Não falava há semanas, até que o cavalo chegou e lhe sussurrou o nome.

Ela não falava há semanas, até que o cavalo chegou e então sussurrou o seu nome.

A avó sempre foi uma mulher forte, daquelas que sabiam consertar cercas, ajudar no parto de bezerros e ainda fazer tartes de maçã antes do meio-dia. E os cavalos? Para ela, eram mais do que animais: faziam parte da sua alma.

Por isso, quando a sua velha amiga Sylvia me disse que o Scout, o cavalo que a avó montava todas as manhãs, ainda estava vivo, usei todas as influências possíveis. Dois dias depois, levámos a cama de cuidados paliativos da avó para o exterior.

No início, ela não reagiu.

A enfermeira disse suavemente: «Elise, alguém veio ver-te.»

Então o Scout deu um passo à frente.

No momento em que o seu focinho tocou a bochecha dela, a avó abriu ligeiramente a boca. E sussurrou: «Scout.»

Foi quase imperceptível, mas inconfundível. Abriu os olhos — pela primeira vez em quase uma semana — e uma leve risada escapou-lhe dos lábios, daquelas que não ouvíamos desde o Natal.

Estendeu as mãos frágeis, e o Scout inclinou-se como se o tempo não tivesse passado.

Depois disse algo mais: «Tens de encontrar a minha sela.»

A minha mãe e eu trocámos olhares, sem perceber a que se referia. A avó tivera muitas selas ao longo dos anos: algumas elegantes, outras gastas, algumas emprestadas.

Perguntei suavemente: «Qual, avó?»

Com um leve sorriso, sem parar de acariciar o rosto do Scout, disse: «A antiga. De couro com vinhas. O meu nome está cosido por baixo da aba.»

A mão caiu, os olhos fecharam-se, mas a respiração parecia mais estável, quase pacífica.

Nessa noite, revirei o sótão do celeiro, poeirento e cheio de arreios velhos. Encontrei uma sela que parecia antiga, coberta de pó. Debaixo da aba, lá estava: «Elise M. Rowley», com vinhas desbotadas a decorar o couro.

Na manhã seguinte, levei-a à avó, sem saber porquê ela a queria. Não dissera mais nada desde a chegada do Scout, mas coloquei a sela ao lado da cama e esperei.

Mais tarde nesse dia, ela mexeu-se, os dedos deslizando lentamente até à borda do cobertor. Ajudámo-la a sentar-se.

A voz dela era fraca, como o vento entre a erva seca. «Há algo dentro… debaixo do assento, no forro.»

Examinei e encontrei uma pequena abertura cosida. Com um canivete, abri-a e retirei um envelope amarelado com apenas as iniciais “R.C.”

«O que é isto?» perguntei.

O olhar dela ficou mais atento. «Dá-o à Sylvia. Ela vai perceber.»

Nessa noite, conduzi até à quinta da Sylvia com o envelope a pesar no bolso.

Sylvia recebeu-me com uma lanterna e um olhar perplexo. «Ela ainda aguenta?»

«Está mais desperta do que há semanas», disse. «E pediu-me para lhe trazer isto.»

Sylvia olhou para o envelope e depois abriu-o lentamente. Lá dentro havia fotos antigas, cartas dobradas e um anel de ouro baço com uma esmeralda sem brilho.

A voz dela fraquejou. «Pensei que o tinha perdido. Tu não conheces a história, pois não?»

Abanei a cabeça.

Sylvia fez-me sinal para me sentar. Contou-me sobre Robert Carlton, um vaqueiro tranquilo por quem a minha avó se apaixonara. Planeavam fugir, casar-se e abrir um centro de treino de cavalos. Mas no dia em que ela ia partir, ele desapareceu. Sem carta, sem despedida.

Com o coração partido, a avó trancou tudo desde então, até conhecer o meu avô, um ano depois.

«Ninguém soube o que aconteceu ao Robert», disse Sylvia com lágrimas nos olhos, «mas ela nunca perdeu a esperança. Esse anel era a promessa dele, na noite antes de desaparecer.»

Perguntei por que razão a avó queria que Sylvia ficasse com aquilo agora.

Sylvia suspirou. «O ano passado, recebi uma carta da sobrinha do Robert. Ele morreu num acidente, perdeu a memória durante anos e pensava que a tua avó tinha seguido em frente. Mas manteve a foto dela colada à sua Bíblia durante cinquenta anos.»

Fiquei em silêncio, com o coração a partir-se lentamente.

«Diz-lhe que ele não quis ir-se embora», disse Sylvia baixinho. «Diz-lhe que a amou até ao fim.»

Na manhã seguinte levei a foto, a carta e o anel à cama da avó.

Ela estava acordada, cansada mas alerta. O Scout tinha voltado, cuidado por um vizinho.

Coloquei os objectos nas suas mãos. Ela segurou a foto contra o peito e sussurrou: «Ele não se foi.»

«Não», disse eu. «Não foi.»

Ela sorriu, em paz pela primeira vez em anos. «Então poderei ir em paz.»

Mas ficou mais duas semanas. Todos os dias a levávamos lá fora para ver o Scout. Falava mais, sorria mais, até provou uma tarte de amoras.

Uma manhã, disse: «Promete-me que ficarás com o Scout. Ele é mais do que um cavalo.»

«Prometo», disse sem hesitar.

«Bem. Ainda tem trabalho para fazer.»

Essa foi a nossa última conversa verdadeira.

Três noites depois, faleceu tranquilamente durante o sono, agarrada à foto e ao anel.

O funeral foi simples, como ela queria. O Scout ficou silencioso junto à cerca, como se compreendesse.

Depois encontrámos uma carta da avó na gaveta da sua cómoda:

“A vida não é sobre onde acabas — é sobre quem amas e o que levas contigo. Carreguei arrependimento durante demasiado tempo. Não faças o mesmo. Sê corajoso. Ama plenamente. Perdoa depressa.”

Guardo essa carta na minha carteira.

O Scout veio para casa comigo.

Embora não tivesse uma quinta, só uma casa com quintal, um amigo deixou-me deixá-lo num terreno próximo. Visitava-o todos os dias, escovava-o e falava-lhe como a minha avó fazia.

Uma tarde, uma menina chamada Luna aproximou-se. Estava em silêncio desde que perdeu a mãe, mas sorriu e riu ao ver o Scout.

O pai disse que era o primeiro som que fazia em meses.

Percebi então que o Scout não era apenas o cavalo da avó: era parte do seu legado e ainda ajudava outros a curar-se.

Comecei um pequeno programa de terapia com cavalos para crianças que lidam com o luto e a ansiedade. O Scout era a alma do programa.

Sempre que alguém o tocava, a tensão desaparecia, como se o espírito da avó ainda estivesse ali, firme e gentil.

A Sylvia visitou-nos uma vez e observou a Luna a montar o Scout suavemente à volta do curral.

«Ela ficaria orgulhosa», disse Sylvia.

«Espero que sim.»

«Não. Tenho a certeza.»

E eu acredito nela.

No fim, nunca se tratou apenas de um amor perdido, de uma sela ou de um cavalo.

Tratava-se de cura, de ligação, e de transformar a dor em propósito.

Embora a avó não falasse há semanas, quando o Scout chegou, sussurrou o seu nome e deu-nos a todos um último presente.

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