
O grito agudo de Raul rasgava o silêncio gelado da cobertura na Faria Lima. Não era um choro de criança mimada, mas sim um lamento desesperado, a manifestação da dor profunda de um bebé que perdera o único porto seguro da vida. O pequeno, de apenas um ano e meio, estava vermelho no berço importado da Itália, rejeitando tudo e todos. O pai, Vicente Navarro, o bilionário mais temido de São Paulo, parecia ali, naquele luxo de 500 metros quadrados, o homem mais derrotado do mundo.
Vicente, que podia mover impérios com um telefonema, não conseguia acalmar o próprio filho. Desde que Lívia partira, um ano antes, levando consigo o calor do lar, Raul recusava qualquer toque, qualquer carinho. Oito babás em dois meses já tinham desistido, fugindo das mordidas e dos atos de raiva. A última, diplomada e experiente, gritou ao sair: “Este menino não é normal!”. Sentado no chão de mármore frio, ouvindo o filho ficar rouco de tanto chorar, Vicente sussurrou para o retrato da esposa: “Meu Deus, Lívia, o que eu faço?”.
Lá longe, no elevador de serviço, subia Bruna Vasconcelos. O uniforme azul-escuro de faxineira pesava sobre o seu corpo exausto. Havia dormido apenas três horas, a madrugada passada no Hospital São José ao lado da mãe, Dalva. Cada centavo que Bruna ganhava, a limpar a frieza do luxo alheio, ia para os remédios experimentais que o plano de saúde não cobria. Ela só queria o dinheiro que a manteria ligada à sua mãe, o seu único amor no mundo. Conhecia aquele corredor de serviço, o seu trabalho silencioso e solitário, mas hoje o som do choro inconsolável partia-lhe o coração.
Ao passar pela porta entreaberta do quarto do bebé, Bruna parou. Ouviu a voz baixa e fútil da nona babá, a jovem contratada, a queixar-se ao telefone: “É só aguentar até amanhã de manhã e depois eu peço demissão. Esse menino é realmente impossível”. A raiva gelada encheu-lhe o peito. Como podia alguém ser tão frio com uma criança que sofria tanto?
Nesse instante, Raul, no berço, ergueu os olhos verdes, cheios de lágrimas, e encontrou os de Bruna através da fresta da porta. O tempo parou. Raul não chorou; ele apenas a encarou com uma curiosidade surpreendente, como se soubesse que ela era diferente. Ele esticou os bracinhos, balbuciando algo incompreensível.
Bruna hesitou. Não era o seu trabalho. Podia meter-se em problemas. Mas o olhar dele era um pedido de socorro irresistível. Largou o pano de limpeza e, olhando em volta para se certificar de que a babá distraída não a via, pegou-o ao colo. Raul aconchegou-se nela como se fosse o lugar mais natural e seguro do mundo. As suas mãozinhas agarraram-se à t-shirt simples de Bruna, e ele encostou a cabecinha no ombro dela. Pela primeira vez em meses, a dor no pequeno corpo parecia ceder lugar à paz. “Aposto que você só quer um pouco de carinho, não é isso, anjo?”, Bruna murmurou.
Quando a babá se virou e viu a cena, o seu rosto ficou branco. Antes que pudesse reclamar, Vicente apareceu na porta, exausto. Ele parou, incrédulo. O seu filho, o que cuspia em todos, estava aninhado no colo de uma estranha, uma mulher de uniforme azul, e, para o choque total de todos, Raul inclinou-se e beijou suavemente a bochecha de Bruna. Um beijo inocente, mas que selou o destino dos três.
A babá demitiu-se de imediato. “Quem é você?”, Vicente perguntou, a voz embargada, os olhos marejados de emoção. Bruna explicou, gaguejando, sobre o cano estourado e o seu trabalho na limpeza. Vicente não precisou de mais. O seu filho tinha escolhido. “Vou pagar três vezes o que você ganha na empresa de limpeza”, disse ele, tomando a decisão que mudaria tudo. “E se aceitar começar hoje mesmo, pago o tratamento completo da sua mãe, particular, no melhor hospital de São Paulo”.
Bruna chorou, agarrando Raul. Não era apenas dinheiro; era a vida da mãe e um propósito. “Eu aceito”, sussurrou, “Vou cuidar do Raul como se fosse meu próprio filho”.
A cobertura de mármore encheu-se de risadas e de vida. Raul passou a chamar Bruna carinhosamente de “Buna” e Vicente voltava a sentir-se pai. Mas a felicidade na Faria Lima era observada com olhos de desconfiança. Leandro Bastos, cunhado de Vicente e curador de Raul, apareceu com a frieza de um juiz. Para ele, a faxineira era uma afronta, um risco à educação do herdeiro. “Você colocou uma faxineira para cuidar do herdeiro dos Navarro?”, questionou, assumindo a postura de advogado. A profissão de Bruna era, na visão dele, mais importante do que o amor que ela oferecia.
O perigo tornou-se real quando fotos de Vicente, Bruna e Raul num passeio no parque foram parar nos tablóides. As manchetes eram terríveis, acusando Bruna de ser uma “golpista do balde” e Vicente de ser irresponsável. Roberto Almeida, o presidente do conselho da empresa, ligou aterrorizado: o escândalo estava a afetar as ações.
O golpe final veio de Leandro, que utilizou as notícias falsas e os depoimentos das ex-babás para entrar com uma petição de emergência, questionando a capacidade de Vicente de cuidar do filho. A escolha era impossível. Manter a guarda de Raul ou manter a mulher que o salvara. Com o coração em pedaços, Vicente confrontou Bruna. “Para eu ter chances de manter a guarda de Raul, preciso parecer um pai estável e responsável”, disse, as palavras a custar a sair. Bruna, pálida mas digna, completou por ele: “Uma faxineira pobre não é adequada para cuidar do herdeiro da família Navarro”. Ela partiu no dia seguinte, inventando a Raul que tinha de ir cuidar da avó doente.
A dor regressou à cobertura. Raul chorava constantemente, chamando por “Buna”. Vicente sentia-se um covarde, um pai que sacrificara a felicidade do filho. No dia da audiência, Leandro expôs a sua argumentação fria, mas o Dr. Marcos, o advogado de Vicente, tinha uma surpresa.
A enfermeira-chefe do Hospital São José, Dra. Helena Santos, foi chamada a testemunhar. Visivelmente nervosa, ela revelou: Leandro tinha tentado suborná-la para que mentisse sobre Bruna, dizendo que ela abandonara a mãe doente. O juiz rejeitou a petição de Leandro e ordenou uma investigação.
Vicente nem esperou pelo fim da sessão. Voou para o hospital. Encontrou Bruna ao lado da mãe, Dalva. Ofegante, ele pediu perdão por ter duvidado dela e confessou, as palavras embargadas de três meses de amor reprimido: “Me apaixonei por você… Não como patrão e empregada, mas como homem e mulher, como uma família“.
Nesse momento, a porta abriu-se e Raul, que tinha fugido da nova babá, correu para Bruna, chorando: “Buna! Buna! Volta!”. Bruna apertou-o nos braços, e Dalva, na cama, abriu os olhos. Sorriu, fraca. “Vocês se amam, não é?”, perguntou a mãe. “Sim, senhora. Amo sua filha e seu neto mais que tudo neste mundo”, respondeu Vicente.
Guiados pela sabedoria do amor de Dalva, que lhes disse que a vida é muito curta para desperdiçar o amor, o destino cumpriu-se. Vicente ajoelhou-se e pediu-a em casamento. “Quero que sejamos uma família de verdade”.
Dois meses depois, Bruna e Vicente casaram-se numa cerimónia simples e íntima, na cobertura, com Dalva recuperada e sorridente a entregar a filha ao altar. Raul foi o pajem, carregando as alianças, gritando feliz: “Papai Casabuna!”. O bebé que um dia cuspiu em todas as babás havia sido o cupido que uniu duas almas solitárias. Na cobertura de luxo, onde antes só havia tristeza e silêncio, o amor, que não se importa com títulos ou fortunas, havia finalmente encontrado o seu lar. A fachineira pobre e o milionário viúvo, unidos pelo amor de um bebé, tinham a certeza de que a sua família estava completa, para sempre.