Naquela manhã abafada de terça-feira, Brasília acordou com um silêncio estranho, como se o ar carregasse um presságio. Antes mesmo do café esfriar, um rumor atravessou grupos de WhatsApp, perfis anônimos no X e transmissões improvisadas no YouTube: Donald Trump teria “revogado uma lei contra Xandão”. Em poucos minutos, a frase virou grito, meme, ataque, deboche e desespero. Ninguém sabia exatamente do que se tratava, mas todos pareciam ter certeza absoluta de que algo “gigantesco” estava acontecendo.
É importante dizer desde já: não havia documento oficial, decreto real ou confirmação institucional. Ainda assim, na lógica do espetáculo político, isso pouco importava. A narrativa estava lançada — e ela cresceu como incêndio em palha seca.
Nos estúdios de televisão, comentaristas se entreolhavam tentando entender a origem do boato. Alguns riam, outros se exaltavam. Um apresentador mais afoito chegou a dizer, ao vivo: “Se isso for verdade, o Brasil entra hoje em um capítulo surreal da história mundial”. O corte viralizou em segundos.
O NASCIMENTO DA BOMBA
A história começou com um texto mal traduzido, atribuído a um suposto discurso de Trump em um evento fechado. Segundo a versão fantasiosa, o ex-presidente americano teria prometido “agir contra abusos judiciais no mundo” e citado o Brasil como exemplo. Bastou isso para que o nome de Alexandre de Moraes, o Xandão, fosse jogado no centro do furacão.
Influenciadores bolsonaristas abraçaram a narrativa com fervor quase religioso. Lives foram abertas às pressas. Manchetes em caixa alta prometiam o “fim do sistema”. Emojis de bandeira, águias e sirenes dominavam as telas. Para eles, Trump surgia como uma espécie de salvador internacional, pronto para esmagar inimigos políticos brasileiros com uma canetada mágica.
O problema é que, quanto mais a história era repetida, menos sentido ela fazia.

O DESESPERO AO VIVO
Em uma transmissão que se tornaria lendária, um comentarista bolsonarista conhecido começou a ler “provas” da suposta revogação. No meio da leitura, foi interrompido por um colega que checava informações em tempo real. O silêncio que se seguiu durou longos oito segundos. Depois veio a frase que selaria o destino da live:
— “Isso aqui… não existe.”
O chat explodiu. Risadas, xingamentos, acusações de traição. O apresentador suava, gaguejava, tentava manter a narrativa viva. Do outro lado, perfis críticos começaram a ironizar. Memes surgiram instantaneamente: Trump segurando uma toga, Xandão como personagem de videogame, bolsonaristas correndo em círculos.
Em poucas horas, o tom mudou completamente. Do entusiasmo messiânico ao desespero constrangido, a virada foi brutal.
A CHACOTA GENERALIZADA
Programas humorísticos entraram na onda. Um deles abriu com a frase: “Trump mal consegue decidir o próprio processo, mas agora manda no STF brasileiro?”. A plateia riu. Nas redes, a hashtag #TrumpNãoÉXandão subiu rapidamente.
Jornalistas mais experientes tentaram explicar o óbvio: um ex-presidente dos EUA não tem qualquer poder legal para ‘revogar leis’ no Brasil, muito menos decisões do Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, parte do público se recusava a aceitar. Para eles, admitir o erro significava perder mais uma batalha simbólica.

O episódio virou estudo de caso sobre desinformação, desejo político e espetáculo digital.
A CONSTRUÇÃO DO MITO
O mais curioso é que, mesmo após o desmentido geral, a história não morreu. Ela se transformou. Passou a ser contada como “algo que quase aconteceu”, depois como “plano secreto”, e por fim como “prova de que o sistema tem medo”. A ficção se adaptou para sobreviver.
Especialistas em comunicação apontaram que o caso revelava algo maior: a necessidade de heróis externos. Quando a realidade política frustra, cria-se um salvador distante, poderoso e inatingível. Trump, nesse enredo, virou personagem — não político real.
O SILÊNCIO DE XANDÃO
Enquanto tudo isso acontecia, o próprio Alexandre de Moraes permaneceu em silêncio. Nenhuma nota, nenhum comentário. E talvez aí estivesse o golpe final na narrativa. Sem reação, sem confronto, o boato perdeu oxigênio. O espetáculo precisava de um vilão reagindo. Não teve.
O silêncio virou combustível para a ironia. “Xandão nem acordou ainda”, dizia um meme. Outro mostrava um celular com zero notificações vindas da Casa Branca.
O FIM QUE NÃO FOI FIM
No final do dia, restaram prints, vídeos deletados, pedidos tímidos de desculpa e muitos risos. Para alguns, foi apenas mais uma fake news. Para outros, um alerta. Para os bolsonaristas mais exaltados, uma ferida aberta.
A tal “revogação” nunca existiu. Mas o episódio deixou marcas reais: exposição pública, perda de credibilidade e a confirmação de que, na era digital, uma boa história pode parecer mais verdadeira do que os fatos.
E assim terminou — ou melhor, se transformou — mais um capítulo da política-espetáculo brasileira. Não com um decreto internacional, mas com gargalhadas ao vivo, constrangimento coletivo e a certeza de que, quando a emoção fala mais alto que a razão, qualquer manchete pode virar “verdade” por algumas horas.
No dia seguinte, Brasília voltou ao seu barulho normal. Mas na memória da internet, aquela terça-feira ficou registrada como o dia em que Trump “mandou no Brasil” — pelo menos na imaginação de quem quis acreditar.