencilhou dos braços do marido e deu um passo à frente.
“Espera! Eu… eu preciso fazer uma coisa antes”, disse ela, com os olhos marejados.
O padrasto se aproximou, tentando intervir. “Meu amor, precisamos seguir com a cremação. Vamos deixar o Henrique descansar agora. Por favor, vem comigo.”
Marilda o interrompeu, mais firme dessa vez. “Eu realmente preciso fazer uma coisa.”
Diante dos olhares confusos de todos, ela retirou de sua pequena bolsa um objeto inesperado: uma câmera de vídeo minúscula e moderna.
Tiago franziu a testa. “Mas o que é isso, amor?”, perguntou, confuso.
Ela não respondeu de imediato. Apenas se aproximou do corpo do filho, posicionou a câmera entre suas mãos e a ligou, deixando-a gravando.
Depois, ergueu o olhar, firme, e declarou: “Agora podem fechar o caixão.”
Os funcionários trocaram olhares desconcertados. O clima se tornou ainda mais estranho.
Tiago se aproximou, com ar de preocupação. “Meu amor, por que você colocou uma câmera nas mãos do Henrique?”
“É… é que eu ainda estou me acostumando com a ideia de cremação e eu… eu não quero que meu pequeno sofra, então vou poder acompanhar tudo daqui. É uma forma de eu ficar em paz”, respondeu ela, mostrando que conseguia ver a transmissão pelo celular.
Sua voz era trêmula, mas decidida. Tiago tentou argumentar.
“Você me convenceu que a cremação era o mais certo, mas eu agora quero ver até o último minuto o meu filho. A câmera vai com ele até o forno de cremação.”
Tiago respirou fundo, visivelmente desconfortável.
“Tudo bem, meu amor. Eu acho algo pesado, mas se quer assim, assim será.”
O caixão foi fechado. Pouco a pouco, o rosto de Henrique desapareceu sob a tampa de madeira fria e pesada.
O caixão foi retirado do salão e levado para o andar de baixo. A movimentação de saída começou, mas Marilda recusou-se a ir.
“Não, eu não vou. Eu vou ficar aqui até o final. Vou assistir a cremação. Eu sou mãe. Tenho esse direito.”
Tiago tentou em vão persuadi-la. Marilda foi enfática.
“Eu vou assistir a cremação pessoalmente e também acompanhar pela câmera que coloquei nas mãos de Henrique.”
Nesse instante, Marilda tirou o celular e mostrou a imagem ao marido. No visor, via-se nitidamente o interior do caixão, capturado com o modo noturno.
Valéria, a empregada da casa, também os acompanhava. Ela havia cuidado de Henrique por anos, mas, naquele momento, não havia lágrimas em seu rosto. Seu semblante estava fechado, distante, os olhos secos.
Na sala de cremação, Ricardo, o cerimonialista, aproximou-se do painel de controle e avisou: “Se alguém for falar mais alguma palavra, a hora é agora.”
Valéria deu um passo à frente. “Eu só desejo que o Henrique encontre o céu, que Deus possa receber nosso anjinho de braços abertos e que um dia no paraíso todos nós possamos nos reunir de novo. Descanse em paz, Henrique.”
Marilda agradeceu. Recuou, sentando-se em uma das cadeiras próximas.
“Podem iniciar o procedimento de cremação do meu filho”, disse ela com um suspiro doloroso.
Ricardo se aproximou do botão. A chama que destruiria tudo.
Mas a mãe, por instinto, desbloqueou novamente o celular e fixou os olhos na tela.
Assim que as imagens apareceram, um grito estrondoso rasgou o ambiente.
“Espera! Pelo amor de Deus, espera! Não aperta esse botão!”
Ricardo congelou, a mão a poucos centímetros do painão.
Tiago correu até a esposa. “Mas o que aconteceu, amor?”
Marilda estava pálida, a respiração acelerada. Com as mãos trêmulas, ergueu o celular e mostrou a imagem.
“Eu… eu coloquei a câmera na mão dele, na mão do Henrique. Tava… tava virada pro rostinho dele. Eu vi. Eu chequei depois que fechou o caixão, mas agora… agora tá… tá apontando pro outro lado, pros pés dele!”
Tiago pegou o celular, Valéria se aproximou, olhando fixamente para a tela. Um silêncio denso e sufocante se formou.
Marilda disparou, os olhos marejados: “Precisamos abrir o caixão! Meu filho, meu filho se mexeu lá dentro!”
Tiago tentou acalmá-la, com um tom paciente e frio.
“Amor, para de se torturar. Infelizmente, o Henrique se foi. O que aconteceu foi que o caixão se mexeu no momento em que trouxeram ele aqui para baixo. A câmera caiu. É normal, já que ele não tem mais movimentos. O nosso Henrique está no céu, ao lado de Deus agora.”
Valéria assentiu, mantendo a calma. “É isso mesmo, dona Marilda. O melhor é terminar logo com isso. A senhora não merece sofrer tanto.”
As palavras faziam sentido, mas uma inquietação infernal não cessava em Marilda.
“E se… e se isso tudo não for coincidência? E se for um alerta, um sinal, um aviso para que a gente cancele essa cremação?”
Tiago suspirou, voltando-se para Ricardo. “Pode dar início à cremação.”
Marilda, hesitante, murmurou: “Eu… eu acho que quero ver ele uma última vez. Tocar no meu filho só mais uma vez.”
Tiago perdeu o controle, a paciência rompida.
“Marilda, meu amor, não dá mais para prolongar o inevitável. Não podemos ficar abrindo e fechando o caixão do Henrique. Vamos deixar ele partir em paz!”
Ela balançou a cabeça em concordância. Pegou o celular e encarou a tela.
Ricardo, Tiago e Valéria trocaram um rápido olhar cúmplice. Tudo parecia resolvido.
O cerimonialista caminhou novamente em direção ao botão, mas desta vez o que o interrompeu não foi um grito, foi um impacto.
Marilda, com uma força que vinha do desespero, empurrou Ricardo para longe do painel.
“Desculpa, mas meu filho, meu filho não vai ser cremado!”, exclamou.
Tiago correu até ela, furioso. “Marilda, você está doida? O que aconteceu agora?”
Marilda estendeu o celular para todos verem. Na tela, a imagem havia mudado de novo. A câmera, que antes estava apontada para os pés, mostrava agora o rosto pálido de Henrique, como se tivesse retornado à sua posição original.
Tiago engoliu seco. Valéria deu um passo para trás, os olhos arregalados.
Marilda gritou: “O meu filho, o meu filho está vivo lá dentro! A gente tem que tirar ele de lá agora!”
Tiago tentou segurá-la. Valéria se aproximou com um calmante na mão.
“Não, não está! Ele está delirando! O caixão se mexeu!”
Marilda, ignorando-os, correu até a fornalha. Puxou a estrutura para fora sozinha, com a força de uma leoa protegendo sua cria.
Valéria, em voz baixa, murmurou para Tiago: “Ela está completamente fora de si. Não tem como esse menino estar vivo.”
Tiago apenas olhou para ela. Um olhar estranho, rápido, cúmplice.
Tiago se aproximou e segurou a esposa com frieza. “Eu não queria usar a força bruta, Marilda, mas é pelo seu próprio bem. Podem continuar com a cremação. Eu vou levá-la para casa.”
Mas Ricardo, agora firme, tomou a frente. “Infelizmente, não vamos seguir. Se a Dona Marilda está se sentindo incomodada, ela é a mãe. Eu não posso continuar sem o consentimento dela.”
Marilda se soltou. Seus olhos se estreitaram em Tiago.
“E você? Você deveria me apoiar, Tiago. Por que está fazendo isso? Por que não quer que eu veja o Henrique uma última vez? Há alguma coisa que você não quer que eu veja?”
As palavras cortaram o ar como uma faca. Tiago desviou o olhar e encarou Valéria.
Ele respirou fundo, voltando a fazer a encenação.
“Meu amor, eu… eu só estava priorizando o seu bem. Me desculpa. Você tem razão. Se quer ver o Henrique uma última vez, vamos ver. Vai ver que a câmera se moveu com o balanço do caixão e, depois que notar que está tudo certo, a gente segue com a cremação.”
Marilda concordou, mas em seu olhar havia uma desconfiança crescente.
Ricardo e o outro funcionário se aproximaram e começaram a levantar uma das laterais da tampa.
Mas para entender o que realmente se passava naquele crematório, e o verdadeiro motivo que levou Marilda a colocar a câmera, era necessário voltar no tempo.
Era uma tarde ensolarada de domingo. O clima na mansão Sterling era de aparente tranquilidade. Marilda, Tiago e Henrique tinham acabado de almoçar.
“Mãe, mais tarde a gente pode ir no shopping. Tem um filme super maneiro lá do Homem-Aranha”, disse o garoto, empolgado.
Marilda sorriu. “Claro, meu amor. Vamos sim. Você vai também, não vai, Tiago?”
Tiago sorriu de volta. “Claro. Não perderia por nada a companhia de vocês dois.”
Enquanto Valéria, a empregada, recolhia os pratos, ela carregava um leve sorriso no rosto. Mas seus olhos pareciam ocultar algo.
Marilda era herdeira de um grande império de peças automotivas. Seu pai falecera num trágico acidente de carro, o mesmo que tirou a vida de seu primeiro marido. Ela ficou sozinha com o pequeno Henrique, na época com apenas 5 anos.
Foi então que Tiago surgiu. Um homem gentil, prestativo, que se tornou seu apoio emocional e, com o tempo, administrou os negócios da família, conquistando sua confiança e seu coração.
Horas depois do almoço, Marilda seguiu para o escritório para organizar a agenda.
Assim que a patroa desapareceu pelo corredor, a expressão de Valéria mudou por completo. Os olhos, antes submissos, agora carregavam um brilho de desprezo.
“Vou trazer um perfume para você. Ah, faça-me o favor. Peru insuportável”, murmurou ela com a voz carregada de veneno.
Com passos firmes, ela entrou no quarto do casal sem bater. O barulho assustou Tiago.
“Valéria!”, exclamou.
Ela lançou-lhe um olhar irônico, atirando a camiseta recém-passada sobre a cama. “Vim trazer sua camiseta, patrãozinho.”
Tiago se aproximou, fechando a porta com cautela. “O que foi?”
Valéria sentou-se na beirada da cama, a respiração acelerada.
“O que foi? Foi que eu estou cansada, Tiago! Ou melhor, exausta. Eu não tenho mais um momento a sós com você. Estou começando a achar que desistiu de tudo e vai manter esse casamento para sempre.”
Tiago perguntou em voz séria: “Onde está a Marilda agora?”
“Tá no escritório. Disse que ia passar um tempo lá até mais tarde, quando a família feliz vai sair para curtir o shopping.”
Tiago tentou acalmá-la. “Meu amor, para com esses ciúmes bobo. Você sabe que só tenho olhos para você. A Marilda só serve de escada para conseguirmos tudo o que queremos.”
Valéria se levantou, afastando a mão dele. “Não, eu não sei! Você disse que conseguiria dar um jeito na imbecil da Marilda logo, igual mandamos o pai dela e o ex-marido para o inferno, mas até agora nada.”
Nesse instante, a verdadeira face dos dois se revelou. As máscaras caíram, expondo a podridão que unia aquele casal de amantes.
Tiago deixou escapar um sorriso frio.
“Tudo que eu mais queria era mandar aquela otária para o caixão e pegar toda a fortuna. Mas aí o que acontece? Vai tudo para o moleque. Não somos casados em comunhão de bens. Temos um contrato que, se separarmos ou ela falecer, eu não fico com nada.”
Ele continuou, calculista: “Eu estou tentando todos esses anos ganhar a confiança da Marilda para que ela me passe total controle da empresa. Sem o controle total, não tenho como me separar ou mandar ela para uma cova rasa, porque se fizer isso agora, teremos aturado ela e esse pivete à toa. Por isso, faço todas as vontades dela e do menino para ganhar a confiança e conseguir tudo o que sempre sonhamos.”
Valéria estreitou os olhos. “Eu já estou cansada. A verdade é que você está devagar demais. E eu já sei como vamos conseguir que ela passe de uma vez por todas o controle de tudo para você.”
“Sabe como?”, Tiago questionou, intrigado.
Valéria sorriu com malícia.
“Simples, meu bem. Para Marilda passar tudo para você, ela precisa estar mal, bem mal. Temos que acabar com ela mentalmente. Só com ela no chão é que o controle de tudo vai ser seu. A chave para conseguir acesso a toda a fortuna está bem diante dos seus olhos. A chave é o Henrique.”
Tiago arregalou os olhos. “O Henrique?!”
Valéria deixou o rosto se contorcer em uma expressão sombria, carregada de maldade.
“Sim, o Henrique. Ele é tudo para a Marilda. Aquela perua ama o menino mais do que qualquer coisa. Vamos envenenar o moleque aos poucos, fazer ele adoecer, definhar e então morrer. Eu conheço uma mulher que trabalha com certas poções e ela tem um preparado que não deixa rastros. A Marilda vai se despedaçar cada vez mais enquanto o menino ficar doente.”
Ela deslizou os dedos pelo peito do amante.
“E você, você vai ser o ombro para ela chorar. Vai se mostrar presente, cuidadoso, atencioso, vai tomar conta de tudo enquanto a madame estiver desesperada. Depois, a gente aumenta a dose e o garoto vai para o caixão. Quando ele morrer, meu amor, a Marilda vai cair em um luto tão profundo que não vai ter forças para nada. É nesse momento que você consegue que ela assine a papelada. E depois… a gente pensa em um acidente conveniente para mandar ela também para o inferno.”
Tiago sentiu um arrepio. “Matar o Henrique… Mas Valéria, ele… ele é só uma criança.”
O sorriso da empregada desapareceu. “Não, Tiago. Não vai me dar uma de frouxo agora. Não vai ter dó do moleque. Essa é a única forma de conseguirmos tudo. E então, como vai ser? Se a gente ficar esperando esse seu plano patético, vamos acabar velhos de mãos vazias. Eu já disse, o menino é a chave. Vamos colocar o moleque no caixão.”
O desejo por riqueza falou mais alto. Tiago cerrou os punhos e admitiu:
“Está certo. A gente dá um fim nesse pirralho. Eu nem gosto dele mesmo. A culpa é da mãe dele, que não quis se casar em comunhão de bens.”
Eles selaram o pacto macabro com um beijo intenso.
Naquela mesma noite, Valéria foi até a casa de sua tia, uma feiticeira, e comprou um frasco com um líquido quase transparente por uma fortuna. O veneno que matava aos poucos, sem deixar rastros.
Ao voltarem do shopping, Valéria usou a desculpa de um mousse de chocolate para envenenar a sobremesa de Henrique.
Em poucos minutos, o menino começou a se contorcer, reclamando de dores de estômago. Tiago e Valéria fizeram a encenação.
“Tem que ser assim mesmo. Ele não pode morrer de repente. O corpo dele precisa ir parando aos poucos. Assim vamos destruir a Marilda de dentro para fora”, cochichou Valéria.
Os dias se transformaram em tormento. Henrique adoecia cada vez mais, sem que os médicos encontrassem qualquer vestígio de doença nos exames.
Marilda, desesperada, abandonou o trabalho e entregou a administração da empresa a Tiago. O plano estava saindo perfeitamente.
Quando Henrique precisou ser internado, Valéria sempre encontrava uma forma de pingar discretamente a gota diária do veneno. Mas a dor do garoto o fez pedir um último desejo:
“Mãe, eu quero ir para casa. Se for para morrer, eu quero que seja em casa. Não quero morrer em um quarto de hospital.”
Marilda realizou o desejo do filho. Levou Henrique para casa.
“Acho que está na hora do pestinha morrer de vez. Amanhã mesmo eu vou dar a refeição final. Vou levar um bombom daqueles que ele ama com 10 gotas do nosso veneno. Vai ser o adeus do Henrique”, decretou Valéria.
Na manhã seguinte, Tiago, com um sorriso falso, recebeu a notícia de Marilda:
“Tiago, eu vou providenciar uma procuração para que você possa assinar em meu nome também. Acho que está na hora de talvez assumir definitivamente a empresa e os negócios. Sei que vai fazer o melhor.”
O pilantra quase não conseguiu esconder a alegria. “Essa idiota vai entregar a fortuna de mão beijada”, comemorou com Valéria.
A ruiva pegou o bombom e pingou 10 gotas do veneno. “Está aqui o nosso passaporte para a fortuna. Está na hora do Henrique se despedir desse mundo.”
Enquanto isso, Henrique despertava. Fraco, mas determinado, ele foi até a cozinha e encontrou Tiago e Valéria aos beijos.
“Mas o quê? O que está acontecendo aqui?”, gritou. “Você está traindo a minha mãe, Tiago?!”
Valéria, fria, colocou o bombom envenenado na mão de Tiago. “Faz esse moleque comer esse bombom. Anda!”
Tiago correu até o quarto, inventando desculpas e encenações. Henrique, fragilizado, hesitou, mas a mente infantil cedeu ao desejo de acreditar.
Ele pegou o bombom e deu uma mordida.
Assim que engoliu, Valéria entrou no quarto. “Essa praga comeu o chocolate?”
“Ele acabou de comer”, respondeu Tiago.
A dor veio quase de imediato. Henrique levou as mãos ao estômago.
“O que vocês fizeram comigo?”, a voz trêmula já percebia a armadilha.
Valéria riu cruelmente. “Um veneninho, meu bem. E a sua mãe, a idiota da sua mãe, vai perder não só você, mas toda a fortuna dela também.”
O corpo de Henrique tremeu em agonia, até que caiu desacordado sobre a cama.
Poucas horas depois, Marilda encontrou o filho nos braços de Tiago, que fingia desespero.
“Ele desmaiou, amor. Não estou sentindo o coração dele. Precisamos correr para o hospital agora.”
Marilda, ao tocar o frio do filho, percebeu a ausência de vida. Seu grito rasgou o ambiente. Tiago, rapidamente, a convenceu da cremação, alegando que era um desejo de Henrique e que assim não haveria vestígios.
Mas a inquietude de Marilda a fez tomar a decisão inusitada de colocar a câmera dentro do caixão. E foi nesse ponto que a história se fechou, retornando ao crematório.
Marilda estava em completo pânico.
O coração batia descompassado enquanto Ricardo e o funcionário levantavam a tampa do caixão. Tiago parecia inquieto, mas tentava disfarçar.
Assim que a tampa foi levantada, o ar da sala se tornou pesado.
Ricardo levou a mão à boca, chocado. O outro funcionário recuou atônito. Marilda levou a mão ao coração.
Ali, dentro do caixão, Henrique parecia dormir. O rosto pálido ainda denunciava a fragilidade, mas seus dedos se mexeram, tocando a câmera.
Marilda inclinou-se sobre o caixão, as lágrimas escorrendo em cascata.
“Filho, você… você está vivo?”
Para a surpresa de todos, Henrique abriu os olhos devagar. Marilda caiu em prantos de emoção e alegria.
Tiago murmurava: “Isso não é possível. Não é possível!”
Valéria, tomada pela fúria, pensava: “Esse moleque devia estar morto. Como ele está vivo? O veneno não falha!”
Marilda agarrou o filho, gritando: “Ajuda! Precisamos levar o Henrique para o hospital agora mesmo! Meu Deus, eu quase cremei o meu filho vivo!”
Tiago gritou, vestindo a máscara: “Leva ele para o carro! Vamos agora mesmo!”
Mas Henrique, reunindo forças, apertou o braço da mãe.
“Não entra, mãe, não.”
Marilda ficou intrigada. O coração disparou. O menino, recuperando a consciência, ergueu a voz com mais clareza:
“Eles, eles vão me matar.”
As palavras caíram como um trovão. Marilda gaguejou, chocada. “O quê? O que você está dizendo, meu amor?”
Henrique, lutando contra a dor, finalmente revelou: “Eu vi, eu vi ele se beijando. Eles querem roubar tudo que é seu, mãe, e me matar.”
Tiago, desesperado, berrou, tentando abafar as palavras: “Isso não é verdade! Esse menino não sabe o que está dizendo! Ele está confuso!”
Mas Marilda já os olhava com desconfiança e raiva.
Tiago tentou segurá-la para arrastá-la com Henrique para o carro, mas a mulher começou a berrar.
Nesse instante, Ricardo, o agente da funerária, correu até eles, empurrou Tiago para trás e libertou mãe e filho.
“Eu não sei o que está acontecendo aqui, nem como esse menino voltou à vida, mas se ele e a mãe não querem ir com vocês, então não vão.”
Tiago ficou imóvel. Virou-se e viu Valéria correndo até o carro.
“Valéria, o que você está fazendo?”, gritou em pânico.
A ruiva, com os olhos arregalados de medo, respondeu: “Você não está vendo que a gente já perdeu, Tiago? Eu não vou ficar aqui para ver tudo explodir!”
Nesse momento, Marilda percebeu que o filho dizia a verdade.
Tiago avançou sobre Valéria, furioso: “Sua maldita! Como você fala isso em voz alta? Você não disse que o veneno era infalível? Que não falharia nunca?”
Valéria, descontrolada, respondeu: “E era para ser infalível mesmo! Foi você que não soube esperar, apressado, e me agarrou na cozinha, e tivemos que dar o bombom cheio de veneno às pressas! Você estragou tudo!”
Tiago cuspiu as palavras: “Cala essa boca! Se não fosse você com suas ideias de bruxa, nada disso teria acontecido! Você me colocou nessa armadilha!”
Valéria avançou, gritando: “Você também queria a fortuna, idiota! Você traiu sua mulher, matou o pai dela, matou o ex dela! Agora quer jogar tudo nas minhas costas?”
Marilda, incrédula, levou a mão à boca. As confissões saíam como punhaladas. Cada palavra revelava crimes que ela jamais teria imaginado.
Ricardo, chocado, sacou o celular e ligou para a polícia.
“Alô! Temos uma situação grave no crematório. Tentaram matar um menino. Ele reviveu dentro do caixão. Dois suspeitos confessando crimes agora mesmo. Venham rápido!”
Valéria tentou ligar o carro, mas o motor não respondia. Tiago saiu correndo a pé pelo pátio. Mas Ricardo foi mais rápido, correu atrás dele e o jogou ao chão.
Em segundos, as sirenes se aproximaram.
Tiago e Valéria foram algemados enquanto berravam e tentavam culpar um ao outro. “Foi ela! Ela que inventou tudo! Eu só obedeci!”, gritava Tiago. “Mentira! Foi ele quem queria a fortuna! Foi ele quem matou o pai e o ex da Marilda!”, retrucava Valéria.
Marilda assistia à cena paralisada, agarrada ao filho semiconsciente.
“Por favor, levem meu filho para o hospital agora! Ele precisa viver!”
Ricardo ajudou a colocar Henrique no carro da família, e eles correram.
No hospital, Marilda explicou tudo entre soluços. O médico, após examinar o garoto, retornou com o semblante sério, mas aliviado.
“Foi um milagre esse menino ter sobrevivido. Descobrimos traços de uma substância rara. A dose no bombom foi tão alta que o organismo reagiu tentando expulsar. O fato dele ter golfado logo depois salvou a vida. Se fosse diferente, ele não estaria aqui.”
Marilda chorou de alívio, caindo de joelhos e agradecendo a Deus.
Enquanto isso, a polícia invadiu a mansão e encontrou o frasco de veneno escondido. A prova que faltava.
Os dias seguintes foram de recuperação lenta. Henrique, aos poucos, recobrava as forças.
Tiago e Valéria, atrás das grades, continuaram o espetáculo de acusações. No julgamento, revelaram ainda mais crimes. A morte do pai de Marilda, o assassinato do primeiro marido dela.
A justiça não teve piedade. Os dois foram condenados, devorados pela própria maldade na prisão.
Marilda encontrou forças para recomeçar. Cuidou de Henrique com todo o amor e prometeu nunca mais deixar ninguém se aproximar para feri-lo.
Com o tempo, ela criou um vínculo com Ricardo, o homem que arriscou a própria segurança no crematório para defendê-la. Meses depois, Marilda sorria ao ver o filho correr pelo jardim, saudável outra vez. Henrique havia renascido, e ela também.
Ao lado de Ricardo, que se tornaria seu companheiro de vida, ela formou uma nova família construída sobre o amor, o respeito e a proteção. A dor jamais seria esquecida, mas a esperança havia vencido.