
“Não, não, não.”
O grito agudo de Raul rasgou o ar da cobertura luxuosa na Faria Lima. O menino, de apenas um ano e meio, estava vermelho de tanto chorar, as suas mãozinhas cerradas a debaterem-se no ar, como se lutasse contra o mundo inteiro. Vicente Navarro estava ali, o seu fato de R$ 50.000,00 completamente manchado com a papa de pera que o filho lhe havia cuspido. O bilionário mais temido de São Paulo parecia um homem derrotado. As suas mãos tremiam levemente enquanto observava o herdeiro que rejeitava tudo e todos.
“Senhor Navarro, eu não aguento mais!”, gritou Amanda, a babysitter contratada há apenas uma semana. Era a oitava em dois meses. “Este menino não é normal. Ele morde-me, arranha-me, cospe em mim! Eu demito-me.”
A mulher, com quarenta anos, diploma em pedagogia e quinze anos de experiência, atirou o avental para o chão, e o som seco do seu salto alto ecoou pelo corredor até desaparecer no elevador.
Vicente olhou para o filho, que continuava a chorar desesperadamente no berço importado de Itália. O apartamento de quinhentos metros quadrados nunca lhe parecera tão vazio e frio. “Raul, por favor, o papá está aqui”, murmurou. Mas Raul afastou-se, atirando o corpo para trás e aumentando o volume do choro.
Era sempre assim. Desde que Lívia, a mãe, morrera há um ano, o menino não aceitava ninguém: nem o pai, nem as babysitters qualificadas, nem as enfermeiras particulares. Vicente, com cinquenta e dois anos e a comandar um império financeiro que movimentava milhões, podia comprar empresas inteiras com um telefonema, mas não conseguia acalmar o seu próprio filho.
“Meu Deus, Lívia, o que é que eu faço?”, sussurrou, olhando para o retrato da esposa. “Ele não me aceita. Não aceita ninguém. Está a transformar-se numa criança revoltada e eu não sei como ajudar.”
O choro de Raul diminuiu, como se o desespero na voz do pai o tivesse alcançado. Vicente tocou delicadamente a mão do bebé. “Tu sentes falta da mamã, não sentes, meu filho? Eu também sinto. Todos os santos dias sinto falta dela.” Raul olhou para o pai com os seus olhinhos verdes cheios de lágrimas. Vicente pensou ter conseguido uma conexão, mas o menino recomeçou a chorar, mais alto do que antes.
“Senhor Navarro”, a voz da governanta, Dona Carmen, veio da porta. “Desculpe incomodar, mas a empresa de limpeza ligou. Houve um problema com a faxineira do turno da manhã. Vão mandar alguém do turno da noite, uma moça chamada Bruna. Ela já trabalha aqui há alguns meses, mas sempre de madrugada, então o senhor nunca a viu.”
“Tanto faz”, respondeu Vicente, exausto. “Só peça para ela não fazer barulho.”
Vicente sentou-se no chão de mármore, ao lado do berço. Raul estava a ficar rouco, mas não parava. Era como se toda a dor pela perda da mãe se manifestasse em forma de grito. “O papá não sabe o que fazer, Raul”, admitiu Vicente, sentindo os seus próprios olhos marejarem. “Eu tentei de tudo. As melhores babysitters, os melhores médicos, os melhores brinquedos, mas nada funciona. Tu não queres nada que eu te ofereça.”
Bruna Vasconcelos subia no elevador de serviço. Segurava firme o carrinho de limpeza, tentando não pensar no quão cansada estava. Havia dormido apenas três horas, depois de passar a madrugada no hospital com a mãe. “Bruna, precisas de descansar um pouco”, dissera-lhe a enfermeira. “A tua mãe está estável.” Mas Bruna não tinha tempo para descanso. Tinha trabalho a fazer. Cada centavo extra que conseguia ia para os remédios experimentais da mãe, que o plano de saúde não cobria.
Ao chegar ao quadragésimo segundo andar, percebeu que algo estava diferente. Havia muito barulho vindo do apartamento do Senhor Navarro, gritos de criança e vozes adultas alteradas. Viu uma mulher bem-vestida sair a correr, irritada: “Aquela criança é impossível. Nenhuma babysitter aguenta. O menino é um caso perdido.”
Bruna ficou ali, parada, pensando no choro desesperado que vinha do apartamento. Ela conhecia bem esse tipo de dor. Era o som que ela própria fazia em criança, depois de o pai ter ido embora e as ter deixado sozinhas. “Este menino está a sofrer”, murmurou.
Ela cresceu no Capão Redondo, num lar humilde. A sua mãe, Dalva, trabalhava em três casas diferentes. Muitas vezes, Bruna ficava sozinha, chorando de saudades e de medo. “Não chores, minha filha”, dizia sempre Dalva, abraçando-a. “A mamã está aqui agora. Tudo vai ficar bem.” E ficava mesmo. Era isso que aquele bebé precisava: alguém que o fizesse sentir-se seguro.
Bruna terminou de organizar o material. Precisava daquele emprego, era o melhor que tinha conseguido e o salário ajudava muito com os gastos do hospital. Ela fazia as contas na cabeça, tentando descobrir como conseguiria o resto do dinheiro para o tratamento da mãe.
Naquela mesma noite, às duas da manhã, o seu telemóvel tocou. Era a supervisora da empresa de limpeza. “Bruna, preciso que vás para a Faria Lima agora! Estourou um cano no apartamento do Senhor Navarro, e está a alagar tudo. Ele paga extra para quem for lá resolver.”
Bruna não pensou duas vezes. Dinheiro extra era exatamente o que ela precisava.
Dona Carmen recebeu-a com ares preocupados. “Que bom que vieste, Bruna. A água já chegou até à sala de estar. O Senhor Navarro está no quarto, a tentar fazer o Raul dormir. A nona babysitter chegou há duas horas, mas o menino não para de chorar. Coitado, está exausto.”
Bruna começou a trabalhar em silêncio, sugando a água e secando o chão de mármore. Era um trabalho pesado, mas ela estava habituada. Depois de uma hora, a cozinha estava seca. Ela seguiu para a sala, enxugando cada centímetro. Os móveis eram caríssimos, um mundo completamente diferente do seu.
Ao passar pelo corredor dos quartos, ouviu vozes vindas do quarto do bebé. A porta estava entreaberta. Uma mulher jovem, a nova babysitter, falava ao telemóvel: “Eu sei que é difícil, mãe, mas o dinheiro é muito bom. É só aguentar até amanhã de manhã, e depois eu demito-me. Este menino é realmente impossível.” Bruna sentiu a raiva crescer: como podia alguém ser tão fria com uma criança que estava claramente a sofrer?
Nesse momento, Raul acordou e viu a babysitter ao telemóvel, de costas para ele. O rostinho contraiu-se, e Bruna sabia que ele ia chorar. Mas, antes que isso acontecesse, os olhinhos verdes do menino encontraram os dela através da fresta da porta. Foi como se o tempo parasse. Raul olhou para ela com uma curiosidade que Bruna nunca vira numa criança tão pequena. Instintivamente, Bruna levou o dedo aos lábios e sussurrou baixinho: “Está tudo bem, anjo.”
Para sua surpresa, Raul não chorou. Levantou-se devagar no berço, segurando-se nas grades, e continuou a olhar para ela. Os seus olhinhos brilhavam com uma inteligência surpreendente. A babysitter continuava ao telemóvel, alheia a tudo. Raul esticou os bracinhos na direção de Bruna e balbuciou algo incompreensível.
Bruna sabia que devia continuar o seu trabalho, mas algo a puxava para aquele menino. Olhou em volta e deu um passo para dentro do quarto. “Olá, pequeno”, sussurrou. “Não estás a conseguir dormir?”
Raul olhou para Bruna por mais alguns segundos, como se estivesse a tomar uma decisão importante. Então, para o espanto dela, começou a gatinhar pelo berço, aproximando-se da grade. A babysitter continuava a queixar-se. “Eu juro que, depois desta, nunca mais aceito cuidar de criança-problema. O pai é um neurótico, e o filho é incontrolável.”
Bruna sentiu-se tentada a intervir, mas não era problema dela. Estava ali apenas para limpar e ir embora. Mas, quando olhou novamente para Raul, ele tinha-se levantado e esticava os bracinhos para ela. “Queres que eu te pegue ao colo?”, sussurrou Bruna, olhando para a babysitter distraída.
Raul balbuciou algo que soava a “sim” e esticou os braços. Bruna hesitou. Não era o seu trabalho e podia arranjar problemas, mas a maneira como ele a olhava era irresistível. Ela largou o pano e estendeu os braços. Raul atirou-se para a frente, confiando completamente nela.
Bruna segurou-o com cuidado. “Olá, pequeno anjo”, sussurrou no ouvido dele. “Tu és muito esperto, não és?” Raul aconchegou-se no colo dela, agarrando a sua t-shirt simples e encostando a cabecinha no ombro. Pela primeira vez, o menino parecia completamente relaxado. “Como é que podes ser tão bonito e doce?”, murmurou Bruna, embalando-o. “Aposto que só queres um bocadinho de carinho, não é?”
Nesse momento, a babysitter terminou a chamada e virou-se. Ao ver Bruna a segurar Raul, o seu rosto ficou branco de susto. “O que é que estás a fazer aqui? Quem és tu?”
“Desculpa, eu sou da limpeza. Estava a passar e ouvi que ele estava acordado”, explicou Bruna, tentando devolver Raul ao berço, mas o menino agarrou-se a ela e choramingou. “Ele não quer que eu o deite no berço”, disse Bruna, confusa.
“É claro que não quer. Este menino é mesmo impossível. Dá-me cá”, disse a babysitter, estendendo os braços.
Mas, quando Raul a viu a aproximar-se, virou-se completamente para Bruna, escondendo-se no pescoço dela. “Que estranho! Ele não aceita ninguém, normalmente”, murmurou a babysitter.
Foi nesse instante que Vicente apareceu à porta, exausto. “O que é que está a acontecer aqui?”, perguntou, ao ver a cena.
“Senhor Navarro, eu posso explicar”, começou Bruna, mas foi interrompida por Raul.
O menino virou-se para olhar para o pai e, em vez de chorar, sorriu. Um sorriso pequeno, mas genuíno. Então, para o choque de todos, Raul inclinou-se e encostou a boquinha na bochecha de Bruna. Um beijo suave e inocente.
Vicente ficou parado, com os olhos esbugalhados. “Ele beijou-te”, sussurrou, incrédulo.
“Eu… eu não sei porque é que ele fez isso”, gaguejou Bruna, sem jeito.
“Ele nunca fez isso com ninguém”, continuou Vicente, aproximando-se lentamente. “Nem comigo ele faz isso.”
Raul olhou para o pai e depois para Bruna, como se estivesse a compará-los. Esticou uma mãozinha para Vicente, mas manteve a outra agarrada à t-shirt de Bruna. “Papá”, balbuciou, surpreendendo a todos.
Vicente tocou delicadamente a mão do filho. “Olá, meu pequeno. Estás bem?” Raul sorriu de novo e beijou a mão do pai. Era como se a presença de Bruna o tivesse acalmado o suficiente para aceitar o carinho de Vicente também.
“Quem é você?”, perguntou Vicente a Bruna, com a voz cheia de emoção.
“Bruna Vasconcelos, senhor. Eu trabalho na limpeza. Estava aqui por causa do cano.”
Vicente olhou para o filho, completamente relaxado no colo da faxineira, e tomou uma decisão que mudaria a vida de todos eles.
“Você tem experiência com crianças?”, perguntou, aproximando-se.
“Cuidei de várias crianças na vizinhança quando era mais nova, mas nunca trabalhei como babysitter profissional”, respondeu Bruna.
A babysitter contratada, desconfortável, disse: “Senhor Navarro, talvez eu devesse ir embora. O menino obviamente prefere-a.”
Vicente olhou para a mulher que viera para cuidar do filho, mas que só pensava em dinheiro. “Pode ir, sim. O seu trabalho terminou aqui.”
Quando a babysitter saiu, Vicente sentou-se em frente a Bruna. “O meu filho não aceita ninguém desde que a mãe morreu. Já contratei nove babysitters qualificadas. Nenhuma conseguiu uma conexão com ele.”
“Talvez ele só precise de tempo para se acostumar”, sugeriu Bruna.
“É mais do que isso. Ele rejeita-me também. Raul só chora quando estou por perto. Eu estava a começar a pensar que ele me odiava.”
Bruna olhou para o menino a dormir nos seus braços. “Ele não odeia o senhor. Uma criança dessa idade não sabe o que é ódio. Ele está a sofrer e não sabe como o expressar.”
“Como pode ter tanta certeza?”
“Porque eu passei pelo mesmo quando era pequena. O meu pai foi embora, e a minha mãe precisava trabalhar o dia inteiro. Eu ficava com vizinhas que só cuidavam de mim porque a minha mãe lhes pagava. Não me davam carinho de verdade. Raul precisa de alguém que o ame de verdade, não que apenas cumpra obrigações.”
“Eu amo o meu filho mais que tudo neste mundo”, disse Vicente, com a voz embargada.
“Eu sei que ama, mas talvez esteja a tentar mostrar esse amor da maneira errada. Uma criança precisa sentir-se segura, acima de tudo.” Vicente observou o filho, sereno no colo de Bruna. Era a primeira vez em meses que o via tão relaxado.
“Bruna, vou fazer-lhe uma proposta. Quero que trabalhe como babysitter do Raul.”
“Senhor, eu não tenho qualificação para isso. Sou apenas uma faxineira.”
“A minha equipa de recursos humanos falhou nove vezes. O meu filho escolheu-a. Isso vale mais do que qualquer diploma. Vou pagar-lhe três vezes o que ganha na empresa de limpeza. E se aceitar começar hoje mesmo, eu pago o tratamento completo da sua mãe, particular, no melhor hospital de São Paulo.”
Bruna ficou boquiaberta. “Como o senhor sabe sobre a minha mãe?”
“Dona Carmen disse-me que vai sempre do trabalho para o hospital. Não foi difícil descobrir o resto. O meu filho precisa de si, e você precisa de dinheiro para salvar a sua mãe. É uma troca justa.”
Bruna olhou para Raul, que dormia, agarrando o seu dedo. “O senhor tem certeza de que quer uma pessoa como eu a cuidar do seu filho? Eu sou de um bairro pobre, não tenho estudos.”
“Você sabe amar uma criança que está a sofrer. É isso que importa. Raul precisa de alguém que o faça sentir-se amado novamente. Todas as babysitters que contratei tinham diplomas, mas nenhuma tinha coração.”
“Eu aceito”, sussurrou Bruna, com os olhos cheios de lágrimas. “Vou cuidar do Raul como se fosse o meu próprio filho.”
“Então está decidido. Você começa agora.”
Três semanas depois, a transformação de Raul era impressionante. O menino, que antes chorava o dia todo, ria, brincava e chamava Bruna carinhosamente de “Buna”. A casa encheu-se de vida. Vicente observava da janela Bruna a correr atrás de Raul no jardim, com o menino a gargalhar. “Buna, Buna!”, gritava Raul. O coração de Vicente aquecia.
A campainha tocou. Era Leandro Bastos, o cunhado de Vicente, irmão da falecida Lívia e curador do fundo fiduciário de Raul. “Vicente, precisamos de conversar”, disse ele, sério.
“O que tem o Raul? Ele está ótimo.”
“É sobre isso que quero conversar. Soube que contratou uma nova babysitter. Uma faxineira, Vicente? Pôs uma faxineira a cuidar do herdeiro dos Navarro?”
“Coloquei uma mulher que ama o meu filho a cuidar dele. A profissão anterior dela não importa.”
“Claro que importa! Raul vai herdar um império. Não pode ser criado por qualquer pessoa. Você está a deixar a gratidão toldar o seu julgamento. Que tipo de educação essa mulher pode dar-lhe?”
“Valores de amor e carinho, que são exatamente o que ele precisa agora. E acha que Lívia aprovaria isto? A minha irmã sonhava em ver Raul crescer rodeado das melhores influências, não a ser criado por uma mulher da periferia que mal sabe ler direito.”
“Não fale da Lívia como se soubesse o que ela pensaria! E não insulte a Bruna na minha casa! Bruna salvou o meu filho!”
Nesse momento, Bruna entrou com Raul, que estava suado e feliz. “Desculpe interromper, Senhor Vicente. Raul quer água.”
Raul olhou para o tio e escondeu-se no pescoço de Bruna. “Buna, casa”, murmurou.
Leandro observou como Raul se agarrava a Bruna, como a beijava carinhosamente. “Você viu como ele se comportou comigo? Raul mal me reconhece. Eu sou o tio dele, mas ele prefere essa mulher.”
“Porque ela passa o dia todo com ele, Leandro. É natural que ele tenha mais intimidade com quem cuida dele.”
“É exatamente isso que me preocupa. Ela está a apagar a memória da Lívia. Está a tomar o lugar que devia ser sagrado. E se ela tiver segundas intenções? E se estiver interessada na sua fortuna?”
“Chega! Não vou ouvi-lo difamar uma mulher que só fez bem à minha família!”
Duas semanas depois, Vicente estava no escritório quando o seu telemóvel tocou. Eram notícias nas redes sociais e em sites de mexericos: “A golpista do balde: Viúvo da Faria Lima troca luto por faxineira.” Fotos de Vicente, Bruna e Raul no parque insinuavam um romance e acusações de negligência.
O seu advogado ligou. “Vicente, temos um problema sério. Leandro Bastos entrou com uma petição no tribunal, questionando a sua capacidade de cuidar de Raul. Ele está a alegar negligência e comportamento inadequado. Tem fotos, depoimentos de ex-babysitters que você demitiu, que dizem que Raul era uma criança normal até você contratar essa faxineira.”
Vicente sentiu o mundo desabar. “Você precisa de demitir essa mulher hoje mesmo, se quiser manter a custódia do seu filho.”
Vicente chegou a casa com o coração pesado. Encontrou Bruna a brincar com Raul. “Papai!”, gritou Raul. “O almoço está pronto”, disse Bruna. “O senhor parece preocupado.”
“Bruna, precisamos de conversar. O Leandro entrou com uma petição no tribunal. Ele está a alegar que eu estou a ser negligente ao deixá-lo sob os cuidados de uma pessoa sem qualificação. Apareceram fotos nossas na imprensa, e ele conseguiu depoimentos das ex-babysitters.”
“Eles estão a dizer que eu sou uma golpista”, sussurrou Bruna, com os olhos cheios de lágrimas.
Raul parou de brincar. “Buna triste?”, perguntou.
“Bruna, o meu advogado foi muito claro. Para eu ter hipóteses de manter a custódia de Raul, preciso parecer um pai estável e responsável. Se eu perder a custódia, o senhor nunca mais vai ver o seu filho”, disse Bruna. “Eu entendo. Uma faxineira pobre não é adequada para cuidar do herdeiro da família Navarro.”
“Não é isso. Mas, Bruna, essa é a decisão mais difícil da minha vida. Você salvou o meu filho, mas se eu perder a custódia, perco-o para sempre.”
“Eu entendo, Senhor Vicente. Vou arrumar as minhas coisas.”
Do quarto, Vicente ouviu Bruna a explicar a Raul que precisava de viajar para cuidar da avó doente. Raul choramingou, mas aceitou a explicação. Vicente sabia que era mentira. Bruna nunca mais voltaria.
Três dias depois, a mansão voltara a ser triste e silenciosa. Raul chorava constantemente. “Onde está a Buna?”, perguntava.
Na manhã da audiência, Vicente estava nervoso. Leandro atacou: “A mais grave dessas decisões foi contratar uma faxineira sem qualificação para cuidar de uma criança de apenas um ano. Uma mulher da periferia, sem educação, sem preparação para cuidar do herdeiro. As fotos sugerem um relacionamento que é prejudicial para a formação moral de Raul. Peço que a custódia seja transferida para mim.”
O advogado de Vicente chamou a sua testemunha: a Dra. Helena Santos, enfermeira-chefe do Hospital São José.
“A senhora conhece o Senhor Leandro Bastos?”
“Conheço. Ele procurou-me com uma proposta muito estranha. Ofereceu-me dinheiro para mentir sobre Bruna Vasconcelos, dizendo que ela havia abandonado a mãe doente no hospital, para provar que Bruna era irresponsável e afastá-la do sobrinho.”
O juiz olhou severamente para Leandro. “Estou a rejeitar a sua petição, e estou a ordenar uma investigação sobre a tentativa de suborno.”
Vicente, aliviado, correu para fora do tribunal, ligando para o hospital para saber o quarto da mãe de Bruna. Chegou ao quarto 212. Bruna estava sentada ao lado da cama, segurando a mão da mãe, que dormia.
“Bruna, o que faz aqui?”, perguntou ela, surpresa. “Ganhámos. Leandro foi desmascarado.”
“Ele tentou subornar a enfermeira-chefe para que ela mentisse sobre si. Disse que a havia abandonado.”
“Que monstro!”
“Bruna, eu vim aqui para pedir desculpas e para pedir que volte para casa. Eu fui um cobarde. Deveria ter lutado por você desde o primeiro momento. E no processo, magoei as duas pessoas que mais amo neste mundo.”
“As duas pessoas?”, perguntou Bruna, surpresa.
“Em três meses, você não apenas salvou o meu filho, você salvou-me a mim também. Ensinou-me a ser pai novamente. E eu apaixonei-me por você”, declarou Vicente. “Não como patrão e empregada, mas como homem e mulher, como uma família.”
“Somos de mundos diferentes.”
“Não somos. Somos duas pessoas que se encontraram quando mais precisavam uma da outra.”
Nesse momento, a porta abriu-se, e uma voz familiar gritou: “Buna!” Era Raul, que tinha escapado da nova babysitter no estacionamento e corrido atrás do pai. O menino atirou-se para os braços de Bruna. “Buna, Buna, volta. Raul perdeu Buna.”
“Eu também perdi você, meu anjo. Perdi muito.”
“Buna, fica. Buna não vai, vovó mais.”
Bruna olhou para Vicente. “Isso depende do papá.”
“Vem para casa, Bruna. Vem ser a nossa família de verdade.”
Nesse instante, Dalva abriu os olhos. “E esse deve ser o famoso Raul.”
“Vocês amam-se, não é?”, perguntou Dalva.
“Sim, senhora. Amo a sua filha e o seu neto mais que tudo neste mundo.”
“Então não percam mais tempo”, disse Dalva. “A vida é muito curta para desperdiçar o amor.”
“Quero casar-me contigo, Bruna. Quero que sejamos uma família de verdade.”
“Casa!”, gritou Raul. “Buna, casa com o papá!”
“Sim!”, disse Bruna. “Eu aceito.”
Dois meses depois, casaram-se numa cerimónia íntima. Raul foi o pajem. “Papá casabuna!”, gritou, fazendo todos rirem.
Na varanda, Bruna e Vicente olhavam para as luzes de São Paulo. “Consegues acreditar que tudo começou com um cano quebrado?”
“Começou muito antes disso”, respondeu Vicente. “Começou no momento em que Raul chorou pela primeira vez e eu não soube como consolá-lo. O destino estava apenas à espera que você aparecesse.”
“E se Leandro tentar alguma coisa de novo?”
“Não vai. Agora somos uma família oficial. Ele não tem mais nenhum direito legal sobre o Raul.”
Do quarto, ouviram a voz sonolenta de Raul. “Buna, papá.”
“Estamos aqui, meu anjo”, respondeu Bruna. “A Buna nunca mais vai embora. Agora ela é a nossa família para sempre.”
“Para sempre mesmo?”
“Para sempre mesmo”, confirmou Bruna. “Agora sou a tua mãe de verdade.”
“Boa noite, mamã Buna. Boa noite, papá.”
O bebé que um dia cuspiu em todas as babysitters havia sido o cupido que uniu duas almas solitárias numa família cheia de amor. Na cobertura da Faria Lima, onde antes só havia tristeza e silêncio, agora havia risadas e a certeza de que o amor verdadeiro pode vencer qualquer obstáculo.