Já alguma vez se perguntou até onde um pai iria para controlar a vida das suas filhas? Na fazenda El Lirio, Don Emílio Castellanos e o misterioso Doutor Morales impõem uma disciplina que vai muito além do rigor paternal.
Magdalena, a mais velha de cinco irmãs, nota mudanças inquietantes desde a chegada do médico: olhares indiscretos, revisões demasiado íntimas, medicamentos que toldam a mente.
Enquanto sua irmã Soledad é prometida em casamento contra a sua vontade, Magdalena descobre a verdade aterradora por trás dos medicamentos que lhes são administrados.
A fazenda El Lirio erguia-se majestosa nos arredores de Morelia, Michoacán. Era 1938 e o México atravessava uma época de profundas mudanças sociais após a revolução.
No entanto, naquelas terras afastadas do bulício urbano, Don Emílio Castellanos mantinha uma ordem que parecia imune à passagem do tempo. Aos 52 anos, Don Emílio era respeitado e temido em igual medida.
Viúvo há quase uma década, dedicara os seus dias a expandir a sua fortuna e a criar as suas cinco filhas: Magdalena, Carmen, Soledad, Isabel e a pequena Rosário, que mal contava 12 anos.

Magdalena, a mais velha com 22, observava o pôr do sol do alpendre da casa grande. Seu olhar, sempre alerta, vigiava o caminho de terra que conduzia à propriedade. Seu pai regressaria em breve da cidade e não tolerava atrasos no jantar.
“A mesa já está pronta?”, perguntou a Carmen, que se aproximava com um ramo de flores frescas.
“Sim, irmã, tudo como o papá gosta.”
O som de um automóvel interrompeu a conversação. O pó do caminho elevava-se anunciando a chegada de Don Emílio. Magdalena sentiu o estômago apertar. Respirou fundo.
“Vai buscar as outras”, ordenou a Carmen, “que estejam todas apresentáveis.”
Em poucos minutos, as cinco irmãs formavam uma linha perfeita no alpendre, esperando com as mãos entrelaçadas em frente aos seus vestidos impecavelmente passados a ferro. A distância entre elas era exatamente a mesma, como se tivessem sido colocadas com régua. Nenhuma se atrevia a mover um único músculo.
Don Emílio desceu do veículo. Alto, de compleição robusta e bigode espesso, sua presença bastava para silenciar qualquer ambiente.
Junto a ele desceu um homem mais jovem, de uns 35 anos, vestido com fato escuro e chapéu de feltro.
“Boa noite, minhas filhas”, cumprimentou Don Emílio subindo os degraus lentamente. “Apresento-vos o Doutor Joaquín Morales, nosso novo médico de cabeceira.”
As jovens fizeram uma ligeira vénia em uníssono sem levantar o olhar.
“É um prazer conhecê-las, senhoritas”, disse o Doutor Morales, observando-as com atenção. “Seu pai tem-me falado muito de vocês.”
O jantar decorreu num silêncio apenas interrompido pelo tilintar dos talheres contra a porcelana e pelas ocasionais perguntas de Don Emílio ao médico. As irmãs mantinham a vista fixa nos seus pratos, comendo em pequenos bocados, tal como lhes tinha sido ensinado.
“O Doutor Morales ficará connosco durante uma temporada”, anunciou Don Emílio quando os serviçais retiravam os pratos da sobremesa. “Vem da capital e precisa de tranquilidade para completar as suas investigações. Além disso, cuidará da nossa saúde.”
Magdalena notou como o olhar do médico se detinha ocasionalmente em Soledad, a terceira irmã, conhecida pela sua beleza excecional. Aos seus 18 anos, Soledad possuía uma formosura que nem o estrito recato imposto por seu pai conseguia ocultar.
Essa noite, quando as irmãs se retiraram para o quarto que partilhavam, Carmen aproximou-se de Magdalena. “Viste como olhava para Soledad?”, sussurrou.
“Silêncio”, cortou Magdalena. “As paredes ouvem.”
A rotina na fazenda El Lirio seguia uma ordem estrita. As irmãs levantavam-se ao amanhecer para assistir à missa na pequena capela da propriedade. Depois cada uma atendia às suas obrigações.
Magdalena supervisionava a casa, Carmen o jardim, Soledad a cozinha, Isabel os bordados. E a pequena Rosário ainda dedicava parte do seu tempo a estudar sob a tutela de uma preceptora que vinha três vezes por semana.
O Doutor Morales não tardou a estabelecer o seu consultório numa das dependências da fazenda. Ali recebia os trabalhadores e ocasionalmente pessoas das vilas próximas. Don Emílio via com bons olhos esta atividade, pois aumentava a sua influência na região.
Uma manhã, enquanto Magdalena organizava a despensa, escutou a voz de seu pai a chamá-la do seu escritório. Ao entrar, encontrou Don Emílio sentado atrás da sua secretária de mogno com um livro de contas aberto à sua frente.
“Magdalena, preciso que leves estes documentos ao Doutor Morales”, disse sem levantar a vista. “E dize-lhe que venha jantar esta noite. Temos assuntos a discutir.”
A jovem pegou no envelope lacrado e dirigiu-se ao consultório. Era a primeira vez que ia lá sozinha. Normalmente, Don Emílio não permitia que as suas filhas estivessem a sós com nenhum homem, nem sequer com o médico.
Ao chegar, Magdalena bateu suavemente à porta. “Entre”, respondeu a voz do doutor lá de dentro.
O consultório era um quarto amplo com estantes cheias de livros médicos, uma secretária e uma maca coberta com um lençol branco. O Doutor Morales estava inclinado sobre uns papéis.
“Don Emílio envia estes documentos”, disse Magdalena, mantendo o olhar baixo, “e solicita a sua presença no jantar desta noite.”
Joaquín Morales levantou a vista e sorriu. “Obrigado, senhorita Magdalena. Diga-me, como se encontra a sua irmã Soledad? Notei que não desceu para tomar o pequeno-almoço esta manhã.”
Um arrepio percorreu a espinha de Magdalena. Como sabia ele que Soledad não tinha tomado o pequeno-almoço?
“Minha irmã encontra-se bem, doutor. Apenas uma pequena dor de cabeça.”
“Talvez devesse examiná-la. As dores de cabeça podem ser sintoma de algo mais grave.”
“Consultarei meu pai”, respondeu Magdalena dando um passo em direção à porta.
“Senhorita”, deteve-a o médico, “posso fazer-lhe uma pergunta pessoal?”
Magdalena ficou tensa. Seu pai lhes havia proibido falar de assuntos pessoais com qualquer pessoa alheia à família.
“Alguma vez pensou em como seria a sua vida fora desta fazenda?”
A pergunta ficou a pairar no ar como uma ameaça velada. Magdalena apertou os lábios.
“Desculpe, doutor, devo retirar-me. Há muitas tarefas pendentes.”
Aquela noite o jantar foi especialmente tenso. Don Emílio e o Doutor Morales conversavam animadamente sobre política e negócios, enquanto as irmãs permaneciam em silêncio.
Quando os serviçais se retiraram, Don Emílio pigarreou. “Minhas filhas, tenho algo importante a anunciar”, disse com solenidade. “O Doutor Morales fez-me um pedido que decidi aceitar.”
O coração de Magdalena começou a bater forte. Olhou de soslaio para Soledad, que mantinha a vista fixa no seu prato, pálida como cera.
“A partir de amanhã, o doutor realizará revisões médicas a cada uma de vocês. É importante manter a saúde da família, especialmente agora que se aproxima a época de chuvas e as febres são comuns.”
Um silêncio sepulcral seguiu-se ao anúncio.
“Alguma pergunta?”, inquiriu Don Emílio num tom que não admitia questionamentos.
“Não, pai”, responderam as 5 em uníssono.
Essa noite, na escuridão do seu quarto partilhado, Soledad aproximou-se da cama de Magdalena. “Tenho medo”, sussurrou tão baixo que mal se escutava.
Magdalena tomou a sua mão sob os lençóis. “Eu estarei contigo durante a revisão”, prometeu.
“Não é isso”, Soledad hesitou. “O doutor tem-me observado da janela quando me banho no rio. Vi-o escondido entre as árvores.”
Um arrepio percorreu o corpo de Magdalena. Havia notado os olhares do médico, mas não imaginava que tivesse chegado a tanto.
“Disseste algo ao papá?”
“Como poderia?”, respondeu Soledad com voz quebrada. “Já sabes como é quando alguém questiona os seus convidados.”
Magdalena recordou os hematomas que havia tido que ocultar durante semanas depois de sugerir que um dos sócios de seu pai a havia tocado inapropriadamente durante uma festa.
“Uma senhorita decente não provoca tais situações”, havia sentenciado Don Emílio enquanto a golpeava com o seu cinto.
“Tentarei falar com ele”, disse Magdalena, embora soubesse que era uma promessa vazia.
As revisões médicas começaram no dia seguinte. Don Emílio havia habilitado um quarto especial para isso e as irmãs deviam ir de acordo com um horário estabelecido. Magdalena, como a mais velha, foi a primeira.
O Doutor Morales a recebeu com um sorriso que não chegava aos seus olhos. “Senhorita Magdalena, por favor, sente-se.”
A jovem obedeceu sentando-se rígida numa cadeira em frente à secretária do médico.
“Seu pai pediu-me que seja minucioso”, começou Morales folheando uma caderneta. “Preocupa-me especialmente a saúde mental de todas vocês. O isolamento pode provocar certas ideias inapropriadas.”
“Estamos perfeitamente, doutor”, respondeu Magdalena com frieza.
“Isso determinarei eu”, replicou ele endurecendo o seu tom. “Tire a parte superior do seu vestido, por favor. Devo examinar os seus pulmões.”
Magdalena sentiu que o ar se adensava ao seu redor. Lentamente, com dedos trémulos, começou a desabotoar os botões do seu vestido, enquanto o olhar do Doutor Morales seguia cada um dos seus movimentos.
À medida que os dias passavam, o comportamento do médico tornava-se mais inquietante. Os seus exames eram cada vez mais invasivos e as suas perguntas mais pessoais. As irmãs tentavam evitá-lo, mas na fazenda El Lirio era impossível esconder-se por muito tempo.
Uma tarde, enquanto Magdalena procurava Rosário para a sua lição de piano, escutou um soluço proveniente do celeiro. Ao aproximar-se, encontrou a pequena encolhida num canto, abraçando os seus joelhos.
“O que se passa, pequena?”, perguntou, ajoelhando-se junto a ela.
Rosário levantou o olhar, seus olhos avermelhados pelo choro. “O doutor disse-me que estou doente”, sussurrou. “Diz que tenho que tomar um medicamento especial, mas que não devo dizê-lo ao papá.”
Magdalena sentiu que o sangue lhe gelava nas veias. “Que medicamento, Rosário?”
“Não sei. Dá-mo no consultório. Sabe doce, mas depois sinto-me muito cansada.”
Nesse momento, Magdalena soube que deviam agir. O perigo já não era uma suspeita, mas sim uma certeza.
Aquela noite reuniu as suas irmãs no dormitório depois de se assegurar que todos na casa dormiam.
“Devemos ir-nos”, declarou em voz baixa. “O Doutor Morales não é quem diz ser. Temo pela nossa segurança, especialmente por Rosário.”
“Mas para onde iríamos?”, perguntou Isabel, a penúltima irmã, que aos seus 15 anos nunca havia saído sozinha da fazenda.
“Tenho algum dinheiro guardado”, confessou Magdalena. “Não é muito, mas poderia levar-nos até à Cidade do México. Lá temos uma tia, a irmã de nossa mãe.”
“O papá vai encontrar-nos”, disse Carmen, aterrorizada com a ideia. “Sabes o que faz com quem o desobedece?”
Todas guardaram silêncio, recordando o destino dos trabalhadores que haviam tentado abandonar a fazenda sem a permissão de Don Emílio. Alguns haviam regressado com ossos partidos, outros simplesmente não haviam regressado.
“Se ficarmos será pior”, sentenciou Magdalena. “Vi como o papá fala com o doutor. Têm planos para nós, planos que não nos convêm.”
O silêncio que se seguiu foi mais eloquente que qualquer palavra. Cada uma das irmãs havia experimentado em maior ou menor medida o comportamento perturbador do médico.
“Amanhã à noite”, decidiu Magdalena, “quando todos dormirem, preparem só o indispensável.”
Enquanto as irmãs voltavam para as suas camas, Magdalena permaneceu acordada, olhando pela janela a lua que iluminava os campos de milho. Não sabia se estavam a cometer um erro.
O instinto dizia-lhe que deviam fugir antes que fosse demasiado tarde.
O que Magdalena não sabia era que nesse mesmo momento Don Emílio e o Doutor Morales conversavam no escritório entre copos de conhaque e fumo de cigarros.
“Então, está decidido?”, perguntava o médico.
“Completamente”, respondia Don Emílio, selando um destino que as irmãs ainda não podiam imaginar. “O casamento será no próximo mês. Soledad será uma excelente esposa para o senhor, doutor. E como acordámos, o resto das minhas filhas receberão o seu tratamento especial.”
“Asseguro-lhe que os meus métodos são eficazes, Don Emílio. Após o tratamento serão muito mais dóceis.”
Os dois homens brindaram, enquanto no andar superior cinco corações batiam com medo diante de um futuro incerto.
A manhã seguinte amanheceu coberta por um nevoeiro espesso que envolvia a fazenda El Lirio como um presságio sinistro. Magdalena acordou antes da aurora, sua mente a repassar cada detalhe do plano de fuga. Sabia que tinham uma única oportunidade, um só erro poderia custar-lhes tudo.
Enquanto suas irmãs cumpriam com as suas tarefas diárias, ela dedicou-se a reunir provisões discretamente: pão, queijo, algumas frutas secas e cantis com água. Escondeu tudo dentro de uma bolsa de linho que ocultou sob as tábuas soltas do piso do seu quarto.
A meio da manhã, Don Emílio convocou as cinco irmãs ao seu escritório. Raramente as reunia a todas juntas, o que aumentou a ansiedade de Magdalena. Teria ele descoberto os seus planos?
“Minhas filhas”, começou Don Emílio passeando em frente a elas com as mãos cruzadas atrás das costas. “Tenho notícias importantes a comunicar-vos.”
As jovens permaneceram imóveis com o olhar baixo como sempre lhes tinham ensinado.
“O Doutor Morales demonstrou ser um homem de grande valia. Não só é um médico excecional, mas também um cavalheiro de impecável reputação.” Fez uma pausa observando as reações de cada uma.
Magdalena manteve o seu rosto imperturbável, embora o seu coração batesse descompassado.
“É por isso que decidi conceder a mão de Soledad em casamento. O casamento será celebrado dentro de um mês.”
Um silêncio sepulcral seguiu-se ao anúncio. Soledad empalideceu visivelmente, mas não se atreveu a protestar. As normas na fazenda El Lirio eram claras. Don Emílio decidia o destino das suas filhas e a sua palavra era lei.
“Além disso”, continuou, “o doutor sugeriu um regime de tratamento especial para todas vocês. Está preocupado com certos comportamentos que observou.”
Magdalena sentiu um arrepio percorrer a sua espinha. Que comportamentos? Acaso o médico havia notado a sua desconfiança?
“A partir de hoje, cada uma receberá medicamentos diários sob sua supervisão. Não se preocupem, é para o vosso bem.”
Quando saíram do escritório, Soledad desabou contra a parede do corredor, sua respiração entrecortada pelo pânico. “Não posso casar com ele”, sussurrou desesperada. “Prefiro morrer.”
Magdalena tomou a sua mão e a apertou com força. “Não digas isso. Esta noite iremos embora tal como planeámos. Tudo ficará bem.”
Mas mesmo enquanto pronunciava essas palavras, uma sombra de dúvida cruzou sua mente. Don Emílio nunca deixava pontas soltas. Se havia decidido casar Soledad com o doutor, seguramente havia tomado medidas para se assegurar de que a sua vontade se cumprisse.
O resto do dia decorreu numa tensão insuportável. À hora do almoço, o Doutor Morales juntou-se à família sentando-se junto a Don Emílio.
Durante toda a refeição, o seu olhar pousou repetidamente sobre Soledad, que mal tocou o seu prato. “Soledad querida”, disse o médico com um sorriso que não alcançava os seus olhos. “Deves alimentar-te bem. Uma noiva precisa de estar radiante no dia do seu casamento.”
A jovem assentiu mecanicamente, levando um pequeno pedaço de carne aos lábios.
“Depois do almoço, todas vocês virão ao meu consultório para começar o tratamento”, anunciou o doutor dirigindo-se às cinco irmãs. “Começaremos com a pequena Rosário.”
Magdalena sentiu que o sangue lhe gelava. Recordou os soluços de sua irmã menor no celeiro, sua confissão sobre o medicamento especial que a fazia sentir cansada.
“Doutor”, interveio com cautela, “Rosário tem lição de piano esta tarde, talvez pudesse começar com outra de nós.”
O olhar que lhe dirigiu Don Emílio foi suficiente para a silenciar. Seus olhos, normalmente frios, ardiam com uma advertência clara.
“As lições podem esperar”, sentenciou. “A saúde é prioritária.”
Depois do almoço, Magdalena tentou seguir Rosário ao consultório, mas Don Emílio a deteve. “Tu vais ajudar-me com uns documentos”, ordenou. “O doutor prefere trabalhar sem distrações.”
Durante as duas horas seguintes, Magdalena permaneceu no escritório de seu pai, a ordenar faturas e correspondência. Sua mente, no entanto, estava com sua irmã menor. O que estaria a ocorrer naquele consultório?
Quando finalmente terminou as suas tarefas, correu em direção ao quarto que partilhava com as suas irmãs. Ali encontrou Rosário deitada em sua cama, profundamente a dormir, apesar de ser pleno dia.
“O que lhe fez?”, perguntou a Carmen, que velava junto à pequena.
“Não sei”, respondeu Carmen com lágrimas nos olhos. “Quando saiu do consultório, mal podia manter-se em pé. Diz que o doutor lhe deu uma medicina amarga e depois lhe fez perguntas estranhas.”
“Que tipo de perguntas?”
“Sobre nós, sobre o que falamos quando estamos sozinhas. Se alguém veio visitar-nos em segredo.”
Magdalena compreendeu então que as suas suspeitas eram fundadas. O doutor não estava a tratar doenças físicas. Estava a interrogar as suas irmãs, provavelmente procurando sinais de rebeldia ou deslealdade.
“O plano continua de pé”, decidiu, “mas devemos ser mais cuidadosas. Iremos embora esta noite quando todos dormirem.”
O resto da tarde foi uma procissão macabra. Uma a uma, as irmãs foram chamadas ao consultório. Quando chegou a vez de Magdalena, já era quase hora do jantar.
O Doutor Morales a recebeu com um sorriso que pretendia ser amável, mas que só conseguiu intensificar a sua inquietude. “Senhorita Magdalena, por fim”, disse apontando a cadeira em frente à sua secretária. “Sente-se, por favor.”
O quarto cheirava a antisséptico e a algo mais que Magdalena não pôde identificar. Um armário de cristal continha dezenas de frascos com líquidos de diversas cores. Numa mesa auxiliar havia seringas, bisturis e outros instrumentos médicos que brilhavam sob a luz da lâmpada.
“Suas irmãs têm sido muito cooperativas”, comentou o doutor enquanto preparava uma seringa com um líquido transparente. “Espero que a senhora também o seja.”
“Que doença está a tratar exatamente, doutor?”, perguntou Magdalena tentando ganhar tempo.
Morales olhou-a com uma mistura de diversão e desprezo. “A doença da desobediência, senhorita Magdalena, uma doença perigosa, especialmente nas mulheres jovens.”
Sem aviso prévio, tomou o braço de Magdalena e antes que pudesse resistir injetou-lhe o conteúdo da seringa.
“Isto vai ajudá-la a relaxar”, explicou enquanto pressionava um algodão sobre o ponto da injeção. “Agora poderemos falar com sinceridade.”
Em poucos minutos, Magdalena começou a sentir um entorpecimento que se estendia de seu braço para o resto do seu corpo. Sua mente se nublou como se um nevoeiro espesso tivesse se instalado dentro de sua cabeça.
“Melhor?”, perguntou o doutor, observando-a com interesse clínico. “Agora conte-me, tem estado a planear algo que eu deveria saber?”
Magdalena lutou contra a sonolência que ameaçava vencê-la. Devia manter a mente clara, proteger o segredo do seu plano de fuga.
“Não, doutor”, conseguiu articular. “Só cumpro com os meus deveres, como sempre.”
“Tem a certeza? Suas irmãs mencionaram certa inquietude na senhora ultimamente.”
O pânico abriu caminho através da neblina mental. Suas irmãs haviam falado. A droga as havia feito confessar.
“É a preocupação com o casamento de Soledad”, improvisou. “Queremos que tudo seja perfeito.”
O doutor a observou durante um longo momento como avaliando a veracidade das suas palavras. “Sabe, senhorita Magdalena, seu pai tem-me falado muito da senhora. Diz que é a mais inteligente das suas filhas, mas também a mais obstinada.”
Levantou-se e caminhou até se situar atrás dela. Magdalena sentiu suas mãos pousarem sobre os seus ombros.
“Seria uma pena que essa obstinação lhe causasse problemas”, continuou, seus dedos pressionando com mais força do que a necessária. “Especialmente agora que vamos ser família.”
Magdalena tentou incorporar-se, mas o seu corpo não respondia às suas ordens. O medicamento a havia deixado indefesa.
“Não se preocupe”, disse o doutor interpretando corretamente a sua luta. “O efeito passará em umas horas, justo a tempo para o jantar.”
Deixou-a sair finalmente depois de lhe fazer uma série de perguntas mais sobre as suas rotinas, seus pensamentos e seus sentimentos para com seu pai e para com ele mesmo. Magdalena respondeu com frases curtas e vagas, resistindo à compulsão de sinceridade que o fármaco provocava.
Quando regressou ao seu quarto, encontrou as suas irmãs num estado similar ao seu, atordoadas, com movimentos lentos e olhares perdidos. Só Soledad parecia mais alerta, embora os seus olhos refletissem um terror que ia além das palavras.
“Drogou-nos a todas”, sussurrou Magdalena, deixando-se cair sobre a sua cama. “Devemos esperar que passe o efeito antes de tentar fugir.”
As horas passaram com uma lentidão agonizante. Para o jantar, as cinco irmãs desceram à sala de jantar como autómatos, suas mentes ainda parcialmente nubladas. Don Emílio e o Doutor Morales conversavam animadamente ignorando o estado das jovens.
“Tenho estado a rever os planos da casa nova”, comentava Don Emílio. “Creio que estará pronta para quando nascer o seu primeiro filho.”
“Excelente”, respondeu o doutor dirigindo um olhar lascivo para Soledad. “Espero que seja cedo. Sempre desejei uma família numerosa.”
O jantar pareceu estender-se eternamente. Quando finalmente puderam retirar-se, Magdalena reuniu as suas irmãs no seu quarto. O efeito da droga havia diminuído, mas todas se sentiam fracas e enjoadas.
“Devemos ir embora esta noite”, insistiu Magdalena. “Amanhã será demasiado tarde.”
“Como?”, perguntou Isabel, a mais prática das irmãs. “Mal podemos manter-nos em pé.”
“Além disso”, acrescentou Carmen, “escutei o papá ordenar aos peões que vigiassem a casa esta noite. Diz que há rumores de bandidos na zona.”
Magdalena sentiu que o desespero ameaçava oprimir. Acaso Don Emílio suspeitava dos seus planos ou simplesmente era outra das suas medidas habituais de segurança?
“Teremos que esperar”, decidiu finalmente, “Um dia mais até recuperarmos as nossas forças.”
Mas mesmo enquanto pronunciava essas palavras, um pressentimento obscuro instalou-se em seu peito. O tempo esgotava-se. Cada dia que permanecessem na fazenda El Lirio as aproximava mais de um destino do qual talvez nunca pudessem escapar.
Essa noite, quando todas dormiam, Magdalena escutou vozes provenientes do corredor. Sigilosamente aproximou-se da porta e encostou o ouvido à madeira.
“Amanhã mesmo”, dizia a voz de Don Emílio. “Não podemos arriscar-nos.”
“Tem a certeza?”, respondeu o Doutor Morales. “Ainda não completei todos os exames. A atitude de Magdalena preocupa-me. Sempre tem sido a líder entre as suas irmãs. Se ela começar a questionar a minha autoridade, as outras segui-la-ão.”
Houve um silêncio durante o qual Magdalena conteve a respiração temendo ser descoberta.
“Muito bem”, concedeu finalmente o médico. “Amanhã administarei a primeira dose do tratamento definitivo. Começaremos com ela. E Soledad… seu caso é diferente. Como futura esposa requer uma abordagem mais delicada. O tratamento prévio ao casamento será gradual.”
Os passos afastaram-se pelo corredor, mas Magdalena permaneceu imóvel, paralisada pelo horror do que acabava de escutar. Tratamento definitivo? O que planeavam fazer-lhe?
Com o coração a bater descompassado, regressou junto às suas irmãs. Não podiam esperar nem mais um dia. Deviam fugir essa mesma noite, apesar da sua debilidade, apesar dos guardas.
“Acordem”, sussurrou sacudindo a cada uma. “Mudança de planos. Vamos agora.”
As irmãs se incorporaram atordoadas, mas o medo na voz de Magdalena as despertou rapidamente.
“Ouvi-os falar”, explicou enquanto recolhia a bolsa com provisões. “Amanhã começarão com um tratamento definitivo. Não sei o que significa, mas não tenciono ficar para o descobrir.”
Em silêncio, as cinco se vestiram com as suas roupas mais cómodas e escuras. Magdalena repartiu as escassas provisões entre todas para que, se alguma se separasse, ao menos tivesse algo para sobreviver.
“Escutem com atenção”, disse, reunindo-as em círculo. “Há guardas a vigiar a casa, mas conheço uma passagem que raramente usam. Junto à adega de ferramentas há uma porta que conduz aos campos de trás. Se conseguirmos chegar lá sem sermos vistas, poderemos esconder-nos entre os milharais até alcançar o caminho principal.”
“E depois?”, perguntou Isabel, abraçando protetoramente a pequena Rosário.
“Depois caminharemos até à vila, buscaremos transporte para a Cidade do México. Nossa tia Consuelo vive lá, ela nos ajudará.”
Nenhuma mencionou o óbvio: que fazia anos que não viam a sua tia, que talvez já nem sequer vivesse no mesmo endereço, que Don Emílio faria todo o possível para as encontrar.
Sigilosamente, as cinco irmãs abandonaram o seu quarto e deslizaram pelo corredor escuro. A casa grande dormia, envolvida num silêncio que só interrompia o ocasional ranger da madeira antiga.
Magdalena guiava a procissão, parando em cada esquina para se assegurar de que o caminho estava desimpedido. Ao chegar à escada principal fez um gesto para que parassem. Em baixo, no vestíbulo, escutavam-se vozes. Os guardas estavam mais perto do que havia previsto.
“Por aqui”, sussurrou, dirigindo-as para a escada de serviço, mais estreita e íngreme, mas também mais discreta.
Desceram contendo a respiração, conscientes de que cada ranger podia delatá-las. A cozinha estava às escuras, iluminada só pelo resplendor das brasas moribundas no fogão.
Deslizaram entre as mesas e saíram pela porta traseira, internando-se no pátio onde se encontravam as dependências de serviço. A adega de ferramentas estava a uns 50 metros junto ao estábulo.
Entre elas e o seu objetivo havia um espaço aberto, iluminado pela luz da lua cheia. Teriam que o cruzar expostas sem nenhuma proteção.
“Esperemos que essa nuvem cubra a lua”, indicou Magdalena apontando para uma massa escura que se aproximava lentamente.
Quando a luz prateada se atenuou, as irmãs correram agachadas em direção à adega. Haviam percorrido metade do caminho quando um latido rompeu o silêncio da noite.
“Os cães!”, exclamou Carmen aterrorizada.
O latido repetiu-se mais próximo, seguido por outros. Os mastins da fazenda haviam detetado a sua presença.
“Corram”, ordenou Magdalena abandonando toda a precaução.
As cinco se precipitaram em direção à adega, mas antes que pudessem alcançá-la, uma figura surgiu das sombras bloqueando o seu caminho.
“Para onde vão com tanta pressa, senhoritas?”
Era Tomás, o capataz da fazenda, um homem corpulento conhecido pela sua lealdade inabalável para com Don Emílio.
Magdalena parou bruscamente, suas irmãs agrupando-se atrás dela. Os latidos aproximavam-se cada vez mais.
“Voltem para casa”, disse Tomás com um sorriso que não tinha nada de amável. “Seu pai está muito preocupado com vocês.”
Nesse momento, várias lanternas acenderam-se ao seu redor. Estavam rodeadas por pelo menos meia dúzia de peões armados com machados e espingardas.
“Acharam que poderiam escapar tão facilmente?” A voz de Don Emílio surgiu da escuridão. Avançou até se situar em frente a elas, seu rosto contraído numa máscara de fúria controlada.
“Que deceção, minhas filhas. Que terrível deceção.”
Junto a ele, o Doutor Morales observava a cena com uma expressão indecifrável.
“Levem as pequenas para os seus quartos”, ordenou Don Emílio aos peões, “e tranquem Magdalena no sótão. Amanhã decidiremos o que fazer com ela.”
Enquanto dois homens a seguravam pelos braços, Magdalena viu como separavam as suas irmãs arrastando-as em diferentes direções. Soledad gritava tentando libertar-se. Rosário chorava desconsolada. Carmen e Isabel, paralisadas pelo medo, mal ofereciam resistência.
“Não lhes façam mal”, suplicou Magdalena lutando contra os seus captores. “A culpa é minha, eu as convenci.”
Don Emílio aproximou-se dela lentamente. Seu rosto iluminado pela luz das lanternas parecia o de um demónio.
“Eu sei, minha filha”, disse com voz enganosamente suave. “E pagarás por isso.”
Com um gesto ordenou aos peões que a levassem. Enquanto a arrastavam em direção à casa grande, Magdalena conseguiu ver como o Doutor Morales sussurrava algo ao ouvido de Don Emílio. Ambos os homens a olharam e pela primeira vez Magdalena viu algo nos olhos de seu pai que nunca havia visto antes: Dúvida. Mas foi só um instante.
Depois arrastaram-na até ao sótão, um quarto húmido e frio que normalmente servia para armazenar conservas e vinhos. Empurraram-na para dentro e fecharam a pesada porta de madeira, deixando-a na mais completa escuridão.
Magdalena deixou-se cair ao chão, oprimida pelo desespero. Haviam fracassado. Suas irmãs continuavam presas e agora a sua situação era pior do que antes. O que lhes fariam Don Emílio e o Doutor Morales?
Na escuridão do sótão, enquanto as lágrimas escorriam por suas bochechas, Magdalena fez uma promessa silenciosa. Encontraria a maneira de salvar as suas irmãs, custasse o que custasse.
O que não sabia era que nesse mesmo momento, no escritório da Casa Grande, Don Emílio e o Doutor Morales tomavam decisões que mudariam para sempre o destino das cinco irmãs Castellanos.
“O tratamento deve começar de imediato”, insistia o médico. “Já não podemos arriscar-nos a mais tentativas de fuga.”
“Funcionará?”, perguntava Don Emílio servindo-se de uma generosa taça de conhaque. “Estão garantidos os resultados?”
“Absolutamente. Os meus métodos foram provados em inúmeros casos similares. Ao final do tratamento, as suas filhas serão exatamente o que o senhor deseja: obedientes, submissas, incapazes de questionar a sua autoridade.”
Don Emílio observou o líquido âmbar em sua taça, pensativo.
“Comece amanhã mesmo”, decidiu finalmente, “com todas elas, inclusive com Soledad, especialmente com ela. Não quero que meu futuro genro tenha problemas com sua esposa.”
O Doutor Morales sorriu levantando também a sua taça. “À saúde das suas filhas, Don Emílio, e ao seu brilhante futuro sob o nosso controlo.”
A humidade do sótão entranhava-se nos ossos. Magdalena, encolhida num canto sobre sacos de batatas, havia perdido a noção do tempo. Sem janelas, sem luz, era impossível saber se lá fora era dia ou noite.
Apenas o ocasional ruído de passos no andar superior lhe indicava que a vida na fazenda El Lirio continuava o seu curso normal, indiferente ao seu sofrimento.
Nalgum momento, a porta se abriu brevemente e alguém, provavelmente alguma das criadas, deixou uma tigela com água e um pedaço de pão duro. Magdalena mal tocou na comida, seu estômago contraído pela angústia. O que estaria a ocorrer com as suas irmãs?
A pergunta martelava em sua mente sem descanso. Recordou a conversação entre seu pai e o Doutor Morales. O tratamento deve começar de imediato. Que classe de tratamento? O que lhes estariam a fazer?
Um ruído metálico a tirou de seus pensamentos. A fechadura da porta girava. Magdalena se incorporou tensionando cada músculo do seu corpo, preparada para qualquer coisa.
A figura que apareceu no limiar não era a que esperava. Não era seu pai, nem o Doutor Morales, nem sequer um dos peões. Era Joana, a cozinheira da fazenda, uma mulher mais velha que trabalhava para a família Castellanos desde antes de Magdalena nascer.
“Senhorita”, sussurrou a mulher olhando nervosamente por cima do seu ombro. “Não temos muito tempo.”
Entrou no sótão e fechou a porta atrás de si. Em suas mãos levava uma pequena lâmpada de azeite que iluminou o rosto preocupado de Magdalena.
“O que está a passar, Joana? Como estão minhas irmãs?”
A anciã deixou a lâmpada sobre um barril e tirou do seu avental algo embrulhado num pano de cozinha. “Coma”, ordenou oferecendo-lhe pão recém-cozido, queijo e algumas frutas. “Necessitará de forças.”
Magdalena pegou no pão e deu uma dentada, só então consciente de quanta fome tinha na realidade.
“Suas irmãs estão mudadas”, disse Joana finalmente, sentando-se num caixote em frente a ela. “O doutor está a dar-lhes medicinas. Muitas medicinas.”
“Que tipo de medicinas?”
“Não sei exatamente. Injeta-lhes algo e depois lhes faz beber um líquido esverdeado. Ficam como ausentes, com o olhar perdido. Obedecem a qualquer ordem sem protestar.”
Magdalena sentiu que o estômago se lhe revirava. Seus piores temores se confirmavam.
“Todas elas?”
“A senhorita Soledad é a que está pior”, continuou Joana baixando ainda mais a voz. “O doutor passa horas a sós com ela no consultório. Quando sai, mal consegue caminhar.”
Uma onda de fúria percorreu o corpo de Magdalena. Se esse homem havia tocado a sua irmã…
“Por que me ajuda, Joana?”, perguntou olhando diretamente para a anciã. “Arrisca-se muito vindo aqui.”
Os olhos da cozinheira humedeceram-se. “Eu também tive cinco filhas, senhorita”, respondeu com voz quebrada. “Quatro morreram de sarampo quando eram pequenas. A mais velha… ela trabalhava numa fazenda como esta. O patrão…” Interrompeu-se, incapaz de continuar.
Não era preciso que dissesse mais. Magdalena compreendeu perfeitamente. Estendeu a sua mão e apertou a de Joana.
“Pode ajudar-nos a escapar?”
A anciã negou com a cabeça. “Impossível. Há guardas por toda a parte. Don Emílio dobrou a vigilância desde a sua tentativa de fuga.”
“Então, o que podemos fazer?”
Joana olhou em direção à porta como temendo que alguém pudesse estar a escutar. “Há um homem que pode ajudá-las, um médico de verdade, não como esse charlatão do Doutor Morales. O Dr. Ramírez vem da capital. Está na vila a investigar uma doença que afeta os camponeses. É um homem bom, de confiança.”
“Como poderia ajudar-nos se estamos trancadas aqui?”
Joana extraiu do seu avental um pequeno frasco de cristal. “Isto é láudano”, explicou. “Se o puser na comida dos guardas, dormirão profundamente durante horas.”
Magdalena olhou o frasco com apreensão. O que Joana propunha era extremamente perigoso. Se as descobrissem, ambas pagariam com as suas vidas.
“Quando?”
“Amanhã à noite. Don Emílio e o Doutor Morales assistirão a um jantar na fazenda vizinha. É a nossa única oportunidade.”
“E as minhas irmãs? Não poderemos levá-las se estiverem sedadas.”
“Como digo, o efeito das medicinas diminui depois de umas horas. Se conseguirmos mantê-las afastadas do doutor durante um dia inteiro, talvez recuperem suficiente lucidez para caminhar.”
Magdalena considerou o plano. Era arriscado, quase suicida, mas também a sua única esperança.
“Está bem”, decidiu finalmente, “amanhã à noite.”
Joana levantou-se guardando o frasco novamente em seu avental. “Devo ir-me antes que notem a minha ausência. Tentarei trazer-lhe mais comida amanhã.”
Antes de sair voltou-se uma última vez para Magdalena. “Tenha cuidado, senhorita. O Doutor Morales não é quem diz ser. Escutei coisas, rumores sobre experimentos que realizou num manicómio da capital. Coisas horríveis.”
Com estas inquietantes palavras, a anciã cozinheira deslizou para fora do sótão, deixando Magdalena novamente na penumbra, iluminada só pela pequena lâmpada de azeite.
Entretanto, no andar superior da casa grande, o Doutor Joaquín Morales registava meticulosamente as suas observações num caderno de capas negras.
Em frente a ele, sentada rigidamente numa cadeira, Soledad olhava para o vazio com olhos vítreos.
“Como se sente hoje, querida?”, perguntou o médico sem levantar a vista de seu caderno.
“Bem, doutor”, respondeu Soledad com voz monótona, carente de toda a emoção.
“E o que pensa sobre o nosso casamento? Está emocionada?”
Um ligeiro tremor percorreu o corpo da jovem, um vislumbre fugaz de resistência que não passou despercebido para o doutor.
“Sim, doutor”, respondeu finalmente. “Será uma honra ser sua esposa.”
Morales sorriu complacente e anotou algo mais em seu caderno. “Excelente. O tratamento está a progredir adequadamente. Em breve não restará nenhum rasto de rebeldia em si.”
Levantou-se e caminhou até se situar atrás de Soledad. Colocou as suas mãos sobre os ombros da jovem, que se tensou visivelmente perante o contacto.
“Teremos uma vida maravilhosa juntos”, sussurrou inclinando-se até que seus lábios roçassem o ouvido de Soledad. “E dar-me-á muitos filhos. Será a mãe perfeita para os meus experimentos.”
Um arrepio percorreu o corpo de Soledad, mas não se atreveu a mover-se. O medo havia substituído a droga como mecanismo de controlo.
“Agora, querida, preciso que tire a roupa. Devo continuar com o seu exame.”
Com movimentos mecânicos, como se o seu corpo já não lhe pertencesse, Soledad começou a desabotoar o vestido. Uma lágrima solitária rolou pela sua bochecha, último vestígio de uma vontade que se desvanecia sob o peso das drogas e do terror.
Do outro lado da casa, Don Emílio revisava a sua correspondência no escritório quando um dos peões bateu à porta.
“Entre”, ordenou sem levantar a vista das cartas.
“Patrão”, disse o homem torcendo nervosamente o seu chapéu entre as mãos. “Chegou um telegrama urgente da capital.”
Don Emílio pegou no papel que o peão lhe oferecia e o leu rapidamente. Sua expressão, normalmente imperturbável, transformou-se gradualmente numa máscara de preocupação.
“Onde está o Doutor Morales?”, perguntou levantando-se bruscamente.
“No consultório, patrão, com a senhorita Soledad.”
“Diga-lhe que venha imediatamente. É urgente.”
Quando o peão se retirou, Don Emílio releu o telegrama uma vez mais, como se não pudesse acreditar no seu conteúdo. Em seguida, num acesso de fúria pouco caraterístico, amarrotou o papel e o atirou para a lareira acesa.
As chamas devoraram rapidamente a mensagem, mas o seu conteúdo já havia semeado a dúvida na mente de Don Emílio Castellanos.
Joaquín Morales não é médico. Stop. Foi expulso do hospital psiquiátrico por experimentos ilegais. Stop. Procurado pela polícia. Stop. Extrema precaução. Stop.
Essa noite o jantar na fazenda El Lirio decorreu num silêncio tenso. Don Emílio, habitualmente loquaz com seus convidados, mal pronunciou palavra. O Doutor Morales, sentado à sua direita, parecia não notar nada estranho, absorto como estava na contemplação de Soledad, que ocupava o seu lugar na mesa com o olhar perdido e os movimentos robóticos de uma boneca mecânica.
As outras irmãs, Carmen, Isabel e a pequena Rosário, apresentavam um aspeto similar: pálidas, com olheiras pronunciadas, respondiam às perguntas com monossílabos e mal provavam a comida. Só Magdalena estava ausente, ainda confinada no sótão.
Quando os serviçais se retiraram, Don Emílio pigarreou.
“Doutor Morales”, começou com uma calma estudada. “Tenho estado a pensar no nosso acordo.”
“Sim”, respondeu o médico servindo-se de mais vinho. “Espero que não esteja a considerar mudar os termos.”
“De modo algum. Simplesmente perguntava-me sobre as suas credenciais.”

O Doutor Morales deixou a taça sobre a mesa com um movimento demasiado brusco. O vinho tinto salpicou a toalha branca como gotas de sangue sobre a neve.
“As minhas credenciais estão perfeitamente em ordem, Don Emílio. Cria que havíamos deixado esse tema para trás há tempo.”
“Claro, claro”, apressou-se a dizer o fazendeiro, apercebendo-se da súbita mudança no ambiente. “Era só uma curiosidade. Afinal, está prestes a converter-se no meu genro.”
A tensão se dissipou ligeiramente, mas uma semente de desconfiança havia sido plantada. Durante o resto da velada, ambos os homens se observaram com renovada cautela, como dois jogadores de xadrez, reconsiderando as suas estratégias.
Depois do jantar, Don Emílio retirou-se para o seu escritório enquanto o Doutor Morales acompanhava as irmãs para o seu quarto.
No corredor, longe de olhares indiscretos, tomou Soledad pelo braço, retendo-a. “Amanhã começaremos com os preparativos para o casamento”, disse-lhe em voz baixa. “Quero que esteja pronta para então. Entende o que isso significa?”
Soledad assentiu mecanicamente, embora um vislumbre de pânico cruzasse fugazmente seus olhos.
“Boa rapariga”, sorriu o doutor, acariciando sua bochecha com um dedo. “Descansa bem. Amanhã será um dia importante.”
Quando as irmãs ficaram sozinhas em seu quarto, Carmen aproximou-se da janela e olhou para fora, onde a lua iluminava os campos da fazenda.
“Achas que Magdalena está bem?”, perguntou num sussurro quase inaudível.
Nenhuma respondeu. O efeito das drogas ainda toldava suas mentes, mas em algum lugar sob a névoa química, a preocupação por sua irmã mais velha persistia como uma pequena chama que se recusa a extinguir-se.
No sótão, Magdalena havia apagado a lâmpada de azeite que Joana lhe deixara para conservar combustível. Na escuridão total, tentava manter a calma e ordenar os seus pensamentos.
O plano de escape era arriscado, mas viável. Se conseguissem chegar à vila, o Doutor Ramírez poderia ajudá-las. Talvez inclusive pudesse reverter os efeitos das drogas que o falso médico havia administrado às suas irmãs. Mas primeiro tinham que sair da fazenda e para isso necessitavam que Don Emílio e o Doutor Morales se ausentassem, tal como Joana havia previsto.
Um ruído na porta a pôs em alerta. Seria Joana novamente ou algum dos homens de seu pai?
A porta se abriu lentamente e a luz de uma lanterna a cegou momentaneamente. Quando seus olhos se adaptaram, Magdalena conteve um grito de surpresa. Em frente a ela, segurando a lanterna, estava seu próprio pai, Don Emílio Castellanos.
“Magdalena”, disse com voz grave, “temos que falar.”
Sem esperar resposta, entrou no sótão e fechou a porta atrás de si. Colocou a lanterna sobre um barril, iluminando parcialmente o rosto de sua filha mais velha. Durante vários minutos limitou-se a observá-la em silêncio, como avaliando o seu estado.
“O que queres, pai?”, perguntou finalmente Magdalena, incapaz de suportar mais a tensão.
Don Emílio suspirou, repentinamente envelhecido. “Quero a verdade”, respondeu, “sobre o Doutor Morales, sobre o que tem estado a fazer convosco.”
Magdalena olhou-o atónita. Era uma armadilha? Ou realmente seu pai ignorava o que ocorria em sua própria casa?
“Por que me perguntas isso agora?”
“Porque recebi informação inquietante, informação que sugere que talvez tenha cometido um erro ao confiar nele.”
Pela primeira vez em anos, Magdalena viu vulnerabilidade nos olhos de seu pai, um vislumbre do homem que havia sido antes que a morte de sua esposa o transformasse no tirano que agora governava suas vidas com punho de ferro.
“Ele droga-nos”, disse sem rodeios, “injeta-nos substâncias que toldam a nossa mente e nos fazem obedientes. Depois abusa de nós, especialmente de Soledad.”
Don Emílio fechou os olhos como se as palavras de sua filha fossem golpes físicos. “Tens a certeza?”
“Completamente. E não é um médico real, é um impostor, um criminoso.”
“O telegrama mencionava algo assim”, murmurou Don Emílio mais para si mesmo do que para Magdalena.
Fez-se um silêncio pesado, carregado de anos de ressentimento, medo e desconfiança. Finalmente, Don Emílio falou, sua voz tingida de uma emoção que Magdalena não podia identificar: arrependimento, culpa ou simplesmente cálculo frio.
“Amanhã à noite, o Doutor Morales e eu devemos assistir a um jantar na fazenda dos Montero. Soledad virá connosco para anunciar formalmente o compromisso.”
“Pai, não podes permitir que esse casamento ocorra. Esse homem é um monstro.”
Don Emílio olhou-a longamente como se estivesse a tomar uma decisão crucial. “Verei o que posso fazer”, disse finalmente dirigindo-se em direção à porta. “Entretanto, mantém os olhos abertos. As coisas nem sempre são o que parecem.”
Com estas crípticas palavras, saiu do sótão, deixando Magdalena submersa na confusão. O que acabava de ocorrer? Seu pai finalmente havia aberto os olhos? Ou era algum tipo de prova?
Não teve tempo de analisar a situação, pois apenas uns minutos depois a porta voltou a abrir-se. Desta vez, para seu horror, quem entrou foi o Doutor Morales.
“Senhorita Magdalena”, sorriu fechando a porta atrás de si. “Lamento as condições do seu alojamento, mas a senhora não me deixou alternativa.”
Levava a sua maleta médica, a mesma que usava durante as suas revisões às irmãs.
“O que quer?”, perguntou Magdalena, recuando até que suas costas tocaram a parede do sótão.
“Simplesmente continuar com o seu tratamento. Tem estado interrompido demasiado tempo.”
Abriu a maleta e extraiu uma seringa já preparada com um líquido transparente. “Suas irmãs têm respondido maravilhosamente”, continuou aproximando-se lentamente, “Especialmente Soledad. É surpreendente como a mente feminina pode ser remodelada com os estímulos adequados.”
“Afaste-se de mim”, advertiu Magdalena procurando às cegas algo que pudesse usar como arma. Sua mão encontrou uma garrafa vazia.
O Doutor Morales parou observando-a com genuína curiosidade. “Sabe? A senhora é diferente das suas irmãs, mais resistente. Isso faz com que seja um sujeito fascinante para os meus estudos.”
“Não sou um sujeito de estudo e o senhor não é um médico.”
O sorriso do homem se desvaneceu, substituído por uma expressão dura. “Vejo que tem estado a falar com seu pai. Interessante. Don Emílio sempre me pareceu um homem mais pragmático.”
“Meu pai finalmente viu quem o senhor é realmente.”
O Doutor Morales soltou uma gargalhada que ressoou nas paredes do sótão. “Seu pai sabe exatamente quem eu sou, senhorita Magdalena. Soube desde o princípio. Por que crê que me convidou a esta fazenda? Pelas minhas habilidades médicas? Não. Convidou-me porque necessitava de alguém que pusesse ordem nesta casa, que domasse as suas filhas rebeldes.”
“Está a mentir.”
“Acha mesmo que um homem como Don Emílio Castellanos, com as suas conexões, não investigaria a fundo quem pretende converter em seu genro? Ele conhece meu passado, meus métodos, meus experimentos e os aprova.”
Magdalena sentiu que o chão se movia sob seus pés. Era possível. Seu pai havia entregue conscientemente as suas filhas a este monstro.
“Agora”, continuou o Doutor Morales aproximando-se novamente. “Seja uma boa paciente e deixe-me administrar-lhe o seu medicamento. Prometo-lhe que se sentirá muito melhor depois.”
Num movimento desesperado, Magdalena atirou a garrafa contra ele. O doutor esquivou-a facilmente, mas o breve instante de distração foi suficiente para que ela se abalançasse em direção à porta.
Não chegou muito longe. Morales a apanhou pelo cabelo, puxando com força para trás. Magdalena gritou, mas sabia que ninguém acudiria em sua ajuda. O sótão estava demasiado isolado.
“Sempre pelas más”, suspirou o doutor, torcendo-lhe o braço atrás das costas. “Quando é que vai aprender que é inútil resistir?”
Com um movimento perito, injetou-lhe o conteúdo da seringa no pescoço. O efeito foi quase imediato. Magdalena sentiu que seus músculos se relaxavam contra a sua vontade, que a sua mente se nublava. Tentou manter a concentração, mas era como tentar agarrar-se ao nevoeiro.
“Isso está melhor”, disse o doutor segurando-a enquanto seu corpo se voltava flácido. “Agora podemos falar civilizadamente.”
Levou-a até uma cadeira e a sentou, assegurando-se de que não escorregasse para o chão. Em seguida, acendeu a lâmpada de azeite, iluminando a estância com um resplendor amarelado.
“Sabe por que estou realmente aqui, senhorita Magdalena?”, perguntou, sentando-se em frente a ela. “Não é só por Soledad, embora deva admitir que sua beleza foi um incentivo adicional. Estou aqui porque esta fazenda isolada e sob o controlo absoluto de seu pai é o lugar perfeito para as minhas investigações.”
Através da bruma que invadia a sua mente, Magdalena lutava para compreender as suas palavras. “Que investigações?”, conseguiu articular, sua língua pesada, como se fosse de chumbo.
“O controlo da mente feminina”, respondeu o doutor com entusiasmo como um professor a explicar o seu tema favorito. “Durante anos tenho estudado como certos compostos químicos combinados com técnicas de persuasão podem eliminar completamente a vontade de uma mulher, convertendo-a num ser perfeitamente submisso. Imagine as aplicações: esposas obedientes, trabalhadoras dóceis, inclusive meretrizes sem resistência.”
Uma onda de repulsa atravessou a névoa química, dando a Magdalena um momento de lucidez. “É um monstro”, conseguiu dizer.
“Não, senhorita Magdalena, sou um visionário e seu pai o entende. Por isso me deu acesso a vocês: cinco belas sujeitas de estudo, cada uma com sua própria personalidade e resistência. Um laboratório perfeito.”
Magdalena tentou negar com a cabeça, mas o seu corpo já não lhe obedecia.
“Don Emílio tem as suas próprias razões, é claro”, continuou o Doutor Morales reclinando-se em seu assento. “Tem tido dificuldades para as controlar desde que sua mãe morreu, especialmente a senhora, a líder natural entre as suas irmãs. Com a minha ajuda, todas serão exatamente o que ele deseja. Filhas obedientes que nunca questionam a sua autoridade, que aceitam os maridos que ele escolher para elas.”
“Não funcionará”, murmurou Magdalena lutando contra o efeito da droga.
O Doutor Morales sorriu admirando a sua resistência. “Já está a funcionar, querida. Suas irmãs já estão quase completamente sob o meu controlo. A senhora é a última peça do quebra-cabeças. Uma vez que a dome, o sucesso do meu método estará completo.”
Levantou-se e voltou a abrir a sua maleta, extraindo desta vez um frasco com um líquido esverdeado, similar ao que Joana havia descrito. “Este é o seguinte passo do tratamento”, explicou vertendo uma quantidade precisa numa pequena taça de cristal. “A injeção só a torna recetiva. Este composto é o que realmente reestrutura a mente.”
Aproximou a taça dos lábios de Magdalena, que tentou afastar a cara. “Vamos, não seja difícil. Suas irmãs o tomam todos os dias e veja como estão bem.”
Com uma mão lhe segurou a mandíbula, obrigando-a a abrir a boca. Verteu o líquido lentamente, assegurando-se de que o engolisse todo. O sabor era amargo, com um travo metálico que permanecia na língua. Magdalena sentiu que sua garganta ardia enquanto o líquido descia até ao seu estômago.
“Perfeito”, sorriu o Doutor Morales satisfeito. “Agora vamos ter uma pequena conversa. Quero que me conte tudo sobre os seus sentimentos para com seu pai. Não tenha medo, seja completamente sincera.”
E assim, durante as horas seguintes, Magdalena se encontrou a falar, incapaz de deter o fluxo de palavras que brotavam de sua boca. Confessou o seu ressentimento para com Don Emílio, o seu medo pelo futuro das suas irmãs, os seus sonhos frustrados de estudar na capital. Tudo veio à luz sob o efeito daquela poção esverdeada, enquanto o Doutor Morales tomava notas meticulosamente em seu caderno de capas negras.
“Fascinante”, murmurava ocasionalmente. “Sua mente é extraordinariamente complexa, senhorita Magdalena. A maioria das mulheres se rende em minutos, mas a senhora continua a lutar.”
Quando finalmente a droga começou a perder efeito, Magdalena sentia-se completamente esgotada, como se tivesse corrido quilómetros sem descanso. Sua mente estava mais clara, mas seu corpo se negava a obedecer-lhe.
“Por hoje é suficiente”, disse o Doutor Morales guardando os seus instrumentos. “Amanhã continuaremos, depois do jantar na fazenda dos Montero. Para então a sua resistência será consideravelmente menor.”
Aproximou-se dela e para seu horror deu-lhe um beijo na testa, como um pai carinhoso se a despedir da sua filha. “Descansa, querida Magdalena. Amanhã será um novo dia na sua nova vida.”
Depois que o doutor se marchou, Magdalena permaneceu imóvel na cadeira, demasiado fraca para se mover. Seria verdade o que ele havia dito? Seu pai havia colaborado conscientemente com esse monstro? As palavras de Don Emílio durante sua visita pareciam contradizer essa versão, mas estaria ele a jogar com ela, avaliando o quanto ela sabia?
O amanhecer a encontrou ainda acordada, atormentada por pesadelos cada vez que fechava os olhos.
Nalgum momento, a porta do sótão voltou a abrir-se e apareceu Joana com uma expressão de alarme em seu rosto enrugado.
“Senhorita Magdalena, o que lhe fizeram?”
A anciã deixou a bandeja que levava e correu para a socorrer. Com delicadeza a ajudou a levantar-se da cadeira e a deitar-se sobre os sacos de batatas.
“O doutor veio ontem à noite”, explicou Magdalena com voz rouca. “Injetou-me algo e fez-me beber um líquido verde.”
“Meu Deus!”, sussurrou Joana persignando-se. “É o mesmo que lhes dá às suas irmãs. Como estão elas?”
“Mal, senhorita, cada dia pior. Especialmente a senhorita Soledad. Quase não fala, só fica a olhar para o vazio.”
“E esta manhã, que… que se passou esta manhã?”
Joana hesitou como se não estivesse segura de como dizer o que havia visto. “O Doutor Morales levou a senhorita Soledad ao consultório antes do pequeno-almoço. Quando regressaram, ela tinha sangue no vestido. Aqui”, apontou para a parte inferior do seu próprio vestido.
Magdalena fechou os olhos sentindo que a náusea subia por sua garganta. Esse demónio havia abusado de sua irmã, provavelmente aproveitando que estava completamente drogada.
“O plano para esta noite continua de pé?”, perguntou agarrando-se à última esperança que lhes restava.
“Sim, senhorita. Don Emílio confirmou que assistirão ao jantar na Fazenda Montero. Levarão a senhorita Soledad com eles para anunciar o compromisso.”
“Quando partem?”
“Ao entardecer. Voltarão tarde, provavelmente depois da meia-noite.”
Magdalena assentiu. Era a sua única oportunidade.
“Escute, Joana, preciso que faça algo mais. Quero que leve uma mensagem às minhas irmãs. Diga-lhes que estejam preparadas esta noite. Que finjam tomar os seus medicamentos, mas que não os engulam. Que escondam as pastilhas sob a língua e as cuspa depois.”
“E como faremos para a tirar a si daqui, senhorita?”
“Meu pai veio ver-me ontem à noite antes do Doutor Morales. Parecia diferente. Disse que havia recebido informação inquietante sobre o doutor. Talvez esteja a reconsiderar a sua posição.”
“Não confie em Don Emílio”, advertiu Joana com veemência. “Servi nesta casa durante 30 anos. Vi-o fazer coisas.” Interrompeu-se como se inclusive agora, depois de tanto tempo, temesse falar mal de seu patrão.
“Que coisas, Joana?”
A anciã baixou ainda mais a voz até que apenas era um sussurro. “A morte de sua mãe não foi um acidente, senhorita Magdalena. A senhora Helena descobriu que Don Emílio tinha outra família na capital. Ameaçou deixá-lo e levar as meninas. Essa mesma noite caiu pelas escadas.”
Magdalena sentiu que o mundo parava. Durante anos havia acreditado na versão oficial: sua mãe, desorientada pela febre que a havia afligido durante dias, havia se levantado a meio da noite e havia caído acidentalmente pela escada principal.
“Tem a certeza?”
“Eu mesma escutei a discussão e depois o grito.”
Um silêncio pesado caiu entre elas. Finalmente, Magdalena falou, sua voz carregada de uma determinação renovada. “Com mais razão devemos escapar esta noite e levaremos todas as minhas irmãs sem exceção.”
“Inclusive a senhorita Soledad? Estará no jantar com Don Emílio e o doutor…”
“Especialmente Soledad. Não a deixarei à mercê desses monstros.”
Joana assentiu compreendendo a gravidade da situação.
“Há algo mais que devo dizer-lhe, senhorita? O Doutor Ramírez, o médico da vila de que lhe falei ontem, disse-me que o Doutor Morales não só é um impostor, é um criminoso procurado em vários estados. Suspeita-se que tem estado a experimentar com mulheres em diferentes fazendas, sempre seguindo o mesmo padrão. Ganha a confiança do patrão, pede a mão de uma das filhas e depois as mulheres dessas famílias desaparecem misteriosamente ou acabam internadas em manicómios.”
A revelação atingiu Magdalena como um soco físico. O que havia começado como um casamento forçado se revelava agora como algo muito mais sinistro, um plano sistemático de experimentação e possivelmente de tráfico de mulheres.
“Devemos agir esta noite”, decidiu. “Não há tempo a perder.”
O resto do dia decorreu com uma lentidão agonizante. Magdalena permaneceu no sótão recuperando forças e planificando cada detalhe da fuga. Se conseguissem chegar à vila, o Doutor Ramírez poderia ajudá-las a contactar com as autoridades ou ao menos proporcionar-lhes refúgio temporário até que pudessem viajar para a capital.
Ao entardecer escutou o som de motores no exterior. Don Emílio, o Doutor Morales e Soledad partiam para a fazenda dos Montero. Era o momento de pôr o plano em marcha.
Tal como havia prometido, Joana apareceu pouco depois com as chaves do sótão. A anciã cozinheira tremia visivelmente, consciente do risco que estava a correr.
“Os guardas já comeram a sopa com o láudano”, informou enquanto abria a porta. “Estão todos a dormir na cozinha. Devemos apressar-nos antes que alguém os descubra.”
Magdalena saiu do sótão, suas pernas fracas após dias de cativeiro. Joana a susteve até que recuperou o equilíbrio.
“E as minhas irmãs?”
“Estão à espera no seu quarto, como lhes disse. Mas há um problema, senhorita. A pequena Rosário, o doutor deu-lhe uma dose extra esta manhã. Mal consegue manter-se acordada.”
“Carregá-la-emos se for necessário, não a deixaremos para trás.”
Subiram sigilosamente pela escada de serviço até ao primeiro andar. A casa estava invulgarmente silenciosa. A maioria dos serviçais aproveitava a ausência de Don Emílio para se retirar cedo para os seus quartos.
Ao chegar ao dormitório das irmãs, Magdalena encontrou Carmen e Isabel vestidas e prontas para partir com pequenos embrulhos que continham o essencial. Rosário, como havia advertido Joana, estava deitada na cama, seus olhos entreabertos e vítreos.
“Magdalena!”, exclamou Carmen, abraçando a sua irmã mais velha com lágrimas nos olhos. “Críamos que não voltaríamos a ver-te.”
“Estou bem”, tranquilizou-a Magdalena, “mas devemos ir embora agora. Pudestes evitar tomar os medicamentos?”
“Sim, como nos disse Joana, escondemo-las sob a língua e cuspi-mo-las depois. E Rosário…”
Isabel negou com a cabeça. “O doutor observou-a diretamente, não pôde enganá-lo.”
Magdalena aproximou-se da pequena acariciando seu cabelo com ternura. “Rosário, querida, podes ouvir-me?”
A menina assentiu levemente, suas pálpebras lutando por se manterem abertas. “Vamos sair daqui, mas preciso que tentes manter-te acordada. Achas que poderás caminhar?”
“Tentarei”, respondeu Rosário com voz quase inaudível.
“Isabel, tu ajudarás Rosário”, decidiu Magdalena. “Carmen, tu levarás as provisões. Joana guiar-nos-á até à vila.”
“E quanto a Soledad?”, perguntou Carmen.
“Teremos que a procurar depois. Primeiro devemos pôr a salvo Rosário e conseguir ajuda.”
O grupo avançou com cautela pelo corredor, evitando as tábuas que rangiam. Baixaram pela escada de serviço até à cozinha, onde encontraram três guardas profundamente a dormir, suas cabeças apoiadas sobre a mesa.
“O efeito durará várias horas”, assegurou Joana.
Saíram pela porta traseira e dirigiram-se em direção ao estábulo. A noite era escura, sem lua, o que favorecia a sua fuga. Ao longe, as luzes da fazenda vizinha brilhavam tenuemente.
“Como iremos até à vila?”, perguntou Isabel, segurando Rosário, que mal conseguia manter-se em pé.
“Tomaremos a carroça pequena”, respondeu Joana. “Não é rápida, mas levar-nos-á a todos.”
A anciã atrelou um cavalo à carroça enquanto as irmãs esperavam ocultas entre as sombras. Cada ruído, cada ranger de ramos as fazia sobressaltar, temendo que a qualquer momento soasse o alarme.
Finalmente, tudo estava pronto. Ajudaram Rosário a subir e se acomodaram o melhor possível entre a palha que Joana havia espalhado para tornar a viagem mais confortável.
“Uma vez que sairmos dos limites da fazenda, estaremos mais seguras”, disse a anciã tomando as rédeas. “O Doutor Ramírez espera-nos na clínica da vila.”
Justo quando a carroça começava a mover-se, um grito dilacerou a quietude da noite. “Parem!”
Todas se voltaram paralisadas pelo terror. De pé junto ao estábulo, com um rifle nas mãos, estava Tomás, o capataz.
“Para onde pensam que vão?”, perguntou aproximando-se com passo decidido. “O patrão deixou-me encarregue e ninguém sai desta fazenda sem a minha permissão.”
Joana avançou interpondo-se entre o capataz e a carroça. “Tomás, por favor, estas meninas estão em perigo. O Doutor Morales não é quem diz ser.”
“Isso não é assunto meu”, respondeu o homem com frieza. “Minhas ordens são claras. Ninguém sai, especialmente as filhas do patrão.”
Levantou o rifle apontando diretamente para o peito de Joana. “Agora desçam dessa carroça e regressem para a casa. Não repetirei.”
Magdalena sabia que não tinham opção. Se tentassem fugir, Tomás dispararia e mesmo que errasse, o ruído alertaria qualquer um que ainda estivesse acordado na fazenda.
Com o coração afundado, começou a descer da carroça, indicando às suas irmãs que fizessem o mesmo. Tudo havia sido em vão. Sua única oportunidade de escapar desvanecia-se diante dos seus olhos.
Mas nesse momento, algo inesperado ocorreu. Um golpe seco ressoou na noite e Tomás caiu ao chão inconsciente.
Atrás dele, segurando uma pá, estava um dos jovens peões, Pedro, que sempre havia mostrado uma especial devoção por Soledad.
“Rápido!”, urgiu o rapaz, “não tardará a despertar.”
Sem perder tempo, ajudou as irmãs a subir novamente para a carroça. Joana, recuperando-se da surpresa, pegou nas rédeas.
“Por que nos ajuda?”, perguntou Magdalena enquanto Pedro segurava Tomás com uma corda.
“Pela senhorita Soledad”, respondeu o jovem com singeleza. “Não permitirei que se case com esse monstro. Eu a amo.”
Magdalena compreendeu então que não estavam tão sozinhas como criam. Inclusive na fazenda El Lirio, sob o regime tirânico de Don Emílio, havia pessoas dispostas a arriscar tudo por fazer o correto.
“Venha connosco”, ofereceu.
Pedro negou com a cabeça. “Meu lugar é aqui. Alguém deve distraí-los quando regressarem do jantar. Dar-lhes-ei todo o tempo que puder.”
O sacrifício do jovem peão comoveu Magdalena. Assentiu em sinal de gratidão e com um estalido das rédeas, Joana pôs a carroça em movimento. Enquanto se afastavam pelo caminho, Pedro os observava, uma figura solitária na escuridão da noite.
Magdalena soube que nunca esqueceria esse momento, nem a coragem de quem havia arriscado tudo para as ajudar.
A carroça avançava lentamente pelo caminho de terra, sacudindo as suas ocupantes a cada buraco. Rosário havia ficado a dormir, sua cabeça apoiada no colo de Isabel. Carmen vigiava o caminho atrás delas, atenta a qualquer sinal de perseguição.

“Quanto falta para chegarmos à vila?”, perguntou Magdalena a Joana.
“Uma hora mais ou menos se o cavalo aguentar o ritmo.”
Uma hora. 60 minutos que decidiriam o seu destino. Se conseguissem chegar até ao Doutor Ramírez, teriam uma oportunidade. Se as alcançassem antes, Magdalena não queria pensar nessa possibilidade.
A vila de San Miguel de Allende perfilava-se na distância, suas luzes a tremeluzir como estrelas caídas na escuridão da noite mexicana.
Após uma hora de viagem tensa, a carroça aproximava-se finalmente do seu destino. Magdalena, esgotada mas alerta, observava o horizonte com uma mistura de esperança e temor. Cada minuto que passava sem sinais de perseguição era um pequeno triunfo.
“Já quase chegámos”, anunciou Joana apontando as primeiras casas da vila. “A clínica do Doutor Ramírez está na praça principal.”
Carmen, que havia estado a vigiar o caminho atrás delas, incorporou-se de repente. “Luzes!”, exclamou apontando em direção à fazenda. “Aproximam-se veículos.”
Magdalena voltou-se. Efetivamente, dois pontos luminosos avançavam a grande velocidade pelo caminho que acabavam de percorrer. Só podia significar uma coisa. Don Emílio e o Doutor Morales haviam regressado antes do previsto e haviam descoberto a sua fuga.
“Mais rápido, Joana”, urgiu Magdalena. “Estão a alcançar-nos.”
A anciã acicatou o cavalo, mas a carroça, velha e sobrecarregada, mal aumentou a sua velocidade. Os faróis dos automóveis aproximavam-se inexoravelmente, reduzindo a distância a cada segundo que passava.
“Não chegaremos a tempo”, murmurou Isabel, abraçando protetoramente Rosário, que continuava submersa num sono induzido pelas drogas.
Magdalena tomou uma decisão instantânea, a única que podia dar-lhes uma oportunidade. “Joana, quando chegarmos à entrada da vila, tu segue com as minhas irmãs até à clínica. Eu ficarei para trás para os distrair.”
“Não”, protestou Carmen. “Não te deixaremos.”
“É a única forma. Se todos seguirmos juntos, apanhar-nos-ão antes de chegarmos à clínica. Preciso que levem Rosário com o Doutor Ramírez. Ela é a que está em pior estado.”
As lágrimas brilhavam nos olhos de Carmen, mas assentiu, compreendendo a lógica implacável da situação. “Virei buscar-te”, prometeu, “assim que Rosário estiver a salvo.”
A carroça entrou nas primeiras ruas da vila, justo quando os automóveis apareciam a menos de 200 metros atrás delas. Magdalena se preparou para saltar.
“Cuidem-se mutuamente”, disse abraçando rapidamente a cada uma de suas irmãs. “Aconteça o que acontecer, não voltem para a fazenda.”
Sem esperar resposta, saltou da carroça em movimento, rolando pelo chão poeirento. Levantou-se rapidamente e correu em direção oposta à praça, para os arredores da vila.
Como esperava, um dos automóveis se desviou para a seguir enquanto o outro continuava atrás da carroça. Magdalena corria desesperadamente, seus pulmões a arder, suas pernas a protestar após dias de cativeiro. Dobrou numa esquina, depois noutra, tentando perder de vista o veículo que a perseguia.
As ruas estreitas da vila, desenhadas para carroças e cavalos, davam-lhe certa vantagem sobre o automóvel. Finalmente, ofegante e exausta, ocultou-se num beco escuro atrás de uns barris.
O automóvel passou de largo, seus ocupantes a praguejar audivelmente. Havia conseguido ganhar algum tempo, mas sabia que não seria suficiente. Em breve revistariam cada canto da vila. Necessitava de um plano melhor.
A poucas ruas de distância, a carroça com Joana e as demais irmãs chegava à praça principal. A clínica do Doutor Ramírez, uma modesta construção de dois andares, tinha todas as luzes acesas apesar da hora tardia.
O médico, um homem de meia-idade com óculos e cabelo entremeado, esperava-as à porta, tal como havia prometido a Joana durante a sua visita anterior.
“Rápido”, lhes instou, ajudando-as a descer. “Vi-os chegar da janela. Também vi o outro automóvel. Não tardarão a vir para aqui.”
Levaram Rosário para o interior, onde o doutor a examinou rapidamente. “Aplicaram-lhe algum tipo de sedativo potente”, diagnosticou verificando suas pupilas. “Necessitará de tempo para o eliminar do seu sistema. Entretanto, devemos escondê-las.”
“Minha irmã mais velha continua lá fora”, disse Carmen com angústia. “Ficou para os distrair.”
O Doutor Ramírez assentiu gravemente. “Conheço Don Emílio e seus métodos e ouvi falar do Doutor Morales. Se a encontrarem…” Não terminou a frase, mas não era necessário. Todos compreendiam a gravidade da situação.
“Eu vou buscá-la”, ofereceu-se Joana.
“Não”, respondeu o médico. “A senhora fique com as meninas. Eu irei.”
Pegou numa maleta médica e dirigiu-se em direção à porta. “Fechem à chave. Depois que eu sair, não abram a ninguém que não seja eu ou Magdalena.”
Entretanto, num beco do outro lado da vila, Magdalena tentava recuperar o fôlego. O ruído do motor havia se afastado, mas sabia que voltariam. Observou ao seu redor procurando alguma via de escape.
Ao final do beco havia uma pequena capela, sua porta entreaberta convidando ao refúgio. Sem duvidar, correu em direção a ela e deslizou para o interior.
A capela estava vazia a essa hora da noite, iluminada apenas por algumas velas em frente ao altar. Magdalena se ocultou num dos confessionários, rezando para que ninguém pensasse em procurá-la ali.
Sua respiração começava a normalizar-se quando escutou a porta da capela abrir-se. Passos firmes ressoaram no chão de pedra.
“Magdalena”, chamou uma voz que fez o seu sangue gelar. “Sei que estás aqui. Posso cheirar o teu medo.” Era o Doutor Morales. De alguma maneira havia adivinhado o seu esconderijo.
Magdalena conteve a respiração, pressionando o seu corpo contra a parede do confessionário.
“Não o faças mais difícil”, continuou o homem, sua voz estranhamente amável. “Teu pai só quer que voltes para casa. Tudo será perdoado.”
Os passos aproximavam-se do confessionário. Magdalena sabia que só era questão de segundos antes que a descobrisse.
“Tuas irmãs já foram capturadas”, mentiu o doutor. “Estão de regresso à fazenda. És a única que falta.”
A porta do confessionário se abriu de repente, revelando o sorriso triunfante do Doutor Morales.
“Aí estás”, disse com satisfação. “Sempre foste a mais inteligente, mas também a mais previsível.”
Magdalena tentou escapar, mas o doutor a segurou pelo braço, apertando com tanta força que deixou marcas em sua pele.
“Acabaram-se os jogos, Magdalena. Tua pequena rebelião terminou.”
Arrastou-a para fora da capela em direção à rua onde esperava o automóvel com o motor ligado. Para sua surpresa, não viu Don Emílio no veículo.
“Onde está meu pai?”, perguntou tentando ganhar tempo.
“A ocupar-se das tuas irmãs”, respondeu o doutor, empurrando-a em direção ao automóvel. “Deu-me permissão para me encarregar pessoalmente de ti.”
O tom com que pronunciou essas palavras fez um arrepio percorrer a espinha de Magdalena. Compreendeu com horror que o Doutor Morales não planeava levá-la de volta à fazenda, ao menos não imediatamente. Tinha outros planos para ela.
Justo quando o doutor abria a porta do automóvel, uma voz autoritária ressoou na rua. “Solte essa jovem, Doutor Morales! Ou devo chamá-lo pelo seu verdadeiro nome, Ernesto Suárez?”
O doutor se voltou mantendo Magdalena firmemente segura. Em frente a eles estava o Doutor Ramírez, acompanhado por dois polícias uniformizados.
“Ernesto Suárez”, continuou Ramírez, “o senhor está acusado de múltiplas acusações de sequestro, experimentação ilegal, violação e assassinato nos estados de Jalisco, Michoacán e Guanajuato.”
Pela primeira vez, Magdalena viu medo nos olhos do falso médico. Seu aperto afrouxou momentaneamente, o suficiente para que ela conseguisse se soltar e correr em direção ao Doutor Ramírez.
“Protejam a jovem”, ordenou Ramírez aos polícias, que rapidamente se colocaram entre Magdalena e o Doutor Morales.
“Isto não terminou”, ameaçou Morales recuando em direção ao automóvel. “Don Emílio tem conexões que vocês nem sequer podem imaginar. Estarei livre antes do amanhecer.”
“Não creio”, respondeu o Doutor Ramírez. “Don Emílio Castellanos foi detido esta noite por cumplicidade nos seus crimes. A polícia federal está a revistar a fazenda El Lirio neste momento.”
A notícia impactou Magdalena quase tanto quanto o próprio Morales, que empalideceu visivelmente.
“Mentira”, gritou, mas a dúvida já se havia instalado em seu rosto.
Num movimento desesperado, tirou uma pistola de sua jaqueta e apontou diretamente para o Doutor Ramírez.
Os disparos ressoaram na noite tranquila da vila, provocando gritos e o esvoaçar assustado dos pombos na praça. O Doutor Ramírez caiu ao chão segurando o ombro onde a bala havia impactado.
Os polícias responderam ao fogo imediatamente, atingindo o Doutor Morales no peito e na perna. O falso médico desabou junto ao automóvel, seu sangue formando uma poça escura no empedrado da rua.
Tudo havia terminado em questão de segundos. Magdalena, paralisada pelo choque, mal registrou como um dos polícias algemava o ferido Morales enquanto o outro atendia o Doutor Ramírez.
“Está bem?”, perguntou o médico a Magdalena, apesar de seu próprio ferimento.
Ela assentiu mecanicamente, incapaz de processar tudo o que acabava de ocorrer.
“Minhas irmãs”, conseguiu articular finalmente. “Onde estão minhas irmãs?”
“A salvo na minha clínica”, respondeu Ramírez enquanto o polícia ligava provisoriamente a sua ferida. “Todas estão bem, inclusive a pequena. Os efeitos da droga estão a diminuir. E meu pai? É certo que o detiveram?”
O Doutor Ramírez olhou-a com compaixão. “Sim, Magdalena. A polícia federal levava meses a investigar o Doutor Morales. Quando descobriram a sua conexão com Don Emílio, incluíram a fazenda El Lirio na investigação. Esta noite iam prender a ambos, mas vocês se adiantaram com a sua fuga.”
Enquanto os polícias levavam o ferido Doutor Morales para a prisão local, Magdalena acompanhou o Doutor Ramírez de volta à sua clínica. Apesar da dor de sua ferida, o médico insistiu em caminhar por seus próprios meios.
“Seu pai nem sempre foi o homem que conheceu”, disse em voz baixa enquanto avançavam pelas ruas desertas. “Houve um tempo, antes da morte de sua mãe, em que era respeitado por sua justiça e generosidade.”
“O que mudou?”, perguntou Magdalena, embora no fundo conhecesse a resposta.
“O poder”, respondeu simplesmente o Doutor Ramírez, “e talvez algo mais obscuro que sempre esteve dentro dele esperando a oportunidade de sair.”
Ao chegar à clínica, Magdalena foi recebida pelos abraços desesperados de suas irmãs. Entre lágrimas e risos nervosos contaram mutuamente as suas experiências durante a separação.
“O que acontecerá agora?”, perguntou Carmen uma vez que a emoção do reencontro se acalmou.
O Doutor Ramírez, cuja ferida estava a ser tratada por sua enfermeira, respondeu da maca: “Têm uma tia na Cidade do México, verdade? Consuelo, a irmã de sua mãe.”
Magdalena assentiu, surpresa de que o médico conhecesse esse detalhe.
“Contactei-a”, explicou. “Chegará amanhã no comboio do meio-dia. Entretanto, ficarão aqui sob a minha proteção.”
“E a fazenda?”, perguntou Isabel, “o que acontecerá com a nossa casa?”
“Legalmente pertence-vos”, respondeu o doutor. “São as herdeiras de Don Emílio, mas lhes recomendaria vendê-la. Há demasiadas lembranças dolorosas ali.”
Magdalena contemplou as suas irmãs, vendo em seus rostos o mesmo cansaço e alívio que ela sentia. Haviam escapado de um destino terrível, mas o caminho para a recuperação seria longo e difícil, especialmente para Soledad, cujos olhos ainda refletiam o horror do que havia vivido nas mãos do Doutor Morales.
“Iremos com a nossa tia”, decidiu Magdalena, “começaremos uma nova vida na capital, longe de tudo isto.”
Essa noite as cinco irmãs Castellanos dormiram juntas no pequeno quarto que o Doutor Ramírez havia preparado para elas. Pela primeira vez em anos o fizeram sem medo, sem a sombra ameaçadora de Don Emílio, sem o terror que o Doutor Morales havia semeado em suas vidas.
Ao amanhecer, Magdalena acordou antes das demais. Aproximou-se da janela e contemplou a vila que despertava lentamente sob a luz dourada do sol. Na distância podia ver os campos da fazenda El Lirio, onde haviam crescido, onde haviam sofrido, onde haviam aprendido a lição mais dura de todas: que amar, segundo Don Emílio e o Doutor Morales, era nunca dizer não.
Mas agora sabiam uma verdade diferente: que o verdadeiro amor começava precisamente com a capacidade de dizer não a quem pretendia controlá-las e submetê-las.
Com esta certeza no coração, Magdalena regressou junto às suas irmãs, determinada a construir para todas elas um futuro onde nunca mais teriam que escolher entre a obediência e a sua dignidade. Um futuro onde seriam livres para decidir os seus próprios destinos, longe da sombra sinistra da fazenda El Lirio, e dos homens que haviam tentado roubar-lhes a sua vontade.
E embora as cicatrizes do vivido nunca desaparecessem completamente, as cinco irmãs Castellanos finalmente haviam escapado da horrível história que Don Emílio e o Doutor Morales haviam planeado para elas.
Espero que esta história lhes tenha deixado essa inquietude que só o verdadeiro terror psicológico pode provocar. Eu adoraria saber o que acharam e que emoção predominou em vocês enquanto a escutavam: Medo, raiva, alívio no final? Contem-me nos comentários se conhecem alguém que desfruta de histórias que exploram os cantos mais escuros da natureza humana, ou simplesmente sabem que esta narrativa poderia ressoar com eles, não hesitem em partilhar este vídeo e lembrem-se de subscrever e deixar o vosso like para que possamos continuar a explorar juntos estas realidades perturbadoras que, embora fictícias, nos lembram terrores muito reais.