
💔 A Paixão e a Ruína no Vale do Silêncio 💔
Existem amores que nascem do desespero e mortes que vêm disfarçadas de chá quente servido em xícara de porcelana. Esta é a história de uma mulher que teve a pele marcada pelo ferro quente, mas o coração tocado por mãos que nunca deveriam tê-la acariciado.
Seu nome era Luanda e ela tinha 19 anos quando chegou na fazenda Vale do Silêncio, no interior da Bahia. Era o ano de 1838 e ninguém imaginava que aquela moça de olhos grandes e pele cor de canela iria virar a obsessão de um homem poderoso e a ruína de si mesma.
O Coronel Domingos Ferraz tinha 52 anos e era viúvo havia seis meses quando viu Luanda pela primeira vez descendo da carroça de escravos recém-comprados. Algo nela o fez parar de respirar por um segundo. Talvez fossem os olhos. Talvez fosse o jeito que ela segurava a cabeça erguida, mesmo com correntes nos pulsos. Talvez fosse apenas a solidão de homem que dorme sozinho em cama grande demais. Mas naquele momento, algo começou que só terminaria com sangue e veneno.
O Cenário da Tragédia
A fazenda Vale do Silêncio ficava numa região de morros cobertos de cana-de-açúcar, onde o sol batia forte demais e a chuva nunca vinha quando era preciso. A casa grande era enorme, feita de pedra e cal com janelas altas, protegidas por grades de ferro trabalhado. Dentro, havia móveis trazidos de Portugal, tapetes persas e paredes cobertas de retratos de antepassados mortos.
O Coronel Domingos era homem alto, de ombros largos, cabelos grisalhos e olhos azuis desbotados, que já tinham visto muita coisa. Tinha se casado aos 20 anos com Dona Leopoldina, que morrera de febre depois de parir o quarto filho, natimorto. Desde então, vivia sozinho naquela casa, comandando a fazenda com mão firme e coração cada vez mais vazio. Tinha mais de 200 escravos trabalhando nas plantações, tinha cavalos puros, tinha ouro guardado, tinha respeito e medo de todos ao redor, mas não tinha ninguém esperando por ele quando voltava para casa à noite.
O Olhar Proibido
Luanda foi colocada para trabalhar na casa grande. A mucama-chefe, uma escrava velha chamada Catarina, disse que ela tinha “jeito delicado e mãos bonitas”. Então, seria desperdício colocá-la na roça.
Luanda aprendeu rápido. Aprendeu a servir o café na temperatura certa. Aprendeu a passar os lençóis de linho com ferro quente sem queimar. Aprendeu a andar em silêncio pelos corredores de pedra. Aprendeu a baixar os olhos quando o Coronel passava.
Mas o Coronel não queria que ela baixasse os olhos. Ele queria olhar dentro deles, queria ver o que havia ali naquela profundidade escura que brilhava mesmo quando ela estava com medo.
Ele começou a inventar desculpas para chamá-la.
“Mandava que ela servisse o jantar só para ele, mesmo tendo outras mucamas disponíveis.”
“Mandava que arrumasse a biblioteca enquanto ele lia.”
“Mandava que levasse água fresca para o quarto dele à noite.”
E cada vez que ela entrava, ele ficava um pouco mais tempo olhando. Ficava observando o jeito que ela se movia, o jeito que as mãos dela seguravam a bandeja, o jeito que o vestido simples de algodão marcava o corpo jovem e forte.
O Primeiro Toque
Levou três meses até ele tocar nela pela primeira vez. Foi numa noite de dezembro quando o calor estava insuportável e ele não conseguia dormir. Chamou Luanda para trazer água.
Ela entrou no quarto descalça, carregando a jarra de barro. O Coronel estava sentado na cadeira perto da janela, usando apenas calças e camisa aberta.
Quando ela se aproximou para servir a água, ele segurou o pulso dela.
Luanda congelou. Sentiu a mão grande e calejada do Coronel, envolvendo seu braço magro. Sentiu o coração disparar, sentiu o medo subir pela garganta.
Ele puxou ela devagar até ficar de pé na frente dele. Olhou para o rosto dela por um tempo que pareceu eterno. Depois, passou a mão pelo rosto dela, tocando a bochecha, o queixo, os lábios.
Luanda tremia inteira, mas não se movia. Não podia se mover. Ele era o dono. Ela era a propriedade. Se ele quisesse tomar, ele tomaria, e não havia nada que ela pudesse fazer.
Mas o Coronel não tomou nada naquela noite, apenas tocou o rosto dela, passou os dedos pelos cabelos crespos amarrados em tranças, depois soltou o pulso dela e disse que podia ir.
“Pode ir agora,” ele sussurrou, a voz rouca.
Luanda saiu do quarto com as pernas bambas e o coração ainda batendo descompassado.
Naquela noite, ela chorou na senzala, sem entender por que estava chorando.
A Relação Proibida
As visitas ao quarto se repetiram. Toda noite ele chamava, toda noite ela ia. E aos poucos o Coronel foi avançando. Primeiro foram só toques, depois beijos. Depois ele a deitou na cama dele e tomou o que quis.
Luanda não resistiu. Como poderia resistir? Ele era o senhor.
Mas algo estranho aconteceu depois das primeiras vezes. O Coronel não a tratava como os outros senhores tratavam suas escravas. Ele não era brutal, não era rápido, não a desprezava depois. Ao contrário, ele a segurava nos braços, passava as mãos pelos cabelos dela, sussurrava coisas que ela não entendia direito, palavras sobre solidão, sobre sentir algo de novo, sobre como ela tinha acordado algo dentro dele que estava morto havia anos.
E Luanda, que tinha chegado ali odiando aquele homem, começou a sentir algo que a confundia. Não era amor. Ou talvez fosse. Ela não sabia mais. Só sabia que quando estava nos braços dele se sentia menos escrava. Se sentia quase humana, quase real.
Os meses passaram e a relação se intensificou. O Coronel não escondia mais. Luanda agora dormia no quarto dele. Tinha vestidos melhores. Comia da mesma comida que ele. Usava perfume trazido da capital.
Os outros escravos olhavam para ela com mistura de inveja e pena. Sabiam que aquilo não terminaria bem. Sabiam que toda escrava que subia alto demais eventualmente cai e, quando cai, se espatifa. Mas Luanda estava cega. Estava vivendo um sonho estranho, onde acreditava que talvez aquilo pudesse durar, que talvez o Coronel realmente sentisse algo por ela, que talvez ela não fosse apenas um corpo quente para aquecer a cama de um homem solitário.
A Sombra do Ciúme
Mas havia alguém observando tudo com olhos cheios de veneno: Amália de Antunes.
Amália era a irmã mais nova do Coronel. Tinha 43 anos, era solteira e morava numa fazenda vizinha. Desde que a cunhada morrera, ela vinha visitá-lo com frequência. Trazia doces, trazia notícias da sociedade, trazia a presença feminina que uma casa grande precisa ter, mas trazia também uma esperança secreta, a esperança de que um dia o irmão percebesse que ela poderia ser mais do que apenas irmã, que poderia comandar aquela casa, que poderia estar ao lado dele, não como parente, mas como companheira.
Era um sentimento proibido e ela sabia, mas o coração não entende de proibições. E quando descobriu que havia uma escrava dormindo no quarto do irmão, sentiu algo explodir dentro do peito. Não era apenas ciúme, era ódio puro. Ódio daquela moça jovem e bonita que tinha tomado o lugar que deveria ser dela.
O Veneno na Xícara
Amália começou a aparecer na fazenda com mais frequência, sempre encontrava desculpas.
“Ela dizia que precisava falar sobre negócios, sobre heranças, sobre assuntos de família,” mas na verdade vinha para observar, para ver Luanda servindo o chá, para ver o jeito que o irmão olhava para ela, para ver a intimidade que havia entre os dois.
E quanto mais via, mais o ódio crescia. Ela começou a plantar sementes de dúvida.
“Dizia ao irmão que os vizinhos estavam comentando, que a reputação dele estava sendo manchada, que aquilo era vergonhoso para um homem da posição dele, que ele estava se deixando dominar por uma escrava.”
Mas o Coronel não escutava.
“Dizia que a vida era dele, que a casa era dele, que ele fazia o que quisesse.”
Amália percebia que palavras não seriam suficientes. Precisava de algo mais definitivo.
Foi então que ela teve a ideia. Havia na fazenda dela uma escrava velha chamada Geralda, que conhecia ervas, conhecia raízes, conhecia venenos que matavam devagar sem deixar rastro.
Amália foi até ela numa noite escura, ofereceu ouro, ofereceu a liberdade de um neto da velha que estava preso no tronco por ter tentado fugir. A velha olhou para aquela sinhá de olhos frios e entendeu o que estava sendo pedido. Entregou um saquinho de pó cinza.
“Disse que era para misturar em bebida quente.”
“Disse que a pessoa iria começar a definhar aos poucos.”
“Primeiro viria fraqueza, depois febre, depois dores no estômago, depois a morte.”
“E ninguém saberia que tinha sido envenenamento. Pensariam que foi doença.”
Amália pegou o saquinho e escondeu no bolso do vestido. Sentiu o peso daquele pó. Sentiu o peso do que estava prestes a fazer. Mas o ciúme era mais forte que a consciência.
Amália esperou a oportunidade certa. Sabia que toda tarde Luanda servia chá para o Coronel na biblioteca. Num dia em que o irmão tinha saído para vistoriar as plantações, ela apareceu na casa grande.
“Disse às mucamas que ia preparar um chá especial para quando o Coronel voltasse.”
Entrou na cozinha, preparou a infusão e, enquanto ninguém olhava, despejou o pó cinza dentro da chaleira. Mexeu bem para dissolver. Depois deixou tudo pronto e foi embora.
A Morte em Goles
Quando o Coronel voltou, estava cansado e com sede. Luanda serviu o chá como sempre fazia. Ele bebeu, ofereceu para ela também. Luanda pegou a xícara e bebeu alguns goles. O chá tinha um gosto levemente amargo, mas ela achou que era normal. Não imaginava que estava bebendo a própria morte.
Os sintomas começaram no dia seguinte. Luanda acordou com dor de cabeça e fraqueza. Achou que era cansaço. Continuou trabalhando, mas à noite a febre veio.
O Coronel ficou preocupado, chamou Catarina para cuidar dela. A velha mucama fez chás, fez compressas, rezou, mas nada adiantava. Luanda piorava a cada dia. O corpo, que antes era forte e cheio de vida, começou a definhar. A pele ficou pálida, os olhos fundos, os lábios rachados. Ela vomitava tudo que comia. Tinha dores terríveis no estômago que a faziam gritar.
O Coronel não saía do lado dela, segurava a mão dela, limpava o suor da testa, chorava quando achava que ela não via. Pela primeira vez na vida, aquele homem duro estava desesperado. Estava percebendo que amava aquela moça, que ela não era apenas um corpo quente, que ela tinha se tornado tudo.
Amália visitava a casa todo dia, perguntava como estava a doente, fingia preocupação, mas por dentro sorria. Seu plano estava funcionando. Aquela escrava ia morrer e o irmão voltaria a ficar sozinho. E então, talvez ele finalmente visse que ela estava ali, que sempre estivera ali esperando.
A Confissão Final
Mas algo que Amália não esperava aconteceu. Luanda, antes de morrer, chamou o Coronel. Com a pouca força que ainda tinha, segurou a mão dele, olhou nos olhos dele e disse que sabia que tinha sido envenenada.
“Disse que tinha visto Amália na cozinha naquele dia.”
“Disse que sabia que o chá tinha um gosto estranho.”
“Disse que não tinha medo de morrer, mas que ele precisava saber a verdade.”
O Coronel ficou pálido, olhou para aquela moça que estava morrendo nos braços dele, perguntou se tinha certeza.
“Tem certeza, Luanda? Quem fez isso?” ele perguntou, a voz embargada.
“Sim, meu senhor. Sua irmã,” ela sussurrou fracamente.
Depois, fechou os olhos e morreu.
O Coronel segurou o corpo de Luanda nos braços e chorou como nunca tinha chorado. Chorou pela mulher que tinha amado, pela mulher que tinha sido morta por alguém de seu próprio sangue. Depois, deitou o corpo dela na cama com cuidado. Cobriu ela com o lençol mais fino que tinha, beijou a testa fria e saiu do quarto com olhos secos e coração transformado em pedra.
O Preço do Ódio
Mandou chamar a irmã. Amália chegou toda solícita perguntando como estava a pobre moça. O Coronel olhou para ela com um olhar que a fez recuar.
“Fui você, Amália?” ele perguntou, a voz baixa, mas cortante. “Você a envenenou?”
Amália tentou negar, tentou dizer que não sabia do que ele estava falando, mas o Coronel viu a verdade nos olhos dela. Viu a culpa, viu o ciúme, viu o ódio, e algo dentro dele quebrou de vez.
O Coronel não entregou a irmã às autoridades. Não podia. Era família, era sangue, mas a baniu.
“Nunca mais quero vê-la,” ele declarou com frieza implacável. “Você está morta para mim. Se se aproximar novamente da fazenda, será tratada como invasora.”
Amália tentou argumentar, tentou dizer que tinha feito aquilo por amor.
“Eu fiz isso por você, Domingos! Aquela escrava estava destruindo você! Eu só queria protegê-lo!” ela gritou, desesperada.
Mas o Coronel mandou que ela saísse e Amália saiu. Voltou para a fazenda dela. Viveu mais 20 anos sozinha, amarga e odiada, até por seus próprios escravos. Nunca mais viu o irmão, nunca mais foi convidada para nada. Viveu e morreu sozinha. E dizem que nos últimos dias de vida ela chamava o nome de Domingos pedindo perdão, mas ele nunca foi.
O Legado do Amor
O Coronel Domingos mandou enterrar Luanda, não no cemitério dos escravos, mas num canto do jardim da casa grande, debaixo de uma árvore de Ipê Amarelo. Mandou colocar uma cruz de mármore com o nome dela escrito.
“Ele libertou todos os filhos que ela pudesse ter tido se tivesse vivido, libertando três crianças da senzala em nome dela.”
E nunca mais tocou em outra mulher. Viveu mais 15 anos sozinho naquela casa enorme. Todas as noites ia até o túmulo dela, levava flores, conversava com a terra como se ela ainda pudesse ouvir. Contava sobre o dia, sobre as decisões que tinha tomado, sobre como sentia a falta dela.
E quando morreu em 1856, deixou no testamento que queria ser enterrado ao lado dela. A família ficou escandalizada: um Coronel enterrado ao lado de uma escrava. Mas o testamento foi cumprido e até hoje, na fazenda Vale do Silêncio, que virou ruína coberta de mato, existem duas cruzes lado a lado, uma de mármore branco, outra de mármore negro. E dizem que nas noites de lua cheia se vê a sombra de um homem ajoelhado entre os dois túmulos.