Em um cenário que se tornou tristemente familiar para o Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro se prepara para enfrentar a mesa de cirurgia mais uma vez. A notícia de uma nova internação, desta vez para a realização de dois procedimentos cirúrgicos distintos, reacende o debate não apenas sobre sua condição física, descrita por observadores médicos e políticos como um quadro de piora progressiva, mas também sobre o impacto de sua fragilidade na dinâmica política nacional. A saúde de Bolsonaro, desde o atentado de 2018, transformou-se em um front de batalha, onde o drama pessoal e as estratégias jurídicas e políticas se entrelaçam de forma complexa e, por vezes, confusa.
A recorrência de complicações médicas não é acidental, mas sim uma sequela direta dos diversos procedimentos cirúrgicos a que o ex-presidente foi submetido após a facada. O que se observa agora são as consequências subsequentes, uma cascata de problemas de saúde que exigem intervenções contínuas. Essa nova rodada de internações, com a perspectiva de duas novas cirurgias, é vista por analistas como a confirmação de que sua vida pós-presidência será dominada pela gestão de um corpo que se encontra em constante reabilitação.
O primeiro dos procedimentos visa tratar uma das sequelas mais notórias e incômodas da cirurgia anterior: o problema de soluços persistentes. Embora pareça um sintoma trivial, o soluço crônico de Bolsonaro é grave, gerando vômitos, refluxos, desconforto respiratório e até mesmo dificuldade para falar. Em termos médicos, a condição é uma manifestação de problemas gastrointestinais complexos, provavelmente relacionados à irritação do diafragma ou do nervo vago, resultantes da extensa manipulação cirúrgica na região abdominal. A correção deste quadro é fundamental para a qualidade de vida do ex-presidente.
A segunda cirurgia é para tratar uma complicação decorrente de uma hérnia inguinal unilateral. Uma hérnia inguinal ocorre quando o tecido mole (geralmente gordura ou uma alça do intestino) força a passagem através de um ponto fraco ou ruptura na parede muscular abdominal. No caso de Bolsonaro, que já teve sua parede abdominal reforçada com uma tela (rede) em procedimentos anteriores, a complicação sugere que essa fragilidade persiste ou que a tela original pode estar falhando, permitindo o vazamento de parte do tecido intestinal. A necessidade de colocar uma nova tela de reforço indica a complexidade da reconstrução da área abdominal do ex-presidente. Embora este seja um procedimento relativamente comum, a falta de tratamento imediato em quadros como o dele pode levar a complicações sérias, como o estrangulamento do tecido herniado, o que representa um risco de morte.
A Batalha Pela Saúde e o Regime de Vida
Um ponto crucial levantado por observadores e que permeia a discussão pública é a aparente dificuldade de Bolsonaro em seguir recomendações médicas estritas. A recuperação de cirurgias abdominais complexas exige um regime rigoroso: dieta controlada, abstenção de alimentos gordurosos, e rotinas específicas de exercícios físicos para fortalecimento do core. O histórico sugere que o ex-presidente tem negligenciado essas orientações. O desrespeito à dieta e a falta de atividade física não apenas sabotam a recuperação, mas também criam um ciclo vicioso: o estresse e a ansiedade política, por exemplo, seriam combatidos pela ingestão excessiva de alimentos, que por sua vez, agravam os problemas intestinais e a hérnia, exigindo mais medicamentos e, consequentemente, mais cirurgias.
Essa sucessão de cirurgias e a necessidade de medicação contínua configuram um quadro em que, de fato, o prazer e a liberdade de vida são profundamente limitados. A vida se torna uma sequência de procedimentos médicos e regimes restritivos, o que, sob qualquer ponto de vista, é uma condição de extrema vulnerabilidade. A saúde deteriorada impõe restrições severas, transformando a rotina em uma luta constante contra as consequências de procedimentos passados e contra as próprias dificuldades de adaptação a um novo estilo de vida.
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É neste contexto de fragilidade que a defesa do ex-presidente se move no campo jurídico. A solicitação formal ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que Bolsonaro possa deixar a custódia por um período de cinco a sete dias para realizar os procedimentos cirúrgicos, juntamente com o pedido de prisão humanitária em regime domiciliar, é uma estratégia clara para utilizar a saúde como fator mitigador das questões legais. A tentativa de gerar comoção social baseada na saúde fragilizada é uma tática política antiga, visando obter empatia e, idealmente, benefícios no regime de cumprimento de pena.
O Vigor e a Debilidade: Uma Imagem Política em Crise
A imagem pública da saúde de Bolsonaro não é apenas uma questão pessoal; ela possui um peso político inegável. Analistas traçam um contraste marcante entre o ex-presidente e seu principal antagonista, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto Lula, que é dez anos mais velho, cultiva uma imagem de vigor, potência e entusiasmo, frequentemente se gabando de sua energia física, Bolsonaro é forçado a confrontar e, paradoxalmente, a cultivar uma imagem oposta: a de debilitado e moribundo.
Essa estratégia da fragilidade, embora usada para fins jurídicos, apresenta um custo político alto. O líder político, especialmente um que se apoia no conceito de “mito” e de liderança combativa, precisa projetar força e longevidade. O quadro de saúde instável de Bolsonaro levanta dúvidas entre seus apoiadores mais fervorosos sobre sua capacidade de liderar um movimento em um futuro próximo. A falta de mobilização em eventos recentes, como as manifestações, é citada como evidência de que a base começa a desengajar, não por falta de solidariedade, mas por uma percepção pragmática: se o líder não tem saúde para cuidar de si mesmo, como terá saúde para liderar um movimento político complexo?
A debilidade física, reforçada por cada nova internação e cirurgia, gradativamente enfraquece a aura de invencibilidade e potência que ele buscava projetar. O resultado é a erosão da crença em seu futuro político. Essa narrativa de fragilidade é um obstáculo para a continuidade do engajamento popular, pois, para muitos, um movimento político precisa de um líder com horizonte temporal e força para a batalha.
Os dois novos procedimentos cirúrgicos, portanto, servem como um poderoso reforço imagético dessa debilidade. Bolsonaro se encontra em uma encruzilhada médica e política: ele precisa de procedimentos urgentes para preservar sua vida e qualidade de vida, mas a necessidade dessas cirurgias mina continuamente a imagem de liderança que é essencial para seu capital político. Ele permanece um personagem central, mas com um futuro cada vez mais incerto, pairando como uma sombra sobre a política brasileira, enquanto seu corpo exige uma atenção que o afasta cada vez mais do palco principal. A nação aguarda os resultados do bisturi, mas sabe que a verdadeira batalha, a do futuro político, pode já ter sido decidida pelas limitações da saúde.