(Recife 1867) O Garoto Escravo Mais Temido Que Já Existiu: Ele Eliminou 19 Pessoas da Mesma Família

Você já ouviu falar de uma criança que perdeu tudo antes mesmo de completar 10 anos? Uma história que vai te arrepiar e te fazer questionar até onde a sede de vingança pode levar alguém? Se inscreva no canal, compartilhe este vídeo e me conta nos comentários de onde você está assistindo, porque hoje vou te contar a história mais sombria que já aconteceu em Recife.
Prepare-se para conhecer Zuri, o garoto escravo que se tornou o pesadelo de uma família inteira. Meu nome é Zuri, tenho 14 anos agora, mas minha história começou quando eu tinha apenas nove. Era 1862. E o calor sufocante de março tornava o ar dos canaviais quase irrespirável. Eu trabalhava na casa Albuquerque desde que me lembro de existir, junto com minha mãe Kesi e meus dois irmãos menores, Jengo e Amara.
A casa Albuquerque era uma das propriedades mais prósperas de Recife. Senr. Joaquim Albuquerque comandava tudo com punho de ferro, apoiado por seus filhos Antônio, Carlos e Miguel, e sua esposa, dona Esperança. Eles tinham outros parentes que viviam na casa grande, tios, primos, cunhados. Ao todo, 19 pessoas que se consideravam donos de nossas vidas.
Naquela manhã fatídica, eu estava carregando água do poço quando ouvi os gritos. Não eram gritos comuns de castigo, eram gritos de desespero, de quem sabe que a morte está chegando. Larguei os baldes e corri em direção às cenzalas, meu coração batendo tão forte que parecia querer sair do peito. O que vi me marcou para sempre. Minha mãe estava no chão sangrando. Senr. Antônio segurava uma faca ensanguentada enquanto o Senr.


Carlos ria como um demônio. Jengo, meu irmão de 7 anos, estava caído ao lado dela, imóvel. A Mara, de apenas 5 anos, chorava desesperadamente, agarrada às saias sujas de nossa mãe. “Mãe!”, gritei correndo em direção a eles. Senr. Miguel me segurou pelo braço com força brutal. Quieto, moleque. Sua mãe tentou roubar comida da dispensa.
Vocês sabem qual é o castigo para isso? Ela não roubou nada. Gritei tentando me soltar. A Mara estava doente. Ela só queria um pouco de farinha. A risada de Sr. Carlos ecuou pelo pátio. Doente. Esses animais não ficam doentes. Eles fingem para não trabalhar. Foi então que vi Senr. Antônio se aproximar de Amara.
A menina olhou para mim com aqueles olhos grandes e assustados, estendendo a mãozinha pequena na minha direção. “Zuri!”, ela sussurrou. A faca desceu. Algo dentro de mim morreu naquele momento. Não foi só minha irmã que morreu, foi qualquer vestígio de criança que ainda existia em mim. Senti um frio percorrer minha espinha, uma escuridão que jamais me abandonaria. Agora você”, disse Senr.
Antônio, se virando para mim com a faca, ainda pingando sangue. Mas Senr. Joaquim apareceu naquele momento. Não. Este aqui vai viver. Vai carregar a marca do que acontece com quem desobedece. Eles me arrastaram para o centro do pátio. Todos os outros escravizados foram obrigados a assistir. Senr. Miguel aqueceu um ferro em brasa no fogo enquanto o Senr. Carlos me segurava com força.
Esta marca vai lembrar você e todos os outros de quem manda aqui disse Sr. Joaquim pegando o ferro em brasa. O metal quente tocou minha testa. A dor era indescritível, como se meu crânio estivesse sendo partido ao meio. O cheiro da minha própria carne queimando invadiu minhas narinas. Mas eu não gritei, não chorei, apenas olhei nos olhos de cada um deles, gravando seus rostos na minha memória. Olhem para ele, ri o senor Carlos.
O moleque nem chora, deve ser meio idiota. Eles não sabiam que naquele momento, enquanto o ferro queimava minha pele, eu estava fazendo uma promessa silenciosa. Uma promessa que levaria 5 anos para cumprir, mas que eu cumpriria até o último detalhe. Quando me soltaram, cambaleei até onde estavam os corpos da minha família. Senr.
Joaquim ordenou que os outros escravizados os enterrassem atrás das cenzalas em covas rasas como animais. Você vai trabalhar dobrado agora. disse dona Esperança, se aproximando de mim. Vai pagar pelo que sua mãe fez. Eu a olhei em silêncio. Ela recuou um passo incomodada com meu olhar. Naquela noite, deitado no chão frio da cenzala, toquei a marca em minha testa.
Estava inchada e doía terrivelmente, mas a dor física era nada comparada ao que sentia por dentro. Fechei os olhos e comecei a repetir os nomes como uma oração. Joaquim Albuquerque, Esperança Albuquerque, Antônio Albuquerque, Carlos Albuquerque, Miguel Albuquerque. Eram cinco por enquanto, mas eu sabia que havia mais. tios, primos, cunhados, todos que viviam naquela casa grande, todos que se beneficiavam do nosso sofrimento.
Eu os conheceria um por um, estudaria seus hábitos, suas fraquezas, seus medos, e quando chegasse a hora, eles pagariam. Todos eles. Os outros escravizados começaram a me evitar depois daquele dia. Diziam que havia algo diferente em mim, algo que os assustava. Talvez fosse meu silêncio constante ou a forma como eu olhava para a casa grande todas as noites antes de dormir.
Ja Benedita, uma escravizada mais velha que cuidava das crianças, tentou conversar comigo algumas vezes. “Menino, você precisa chorar”, ela dizia. “Precisa deixar a dor sair, senão ela vai te consumir por dentro”. Mas eu não podia chorar. As lágrimas tinham secado junto com o sangue da minha família. Em seu lugar havia crescido algo frio e calculado, algo que me dava força para suportar os dias intermináveis de trabalho forçado e humilhação.
Durante os meses seguintes, observei tudo. Aprendi os horários de cada membro da família, seus caminhos preferidos pela propriedade, onde dormiam, o que comiam, com quem falavam. Descobri que Sr. Joaquim tinha um irmão, coronel Teodoro, que visitava a casa frequentemente, que dona Esperança tinha duas irmãs casadas que moravam na propriedade com seus maridos e filhos. 19 pessoas. Contei e recontei várias vezes.
19 pessoas que tinham sangue albuquerque nas veias ou que se beneficiavam diretamente da nossa escravidão. A marca na minha testa cicatrizou, deixando uma cicatriz em formato de R, de rebelde, como eles gostavam de dizer. Mas para mim, aquela marca significava outra coisa. Era um lembrete constante do que eu tinha perdido e do que eu faria para honrar a memória da minha família.
Os feitores começaram a me temer, embora não admitissem abertamente. Havia algo na forma como eu trabalhava, em silêncio absoluto, sem nunca reclamar, sem nunca demonstrar cansaço, que os incomodava profundamente. “Esse menino não é normal”, ouvi feitor João comentar com feitor Manuel.
trabalha como uma máquina, mas nunca fala, nunca sorri. Me dá arrepios. Eles não sabiam que cada chicotada que eu recebia, cada humilhação que eu suportava, apenas alimentava a chama fria que queimava dentro do meu peito. Cada noite eu adormecia repetindo os 19 nomes, planejando, esperando, porque eu sabia que um dia, quando fosse forte o suficiente, quando soubesse o suficiente, quando chegasse a hora certa, eu voltaria para cobrar cada gota de sangue derramada e nenhum deles escaparia.
Dois anos se passaram desde aquele dia terrível e eu me tornei uma lenda sombria entre os escravizados da casa Albuquerque. Eles sussurravam meu nome nos canaviais, sempre olhando por cima do ombro para ter certeza de que nenhum feitor estava ouvindo. “Zuri, o menino que não chora, diziam. Zuri que não sente dor, mas eles estavam errados. Eu sentia dor, toda dor imaginável.
A diferença era que eu havia aprendido a transformá-la em algo útil, em combustível para o que estava por vir. Era 1864 agora e eu tinha 11 anos. Meu corpo havia crescido, endurecido pelo trabalho pesado nos canaviais. Minhas mãos estavam calejadas, meus músculos definidos pelo esforço constante, mas eram meus olhos que mais assustavam as pessoas, olhos que pareciam carregar uma idade muito além dos meus anos.
Naquela manhã de junho, o calor era sufocante. O sol nascia vermelho sobre os canaviais, prometendo mais um dia de trabalho brutal. Eu estava cortando cana desde antes do amanhecer. meus movimentos precisos e mecânicos quando ouvi a voz familiar de feitor João. “Ei, marca de ferro!”, ele gritou, usando o apelido cruel que tinham me dado por causa da cicatriz na minha testa.
“Senhor Carlos, quer falar com você?” Larguei o facão e caminhei em direção à casa grande, meus pés descalços, fazendo pouco barulho na terra vermelha. Os outros escravizados me observavam passar, alguns com pena, outros com uma mistura de medo e admiração. Senr. Carlos estava na varanda bebendo café e fumando um charuto.
Aos 25 anos, ele era considerado o mais cruel dos filhos de Senr. Joaquim. Tinha prazer em causar sofrimento. E eu sabia que qualquer conversa com ele não terminaria bem para mim. Aproxime-se, ele ordenou sem tirar os olhos do jornal que lia. Parei a alguns metros de distância, mantendo minha postura ereta. Nunca abaixei a cabeça para eles.
Não importava quantas vezes me batessem por isso. “Sabe por te chamei aqui?”, perguntou, finalmente me olhando. Permanecia em silêncio. Havia parado de falar com qualquer membro da família Albuquerque no dia em que mataram minha família. Minha voz era reservada apenas para os outros escravizados e mesmo assim eu falava pouco. Responda quando eu falar com você, ele gritou, se levantando bruscamente.
Continuei em silêncio, meus olhos fixos nos dele. Vi algo que me deu uma satisfação sombria, um lampejo de desconforto, talvez até medo. “Você pensa que é esperto, não é?”, ele disse, descendo os degraus da varanda. Pensa que esse seu silêncio te faz especial. Ele parou bem na minha frente, tão perto que eu podia sentir o cheiro de álcool em seu hálito.
Vou te ensinar uma lição sobre respeito. O primeiro soco atingiu meu estômago com força suficiente para me dobrar ao meio, mas eu não gemi, não recuei, apenas me endirei novamente e voltei a olhar em seus olhos. “Impressionante”, ele murmurou. “Mais para si mesmo do que para mim. Vamos ver até onde vai essa sua resistência.
O que se seguiu foi uma das surras mais brutais que eu já havia recebido. Senr. Carlos usou os punhos, depois um chicote, depois um pedaço de madeira. Cada golpe era calculado para causar o máximo de dor sem me matar. Afinal, eu ainda era propriedade valiosa. Mas durante toda a surra, eu não emiti um único som. Não chorei, não implorei, não gritei, apenas absorvi cada golpe, cada humilhação e os adicionei à conta que um dia seria cobrada.
Quando ele finalmente parou, ofegante e suado, eu ainda estava de pé. Meu corpo estava coberto de ferimentos. Sangue escorria do meu nariz e boca, mas meus olhos permaneciam firmes, desafiadores. “Que diabos você é?”, Ele sussurrou, recuando um passo. Foi então que algo extraordinário aconteceu.


Outros escravizados começaram a se reunir ao redor da varanda, atraídos pelos sons da surra. Eles me viram ali de pé, sangrando, mas não quebrado, e algo mudou em seus olhos. Tio Benedito, um homem de 50 anos que trabalhava na casa desde criança, deu um passo à frente. “Senhor Carlos”, ele disse, sua voz tremendo ligeiramente. “O menino precisa de cuidar dos médicos.” “Ele vai sobreviver.
” Carlos respondeu, mas sua voz não tinha mais a mesma confiança de antes. “Com licença, Senhor”, insistiu o tio Benedito. “Mas se ele morrer, Senr. Joaquim não ficará satisfeito. O menino é um dos nossos melhores trabalhadores.” Era verdade. Apesar da minha idade, eu produzia mais que muitos homens adultos. Minha determinação silenciosa me tornava incansável nos canaviais. Senr.
Carlos olhou ao redor, notando pela primeira vez a multidão de escravizados que havia se formado. Todos me olhavam com uma mistura de reverência e espanto. Ele percebeu que algo havia mudado, que de alguma forma sua tentativa de me quebrar havia produzido o efeito oposto.
“Levem ele daqui”, ele disse finalmente virando as costas e subindo os degraus da varanda. Tio Benedito e outros me ajudaram a caminhar até as cenzalas. Minhas pernas tremiam, mas eu me recusei a ser carregado. Cada passo era uma declaração de que eu não seria quebrado. Naquela noite, enquanto tia Benedita cuidava dos meus ferimentos, os outros escravizados se reuniram ao meu redor. Era raro ver tanta gente junta nas cenzalas.
Geralmente todos estavam exaustos demais para socializar após um dia de trabalho. “Como você faz isso?”, perguntou João, um jovem de 16 anos. “Como consegue não chorar, não gritar?” Olhei para ele, depois para os outros rostos que me cercavam. Eram rostos marcados pelo sofrimento, pela resignação, pelo medo. Mas naquele momento havia algo mais. Havia esperança.
“A dorsa”, disse finalmente minha voz rouca por não ter sido usada durante o dia. “Mas a memória fica.” “Memória do quê?”, perguntou Maria, uma mulher jovem que trabalhava na casa grande. Da injustiça, respondi, do que eles nos fizeram, do que eles continuam fazendo. Tio Benedito se aproximou, seus olhos velhos brilhando com uma luz que eu não via há muito tempo.
“Você não é como nós”, ele disse baixinho. “Há algo diferente em você, menino. Algo que eles temem. Ele estava certo. Eu podia ver nos olhos dos feitores, na forma como o Senr. Carlos havia recuado. Eles não entendiam como uma criança podia suportar tanto sofrimento sem quebrar e isso os assustava. Nos dias seguintes, minha reputação se espalhou por toda a propriedade.
Os escravizados começaram a me procurar quando precisavam de coragem, quando estavam prestes a desistir. Minha presença silenciosa se tornou um símbolo de resistência. O menino que não chora está aqui. Eles sussurravam uns para os outros quando o trabalho ficava impossível de suportar. Se ele pode aguentar, nós também podemos.
Mas os feitores começaram a me temer abertamente. Feitor João evitava ficar sozinho comigo nos canaviais. Feitor Manuel sempre mantinha outros escravizados por perto quando precisava me dar ordens. Há algo errado com aquele menino. Ouvi feitor João dizer para feitor Manuel uma tarde: Ele não é natural.
Trabalha como um demônio, nunca reclama, nunca chora, me dá calafrios. É só um moleque”, Manuel respondeu, mas sua voz não soava convincente. “Muleque, nada. Você viu os olhos dele? É como se ele estivesse sempre planejando alguma coisa. Eles estavam mais certos do que imaginavam. Cada dia que passava, eu observava mais, aprendia mais, planejava mais. Descobri que Sr.
Joaquim tinha problemas com dívidas, que a propriedade não estava tão próspera quanto parecia. Soube que havia tensões entre os irmãos Albuquerque sobre a herança. Mais importante, descobrir suas rotinas, seus pontos fracos, seus medos. Senr. Antônio tinha medo do escuro e sempre dormia com uma vela acesa. Senr.
Miguel bebia demais e frequentemente cambaleava sozinho pelos jardins à noite. Dona Esperança tomava láudano para dormir e ficava inconsciente por horas. Cada informação era cuidadosamente guardada na minha memória, como peças de um quebra-cabeças que um dia se encaixariam perfeitamente. Uma noite, enquanto olhava para a casa grande iluminada pelas janelas, tio Benedito se aproximou de mim.
“No que você está pensando, menino?”, ele perguntou. “Em justiça?” Respondi sem tirar os olhos da casa. “Que tipo de justiça? Virei-me para ele e ele recuou ligeiramente ao ver a intensidade no meu olhar. A única justiça possível, disse, a que vem pelas nossas próprias mãos.
Naquela noite adormeci repetindo os 19 nomes, como sempre fazia, mas desta vez havia algo diferente na minha oração silenciosa. Desta vez, eu podia sentir que o tempo estava se aproximando. O menino que não chorava estava crescendo e quando chegasse a hora, eles descobririam que havia coisas muito piores do que lágrimas. Era dezembro de 1865 e eu acabara de completar 12 anos.
O calor do verão pernambucano tornava o trabalho nos canaviais ainda mais brutal, mas eu continuava minha rotina implacável. Acordar antes do amanhecer, trabalhar até o anoitecer, observar a casa grande, planejar. Naquela manhã fatídica, algo diferente estava no ar. Sr.
Joaquim havia chegado da cidade na noite anterior com notícias ruins sobre suas dívidas. Eu podia ouvir as discussões acaloradas vindas da Casagre, vozes alteradas que ecoavam pela propriedade. “Precisamos de mais produção!”, gritava Sr. Joaquim. “Ess malditos escravos estão ficando preguiçosos”. Foi então que o Sr. Miguel teve uma ideia que mudaria tudo. “Pai?” Ele disse sua voz carregando uma crueldade que eu conhecia bem.
Que tal darmos um exemplo? Mostrar para todos o que acontece com quem não produz o suficiente? Eu estava trabalhando próximo à Casagrande quando ouvi meu nome sendo gritado: “Zuri, marca de ferro! Venha aqui agora”. Larguei o facão e caminhei em direção ao pátio central, onde toda a família Albuquerque estava reunida.
19 pessoas me olhavam com uma mistura de ódio e curiosidade mórbida. Meu coração acelerou, mas mantive minha expressão impassível. Este aqui, disse Senhor Miguel, apontando para mim, é o exemplo perfeito de insubordinação. Três anos se passaram desde que marcamos ele e ainda assim, olhem para ele.
Não abaixa a cabeça, não demonstra respeito, Sr. Carlos Rio, aquela risada cruel que eu conhecia tão bem. Talvez a marca não tenha sido suficiente. Talvez precisemos de algo mais permanente. Eles me arrastaram para o centro do pátio, onde havia uma estrutura de madeira usada para castigos públicos. Todos os escravizados foram obrigados a parar o trabalho e assistir.
Vi o medo nos olhos de tio Benedito, a angústia no rosto de tia Benedita. 50 chibatadas”, anunciou o Senr. Joaquim, “para que todos vejam o que acontece com quem desafia esta família”. Eles me amarraram à estrutura, minhas costas expostas ao sol escaldante. Senr. Antônio pegou o chicote, testando-o no ar algumas vezes. O som do couro cortando o vento, fez alguns escravizados recuarem.
“Vamos ver se desta vez você grita”, ele disse, posicionando-se atrás de mim. A primeira chicotada rasgou minha pele como fogo líquido. A segunda abriu um corte profundo. A terceira me fez ver estrelas, mas eu não gritei. Mordi a língua até sentir o gosto do sangue, mas não dei a eles a satisfação de me ouvir chorar.
Na décima chicotada, ouvi tia Benedita Soluçar. Na vigésima, alguns escravizados começaram a rezar baixinho. Na triésimª, até mesmo alguns membros da família pareciam desconfortáveis, mas Senr. Antônio continuou. 40 chicotadas, 45, 50. Quando finalmente pararam, eu mal conseguia ficar consciente. Minha visão estava embaçada. Meu corpo tremia incontrolavelmente.
Sangue escorria pelas minhas costas, formando uma possça no chão. “Soltem ele”, ordenou o Senr. Joaquim. Quando cortaram as cordas, desabei no chão como um saco de farinha. Mas mesmo assim, mesmo com a dor insuportável, consegui levantar a cabeça e olhar para cada um deles. Um por um, gravei seus rostos na minha memória mais uma vez.
Impressionante”, murmurou coronel Teodoro, irmão de Senr. Joaquim. “O menino realmente não chora.” “É como se fosse feito de pedra”, disse dona Esperança. “Mas havia algo em sua voz que não era admiração, era medo. Eles me deixaram ali no chão do pátio como um aviso para os outros. Foi tio Benedito quem me carregou de volta às cenzalas, suas lágrimas pingando no meu rosto enquanto ele sussurrava orações.
Durante três dias fiquei entre a vida e a morte. Tia Benedita cuidou de mim com ervas e rezas, limpando meus ferimentos com água morna e aplicando cataplasmas de folhas medicinais. Outros escravizados se revesavam ao meu lado, sussurrando palavras de encorajamento. “Não desista, menino”, dizia João. “Você é nossa esperança.
Você é mais forte que todos eles juntos”, murmurava Maria. Mas durante aqueles três dias de delírio, algo mudou dentro de mim. A dor física era nada comparada à clareza mental que ela trouxe. Eu percebi que nunca seria forte o suficiente para enfrentá-los diretamente. Não enquanto fosse apenas um menino escravizado numa propriedade isolada. Precisava de tempo.
Precisava crescer, aprender, me preparar. Precisava desaparecer. Na quarta noite, quando todos dormiam, levantei-me silenciosamente. Meu corpo ainda doía terrivelmente, mas a determinação era mais forte que a dor. Reunia algumas coisas, um facão pequeno que havia escondido, um pedaço de pano, algumas raízes comestíveis que tia Benedita me havia ensinado a identificar.
Antes de partir, ajoelhei-me no local onde minha família estava enterrada. Coloquei a mão na terra vermelha. E fiz uma promessa silenciosa. Esperem por mim, sussurrei. Eu voltarei e quando voltar, todos eles pagarão. Então, como uma sombra, deslizei para fora das cenzalas e me dirigi à mata que cercava a propriedade. A floresta era densa e escura, cheia de perigos que eu conhecia apenas pelas histórias dos mais velhos.
Havia onças, cobras venenosas, quilombolas que não confiavam em estranhos, mas nada disso me assustava mais do que a perspectiva de continuar vivendo sob o julgo dos Albuquerque. Os primeiros dias na mata foram os mais difíceis da minha vida. Meus ferimentos ainda estavam abertos, atraindo moscas e outros insetos.
A fome era constante e eu tinha que ser cuidadoso para não comer nada venenoso. À noite, o frio da serra me fazia tremer incontrolavelmente, mas eu sobrevivi. Aprendi a construir abrigos com galhos e folhas, a encontrar água limpa, seguindo o som dos riachos, a identificar frutas e raízes comestíveis.


Aprendi a me mover silenciosamente pela floresta, a me esconder quando ouvia vozes de caçadores de escravos fugitivos. Semanas se passaram. Meu corpo se adaptou à vida selvagem, tornando-se mais magro, mas também mais resistente. Meus sentidos se aguçaram. Eu podia ouvir um galho quebrando a centenas de metros de distância, sentir o cheiro de fumaça de fogueira antes mesmo de vê-la.
Foi durante minha segunda semana na mata que encontrei o quilombo. Eu estava seguindo um riacho em busca de peixes quando ouvi vozes. Instintivamente me escondi atrás de uma árvore grande e observei. Três homens negros, claramente exescravizados, enchiam cabaças com água. “Os capitães do mato estão procurando alguém”, dizia um deles. “Um menino da casa Albuquerque dizem que ele desapareceu há duas semanas. Que idade?”, perguntou o outro.
12 anos. Tem uma marca na testa em formato de R. Os Albuquer que estão oferecendo uma recompensa boa por ele. “Se eu fosse esse menino”, disse o terceiro, “Estaria bem longe daqui. Os albquerque não perdoam”. Eles partiram, mas suas palavras ficaram eando na minha mente. Eu sabia que não podia me aproximar do quilombo.
Eles poderiam me entregar para ganhar a recompensa ou simplesmente não confiar em mim. Precisava continuar sozinho. Meses se passaram. O verão deu lugar ao outono, depois ao inverno. Eu me tornei uma lenda na mata. Os caçadores falavam de um fantasma que roubava comida de suas armadilhas que deixava pegadas estranhas perto dos riachos.
Alguns diziam ter visto uma figura pequena e escura se movendo entre as árvores, mas quando se aproximavam não encontravam nada. Durante todo esse tempo, eu não parei de pensar na casa Albuquerque. Todas as noites, antes de dormir, eu repetia os 19 nomes. Planejava como voltaria. Como me vingaria? Como faria cada um deles pagar pelo que haviam feito à minha família? A mata me ensinou coisas que nenhuma cenzala poderia ensinar.
Aprendi a ser paciente como uma onça esperando sua presa. Aprendi a ser silencioso como uma cobra se aproximando de um rato. Aprendi a ser implacável como a própria natureza. Quando o inverno chegou ao fim e a primavera começou a despertar a floresta. Eu sabia que estava pronto para a próxima fase do meu plano. Não voltaria ainda, era cedo demais, mas começaria a me aproximar da propriedade, a observar, a me preparar.
Uma noite escalei uma árvore alta na borda da mata e olhei em direção à casa Albuquerque. As luzes da casa grande brilhavam na distância e eu podia ver as sombras das pessoas se movendo atrás das janelas. “Ainda estão todos lá”, murmurei para mim mesmo. Todos os 19. Um sorriso frio se formou nos meus lábios.
O primeiro sorriso que eu havia dado em quase um ano. “Esperem por mim”, sussurrei para a noite. “O menino que não chora está crescendo e quando ele voltar, vocês descobrirão que há coisas muito piores do que lágrimas.” O vento noturno carregou minhas palavras em direção à casa grande, como um presságio do que estava por vir.
Era 1867 e 2 anos haviam-se passado desde minha fuga para a mata. Eu tinha 14 anos agora, mas parecia muito mais velho. A vida selvagem havia moldado meu corpo e minha mente de formas que os albuquerques jamais poderiam imaginar. Eu era mais alto, mais forte e infinitamente mais perigoso. Durante esses dois anos, observei a casa Albuquerque de longe, como um predador estudando sua presa.
Aprendi suas novas rotinas, descobri suas fraquezas crescentes e percebi algo que me encheu de uma satisfação sombria. Eles estavam se destruindo por dentro. A propriedade não era mais a mesma. As dívidas de Sr. Joaquim haviam se acumulado e a família estava dividida por disputas internas.
Alguns escravizados haviam fugido, outros haviam morrido de doenças e a produção dos canaviais havia diminuído drasticamente. Mas o mais importante, eles haviam se esquecido de mim. Naquela noite de março, me aproximei da propriedade mais do que havia feito em meses. Movi-me como uma sombra entre as árvores, meus pés descalços, não fazendo nenhum ruído na terra úmida.
A lua estava nova e a escuridão era minha aliada. Parei na borda da mata, observando a casa grande. Algumas janelas estavam iluminadas e eu podia ouvir vozes alteradas vindas do interior. Uma discussão familiar pelo som. Foi então que vi algo que fez meu sangue ferver. Senr. Carlos estava no jardim bêbado, abusando de uma escravizada jovem.
Ela chorava baixinho, implorando para que ele parasse, mas ele apenas ria. Minha mão se fechou instintivamente ao redor do cabo do facão, que eu havia afiado até ficar como uma navalha. Seria tão fácil? Um movimento rápido, silencioso e Sr. Carlos seria o primeiro a pagar. Mas não, ainda não era a hora. Minha vingança seria completa ou não seria nada. Recuei para a mata, mas não antes de deixar um pequeno presente.
Na manhã seguinte, Senr. Carlos encontrou um coelho morto pendurado na árvore sob a qual ele havia cometido sua violência. O animal estava limpo, sem ferimentos visíveis, mas claramente morto. Amarrado ao pescoço do coelho, havia um pequeno pedaço de pano, um pedaço da roupa que eu usava no dia em que minha família foi assassinada.
Que diabos é isso? Ele gritou, acordando toda a casa. Senhor Joaquim desceu para investigar, seguido pelos outros membros da família. Eles se reuniram ao redor da árvore, olhando para o coelho morto, com uma mistura de confusão e desconforto. “Deve ser algum escravizado tentando nos assustar”, disse Senr. Miguel, mas sua voz não soava convincente.
“Comelho morto?”, perguntou dona Esperança. Isso não faz sentido. Foi tio Benedito quem reconheceu o pedaço de pano. Eu o vi se aproximar do grupo, seus olhos velhos se arregalando quando viu o tecido familiar. Senhor Joaquim, ele disse, sua voz tremendo. Esse pano eu já vi antes. Onde? Perguntou o Senr.
Joaquim bruscamente. Era do menino Zuri, senhor, o que fugiu há dois anos. Um silêncio pesado caiu sobre o grupo. Eu podia ver, mesmo de longe, a tensão que se instalou entre eles. Impossível, disse o Senr. Carlos, mas sua voz havia perdido a confiança. Aquele moleque está morto há muito tempo. A mata o devorou.
Talvez não murmurou o coronel Teodoro. Talvez ele tenha sobrevivido. E daí? Se sobreviveu. Explodiu o Sr. Miguel. é só um menino, o que ele pode fazer contra nós?” Mas eu podia ver que a semente da dúvida havia sido plantada. Durante os dias seguintes, continuei minha campanha psicológica. Deixei pegadas de pés descalços na lama perto da Casa Grande.
Fiz pequenos ruídos durante a noite, galhos quebrando, pedras sendo atiradas contra as janelas. Sempre coisas pequenas, sutis, que poderiam ser explicadas como coincidência. Mas quando somadas, criavam uma atmosfera de paranoia. Uma semana depois, deixei meu segundo presente. Um gato morto na varanda da Casa Grande, com o mesmo tipo de pano amarrado ao pescoço.
Desta vez, havia algo mais. Pequenos cortes no corpo do animal feitos com precisão cirúrgica. Não eram ferimentos fatais, mas eram claramente intencionais. Isso não é coincidência”, disse dona Esperança, sua voz aguda de nervosismo. “Alguém está fazendo isso de propósito.” “Mas quem?”, perguntou o Senr. Antônio.
“E por quê?” Foi então que tia Benedita, que estava limpando a varanda, sussurrou algo que fez todos se calarem. O menino que não chora voltou. A partir daquele momento, a paranoia se instalou completamente na Casa Albuquerque. Eles começaram a trancar as portas durante o dia, algo que nunca haviam feito antes.
Contrataram mais capangas para patrulhar a propriedade. Alguns membros da família começaram a dormir com armas ao lado da cama, mas eu conhecia cada centímetro daquela propriedade melhor do que eles. havia passado anos observando, aprendendo, planejando. Sabia onde cada tábua do açoalho rangia, qual janela tinha a fechadura quebrada, onde os cães de guarda dormiam. Meu terceiro presente foi o mais ousado.
Entrei na própria casa grande durante a noite e deixei um rato morto no travesseiro de Sr. Carlos. Ele acordou com o cheiro e gritou tão alto que acordou toda a casa. Ele esteve aqui”, gritava correndo pelos corredores em pânico. “Ele esteve no meu quarto.” “Quem?”, perguntou o Senr. Joaquim, mas todos sabiam a resposta.
“O menino Zuri, ele está vivo e está nos caçando. Não seja ridículo”, disse Sr. Miguel, “ma podia ver o medo em seus olhos. Como um menino poderia entrar aqui sem ser visto?” Mas eles sabiam que era possível. Eles se lembravam do menino silencioso, que nunca chorava, que suportava qualquer castigo sem quebrar.
Eles se lembravam dos olhos que pareciam ver através de suas almas. Durante as semanas seguintes, a família Albuquerque começou a se desintegrar. As discussões se tornaram mais frequentes e violentas. Alguns membros da família queriam contratar mais segurança, outros queriam fugir para a cidade. Alguns até sugeriam vender a propriedade.
“Vocês estão todos loucos”, gritava Senr. Joaquim durante uma dessas discussões. Estão com medo de um menino. “Não é mais um menino”, disse coronel Teodoro sombriamente. “São do anos na mata. Se ele sobreviveu, não sabemos no que ele se transformou. Eles estavam certos em ter medo. Durante meu tempo na mata, eu havia me tornado algo que eles não podiam compreender.
Não era mais o menino assustado que havia fugido dois anos antes. Era um predador paciente, calculista, implacável. Aprendi com os animais da floresta. A paciência da onça que pode esperar horas pela presa perfeita. A precisão da cobra que ataca apenas quando tem certeza do sucesso. A persistência do lobo que segue sua presa até ela não poder mais correr. Meu quarto presente foi uma mensagem clara.
Deixei 19 pequenas cruzes de madeira fincadas no jardim da Casagrande, cada uma com um nome gravado. Os nomes de todos os membros da família Albuquerque. Quando eles descobriram as cruzes na manhã seguinte, o pânico foi total. Ele sabe, gritava dona Esperança. Ele sabe quantos somos. Como ele pode saber? Perguntava Senr. Antônio, sua voz tremendo.
Porque ele nos observou? disse Coronel Teodoro. Por dois anos ele nos observou e planejou. Foi então que Senr. Joaquim tomou uma decisão desesperada. Vamos caçá-lo ele anunciou. Vamos reunir todos os homens da propriedade e vasculhar cada centímetro da mata até encontrá-lo. E se não encontrarmos? Perguntou o Senr. Miguel. Vamos encontrar, disse Senr.
Joaquim com uma determinação forçada. É só um menino. Não importa o que ele tenha aprendido na mata, ainda é só um menino. Mas enquanto eles planejavam sua caçada, eu já estava planejando minha resposta. Eles queriam me caçar. Perfeito. Deixaria que viessem, porque na mata eu era o predador e eles eram apenas presas perdidas em território desconhecido.
Naquela noite, olhei para a casa grande, uma última vez antes de recuar para as profundezas da floresta. As luzes tremulavam nas janelas como velas em um velório. “Venham”, sussurrei para a escuridão. “Venham me procurar na mata! Vamos ver quem caça quem. O vento noturno carregou minhas palavras como um presságio de morte. A caçada estava prestes a começar, mas eles não sabiam que já eram presas há muito tempo.


A caçada começou numa manhã de abril, quando o sol ainda lutava para atravessar a névoa densa que cobria os canaviais. Senr. Joaquim havia reunido 15 homens, feitores, capangas e alguns escravizados obrigados a participar. Todos armados com facões, espingardas e cães farejadores.
Eu os observava de uma árvore alta, meu corpo imóvel como uma estátua de pedra. Dois anos na mata haviam me ensinado a me fundir com a floresta, a me tornar invisível, mesmo quando estava bem à vista. Eles passaram a menos de 10 m de mim, seus cães latindo e farejando, mas não conseguiram me detectar. Espalhe em si”, ordenou o Senr. Joaquim. Ele não pode ter ido muito longe. “É só um menino, como eles estavam errados.
” Segui o grupo principal por horas, movendo-me silenciosamente pelas copas das árvores. Observei enquanto eles se cansavam, se frustravam, começavam a discutir entre si. A mata era meu território agora. E eles eram invasores desajeitados. Foi no final da tarde que decidi agir. Sr.
Carlos havia se separado do grupo principal, seguindo o que pensava ser uma trilha promissora. Ele estava sozinho, suado e irritado, quando parou para beber água de um riacho. Era o momento perfeito. Descida da árvore como uma sombra silenciosa, meus pés tocando o chão sem fazer ruído. Senr. Carlos estava de costas para mim, ajoelhado na margem do riacho.
Por um momento, fiquei apenas observando-o. O homem que havia rido enquanto matava minha irmã pequena. “Procurando alguém?”, Perguntei baixinho. Ele se virou bruscamente, derrubando a cantil de água. Seus olhos se arregalaram quando me viu. Não mais o menino magro de dois anos atrás, mas um jovem alto, musculoso, com olhos que pareciam carregar a escuridão da própria mata.
“Zuri”, ele sussurrou, sua voz tremendo. “Senor Carlos”, respondi, “minha voz calma, como a superfície de um lago antes da tempestade. Há quanto tempo? Ele tentou pegar a espingarda que havia deixado no chão, mas eu fui mais rápido. Um movimento fluido e a arma estava longe do seu alcance. “O que você quer?”, ele perguntou, recuando lentamente. “Justiça”, respondi simplesmente.
“Olha, menino”, ele disse, tentando soar autoritário, mas falhando miseravelmente. “Se você se entregar agora, prometo que será tratado com clemência. Podemos esquecer tudo isso? E um som frio que ecoou pela mata, como o chamado de um corvo. Esquecer? Repeti. Como posso esquecer o som da risada quando você matou a Mara? Como posso esquecer a forma como você segurou a faca? Seu rosto empalideceu. Isso foi, isso foi há muito tempo. Era diferente.
Então, para você, talvez. Para mim, foi ontem. Saquei o facão que havia afiado até ficar como uma navalha. A lâmina brilhou na luz filtrada da mata e Senr. Carlos recuou mais um passo. Por favor, ele implorou. Eu tenho família, tenho filhos. Eu também tinha, respondi.
Você se lembra deles? Ele tentou correr, mas a mata era minha casa agora. Conhecia cada raiz, cada galho, cada pedra. Ele tropeçou e caiu, arranhando o rosto nos espinhos. Quando o alcancei, ele estava no chão, olhando para mim com terror puro. “Você sabe o que mais me marcou naquele dia?”, perguntei, ajoelhando-me ao lado dele.
Não foi a dor da marca na minha testa, não foram os gritos da minha família, foi sua risada. “Eu eu sinto muito”, ele balbuceou. “Não”, disse levantando o facão. “Mas vai sentir? O que aconteceu a seguir foi rápido e preciso. Dois anos na mata haviam me ensinado a caçar, a matar limpa e eficientemente. Senr. Carlos morreu como havia vivido, com medo.
Quando terminei, limpei a lâmina do facão na roupa dele e me levantei. Senti uma estranha paz, como se um peso que carregava há anos tivesse sido finalmente removido. Um, restavam 18. Deixei o corpo onde estava e me afastei silenciosamente. Os outros caçadores o encontrariam eventualmente e então saberiam que a caçada havia se tornado algo muito diferente do que imaginavam. Duas horas depois, ouvi os gritos.
Encontramos ele! Gritava feitor João, sua voz ecoando pela mata. Senhor Carlos, meu Deus, Senhor Carlos. Observei de longe, enquanto eles se reuniam ao redor do corpo. Alguns vomitaram, outros recuaram em horror. Senr. Joaquim ficou parado por longos minutos, olhando para o filho morto com uma expressão de choque total.
“Como?” Ele murmurou. “Como um menino fez isso?” Não é mais um menino”, disse Coronel Teodoro, sua voz sombria. “Olhem para os cortes. Isso foi feito por alguém que sabe exatamente o que está fazendo.” Eles carregaram o corpo de volta para a casa grande, a caçada abandonada. Eu os segui pelas sombras, observando enquanto a notícia se espalhava pela propriedade.
Os escravizados sussurravam entre si, alguns com medo, outros com algo que parecia esperança. “O menino que não chora voltou, ouvi tia Benedita dizer, e trouxe a justiça com ele.” Naquela noite, a casa Albuquerque estava em estado de sítio. Todas as portas e janelas foram trancadas. Guardas foram postados em cada entrada. A família se reuniu na sala principal, suas vozes alteradas ecoando pela casa.
“Temos que sair daqui”, dizia dona Esperança, caminhando nervosamente pela sala. “Temos que ir para a cidade e abandonar tudo?”, perguntou o Sr. Miguel. “Esta propriedade é nossa vida”. “Que vida?” Explodiu o Sr. Antônio. Meu irmão está morto. Morto por um menino que deveria estar apodrecendo na mata.
Ele não é mais um menino”, repetiu o coronel Teodoro. “O anos sozinho na mata, isso muda uma pessoa, transforma ela em algo diferente.” Senr. Joaquim permaneceu em silêncio por um longo tempo, olhando para o caixão improvisado, onde jazia seu filho. Vamos contratar mais homens”, ele disse finalmente. Soldados, caçadores profissionais, vamos cercar esta mata e queimar cada árvore, se for necessário. “E se isso não funcionar?”, perguntou uma das cunhadas.
“Vai funcionar”, disse Sr. Joaquim, mas sua voz não carregava convicção. Enquanto eles planejavam, eu me movia pela propriedade como um fantasma. Conhecia cada passagem secreta, cada ponto cego, cada momento em que os guardas relaxavam a vigilância. A casa que um dia havia sido minha prisão, agora era meu campo de caça. Na segunda noite, após a morte de Senr.
Carlos, fiz minha próxima jogada. Sr. Miguel tinha o hábito de beber sozinho no escritório até tarde da noite. Era uma rotina que eu havia observado durante meses. Naquela noite, quando ele estava suficientemente embriagado, entrei silenciosamente pela janela dos fundos. Ele estava de costas para mim, olhando para um retrato da família na parede.
No retrato, todos estavam sorridentes, felizes, sem saber que um dia um menino marcado voltaria para cobrar suas dívidas. Belas memórias”, disse baixinho. Ele se virou cambaleando, quase derrubando a garrafa de cachaça. “Você?”, ele sussurrou, seus olhos vidrados pelo álcool e pelo medo. “Eu confirmei fechando a janela atrás de mim.
Os guardas, ele começou, estão dormindo. O álcool que você ofereceu a eles tinha um pequeno extra. Ervas que aprendia a usar na mata. Seu rosto empalideceu quando compreendeu a implicação. Você envenenou meus homens? Apenas os fiz dormir. Não sou como vocês. Não mato inocentes. Ele tentou gritar, mas eu fui mais rápido. Uma mão sobre sua boca, a outra segurando o facão contra sua garganta. Silêncio sussurrei.
Não queremos acordar a família. Ainda não é a hora deles. Seus olhos se arregalaram de terror quando compreendeu que eu tinha um plano, que não era apenas vingança cega, mas algo muito mais calculado. “Você se lembra do dia em que marcaram minha testa?”, perguntei, mantendo a voz baixa. “Você segurava o ferro em brasa”. Ele tentou falar, mas minha mão ainda cobria sua boca.
Você disse que eu era meio idiota porque não chorava, mas você estava errado. Eu não chorava porque estava planejando. Mesmo aos 9 anos, eu estava planejando este momento. Removi minha mão de sua boca, mas mantive o facão no lugar. Por favor, ele sussurrou. Eu posso te dar dinheiro, liberdade, qualquer coisa que quiser. Eu quero justiça. E justiça não se compra. Isso não é justiça ele disse desesperadamente.
Isso é assassinato como o que vocês fizeram com minha família. Ele não teve resposta para isso. O que aconteceu a seguir foi ainda mais rápido que com o Senr. Carlos. Sr. Miguel morreu em silêncio, seus olhos perdendo o brilho enquanto olhava para o retrato da família na parede. Dois. Restavam 17.
Deixei o corpo na cadeira posicionado, como se ele tivesse adormecido bêbado. Seria horas antes que alguém descobrisse que ele estava morto. Antes de sair, escrevi uma mensagem na parede com o sangue dele. 17 restam. Quando saí pela janela, ouvi um ruído vindo do corredor. Alguém estava acordado. Rapidamente me escondi nas sombras do jardim e observei.
Era dona esperança, caminhando nervosamente pelos corredores com uma vela na mão. Ela parecia não conseguir dormir, provavelmente atormentada por pesadelos sobre o que havia acontecido com o Sr. Carlos. Ela passou pela porta do escritório, hesitou, depois continuou andando. Seria apenas uma questão de tempo antes que descobrisse o corpo. Mas eu já estaria longe quando isso acontecesse, de volta à segurança da mata, planejando o meu próximo movimento. Enquanto me afastava da casa grande, ouvi um grito ecoar pela noite.
Dona Esperança havia encontrado o corpo. “Miguel! Miguel!” Ela gritava: “Alguém, venham rápido!” Logo, toda a casa estava acordada, vozes alteradas ecoando pela propriedade. Luzes se acenderam em todas as janelas e eu podia ouvir o som de pessoas correndo pelos corredores. Do alto de uma árvore, na borda da mata, observei o caos que havia criado.
A casa Albuquerque estava em pânico total agora, dois membros da família mortos em dois dias. A mensagem na parede deixava claro que isso era apenas o começo. 17 restam, murmurei para mim mesmo, repetindo as palavras que havia escrito na parede. O vento noturno carregou minha voz pela propriedade, como um sussurro de morte que prometia mais sangue por vir.
A vingança havia começado oficialmente e eu descobri que tinha gosto de justiça. Os próximos dias foram de terror absoluto na Casa Albuquerque. Após encontrarem dois corpos e a mensagem sinistra na parede, a família entrou em desespero total. contrataram mais guardas, trancaram todas as entradas e alguns membros até tentaram fugir para a cidade, mas eu estava sempre observando, sempre esperando.
Era como se a própria casa tivesse se tornado minha teia e eles fossem moscas presas, esperando para serem devoradas uma por uma. Na terceira noite foi a vez de Senr. Antônio, o homem que havia segurado a faca que matou minha mãe e meus irmãos. Ele dormia com uma pistola debaixo do travesseiro e uma vela sempre acesa, mas o medo do escuro era maior que sua coragem.
Entrei pelo sótam, descendo silenciosamente pelas vigas de madeira até chegar ao seu quarto. Ele estava acordado, olhando fixamente para a porta, a pistola tremendo em suas mãos suadas. “Eu sei que você está aí”, ele sussurrou para a escuridão. “Eu posso sentir você pode mesmo?”, perguntei, minha voz vindo de trás dele. Ele se virou bruscamente, mas eu já estava ao lado da cama. Um movimento rápido e a pistola estava no chão.
“Como você entrou?”, ele perguntou, sua voz quebrando de medo. “A mesma forma que você entrou na nossa cenzala naquela noite, sem ser convidado.” Seus olhos se arregalaram quando compreendeu que eu me lembrava de cada detalhe daquele dia terrível. “Você segurou a faca?” “Cinuei.” “Minha voz calma como a morte.
Você a enfiou no peito da minha mãe enquanto ela implorava pela vida dos filhos. Eu eu estava obedecendo ordens. Ele balbuceou. E eu estou obedecendo a justiça. Três. Restavam 16. A partir daquele momento, a casa se tornou um hospício. Os membros da família se recusavam a ficar sozinhos. Dormiam todos juntos na sala principal, com guardas armados em cada porta. Mas isso apenas atrasou o inevitável.
Coronel Teodoro foi o próximo, o irmão de Senr. Joaquim, que sempre apoiou as decisões cruéis da família. Eu o peguei quando ele tentava fugir para a cidade no meio da noite, pensando que poderia escapar pela estrada dos fundos. “Você não pode fugir da justiça”, disse a ele enquanto ele agonizava.
“Ela sempre encontra um jeito. Quatro.” estavam 15. Dona Esperança foi a quinta, a mulher que havia ordenado que eu trabalhasse dobrado para pagar pelo que minha mãe havia feito. Ela morreu em seu próprio quarto, cercada por todas as riquezas que havia acumulado com o sangue e suor dos escravizados. “Suas joias não podem comprar perdão, foram as últimas palavras que ela ouviu. Cinco.
Restavam 14. A cada morte eu deixava uma nova mensagem. 14 restam, 13 restam, 12 restam. As palavras escritas em sangue nas paredes se tornaram uma contagem regressiva para o apocalipse da família Albuquerque. Senr. Joaquim tentou contratar um exército particular, mas os homens fugiam quando descobriam contra quem estavam lutando.
As histórias sobre o garoto fantasma se espalharam por todo o Recife. Diziam que eu podia atravessar paredes, que era imune a balas, que havia feito um pacto com o diabo. A verdade era mais simples e mais terrível. Eu era apenas um jovem que havia aprendido a ser paciente, silencioso e implacável. Os primos, cunhados, tios, todos caíram um por um.
Alguns tentaram lutar, outros tentaram fugir, alguns até tentaram implorar por misericórdia. Mas para cada um deles, eu tinha uma memória específica de crueldade, uma razão particular. Você riu quando eles me marcaram”, disse ao primo Eduardo antes de matá-lo. “Você cuspiu na comida que davam para nós”, disse ao cunhado Roberto. “Você chicoteou crianças por diversão”, disse ao tio Sebastião.
“Cada morte era uma página virada no livro da minha dor. Cada nome riscado da lista era um passo mais próximo da paz que eu buscava desde aquele dia terrível. Quando restavam apenas cinco membros da família, algo mudou. Sr. Joaquim, que havia se tornado uma sombra do homem autoritário que um dia foi, tomou uma decisão desesperada.
Vamos nos render”, ele anunciou aos sobreviventes. “Vamos oferecer tudo que temos, a propriedade, o dinheiro, tudo.” “Você acha que ele vai aceitar?”, perguntou sua nora Maria Albuquerque. “Ele tem que aceitar. Somos tudo que resta.” Mas eles não entendiam que isso nunca foi sobre dinheiro ou propriedade.
Era sobre justiça. Era sobre honrar a memória de uma mãe que morreu protegendo seus filhos, de um menino de 7 anos que nunca teve chance de crescer, de uma menina de 5 anos que morreu chamando meu nome. Na 15ª noite entrei na sala onde os cinco sobreviventes estavam reunidos.
Eles se amontoaram no centro da sala, tremendo como folhas no vento. “Zi”, disse Senr. Joaquim, sua voz quebrada. “Podemos conversar?” “Agora? Você quer conversar?”, perguntei, caminhando lentamente ao redor deles. “Onde estava essa vontade de conversar quando minha família implorava por suas vidas?” Nós nós cometemos erros, ele admitiu, mas isso pode parar aqui.
Você pode ter tudo, a propriedade, a liberdade, dinheiro suficiente para viver como um rei. Eu não quero ser rei, respondi. Eu quero justiça. Isso não é justiça! Gritou Maria Albuquerque. Isso é massacre. Como o que vocês fizeram com centenas de famílias escravizadas ao longo dos anos? Ela não teve resposta. 15 pessoas da minha família morreram nesta propriedade, continuei.
Não apenas minha mãe e irmãos, meu avô que morreu de exaustão nos canaviais. Minha avó que morreu de doença porque vocês se recusaram a dar remédios. Meus tios, primos, todos que carregavam o meu sangue e morreram sob o chicote de vocês. Senhor Joaquim empalideceu quando compreendeu a extensão da minha dor. 15 vidas. repeti. E vocês são 19. Ainda estou sendo generoso. O que aconteceu a seguir foi rápido e final.
Um por um, os últimos membros da família Albuquerque pagaram por seus crimes. Senr. Joaquim foi o último e antes de morrer, ele sussurrou que Deus tenha misericórdia da sua alma. Deus já teve”, respondi. Ele me deu força para fazer o que era necessário.
Quando terminei, fiquei sozinho na sala silenciosa, cercado pelos corpos daqueles que haviam destruído minha família. 19 pessoas, 19 nomes riscados da minha lista. Caminhei até a janela e olhei para os canaviais onde havia trabalhado como escravo. O sol estava nascendo, pintando o céu de vermelho como o sangue que havia sido derramado. Está feito sussurrei para o vento. Mãe, jengo amara, está feito.
Pela primeira vez em 8 anos, senti lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Não eram lágrimas de dor, mas de alívio. A justiça havia sido feita. Minha família podia finalmente descansar em paz. Saí da Casagre pela última vez, deixando para trás os corpos e as memórias.
Os escravizados da propriedade me encontraram no pátio, seus olhos cheios de uma mistura de medo e admiração. O que aconteceu? Perguntou o tio Benedito. A justiça respondi simplesmente. E agora? Perguntou tia Benedita. Olhei para eles, pessoas que haviam sofrido tanto quanto eu, que haviam perdido tanto quanto eu, mas que nunca tiveram a oportunidade de buscar vingança.
Agora vocês são livres, disse a família Albuquerque não existe mais. Esta propriedade não tem mais donos. Alguns choraram, outros caíram de joelhos em gratidão. Alguns apenas ficaram em silêncio, tentando processar o que havia acontecido. “E você?”, perguntou tio Benedito. O que vai fazer agora? Olhei em direção à mata.
Minha casa por tantos anos. Vou desaparecer, disse. Como um fantasma que cumpriu sua missão. E foi exatamente isso que fiz. Três meses se passaram desde a noite em que a família Albuquerque foi completamente eliminada. A propriedade havia se tornado um lugar fantasma, abandonada pelos escravizados que fugiram em busca de uma vida melhor, evitada pelos moradores locais que sussurravam histórias sobre o garoto fantasma que havia trazido justiça sangrenta para Recife. Eu observava tudo de longe, da segurança da mata que havia
se tornado minha verdadeira casa. A casa grande estava vazia agora, suas janelas quebradas. Deixando entrar o vento que assobiava pelos corredores, onde um dia ecoaram gritos de dor e risadas cruéis. As autoridades vieram, é claro, investigaram, fizeram perguntas, procuraram por pistas.
Mas o que poderiam encontrar? 19 corpos e uma história que ninguém queria acreditar. a história de um menino escravizado que havia se tornado a personificação da vingança. Naquela manhã de julho, eu estava sentado na mesma árvore de onde observara a propriedade por tantos anos, quando ouvi vozes conhecidas. Tio Benedito e tia Benedita haviam voltado, acompanhados por alguns outros ex-escravizados da propriedade.
Desci silenciosamente e me aproximei deles. Quando me viram, alguns recuaram instintivamente, mas tio Benedito deu um passo à frente. Zuri! Ele disse, sua voz carregada de emoção. Pensávamos que você havia desaparecido para sempre. Quase, respondi, mas queria me despedir. Se despedir? Perguntou tia Benedita, para onde vai? Olhei em direção ao horizonte, onde o sol começava a se pôr sobre os canaviais abandonados, para longe, para um lugar onde ninguém conhece meu nome ou minha história. “Mas você é um herói”, disse João, “O jovem que um dia
havia me perguntado como eu conseguia não chorar. Você nos libertou. libertou todos nós. Não respondi balançando a cabeça. Eu não sou herói. Sou apenas alguém que cobrou uma dívida. Uma dívida que precisava ser cobrada, disse tio Benedito firmemente. Quantas famílias eles destruíram? Quantas crianças morreram sob seus chicotes? Você fez o que nenhum de nós teve coragem de fazer.
E agora? Perguntei. O que vocês farão? Alguns de nós vão tentar encontrar parentes em outras cidades, disse tia Benedita. Outros vão ficar por aqui, trabalhar nas propriedades vizinhas como homens livres. E você tem certeza de que quer partir? Tenho. Respondi sem hesitação. Minha missão aqui está cumprida.
Minha família pode descansar em paz, mas eu eu preciso encontrar um jeito de viver com o que fiz. Você não se arrepende?”, perguntou Maria, a mulher que trabalhava na casa grande. Pensei por um longo momento antes de responder: “Não me arrependo da justiça”, disse finalmente, “mas me arrependo de ter me tornado o tipo de pessoa capaz de fazer o que fiz.
A vingança tem um preço e esse preço é parte da sua alma.” Eles ficaram em silêncio, processando minhas palavras. “Onde você aprendeu tanta sabedoria?”, perguntou o tio Benedito. Na mata respondi, a natureza ensina que tudo tem consequências, que toda ação gera uma reação, que a vida e a morte são apenas partes do mesmo ciclo.
Caminhamos juntos até o local onde minha família estava enterrada. As covas simples haviam sido marcadas com pequenas cruzes de madeira que alguém havia feito. Provavelmente tia Benedita. Ajoelhei-me diante das sepulturas e coloquei a mão na terra vermelha. Mãe! Sussurrei, Jengo, Amara, está feito. Todos eles pagaram. Vocês podem descansar agora.
O vento soprou suavemente, fazendo as folhas das árvores sussurrarem como vozes distantes. Por um momento, senti como se eles estivessem ali comigo, finalmente em paz. Levantei-me e me virei para os outros. Cuidem deste lugar, disse, não deixem que a história seja esquecida. Não deixem que outras crianças passem pelo que eu passei. Nós prometemos, disse tio Benedito solenemente.
E se alguém perguntar sobre você? perguntou João. Digam que o menino que não chora finalmente encontrou suas lágrimas, respondi e que elas lavaram toda a dor. Abracei cada um deles. Pessoas que haviam sido minha família quando eu não tinha mais ninguém. Pessoas que haviam me dado força quando eu pensava que não tinha mais nenhuma.
Quando o sol se pôs completamente, comecei a caminhar em direção à estrada que levava para longe de Recife. Não olhei para trás. Não havia mais nada para ver. Caminhei pela noite toda, meus pés descalços, fazendo pouco ruído na terra batida. Ao amanhecer, cheguei a uma pequena cidade onde ninguém me conhecia. Lá consegui trabalho como carpinteiro, usando as habilidades que havia aprendido na mata para trabalhar com madeira.
Adotei um novo nome, Samuel. Um nome simples, comum, que não chamava atenção. Deixei meu cabelo crescer para esconder a cicatriz na testa. Aprendi a sorrir novamente, a conversar com as pessoas, a viver como uma pessoa normal. Mas à noite, quando estava sozinho, eu ainda ouvia os sussurros. Histórias que chegavam de Recife sobre o garoto fantasma, que havia eliminado uma família inteira de senhores de escravos.
histórias que cresciam e se transformavam a cada repetição, até que eu me tornei uma lenda. Alguns diziam que eu era um espírito vingativo que ainda assombrava os canaviais. Outros afirmavam que eu era um demônio enviado para punir os cruéis. Havia quem jurasse ter-me visto nas sombras, observando outras propriedades onde escravizados eram maltratados.
A verdade era mais simples. Eu era apenas um homem tentando viver com as escolhas que havia feito. Um homem que havia descoberto que a vingança, por mais justificada que fosse, deixava cicatrizes na alma que nunca cicatrizavam completamente. Anos se passaram. Casei-me com uma mulher gentil que nunca perguntou sobre meu passado.
Tivemos filhos, dois meninos e uma menina. Dei a eles os nomes que meus irmãos nunca puderam carregar, Jengo e Amara. Ensinei meus filhos sobre justiça, mas também sobre misericórdia, sobre a importância de lutar contra a injustiça, mas também sobre o perigo de deixar que a raiva consuma a alma. Pai, minha filha me perguntou uma vez: “Por que você às vezes fica triste quando olha para o pôr do sol? Porque me lembro de pessoas que amei e que não estão mais aqui, respondi: “Elas estão no céu?” “Sim”, disse, abraçando-a. “E elas estão em paz.” Quando fiquei velho, as histórias sobre
o garoto fantasma ainda circulavam por Pernambuco. Pais contavam para seus filhos sobre o menino escravizado que havia se tornado a personificação da justiça. Senhores de escravos cruéis olhavam por cima do ombro, temendo que suas próprias vítimas pudessem um dia voltar para cobrar suas dívidas.
E talvez fosse essa a verdadeira justiça, não apenas a vingança que eu havia executado, mas o medo que ela havia plantado nos corações daqueles que oprimiam os fracos. No meu leito de morte, cercado por meus filhos e netos, senti uma paz que não experimentava desde a infância. Havia vivido uma vida boa após aqueles anos sombrios. havia amado e sido amado.
Havia construído em vez de apenas destruir. Vovô, sussurrou meu neto mais novo. Conte-nos uma história. Sorri, lembrando-me de todas as histórias que eu poderia contar. histórias de dor e vingança, de justiça e redenção, de um menino que havia perdido tudo e encontrado uma forma de seguir em frente.
Era uma vez, comecei minha voz fraca, mas firme, um menino que aprendeu que a verdadeira força não vem da capacidade de causar dor, mas da capacidade de superá-la. E enquanto contava minha história, uma versão editada, apropriada para ouvidos jovens, senti como se estivesse finalmente fechando o último capítulo de um livro que havia começado a escrever naquele dia terrível, tantos anos atrás.
Quando morri, na madrugada de um dia tranquilo, as últimas palavras que sussurrei foram os nomes que havia carregado no coração por toda a vida. Kes, Jengo, Amara. Estou indo para casa. E em Recife, onde tudo havia começado, o vento noturno ainda sussurrava pelos canaviais abandonados, carregando histórias de um tempo em que a justiça tinha o rosto de uma criança e o coração de um fantasma.
O menino que não chora havia finalmente encontrado sua paz e sua lenda continuaria viva para sempre. Lembrando a todos que algumas dívidas, não importa quanto tempo passe, sempre serão cobradas. Esta foi a história de Zuri, o garoto escravo que se tornou uma lenda sombria em Pernambuco. Uma história sobre justiça, vingança e o preço que pagamos pelas escolhas que fazemos. Se você chegou até aqui, deixe nos comentários o que achou desta narrativa.
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